Folklore escrita por Gorky


Capítulo 7
Metamorfose


Notas iniciais do capítulo

oie!
esse capítulo vai enfim encerrar a primeira fase da história. espero que gostem ♥



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capítulo sete

Quando Emília acordou, Elena, pela primeira vez em meses, estava sentada na ponta da sua cama, fitando a parede, os pés cruzados. Ela nem deixou a irmã levantar para escovar os dentes.

― O que você lembra? De ontem à noite. O que você viu?

Emília bufou e coçou os olhos, erguendo seu torso.

― Eu fui pra festa com o Tyler, e eu encontrei algumas amigas lá. E aí teve uma hora que eu vi o Jeremy com a Vicki. Pelo menos, eu achava que eu tinha visto, eu não tinha certeza, então eu segui os dois. Eles foram pra fora, pra área dos ônibus, que não tinha mais ninguém. Sei lá, acho que eles ficaram se beijando e do nada o Jeremy começou a gritar, pedindo pra ela parar ou alguma coisa assim. E eu pirei, sabe? Eu já tava meio bêbada e acabei gritando também, e ela me viu, e aí ela me atacou. Tipo, ela me mordeu. E a cara dela... sei lá, era como se as veias do rosto dela se movessem. Eu não sei, eu não sei. Mas ela parecia outra pessoa. E aí ela mordeu meu pescoço, ela tirou sangue do meu pescoço, não sei como. E ela era muito mais forte que eu. E eu desmaiei, e eu acordei e você tava lá com o Jeremy. O Stefan me fez beber o sangue dele e tinha o irmão do Stefan, ele também tava lá. E a Vicki... ela, não sei, parecia morta. E aí o Stefan me levou pra casa.

― Ele me falou que não apagou a sua memória porque você começou a passar mal e foi dormir. Ele decidiu deixar você escolher.

― Apagar minha memória? ― Emília franziu as sobrancelhas. Por que Stefan havia mentido? Ela não tinha "passado mal"; foi mais sério que isso. Ela não foi dormir por escolha própria.

― Escuta ― Elena tocou no braço da irmã ―, o Jeremy não se lembra mais do que aconteceu. Você não pode falar sobre isso com ele.

Emília empurrou a mão de Elena.

― Como assim? O que aconteceu, pra começar?

Elena tomou impulso e coragem para responder, sussurrando:

― O Stefan é um vampiro, o irmão dele também. A Vicki foi transformada pelo irmão, o Damon, ela atacou o Jeremy, atacou você, me atacou, e o Stefan teve que... ― a voz dela falhou. ― Ela está morta. De vez.

Emília a encarou fixamente por alguns segundos, e então começou a rir. Gargalhar, na verdade. Demorou um tempo para se recompor.

― Você nunca foi uma boa mentirosa, mas isso já é passar do limite, Lena. Vampiro? Sério?

― Eu não tô mentindo, Mila. Acredita só se quiser, mas você não pode falar nada disso pra ninguém. Ninguém mesmo. Me promete.

― Até parece que eu falaria algo assim pra outra pessoa. Já passei tempo demais na ala psiquiátrica. Pelo visto, você quer me substituir como a filha problemática.

Elena se levantou da cama, visivelmente irritada e cansada.

― Tanto faz, Mila. Quando você quiser levar isso a sério, pode me procurar.

Emília não sabe o que deu em si, mas assim que a irmã gêmea se virou para sair do seu quarto, ela a impediu com um "espera" apressado.

― A tia Jenna sabe?

― Não! ― ela falou com urgência, aumentando a altura da voz. ― E nem pode saber!

Emília suspirou antes de enfim perguntar:

― Onde o Stefan mora?

