Folklore escrita por Gorky


Capítulo 16
A simples intimidade do quase toque




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capítulo dezesseis

Emília Gilbert e Tyler Lockwood nunca mais voltariam.

Se antes Emília ainda tinha alguma dúvida, passou a ter certeza quando Elena revelou que, logo depois de ela ir embora do jantar na mansão Lockwood ― a pé, horas antes dos tios e irmãos, de estômago completamente vazio ―, Tyler havia beijado (de todas as mulheres no mundo) Kelly Donovan.

A mãe do ex-namorado de Elena.

A mãe de Vicki Donovan.

Foda-se ele. Foda-se qualquer outro garoto que estivesse interessado nela. Emília não queria mais saber de namorados, dramas desnecessários e arrependimentos.

― Eu tô muito feliz por você, amiga ― afirmou Corinne, quando as duas estavam acomodadas no chão da biblioteca da escola.

― Eu também tô muito feliz por mim.

Nessa hora, Sara Kirch saltitou para perto delas, os pés cobertos por sapatos Mary Jane. As feições de Corinne deixaram transparente sua irritação. Mas Sara nem a olhou.

― Mila! ― ela exclamou, a voz fina e alta. ― Saiu hoje a lista das candidatas para o Miss Mystic Falls.

Miss Mystic Falls. Emília franziu o cenho ao ouvir essas palavras. Miranda havia ganhado o concurso uma vez, quando tinha dezessete anos. As inscrições começaram semanas antes do acidente. Você vai ganhar, eu tenho certeza, ela disse para Elena. É claro que vai, resmungou Emília na época.

― Ah ― Emília abriu um pouco a boca, incrédula. Esquecera desse concurso estúpido. Provavelmente Elena também. ― E você é uma das candidatas?

― Isso mesmo. Eu vou ser a primeira vencedora que não faz parte de uma família fundadora!

Não vai, não, pensou Emília. Mas, ao invés de quebrar a ilusão de Sara, ela só falou:

― Tá tão confiante assim?

― É claro. Eu sou perfeita pra esse concurso!

Corinne a encarou com as sobrancelhas arqueadas, claramente se divertindo com a situação. Emília se segurou para não rir.

À noite, ela perguntou para Elena sobre o concurso, se ela participaria mesmo.

― É claro. É o que a mamãe queria.

― Você não precisa fazer alguma coisa só porque é o que a mamãe ia querer.

― Mas eu quero!

Emília balançou a cabeça aleatoriamente, sem acreditar de verdade na afirmação da irmã. Todas as interações das duas desde que Elena contara sobre a sua adoção haviam sido… estranhas. Não porque elas estavam se tratando mal ou porque estavam se tratando diferente, ou qualquer coisa assim. E sim porque elas estavam se tratando como antes. Como se nada tivesse acontecido.

Mas como elas deveriam agir? Qual era a forma correta de se agir? Havia uma forma correta?

Emília nem mesmo achava que seus sentimentos haviam mudado. Ela ainda pensava em Elena como sua irmã gêmea; Elena ainda havia se referia à Miranda como sua mãe; Jeremy ainda a via como sua irmã mais velha (e Emília era muito grata por isso).

É, era melhor assim. A última coisa que Emília precisava era de novas mudanças.

Na manhã seguinte, ela avistou Bonnie Bennett perto da sala de ensaio, fazendo companhia à Caroline, outra candidata ao concurso. Quase se aproximou para cumprimentá-la, mas no fim percebeu que essa não seria uma decisão inteligente. Bonnie certamente não desejava falar com ela.

À noite, Elena a procurou no seu quarto. Por um segundo, Emília temeu que ela quisesse conversar sobre algum assunto sério. A adoção, os erros de Miranda e Grayson, Stefan…

― Será que você pode ensaiar a coreografia do Miss Mystic Falls comigo? ― ela pediu rapidamente, as palavras saindo quase embaralhadas de sua boca.

Emília cerrou os olhos, confusa, e então, ao assimilar melhor a pergunta, soltou uma risada.

― Sério?

― Eu preciso praticar com alguém. E está tarde para ir na casa do Stefan ― Elena também parecia estar se divertindo.

― E o Jeremy?

― Disse não. 

Emília suspirou.

― Bem, você precisa me ensinar a coreografia primeiro.

