Folklore escrita por Gorky


Capítulo 18
E aqui nós caímos




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capítulo dezoito

― Então ― Emília não mascarou a sua decepção ―, você não vai no Desfile dos Fundadores?

Nem se me pagassem um milhão de dólares ― respondeu Corinne.

Emília bufou. 

Então estava decidido: ela também não iria. 

A recusa de Corinne foi determinante para essa escolha que ela já considerava. Caroline até tentou convencê-la a acompanhá-la. Vai ser legal, eu vou desfilar num carro alegórico como a Miss Mystic Falls do ano, ela disse. Mas ela não adicionou que estaria com Matt (e nem precisava; Emília já sabia). Caroline suspirou e forçou um “está tudo bem” quando Emília lhe ligou na manhã do desfile para avisar que ficaria em casa. Eu ainda estou meio cansada, por causa da estadia no hospital e tudo, ela mentiu, desejando não magoar a Forbes. Afinal de contas, a sua relação com Caroline era uma das únicas partes da sua vida que se mantinham no lugar. 

Jeremy não queria conversar com ela. E não queria conversar com Elena. Emília não o pressionou nisso (ao contrário de Elena). 

Tyler ainda mudava de caminho toda vez que a via. 

Ela e Stefan não se falavam mais.

Ela e Elena não se abraçavam há semanas (o que era o habitual antigamente, mas, agora, Emília sentia falta). 

Sara continuava internada ― apesar de Barbara ter lhe informado que ela seria liberada em dois dias. 

E Miranda e Grayson permaneciam mortos. 

― Você não quer mesmo ir com a gente? ― perguntou Jenna, encostada no batente da porta do quarto de Emília.

― Não, obrigada. Eu ainda tô meio cansada, desde que saí do hospital ― ela repetiu. 

Pelas próximas horas, Emília realizou quatro atividades: desenhar, escrever, dever de casa, dormir. Era isso. Essa era toda a vida dela. 

Que tipo de pessoa descobre que vampiros são reais e continua seguindo a mesma rotina chata?

Ela, aparentemente.

Talvez isso estivesse prestes a mudar. 



À noite, algo aconteceu. 

Emília olhou o relógio na cozinha, onde ela devorava um sanduíche. Quase oito da noite e, de repente, do nada, ela desejou comparecer ao desfile. Por que não? Estava tarde, provavelmente as ruas estavam menos movimentadas, menos barulho, acabaria mais rápido… 

Ela estava entediada mesmo. 

Terminou de comer, encarou seu reflexo na janela, pegou o seu celular no quarto e saiu de casa. Mandou uma mensagem para Elena:

onde você está? tô indo te encontrar ;)

Enquanto caminhava calmamente pelas ruas de Mystic Falls, passando por crianças, adolescentes e adultos fantasiados a caráter (alguns até trazendo em mãos bandeiras confederadas, o que perturbou um pouco a Gilbert), ela não pôde se livrar da sensação de que estava sendo observada. 

Então, seu celular vibrou no bolso da calça jeans. Torpedo de Elena:

na praça principal. vem cá!

A praça da cidade, felizmente para Emília, não estava lotada. Havia, sim, várias pessoas ― vendedores com suas barracas de cachorro quente, pipoca, algodão doce, e mais; rostos conhecidos do colégio (muitas líderes de torcida); rostos desconhecidos; famílias com bebês no colo e cachorros na coleira; palhaços… apesar da escuridão do céu, todos os postes de luz estavam ligados. Tinha ônibus escolares estacionados, juntamente a outros veículos, uma roda-gigante em pleno funcionamento, e mais de um pula-pula. 

Mas não era nada que Emília não pudesse suportar. 

O vento frio deslizava ligeiramente pelas roupas de Emília, forçando-a a se encolher dentro do cardigã cinza. 

Não era uma praça enorme e podia até não estar lotada, mas não significava que era fácil achar Elena dentre todo mundo ali. 

Emília andou por todos os cantos e olhou por todos os lados. Parou rapidamente para cumprimentar Angie, mas logo depois deu continuidade à sua busca. Mas não viu sinais nem de Elena, nem de Jeremy, nem de Jenna. Mandou torpedo para Elena, mas ela não lhe respondeu. 

Nem de John, embora Emília não estivesse de fato procurando-o. 

Após minutos intermináveis, ela decidiu mudar seu foco e ir até o Grill. 

Péssima ideia. Tyler estava lá. 

Ela estacou na calçada ao lado da porta, tomando fôlego para andar por mais tempo. E então, a porta se abriu, revelando Tyler, Caroline e Matt. Infelizmente, Emília estava perto demais para não ser notada.

― Mila! ― saudou Caroline, com um sorriso surpreso nos lábios. Tyler visivelmente não gostou de vê-la, mas não fez nada para se afastar. ― Você aqui?

― É, eu fiquei entediada e mudei de ideia ― disse Emília, escondendo as mãos geladas nos bolsos do cardigã. Caroline não sabia de todos os detalhes do término desastroso do Lockwood e da Gilbert, então Emília não a culpava por agir tão inocentemente. ― Pra onde vocês vão?

Caroline pareceu incerta ao responder:

― Hum, pra casa. Quer uma carona?