 

Emília girou o registro do chuveiro e deixou a água quente entrar em contato com a sua pele descoberta. Sua cabeça estava infestada por ideias, lembranças, teorias, opiniões e possibilidades. Ela duvidava muito da justificativa dada por Elena, mas também não poderia ignorar as evidências e afirmar que não havia nada de esquisito acontecendo. Nunca havia parado para refletir sobre a existência do sobrenatural, do "outro mundo". Ela não era supersticiosa e nem religiosa, nunca foi uma entusiasta de histórias fantasiosas de ficção (apesar de gostar um pouco de Harry Potter); entretanto, ela simultaneamente não era cética e incrédula, não era o tipo de pessoa que só acreditava no que fosse cientificamente comprovado.

O fato era: ela presenciou uma cena que destoava de todas as suas crenças até então. Do normal e humano. Vicki possuía dentes mais afiados que qualquer um que Emília já conheceu; ela se moveu de uma maneira que ninguém deveria ser capaz de se mover; e até a aparência de seu cadáver depois do ataque aterrorizou Emília ― pele com coloração acinzentada, veias expostas, lembrando o tronco de uma árvore. E havia Stefan. O seu sangue milagrosamente curou a ferida causada por Vicki em segundos.

Ela desejou ter sido menos cínica com Elena e ter lhe questionado mais. O que mais a sua irmã sabia?

Emília saiu de casa silenciosamente, a passos rápidos. Não queria falar com Jenna e Jeremy, ou poderia deixar escapar o indesejável. Mesmo enquanto caminhava pela rua, ela não olhou direito na cara de ninguém. Esbarrou em algumas pessoas e não se importou em pedir desculpas. Precisava urgentemente de respostas da pessoa que ela tinha certeza que guardava todas as informações necessárias.

A mansão Salvatore não era o que ela esperava. Isso porque ela esperava uma residência totalmente desconhecida, nova. Mas, não. Emília tomou um choque ao perceber que já havia estado ali. No dia do lava a jato das gatas, quando Caroline adentrou essa mansão, ignorando os apelos da Gilbert. Puta merda.

Ela bateu na porta com pressa e força, as mãos trêmulas. Não pensou em quem poderia atender, nos riscos que estava tomando.

― Oi ― ela cumprimentou como se estivesse prestes a chorar assim que Stefan Salvatore abriu a porta. Ele a recebeu com uma expressão de surpresa no rosto. ― A gente pode conversar, por favor?

Stefan olhou para trás, verificando alguma coisa. Então ele disse que sim e colocou-se para fora da mansão, fechando a porta. Emília não entendeu, mas não comentou nada a respeito. Havia questões mais importantes a serem discutidas.

― Agora, você pode, por favor, me explicar o que aconteceu ontem? Tipo, a minha irmã me falou que você é um vampiro, e sua família também, e a Vicki também. Mas, tipo, eu não entendo, eu não sei se acredito mesmo nisso. Eu não sei o que tá acontecendo. Não sei o que vocês fizeram com o Jeremy, não sei o que vocês fizeram com a Vicki, não sei até onde a minha irmã tá envolvida nisso, não sei por que ela não me disse nada antes, não sei qual é o envolvimento do seu irmão nessa história maluca. Eu não sei de nada. Por favor, me fala tudo o que você sabe ou eu vou enlouquecer.

Emília nem notou, mas já estava chorando.

― Ontem, você teve uma convulsão no meu carro. Você sabe o que causou isso? ― a sua voz saiu baixa, o seu tom, calmo. Inconscientemente, Emília se tranquilizou.

― Não, não sei ― ela engoliu em seco. ― Quer dizer, eu tive uma convulsão antes, mas foi por febre alta. E faz anos isso, eu tinha uns oito anos. Mas eu tô me sentindo bem hoje. Eu acho que foi o choque do que eu vi. Mas não foge do assunto principal! Me fala o que você sabe.

― A Elena não mentiu pra você. Em nada.

― Vampiro? Sério? ― ela riu.

― Eu não queria ter essa conversa agora.

