A Música Que Nos Une escrita por Aline Lupin


Capítulo 6
Capítulo 5




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Duas semanas haviam se passado, mas Erik não havia progredido muito. Ele deixava que o vestissem e colocassem a roupa, mas ainda não comia corretamente com os talheres. Não atirava comida em Anne, mas as vezes, quando não estava o caramelo, fazia isso. Ela estava sendo estoica lidando com o garoto. E estava muito cansada. Ter uma tarde livre para respirar fora uma benção. Ela precisou reforçar seu estoque de doces e caramelos. E aproveitou para passar no Hyde Park.

O dia estava frio, mas isso não impedia das pessoas de andar a cavalo, carruagem ou apenas passear naquele lugar. Mas, mesmo rodeada de pessoas, Anne se sentia sozinha. Como queria voltar para casa, para abraçar suas irmãs e sua mãe. Até mesmo seu pai. Mas, ele não iria querer saber dela. Não quando ela enviou várias cartas, que não foram respondidas. Fora deserdada, com toda a certeza. E seu coração murchou. Estava solitária demais. Agoniada. Ela se sentou em banco e observou tudo ao seu redor. As folhas em tom amarelo e marrom forravam o chão. O outono só estava começando.

Enquanto Anne admirava a paisagem, ela notou uma criança correndo, a toda velocidade. E ele parou ao lado dela, com suas bochechas coradas, os cabelos negros bagunçados e os olhos amarelos. Ela sorriu ao reconhecer Jacob.

— Por Deus, Jacob – ela disse, com um sorriso – O que faz aqui sozinho?

Ele sorriu, sentando-se ao lado dela.

— Meu tio veio me trazer – ele respondeu, com um sorriso travesso.

— E você saiu correndo, sem a permissão dele, Jacob? – O tom era de uma leve reprimenda.

Ele mordeu os lábios.

— Eu vi você e queria vir o mais rápido possível – ele confessou – Sinto saudades.

— Eu também, querido – ela disse, com a voz embargada.

Logo ela pode ver lorde Klyne se aproximar, com sua bengala e seu olhar charmoso.

— Vejo que encontrou um tesouro, Jacob – ele disse, com um sorriso malicioso.

Anne segurou-se para não sair de perto de Klyne. Ele era um parente da Sra. Armstrong. Um primo, mas Jacob insistia em chamá-lo de tio. E ela não queria estar perto dele, não mais. Sua reputação estava em jogo e ele poderia estragar tudo para ela. Gostava de trabalhar para Collins. O homem era justo e confiava nela. Temia que ele a visse com outros olhos se soubesse do seu passado o obscuro.

— Boa tarde, milorde – ela disse, com aspereza.

— Boa tarde, senhorita Williams – ele retribuiu, com um sorriso cínico.

— Milorde, milorde – Anne escutou uma voz esganiçada.

Uma jovem corria, com os cabelos soltando das forquilhas. Ela parecia ser a nova governanta do jovem Jacob. Ela parou, para respirar, enquanto Klyne a fitava com o nariz torcido.

— Peço seu perdão, milorde. O Sr. Jacob não deveria ter saído assim...eu...

— Leve-o para passear – ele ordenou.

— Sim, milorde – ela disse, fazendo uma reverência exagerado – Vamos, Sr. Jacob.

Ela tentou pegar a mão do menino, que estava sentado ao lado de Anne, mas ele se recusou.

— Eu não vou sair – ele disse, irritado – Quero ficar com Anne.

— Querido, vá com sua governanta – ela pediu.

— Mas...- ele protestou, agoniado.

— Por favor – ela insistiu – Nos veremos em breve.

Ele assentiu, cabisbaixo e aceitou a mão da governanta. Ela parecia muito jovem para o cargo, mas Anne não iria criticar. Ela mesmo não havia completado vinte anos. Mas, sentia que tinha pelo menos quase 30, devido a tudo que passou. Klyne ficou em pé, com analisando-a.

— Onde esteve? – ele perguntou, em tom baixo.

— Como disse? – ela perguntou, bruscamente.