 

No dia do concurso, Emília, inconvenientemente, se esquecera da data. Foi num sábado; Emília acordou cedo demais e passou as próximas horas desenhando debruçada sobre a sua escrivaninha ou cochilando na sua cama. Só comeu uma maçã no café da manhã e pulou o almoço. Ela mal percebeu a movimentação no corredor, no quarto da irmã, e na sala. Até que, às quatro da tarde, quando Emília se preparava para dormir mais um pouco, Elena abriu a porta do seu quarto com um estrondo, assustando-a.

― Ei, por que você não está arrumada?

― Pra quê?

Elena a olhou como se ela tivesse cometido uma blasfêmia.

― O concurso, Mila.

Emília arregalou os olhos.

― Meu Deus.

Elena soltou um grunhido.

― Por favor, se arruma logo. A gente tá quase indo.

Emília pulou da cama e correu para o banheiro. Tirou suas roupas enquanto xingava Elena e a tia. Por que vocês não falaram nada antes? Como eu deveria adivinhar? Eu não sou uma das candidatas sem cérebro desse concurso idiota! E o Jeremy? Ele já está pronto? E o tio John? Ele vai também?

Quando Emília saiu do banheiro, enrolada numa toalha, Elena já não estava mais lá.

Ela não gastou muitos minutos escolhendo o vestido ― afinal, ela não era uma das candidatas mesmo ―, optando por um azul-claro na altura das coxas. Calçou botas de cano curto ― porque nem o Miss Mystic Falls a obrigaria a usar salto alto ―, foi descuidada ao passar rímel e blush, mas cautelosa com o batom vermelho. Assim que desceu os degraus da escada, ela não encontrou a irmã e a tia a esperando.

Encontrou John.

― Cadê a tia Jenna? ― ela resmungou, mantendo uma certa distância dele. Jeremy estava sentado na mesa da cozinha. Ao pôr os olhos na irmã, ele se levantou e caminhou até ela.

― Já foi. Você vem comigo. Vocês dois ― respondeu John, tranquilamente.

Ela revirou os olhos, mas John não lhe deu atenção. Ele destrancou a porta e fez um sinal para Emília e Jeremy irem na frente.

― Você vai no banco do passageiro ― ela ordenou para o irmão.

Infelizmente, no carro, John não se manteve de boca calada.

― Você não vai participar do concurso, Emma?

― É Emília pra você ― ela rangeu. ― E não, esse concurso é idiotice.

― Sua mãe foi Miss Mystic Falls quando tinha sua idade.

― Eu não sou a minha mãe ― ela rebateu. Odiava a maneira casual como o tio lhe dirigia a palavra, como se não tivesse feito nada de errado.

Ela pensou no funeral dos pais, em como John se aproveitou de seu luto para roubar o anel de Grayson, e imediatamente foi consumida por um desejo desconcertante de assumir o controle do carro e matar os três ali dentro. Controle, Emília. Você precisa ter controle.

Ela foi a primeira a sair do veículo. Percebeu, de repente, onde estava. No Salão dos Fundadores. Fazia muito tempo que ela não pisava naquele lugar ― Miranda e Grayson estavam vivos então. Não gostava dele, por alguma razão. Provavelmente porque toda a ideia prepotente de “famílias fundadoras” a irritava em si. Você é uma Gilbert, o pai dela dizia. É o seu legado. Ela nunca gostou de como isso soava.

Mais uma vez, Elena ganhou.

Emília respirou fundo e andou apressadamente pelo salão, seguindo para o lado externo, onde a dança principal ocorreria. Havia várias meninas com vestidos e meninos com ternos. Alguns conhecidos, alguns, não ― Corinne. Emília jurava que ela não viria, mas ali estava ela. Usando um longo vestido cor-de-rosa que definitivamente não havia sido a sua primeira opção de vestimenta, bebendo uma taça de champanhe que ela certamente não deveria estar bebendo, com uma expressão de descontentamento puro no rosto sem maquiagem.

― Nossa, você está aqui ― exclamou Corinne ao vê-la se aproximando.

― Eu poderia dizer o mesmo. Quem te obrigou a vir? ― Emília foi direto ao ponto, tentando não rir.

― Minha mãe. E o meu irmão. E a namorada do meu irmão.

Ela prosseguiu a terminar o champanhe. Emília fez uma careta.

