Desabando em meu próprio destino escrita por Arisusagi


Capítulo 3
Capítulo 3 - Acredito no significado de eternidade


Notas iniciais do capítulo

Título do capítulo retirado da música MASQUERADE



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/806359/chapter/3

Era uma madrugada no meio do outono, em um dia em que Gakupo estava na casa das montanhas. Deitado há horas em sua cama, ele não conseguia pregar o olho. As noites em claro também já haviam se tornado rotina, principalmente quando estava naquela casa. Além das preocupações que inundavam sua mente dia e noite, Gakupo também se sentia obrigado a ficar atento aos sons que vinham do quarto ao lado. Kaito insistia em dormir sozinho, temendo contagiar mais pessoas com a doença, então, alguém precisava estar de prontidão caso ele precisasse ser socorrido.

Entretanto, o que fez Gakupo se levantar naquela noite não foi uma crise de tosse, mas sim o relinchar dos cavalos. Não havia nenhum outro empregado na casa, então, a tarefa de verificar o que estava acontecendo cabia somente a ele. Vestindo um casaco sobre o pijama e com os pés descalços, ele foi até o estábulo segurando uma lamparina e uma pistola. 

Os cavalos estavam agitados, fazendo um estardalhaço, e logo que passou pela porta, ele viu a silhueta de uma pessoa.

— Quem está aí? — Gakupo bradou em tom ameaçador, apontando a pistola para o homem, que estava junto a um cavalo. 

Em um piscar de olhos, um vulto voou para cima dele. Com o susto, ele apertou o gatilho e caiu sentado no chão, segurando a lamparina com firmeza para que não ficasse perdido em meio ao escuro. 

  Uma voz rouca resmungou algo em uma língua estranha.

Gakupo se pôs de pé imediatamente. O homem estava agachado à sua frente com a cabeça baixa, segurando o ombro direito com uma mão. Quando ergueu a cabeça, outro susto: seu rosto era terrivelmente pálido, como se estivesse morto, e estava retorcido numa expressão monstruosa. Refletindo a trêmula luz da chama, um par de olhos vermelhos brilhavam, fitando-o com ódio.

— O quê… — Ele gaguejou, um arrepio correndo seu corpo. — O que é você?

O homem também se levantou. Algo caiu de seu corpo, emitindo um tilintar metálico baixo: era a bala que acabara de atingí-lo.

Antes que pudesse fazer qualquer outra coisa, ele agarrou a gola da camisa de Gakupo e o jogou contra a parede. A pistola caiu de sua mão, e sua reação imediata foi enfiar a lamparina entre ele e o homem, que se afastou um pouco por causa do fogo, mas mesmo assim não deixou de segurá-lo. 

— Me larga! O que é você?! — Ele gritava desesperado. 

Uma mão branca e ossuda segurou seu braço esquerdo com uma força tremenda, enquanto a outra cobriu-lhe a boca. 

— Cale a boca, moleque. — Ele sussurrou, um par de presas afiadas reluzindo em sua boca. — Se não parar de gritar, vou quebrar seu braço. 

Ele obedeceu imediatamente, seu corpo tremendo inteiro. Com a mão que antes cobria a boca, o homem cuidadosamente tomou a lamparina das mãos de Gakupo.

— Escute bem, garoto. Eu realmente não quero te matar. — Disse calmamente, afastando-se mais um pouco, mas ainda sem largar seu braço. Ele tinha um sotaque estranho, provavelmente era estrangeiro. — Então é melhor você voltar logo para casa e não contar a ninguém que me viu aqui. 

— O que estava fazendo aqui? 

— Só estava me alimentando. 

Gakupo olhou para o queixo manchado de vermelho, aquilo era…?

— Sangue…? 

— Sim. Sangue. — Ele riu, mostrando os caninos pontiagudos. — Peguei um pouco dos cavalos, mas não o bastante para matá-los, prometo.

Foi então que Gakupo se lembrou de uma história que sua mãe costumava lhe contar quando era criança.

— Você… é um vampiro?

O homem arqueou as sobrancelhas, finalmente soltando o braço de Gakupo. 