— Onde esteve, Anne? – ele repetiu, dessa vez, mais calmo – Eu fiquei preocupado.

Anne segurou-se para não rir. Estavam fazendo um papel estranho. Um lorde conversando com uma simples governanta.

— Milorde, o senhor não tem o direito de me perguntar isso – ela disse, se levantando – Boa tarde.

— Espere – ele pediu. E ela ficou. Não queria fazer uma cena. Todos já olhavam – Eu gostaria de saber seu novo endereço. Como está conseguindo se sustentar?

Ela mordeu os lábios, irritada. O que ele queria com todo aquele interrogatório?

— O que você quer, Robert? – ela perguntou, seca.

Ele arqueou as sobrancelhas, parecendo surpreso.

— Só quero saber como você está conseguindo se manter, Anne – ele disse, em tom baixo – Eu me preocupo com você. Loreta foi injusta ao ter expulsado você. E você sabe que pode contar comigo. Eu jamais a deixaria sozinha. Sabe que eu poderia mantê-la. Não precisa se sujeitar a isso.

Ela engoliu seco. A proposta era tentadora, mas ter que ser amante dele não era algo que havia idealizado para seu futuro.

— Muito obrigada, mas não – ela recusou – Eu já consegui um lugar para trabalhar e estou bem.

Ele suspirou.

— Tem certeza disso? Onde você está trabalhando?

Ela não entendia o motivo para ele ser tão insistente. Ele passara aqueles dois anos afastado. Apenas enviando cartas e fazendo meras insinuações. Dessa vez, ele parecia interessado em toma-la para si, devido ao olhar que lhe lançou. Era um olhar de posse, como se ela pertencesse a ele.

— Por que quer saber? – ela perguntou, irritada.

Ele suspirou, exasperado. Seus olhos dardejaram, procurando um argumento valido.

— Porque eu gosto de você e já disse que poderia mantê-la segura. Para a vida toda, Anne. E me sinto responsável pelo que aconteceu com Thomas. Nós vivíamos juntos e eu poderia ter impedido de ele se afundar tanto - ele disse, sincero.

Anne não queria falar sobre aquilo. Ela negou com a cabeça, saindo de perto dele. E ele a seguiu, sem dificuldade.

— Anne, querida, por favor. Diga-me onde está residindo – ele pediu.

— Me deixe em paz – ela disse, entredentes.

— Eu a encontrarei Anne. Nós iremos conversar e você vai me dar ouvidos uma vez que seja – ele disse, sem se abalar – Até breve.

Ela não viu se ele ainda a seguia e continuou andando apressada. Andou com tanta rapidez, até que sentiu suas pernas doloridas e cansadas. Sua respiração estava curta quando pode ver os portões de saída do parque. E voltou tomou uma carruagem de aluguel até residência do Sr. Collins. Teve a sensação de estar sendo seguida, mas deveria ser sua mente fantasiosa. Klyne não iria segui-la, ele não se daria ao trabalho.

Anne desceu em frente à casa de tijolos, ao mesmo tempo em que Collins desembarcava da sua, dentro dos portões. Ele sorriu ao vê-la.

— Olá, senhorita – ele a saldou.

Ela acenou com a cabeça.

— Boa tarde, senhor – disse e passou por ele.

— Está tudo bem? – ele perguntou, preocupado.

Ela queria contar o que havia acontecido confiar seu segredo a ele. Ele sempre era tão gentil. Mas, não iria preocupa-lo. Ele só estava sendo educado.

— Não é nada, senhor – ela respondeu, desviando o olhar - Se me der licença.

— É claro – ele disse.