― Desculpa pelo incômodo, Stefan. Mas eu preciso de algumas respostas ― ela, repentinamente, recordou-se do que Elena lhe revelou minutos mais cedo. ― Você... foi você quem matou a Vicki?

Ele abaixou a cabeça. Não a olhou nos olhos ao confirmar:

― Ela ia matar a sua irmã. Ela tentou te matar e tentou matar o seu irmão. Eu não me orgulho do que eu fiz.

Ela não se mexeu. Não compreendia o sentimento que a percorria. Não tinha certeza se era o sentimento correto. Stefan Salvatore, o novato misterioso que por acaso era a causa de todos os eventos estranhos recentes, havia acabado de confessar que matou Vicki Donovan, uma menina que Emília conhecia há anos. Por que ela não estava horrorizada? Por que não estava enfurecida? Por que ela não corria e chamava a polícia? Do que isso adiantaria? Se ele estiver falando a verdade ele é definitivamente mais rápido do que eu e ainda é um assassino não se esquece disso Emília.

― Então ― Emília respirou fundo e cruzou os braços, cobertos por sua camisa rosa-choque de manga longa ―, supondo que eu acredito nisso, a Vicki era mesmo uma vampira?

― Isso ― ele assentiu.

― Desde sempre?

― Não, não. Ela foi transformada recentemente.

Ah.

― Em transição ― a verdade lhe esbofeteou no rosto. ― Eu lembro de você falando sobre isso com a minha irmã. Quando a Vicki apareceu na minha casa, naquela tarde, e fugiu, e ficou dias desaparecida. Nossa, meu Deus. Isso até que faz sentido ― ela afirmou para si mesma. Esperava que o chão se abrisse diante dela e a engolisse a qualquer minuto. ― Tá, e o Jeremy? A Elena falou alguma coisa dele não lembrar mais o que aconteceu ontem à noite.

― O Damon apagou a memória dele ― ele disse e acrescentou ao ver a expressão de interrogação no rosto da Gilbert: ― Nós temos essa habilidade. 

― E vocês podem curar as pessoas com o sangue de vocês?

― Sim.

― Você já mexeu na minha memória antes? Ou outro vampiro?

― Não, não.

Emília não acreditava nele, mas preferiu afastar essa dúvida de sua mente para não pensar demais nas possibilidades. 

― A Caroline sabe disso?

― Não.

― Mas ela namorou o seu irmão.

― Sim, namorou. Mas ela estava sendo compelida. Hipnotizada.

Puta merda. Aquele dia... as implicações daquela informação atingiram Emília de uma vez só. Ela desejou estar alucinando, desejou ser internada novamente.

― Isso é bem perturbador. Por favor, não deixa ele chegar perto de mim.

Ele não deveria ter ido embora?

― Ele não vai.

Emília tinha outras perguntas. É claro que ela tinha. Porém, ela percebia, desde o início da conversa, o quão ansioso e amedrontado Stefan estava. Assim como percebia que ele não lhe responderia se ela questionasse o motivo de sua preocupação. Ele queria que ela fosse embora.

― Essa casa é enorme ― ela observou, esperando relaxá-lo. Examinou a parte externa da mansão, com um olhar mais julgador do que pretendia. ― Dá até pra montar uma escola aqui.

― É uma boa ideia ― o que poderia ser um sorriso se formou nos lábios dele.

Ela se preparou para partir:

― Eu vou me meter em problema, por saber tudo o que eu sei?

― Depende. Você quer contar pra alguém?

― Mesmo se eu quisesse contar, ninguém acreditaria em mim ― disse, descruzando os braços. ― Eu não vou contar.

― Eu posso apagar a sua memória. Se isso for demais pra você aguentar ― Stefan sugeriu.

― É um pouco demais, mas... eu não quero que você mexa na minha cabeça. Mas se eu começar a enlouquecer, você pode mexer, se achar melhor.

― Fechado.

Só então Emília se deu conta que os dois sussurraram durante toda a conversa.