— Como conhece essa palavra? — Perguntou perplexo. 

— Minha mãe costumava me contar lendas da terra dela. Ela sempre falou dessas criaturas imortais que se alimentavam de sangue, chamadas vampiros. — Gakupo olhou para o ombro direito do homem. Havia um furo na capa preta que vestia, por onde era possível ver a pele pálida, sem nenhum sinal de sangue ou ferimento.

— Ora, então sua mãe também deve ter vindo do leste, como eu. 

— Mas você é muito diferente de como ela os descrevia. — Gakupo o olhou dos pés à cabeça. 

Ele era alto, magro, e se não fosse pela pele extremamente pálida e pelas presas enormes que tinha na boca, pareceria um homem comum. Tinha os cabelos pretos curtos, com uma única mecha vermelha ao lado direito do rosto. Nas histórias de sua mãe, os vampiros eram demônios horrorosos, que tinham pele avermelhada e o corpo inchado, principalmente depois de beber sangue.

— Eu também nunca entendi essas lendas, sempre nos descrevendo como criaturas horrendas. — Tirando um lenço do bolso, ele limpou o rosto. — Antes eu também não fazia ideia de que vampiros podiam ser tão bonitos quanto os humanos.

— Antes…? 

— Sim, quando eu era humano. 

Então era possível transformar seres humanos em vampiros?

Gakupo olhou mais uma vez para o furo onde o vampiro fora baleado. Uma pequena chama de esperança se acendeu no seu peito.

— E agora, você é imortal? 

— Nasci pouco mais de duzentos anos atrás. E, como pode ver, é um pouco difícil me ferir.

— E doenças? Te afetam de alguma forma? 

— Por que está me perguntando isso? — O vampiro riu. — Tem alguma ideia em mente?

Gakupo contou toda a sua história com Kaito, desde a infância juntos até a doença que estava matando-o lentamente. Se todo tipo de tratamento não fazia efeito, a última saída parecia ser torná-lo imortal. O vampiro o escutou com um sorriso, quase como se não estivesse o levando a sério.

— Entendi, então você quer que eu transforme seu amigo em um vampiro para ele não morrer. — O vampiro gargalhou. — Acha mesmo uma boa ideia?

— Acho. — Gakupo estava muito incomodado com a reação dele, mas preferiu não confrontá-lo quanto a isso.

— Não é fácil lidar com a imortalidade, garoto. E a vida de um vampiro é completamente diferente da de um humano, é uma mudança muito radical. 

— Mas-

— Às vezes é melhor aceitar o próprio destino, em vez de tentar mudá-lo. 

Gakupo se calou, imaginando qual seria a reação de Kaito ao saber de sua ideia. Será que ele a recusaria? Também daria risada, igual ao vampiro? Ou ele aceitaria? 

— Você pode me dar um tempo para discutir sobre isso com meu amigo?

— Olha, eu não gosto de ficar muito perto de humanos… Mas se você arrumar um lugar para ficar durante o dia, posso esperar mais algum tempo.

E assim eles entraram em um acordo: o vampiro, chamado Rook, ficaria três dias escondido na adega que ficava no porão da casa, enquanto Gakupo conversava com Kaito sobre todo o plano. 

Depois de levá-lo até o esconderijo, Gakupo voltou para dentro da casa, seus pés sujos de terra e sua cabeça fervilhando com ideias. Agora, ele só precisava pensar na maneira correta de contar tudo aquilo para Kaito.

 

 

A reação inicial de Kaito foi a descrença. 

Era de se esperar, considerando que toda a história parecia fantasiosa demais, mas ele sabia que não era do feitio de Gakupo inventar mentiras tão absurdas como aquela. 

— Mas Gakupo… — Os dois estavam sentados sobre a cama, segurando as mãos um do outro, Kaito com as pernas cobertas por uma manta grossa de lã. — Tem certeza disso?

Gakupo suspirou, olhando para as mãos entrelaçadas e depois para o rosto de Kaito. Seus cabelos ainda tinham o mesmo tom de azul vivo, mas as olheiras ficavam cada vez mais escuras, e os lábios finos estavam rachados e descascando. Uma brisa fria entrou pela janela aberta fazendo ambos tremerem, e Kaito soltou uma de suas mãos por um instante para cobrir a boca com um lenço enquanto tossia.