Ela entrou, com o coração batendo forte dentro do peito. Subiu as escadas apressadas e não parou quando a Sra. Hackney a chamou. Ela entrou no quarto, fechando a porta e sentando-se na cama. Ainda lembrava-se daquela tarde estranha. Do quanto esteve à mercê de Klyne. Ela se sentia suja. Mesmo ele sendo gentil e um amante carinhoso, ela sentiu que nunca poderia retribuir seus sentimentos. E a obstinação dele em estar sempre por perto, sempre enviando cartas, presentes pequenos e mostrando sua presença sempre que possível na residências dos Armstrong a deixava nervosa. Ela não queria admitir, mas se sentia estranha perto dele. A forma como ele a cercava estava a fazendo questionar suas intenções. Ele parecia genuinamente preocupado, querendo ajuda-la. Talvez, ele estivesse apaixonado, mas não a ponto de querer se casar com ela. E ela também não desejava isso. Ela não gostava dele e se arrependia de ter deitado com ele. Não deveria ter se entregado tão fácil, mas estava desesperada. Com medo. E ele havia surgido com aquela ideia, dizendo que ela estaria protegida. Mas, vendo por outro ângulo, ele tinha se aproveitado do seu desespero. Ela se sentia tão tola. E agora, afastada dele, tinha a clareza de que ele apenas estava jogando com ela. Mas, por que ele se daria ao trabalho? Ela era um visconde. Poderia ter a mulher que desejasse. Mas, não a mulher que se nega a ele a tudo custo, pensou amargamente. Deveria ser excitante ter uma mulher que não se redesse ao seu charme. Ela suspirou. Estava com medo de que ele fizesse algo. Que contasse a todos o que ela tinha feito. Ele tinha o segredo dela, bem guardado. Mas, se ele resolvesse trai-la, ela estaria em apuros.

Uma batida na porta a sobressaltou e ela se endireitou na cama.

— Senhorita Williams? – chamou à senhorita Nancy.

— Sim, pode entrar – ela respondeu.

A senhorita Nancy entrou, com um sorriso enorme e murchou ao ver a expressão de Anne.

— A senhorita está bem? Por Deus, está pálida – ela disse, com pesar.

— Ó, estou? – ela tocou o rosto com as pontas dos dedos.

— Está sim, querida. Venha, vamos comer um bolo. A Sra. Campbell assou agora pela tarde. Deve estar delicioso. É com cobertura de laranja e açúcar – ela disse, sonhadora.

Anne sorriu e se levantou, acompanhando a jovem, que não parava de tagarelar, até a cozinha. Ela parecia avida em contar que um parente do Sr. Collins estaria no jantar daquela noite. Um visconde, mas Anne não escutava. Deveria ser o irmão dele, Jasper. Mas, ela não estaria presente, pois não precisava, é claro.

— Nós nem poderemos estar à mesa, Nancy – A senhorita Stone apontou, enquanto ela comia seu pedaço de bolo, murmurando um som de satisfação.

Anne comia com calma, ainda sentindo o estomago revirado.

— Eu sei, eu sei. Mas, ele estará aqui. E nós estaremos presentes para servi-lo. Imagine, que magnífico. Um visconde!

— Parece até que a rainha Vitória vira para o jantar – A Sra. Campbell ironizou.

Isso arrancou boas risadas da senhorita Stone e Anne acabou rindo também.

— Ora, vocês deveriam estar felizes de estar na presença de um homem tão refinado – ela disse, irritada.

— Eu é que não vou lamber as botas de um aristocrata, Nancy – retrucou a Sra. Campbell – Por mim ele que coma lavagem de porcos.

Um ó se fez presente na cozinha.

— A senhora odeia a aristocracia? – perguntou Anne, curiosa.

— Odeio todos. Minha filha foi enganada por um maldito conde. Ele a contratou para ser baba dos seus filhos e ele a seduziu – Anne mordeu os lábios, tensa – E logo ela estava gravida dele. E foi enxotada para fora, pela esposa. Minha querida Francesca ficou desamparada. Para minha sorte, o Dr. Collins me ajudou com ela. Ela esta trabalhando em uma casa do amigo dele, criando seu filho com os deles. Mas, o amigo dele não é da aristocracia. É apenas um senhor. Vejam só. A aristocracia é o mal e a praga nessa terra.