― É melhor você não beber muito, Montana.

Corinne revirou os olhos.

Em uma mesa mais distante, os olhos de Emília encontraram os de Angie. Ela sorriu e acenou para a loira. Dali, Emília podia ver uma pequena parte da longa escada por onde as candidatas do Miss Mystic Falls desceriam.

Pelos próximos minutos, ela e Corinne ficaram dando voltas pelo salão: bebendo refrigerante, ponche, champanhe, comendo bolo e salgadinhos, conversando sobre vários assuntos diferentes… ela nem percebeu o tempo passar (uma ironia que não lhe escapou, considerando a sua falta de vontade anterior). Quando deu por si, Carol Lockwood anunciava num microfone que as candidatas iam descer agora. Ela e Corinne correram para se ajeitarem dentre o público ― que incluía Jenna e Alaric Saltzman. O sol já estava se pondo.

Todas as meninas desceram e caminharam para o campo externo do salão, uma de cada vez, com os seus respectivos acompanhantes. Bem, não todas.

― Cadê a Sara? ― ela sussurrou no ouvido de Corinne. A música estava bem alta.

Corinne deu de ombros.

Uma mão invisível se fechou ao redor do coração de Emília.

― Por que sua irmã não tá com o Stefan? ― foi a vez de Corinne questionar, apontando para Elena e Damon dançando juntos.

Emília inclinou um pouco a cabeça para o lado, sem entender também.

― Não sei.

Provavelmente não era nada. O sumiço de Sara. O sumiço de Stefan. Afinal, Matt também estava ausente. Não era nada. Nada. Pare de pensar demais, Emília.

― Talvez a Sara tenha desistido ― sugeriu Corinne.

― Talvez…

Depois que a dança chegou ao fim, Emília se afastou da multidão para telefonar para Sara, usando o celular de Corinne.

Caixa postal.

― Que saco! ― ela reclamou, decidindo ligar mais uma vez.

Caixa postal.

Ela deveria ligar para Stefan?

Não. Não deveria.

 

Emília assistiu impassivelmente ao anúncio da vencedora do concurso. Nem se lembrara disso até a voz de Carol pedir para todos entrarem dentro do salão. Ela só queria ir embora; se livrar daquele dia pavoroso. Não compreendia o seu nervosismo e ansiedade, mas não conseguia lutar contra esse pressentimento. De que algo ruim estava prestes a acontecer.

Ou que algo ruim já havia acontecido.

Para piorar o seu dia, quem anunciou a vencedora foi o pai de Tyler. Felizmente, ele não a notou entre os inúmeros espectadores. Felizmente, Tyler não estava com ele.

Por minha causa.

― Antes de coroar a vencedora, eu quero agradecer pessoalmente essas jovens pelos esforços em prol da comunidade ― ele disse, apontando para as candidatas no palco: Elena, Caroline, Tina, Blair, Lucy. Emília cruzou os braços e soltou um suspiro de cansaço. ― Agora, sem mais delongas, eu tenho a honra de anunciar a nossa Miss Mystic Falls: srta. Caroline Forbes.

Emília franziu o cenho e… sorriu, sem perceber. Ela bateu palmas como todo mundo, observando atentamente o prefeito colocar a faixa de Miss Mystic Falls ao redor do ombro de Caroline.

Eu devia ligar para a Sara eu devia ligar de novo devia falar com os pais dela com o acompanhante dela é eu devia fazer isso.

Mas, ao invés de seguir a sua mente, o que Emília fez foi andar até Caroline após ela descer do palco, admirando sua faixa, enquanto as pessoas começavam a se dispersar, e então se jogar nos braços da Forbes.

― Parabéns. Você foi ótima! ― ela berrou, surpreendendo a si mesma.

― Obrigada ― Caroline a apertou com força, segurando as mãos de Emília quando ela se afastou.

― Hum, cadê o Matt?

― Trabalhando no Grill ― lamentou Caroline.

Emília fingiu lamentar também. Caroline virou-se para trás por um segundo.

― Escuta ― ela começou, incerta ―, minha mãe vai me levar pra casa agorinha. Quer ir comigo?

― Sério? ― Emília ergueu uma sobrancelha, a ameaça de um sorriso nos lábios.

Caroline deu de ombros, tentando soar casual.

― Faz tempo desde a nossa última festa do pijama. 


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