 

Ela e Elena mal se falaram pelo resto do dia. Houve uma ocasião, na cozinha, em que Elena afirmou, usando o seu "tom de mãe", que poderia responder qualquer dúvida da irmã, que estava ali para apoiá-la, que ela não podia contar para ninguém, que ela não queria Emília envolvida naquele mundo. Emília quase iniciou uma briga, mas ela viu que não valia a pena. Sentiu descrença e desinteresse, mais do que o habitual. Jeremy e Jenna seguiram com as suas vidas normalmente.

Os próximos dias foram um borrão. No domingo, Emília passou o dia todo deitada na sua cama, dormindo ou fitando o teto. Bebeu um pouco de água e comeu algumas bolachas. Jenna praticamente a obrigou a jantar. Ela dormiu cedo e levantou cedo. De segunda a sexta, ela acordou, escovou os dentes, se vestiu, tomou o seu Zoloft, e saiu para a escola com Jeremy. Não comeu nada antes. Ela assistiu às aulas, conversou com Corinne, Sara, Angie, Adrian, Tyler e Caroline (optando por deixá-los ditar todos os diálogos; ela era somente a ouvinte); mal olhou na cara de Jenna. Não arrumou o seu quarto e passou quase três dias sem tomar banho. Não tocou no seu caderno de desenho, não escreveu uma única palavra sobre a sua história com enredo indefinido. Ela não sentia vontade de fazer nada. De vez em quando, sonhava com cenários sangrentos e diferentes; mais do que costumavam ser. Os mesmos personagens em situações distintas. Não via sentido em fazer mais perguntas sobre vampiros; tanto que ela e Stefan nem se esbarraram mais (tudo por obra de Emília, que fez o possível e o impossível para não ter que encará-lo). Ele não a procurou, mas isso não a chateou nem um pouco. Era melhor assim. Ela não contaria a ninguém sobre o "outro mundo", e em troca, não queria fazer parte dele.

Nos jornais, falou-se muito da captura do animal ― um lobo ― que supostamente fizera tantas vítimas nas últimas semanas, como o treinador Tanner. 

Jeremy, por sua vez, trilhava um caminho totalmente oposto. Jenna não foi mais chamada na escola para tratar sobre ele; que começou a fazer o seu dever de casa, começou a ir bem nas provas, voltou a desenhar desde a morte de Miranda e Grayson, deixou de andar com a turma dos drogados do colégio. Elena e Jenna inicialmente não notaram, mas Emília, sim. Talvez ela deveria ter tido a sua memória apagada. Assim, quem sabe, não precisaria mais de seu remédio, estaria curada de todas as suas enfermidades e ódio próprio, deixaria Tyler de uma vez por todas, passaria a se empenhar mais em todas as matérias da escola, e fazer escolhas ruins no geral. Eu sei de uma coisa que pode me fazer ser feliz de novo. Mas até onde eu saiba vampiros não podem ressuscitar mortos.

Após uma semana desde a festa do Dia das Bruxas, a xerife apareceu na casa dos Gilbert. Ela precisava do depoimento das pessoas mais próximas da Vicki, aquelas que a viram pouco antes de seu sumiço. Elena e Emília combinaram o que iriam falar. Tudo tinha que bater perfeitamente, para parecer que Vicki simplesmente havia ido embora por opção. Emília não sentiu nervosismo ao adentrar a delegacia. Ela não sentiu nada. Só quis ser a primeira a depor para abandonar aquele problema no passado. Provavelmente isso significava que ela era uma pessoa terrível, mas isso também não a incomodava. Nada daquilo a incomodava. Ela queria lamentar mais como Elena.

 

― Quer ir pro Grill comigo? ― Elena sugeriu duas noites depois.

― Não, eu tô bem.

Horas mais tarde, Elena chegou em casa chorando, mas Emília se manteve em silêncio.


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Notas finais do capítulo

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