Anne escutou tudo, enjoada. Ficava a pensar o que teria acontecido com ela se tivesse deixando que Klyne a seduzisse de verdade. Seria como a pobre Francesca. Ela não conseguira mais comer e pediu licença, subindo novamente para seu quarto. Depois de um tempo escrevendo e cansada, ela desceu as escadas, para sair ao jardim. Precisava respirar. Devia ser muito tarde, por volta de dez e meia da noite. E o jantar devia ter sido encerrado. Ela passou pela porta dos fundos, encontrando os jardins, mas para seu azar, não estava sozinha. Uma fumaça de charuto rescendia no ar. Ela pensou que fosse Collins, por isso ficou tranquila. Mas, quando a pessoa se aproximou mais da luz, com o charuto na mão, ela se viu diante de Klyne. Ele sorriu, placidamente.

— Boa noite – ele disse, com um sorriso malicioso – Uma surpresa agradável ve-la.

— O que faz aqui? – ela perguntou, irritada.

— Ora, eu poderia fazer a mesma pergunta, mas eu sei que você trabalha como governanta para meu primo. Então, já respondi sua pergunta – ele soltou a baforadas do seu charuto, fazendo a tossir e retroceder – Ó, me desculpe – ele disse, se afastando – Eu sinto muito mesmo. Esqueci que as damas não tem tolerância a isso.

Anne revirou os olhos. Ela havia esquecido que Klyne poderia ter um parentesco com Collins.

— Bom, já que está aqui para visitas, eu vou me retirar – ela ia se virar, mas ele a segurou, puxando-a para ele – Solte-me, milorde.

— Não mesmo – ele disse, rindo – Eu senti a falta do seu contato. Eu só a tive por uma vez, Anne. Uma maldita vez! Enquanto Thomas teve você por vários meses – ele jogou o charuto na grama e levou à mão a face dela, tocando-a. Ela estremeceu – Eu não sei, mas não consigo tirar você da minha mente. Continuou pensando que nós nos daríamos tão bem.

Ela bufou, tentando se soltar. Ele a libertou, com um olhar magoado.

— Causo tanto asco a você? – perguntou, com a voz ferida.

— Eu somente não quero ser sua amante, Klyne. Eu deixei isso bem claro – ela disse, com raiva – Eu não sou sua para fazer o que quiser. E espero que nunca conte isso ao Sr. Collins. Ele me colocaria na rua.

Ele deu um sorriso ferino.

— Ah, mas eu deveria. Você partiu meu coração. Nada mais justo que uma retaliação – ele disse, em tom provocativo.

— Você não se atreveria – ela disse, entredentes.

— Ah, mas eu me atreveria sim – ele retorquiu, se aproximando dela, puxando-a pela mão e depositando um beijo – Eu quero você, Anne. Quero você, pois nenhuma mulher é como você.

Ela puxou a mão, sentindo asco.

— Deixe-me em paz, Robert. Por favor – ela pediu, se afastando.

— Eu faria se pudesse, eu juro que faria – ela o escutou dizer, mas não ficou para retrucar.

Anne voltou pela porta da cozinha e se apressou, indo para o hall. E esbarrou em algo solido. Ela olhou para cima, encontrando um olhar azul e frio. O homem a sua frente era muito bonito, com o queixo quadrado e um ar aristocrático.

— Perdão – ela pediu, se afastando do toque dele, em seu cotovelo.

— Não há nada a perdoar – ele disse, sério – A senhorita deve ser a governanta, eu presumo?

— Sim – ela respondeu, sem fita-lo.

— Henry não parava de falar sobre sua inteligência, senhorita. Devo admitir que eu estou muito curioso. Sou Jasper Collins – ele disse, fazendo uma reverência – Sou visconde Bedford.

Ela assentiu. E se apressou em sair do caminho dele.

— Espere, aonde vai, senhorita? – ele perguntou.

Ela não respondeu, mantendo uma distância dele, subindo as escadas. Se trancou no quarto e ficou. Pensava em como se livrar de Klyne. Logo ele contaria tudo para Collins e para o visconde Bedford. Isso se o visconde já não soubesse. Ela sentiu-se enjoada. O que faria agora?

 


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