Mate Angela escrita por Sebastian


Capítulo 8
Carpe Diem




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/805600/chapter/8

Ato II

“Meu jardim foi incendiado por demônios” treze séculos se passaram e mesmo assim Lucius não uniu coragem para encarar Theta, carne e osso, dois corações e mentes, perfeito e original. Ele tem vergonha, no entanto, teria feito tudo de novo, sem mudar uma linha. Ele o despedaçou, decapitou e jogou aos porcos. Talvez Thea seja incapaz de compreender, contudo, a balança sempre pende para um lado e o seu fardo era o mais pesado, seu destino era ser o vilão, disse Tempo, o destruidor — o Híbrido que anda pelas ruínas de Gallifrey. Ele tentou mudá-lo, mas a profecia era inexorável. 

Ele tragou o cigarro, está deprimido, enquanto admira o mundo pelo ângulo quadrado da janela — os pardais voando pelo céu de fim de tarde, o ar puro vindo com a brisa suave do crepúsculo e o barulho das crianças do lado de fora.  Lucius não conseguiria. Respira fundo e tenta se conectar com Theta, mas parece haver uma barreira entre eles. Ele sabe que veio como Angel, um siciliano órfão, criado em um colégio católico, porém isso não importa mais. Ele gostaria de olhá-lo nos olhos e beijá-lo como se fosse a primeira vez, poderia se justificar e dizer o quanto doeu todas as vezes. Adoraria abraçá-lo e amá-lo porque finalmente estavam livres. Lucius delirava pensando mil vezes no toque de sua pele e no sabor da vingança. Chorava por dias e noites porque tudo estava perdido. Ele nasceu amaldiçoado e condenou Theta. Ele fecha os olhos e uma lágrima escorre por seu rosto, procurando em suas memórias esboçar o sorriso do primeiro rosto que viu em séculos —  o cabelo loiro, ele se lembra bem, curto e ondulado; e os tons de ocre e verde em volta de sua íris, ele evocou a lembrança de seus olhos com um frescor impecável, ela era o universo. 

Lucius encosta a cabeça na poltrona, desatando o laço em sua gravata e desabotoou dois botões da camisa, um nó se forma em sua garganta e um gosto amargo percorre sua boca, ele relembra a última vez que a viu como um Senhor do Tempo — havia um sofrimento nítido em seus olhos, contudo, ela não ousou chorar. Theta tentou fazer o que fazia de melhor: barganhar. Não por sua salvação, mas pela a de Koschei, ela sabia que se a maldição fosse jogada a profecia seria cumprida. Ela perderia seu povo, sua casa e seu amor. Um caminho sem volta proferido pelo Tempo. Theta sabia que aquela seria a última vez que veria a melhor parte dele, o barulho em sua cabeça aumentaria e então, tudo estaria acabado. Quando o oráculo se cumprir e Angel encontrar o relógio, Koschei terá de  dizer a verdade e ele o odiará para sempre. Não há como perdoá-lo. Ele não lutou contra a maldição, pelo contrário, cedeu a ela. Ele não tentou mudar os rumos da profecia, de maneira adversa, sucumbiu a sede destrutiva de vingança, eles se encontrarão no juízo final — Zeus e Hades, Odin e Surtur, Arcanjo e Lúcifer, Theta e Koschei.

Ele estava entediado e inquieto, embora fumar e beber não fosse uma prática habitual, hoje percebeu que quanto mais o séculos passam, mais humana uma parte de si se torna. Lucius se ajeitou no assento e procurou por um papel e uma caneta, precisa escrever uma carta a Theta, um pedido de desculpas ou uma confissão. A tinta preta manchou o papel, sua mão direita sustenta seu rosto, enquanto a esquerda rabisca a primeira palavra, “minha amada Angela”, a essa altura já não importa se é Angel, Angela ou qualquer uma de suas treze variações, se é ele ou ela, um dia Theta leria a carta e saberia que dentro da sua pessoa havia um milhão de outras. Lucius está curvado na mesa e seus pensamentos estão a mil por hora empenhando-se para colocar as palavras em ordem.  

Eles deveriam se encontrar hoje, foi o que disse Theta a última vez que fizeram contato, estava marcado. No entanto, Lucius não remiu coragem para isso, passou o dia ocioso entre goles de uísque e tragos de cigarro, por mais que queira é impossível ficar embriagado. Não escreveu um texto longo, ainda que quisesse dizer tantas coisas, suas mãos o impediram de ser tão imprudente — a folha foi dobrada com cuidado e a coloca dentro do envelope, cautelosamente derrete a cera e pressiona o carimbo. Não está pronto, mas precisa ir, jamais pensou que o fim seria tão cansativo.  Ele encosta a cabeça na mobília por um momento e fecha os olhos, está exausto de mente e alma. 

 Seus sonhos são sussurros, névoa e cinzas, Lucius nunca teve de fato um sono tranquilo sem pesadelos ou imagens desconexas atormentando seus pensamentos noturnos. Por eras têm sonhado com um jardim como se fosse um conto de fadas — brilhante, vivo, saturado. Haviam flores de todos os tipos, tulipas e lavandas, rosas e amores perfeitos, dentes-de-leão e hibiscos, dálias e peônias. Havia um salgueiro no centro do jardim e árvores com frutos de inverno e verão. Theta estava lá e Koschei também, eles dançavam até que o jardim pegasse fogo, pétala por pétala, folha por folha, pêssegos e damascos por todo chão. No final, o barulho em sua cabeça aumentava como um tambor e ele terminava sozinho, com seu jardim arruinado e Thea não estava lá, uma premonição do fim. 

“Meu jardim foi arruinado” Lucius desperta com uma mão em seu ombro, é Pietro, um de seus empregados. Ele abre os olhos de maneira preguiçosa e se espreguiça um tanto desorientado. 

— Que horas são? — Perguntou, espiando o céu pontilhado de estrelas e a lua cheia. 

— É quase meia-noite, Mestre — o rapaz respondeu. — O senhor deseja comer algo? Podemos servir a mesa? — ele indagou, auxiliando o patrão a colocar o casaco e abotoar a camisa. 

— Não é necessário, estou sem fome, obrigado. 

Lucius se retira do cômodo, com a carta no bolso interno do paletó, não há mais como adiar seu encontro com Angel. Ele sai da casa, caminhando devagar pelas ruas da pequena cidade, tranquilas e vazias, nem parece que está cheia de especuladores e fofoqueiros, não entende a razão pela qual Theta o queria ali. Ambos sabem o que aconteceu na Sicília em 1943, precisam ir embora antes que o dia amanheça. Ele fecha os olhos, respira fundo e se concentra para fazer contato com ele. 

“Thea, Thea, onde você está?”


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mate Angela" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.