― Não ― apressou-se Emília. ― Eu… ― o bolso da calça dela vibrou. ― Eu tenho que achar minha irmã. 

Caroline balançou a cabeça e se despediu, assim como Matt. Mas Tyler não falou nada. Emília não se ressentiu por isso. 

A mensagem nova era de Elena.

mila, onde você está? é urgente, sério!

Emília franziu o cenho em confusão. Mas, antes de digitar qualquer letra, uma imagem se materializou na tela. Ligação de Elena.

― Que foi, Lena? ― ela perguntou primeiro, um pouco zangada.

Você já saiu de casa?

― É claro que sim! Eu tô aqui na porta do Grill, te procurando feito louca.

Por favor, entra no Grill. Eu tô indo te encontrar. A gente tem que achar o Jeremy. 

O sangue de Emília gelou. 

― Por quê? O que tá acontecendo?

Os vampiros da tumba estão planejando uma vingança contra as famílias fundadoras. Hoje. Agora. Mila… 

E aí a ligação caiu. 

Emília não viu alternativa a não ser obedecer a irmã. Ela adentrou o Grill com pressa, as mãos trêmulas e o coração disparado. Não tinha dinheiro consigo e temia ir embora (vampiros não poderiam atacá-la no meio de tanta gente, num estabelecimento fechado, certo?), portanto ela fingiu que precisava usar o banheiro. Seu plano nada genial era se trancar num cubículo até Elena aparecer com o seu salvador. 

Realmente, foi isso o que ela fez. Sentiu-se uma covarde por aquilo, mas, ao mesmo tempo, não era como se ela pudesse brigar com um vampiro. Ele a mataria antes que ela tivesse a oportunidade de esticar o braço para socá-lo. Mais um motivo que ela achou para odiar ser parte de uma família fundadora. 

Vinte longos minutos se arrastaram, e nada de Elena. Emília já estava planejando deixar o cubículo (mas ela deveria esperar um pouco mais, não deveria?), quando um novo imprevisto a forçou a, aceleradamente, sair do banheiro feminino e ir para o masculino. 

Um grito. Vários e vários gritos, sucessivamente. Vindos de uma mesma pessoa. Um grito agudo e estridente, que poderia facilmente pertencer à uma garotinha. 

E assim ela encontrou Jeremy. 

Agachado no banheiro masculino, ao lado da menina que gritava descontroladamente, as mãos na cabeça. Emília encarou os dois, boquiaberta, estática. Ela conhecia aquela menina. Tinha a visto no bosque e provavelmente no Miss Mystic Falls. A vampira que seduziu Jeremy para resgatar a mãe ― uma das vampiras da tumba. 

Anna. 

Emília se sentiu presa dentro da própria mente. Uma observadora distante, sem poder para interferir no que ocorria ― Anna gritando, Jeremy perguntando o que estava acontecendo, o barulho ensurdecedor de fogos de artifício sendo soltos na praça, policiais entrando no banheiro e levando Anna, impedindo Jeremy de ajudá-la. Achei uma, um deles disse. Ela deveria fazer alguma coisa. Ela sabia que deveria. Mas o quê? Por que ela não se mexia? Acorde, Emília. Acorde. Jeremy, agora, gritava com ela, mas Emília não respondia. Ele dizia que ela poderia ter impedido, mas não fez nada. 

― Vocês precisam de carona para voltar para casa? ― isso ela escutou. O policial que segurou Jeremy. 

Emília engoliu em seco. 

― Não ― murmurou. ― Eu posso ligar pra nossa tia.

Ela e Jeremy não conversaram um com o outro enquanto aguardavam por Jenna. E não conversaram com Jenna quando ela chegou. Jeremy podia odiá-la, mas encontrava-se num estado de choque semelhante ao da irmã. Jenna falava, falava e falava. Um pouco preocupada, um pouco furiosa pela recusa dos sobrinhos de lhe informarem o que havia acontecido. No carro, os olhos de Emília concentraram-se na janela, nas ruas por onde eles passavam; mas sua mente estava em outro lugar.

Por que levaram Anna? Por que ela gritava daquele jeito? O que aconteceu com os vampiros da tumba? 

Por alguma razão, ela não conseguia achar respostas coerentes para suas dúvidas. Mesmo já tendo todas as peças do quebra-cabeça. 

Silenciosamente e de cabeça baixa, Emília subiu para o seu quarto. Ela trancou a porta e entrou no banheiro, despindo-se e ligando o chuveiro. Só um banho poderia ajudá-la. 

Ela não pensou em nada enquanto a água rolava pelo seu corpo. Nada que fizesse algum sentido, pelo menos. Agora ela entendia por que não se envolveu tanto no lado sobrenatural de Mystic Falls. Ela não era forte o bastante. Não como Elena. Qualquer mínima situação de estresse e incerteza era capaz de quebrá-la.

Ela vestiu uma camisola lilás, os cabelos ainda molhados, não esperando que fosse mais sair de casa, não esperando que aquela noite piorasse. 

Mas ela estava enganada. 

Não muito tempo depois, Emília escutou outro grito. Dessa vez, vindo do andar de baixo. 


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