— É a única opção. — O peito de Kaito subia e descia com a respiração chiando. Por baixo do pijama de flanela, dava para ver as clavículas salientes sob a pele pálida. — Sua condição só está piorando. Desse jeito, não vai demorar muito para você…

Gakupo calou-se, mordeu o lábio e apertou a mão fria de Kaito entre as suas. 

— Não seja pessimista desse jeito, Gakupo. 

— Não é pessimismo, Kaito. É a realidade. — Com os olhos marejados, ele abaixou a cabeça. — Como pode estar tão tranquilo sabendo da gravidade do seu estado? Não tem medo de morrer?

Kaito o abraçou, puxando-o para mais perto de si, e Gakupo escondeu o rosto na curva de seu pescoço, finalmente deixando as lágrimas rolarem.

— Às vezes, acho que você teme minha morte muito mais do que eu. — Kaito sussurrou, acariciando os cabelos roxos dele. 

— O que será de mim sem você…? — Ele soluçou, correndo as mãos pelas costas de Kaito e apertando-o junto a si. — Eu não posso te perder… 

— Vai ficar tudo bem, não chore. — Calmo como uma mãe consolando um filho, Kaito acariciou os cabelos curtos de Gakupo até os soluços cessarem. — Eu vou pensar melhor na sua proposta depois que conversar com esse homem, está bem? 

 

Depois de conversar com Rook, Kaito parecia estar menos cético quanto à ideia, mas ainda estava hesitante.

— Pense bem, Gakupo. Se eu me tornar imortal, algum dia todos vocês vão morrer e eu vou continuar aqui, sozinho. — Ele disse a Gakupo na manhã seguinte à conversa. — E a ideia de não poder sair durante o dia não me agrada muito…

— Então eu também me torno imortal junto com você. — A afirmação foi feita com tanta certeza que Kaito não pode deixar de rir. — Por que está rindo? Eu estou falando sério!

— Eu sei que está. — Ele voltou a ficar sério. — Mas eu não sei, Gakupo, e nossas famílias? Como vão reagir a isso?

— Se falarmos que foi um mero acidente, não poderão fazer nada.

— Mas… — Kaito suspirou. — Não sei se minha mãe vai gostar de me ver como um monstro que se alimenta de sangue.

— Acho que ela prefere te ver vivo acima de tudo, não é? 

Kaito se calou, pensativo por um instante, e depois concordou com um menear de cabeça. 

— Sua irmã se casa em um mês, não é? 

Meiko havia ficado noiva recentemente. Ela havia voltado para a cidade no início do ano para aprender corte e costura, e nesse meio tempo se encantou com um marceneiro, que agora era seu noivo. Sendo o único homem da família, já que seu pai desapareceu pouco depois do nascimento da caçula, foi Kaito quem concedeu a mão dela em casamento, mesmo sem conhecer o rapaz. Com tantos elogios vindos da parte de sua mãe e da própria Meiko, ele confiava que aquele era um bom homem que faria sua irmã feliz. Kaito estava muito contente com o casamento da irmã mais velha, mesmo que não fosse participar da festa por conta da doença. 

— Sim. Por que a pergunta?

— Todos irão para a cidade e ficaremos sozinhos nessa casa. Será a oportunidade perfeita para fazermos a transformação. 

— Gakupo, eu… — Suspirou. — Eu estou um pouco assustado com isso, pra falar a verdade.

— Não fique. — Ele segurou a mão de Kaito, apertando-a firme. — Eu estarei com você. Está bem?

Aquela poderia ser a única saída para se livrar da doença, mas Kaito ainda não tinha certeza se era a melhor opção. Apesar de ter um enorme receio, ele não conseguia dizer nada frente à empolgação do outro. Era a primeira vez em muito tempo que ele via esperança nos olhos sempre tão tristes de Gakupo. E era essa visão que o convencia de que, talvez, aquela fosse uma ótima ideia. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Desabando em meu próprio destino" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.