Folklore escrita por Gorky


Capítulo 14
Quebrada em duas metades




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capítulo catorze 

Desde que se entendia por gente, Emília conhecia Caroline Forbes. No início, ela era uma sombra de Elena e Bonnie, constantemente rastejando atrás das duas, implorando por algum tipo de reconhecimento. Ela mal notava Emília, mas Emília certamente a via. Sentia um pouco de pena de Caroline (e reconhecimento, por ambas serem menosprezadas por Elena e Bonnie), portanto, sempre que possível, tentava puxar conversa com a Forbes. Achava que as duas poderiam ser boas amigas. Mas Caroline não demonstrava a mesma disposição em conhecê-la. 

E então, ela floresceu e se transformou em algo mais ― uma garota bonita, extrovertida e… maldosa. Caroline a via agora, mas Emília logo começou a desejar que isso nunca tivesse acontecido. Qualquer sentimento positivo que ela tinha antes pela filha da xerife desapareceu. Caroline, juntamente ao seu exército de seguidoras fiéis e insípidas (dentre elas, estava Sara), escolheu Emília como o seu alvo favorito. Ela não era necessariamente agressiva ― preferia utilizar-se das palavras ―, mas houveram momentos em que Emília jurou que não aguentaria e a socaria no rosto. 

Essa fase, para o alívio de Emília, não durou muito tempo. No verão antes do sétimo ano, alguma coisa aconteceu e Caroline se separou de seu grupo de amigas. Todas elas, na verdade, se dispersaram umas das outras. E todas elas se tornaram pessoas melhores. Emília não queria, porém, devido a certas circunstâncias, se aproximou de Sara e Caroline. Até demais de Caroline. 

As duas desenvolveram uma relação que Emília ainda não tinha certeza de como definir. Platônica não parecia a palavra correta; nem romântica; nem sexual. Ela só sabia que eram íntimas. E que ela não queria que isso acabasse. 

Sem arrependimentos. 



Às três da madrugada, o celular de Emília tocou em cima da penteadeira. Ela não soube dizer quanto tempo levou até despertar, bufar com frustração ao perceber o que estava acontecendo, se arrastar para longe da cama, e em seguida retornar com o celular no ouvido. 

Seus olhos estavam cerrados, quase fechados. Ela mal enxergava o teto, muito menos se preocupou em ver quem estava ligando. 

― Alô? ― ela falou, sem mascarar a irritação e o sono. 

Oi. Sou eu, a Care.

― Ah, você ― Emília arregalou os olhos por um segundo. Sentiu a raiva escapar de seu alcance. ― Nossa. Por que tá me ligando tão tarde?

Caroline suspirou. 

Eu não consegui dormir até agora. Desculpa por ter te acordado.

― Tá tudo bem, eu também tô com dificuldade pra dormir ― ela mentiu. ― O que foi? 

É que… as coisas estão estranhas entre a gente desde aquela noite na escola e isso tá começando a me deixar agoniada. Eu quero esclarecer de uma vez por todas as coisas. Sabe, eu até escrevi um discurso.

Emília riu baixinho. É claro que escreveu, pensou. 

― Não, não. Você não precisa esclarecer nada, a culpa foi minha. Eu fui estranha e falei o que não devia. Me perdoa, de verdade. Você não me deve satisfações sobre a sua vida amorosa. Pode ficar com o Matt à vontade ― Emília não conseguia parar de falar. E então, espontaneamente se lembrou da rifa dos solteiros, de ver Kelly Donovan de volta em Mystic Falls. ― Como tem sido aguentar a mãe dele?

Agora, ela riu. 

Horrível. Eu não achava que ela era tão… intensa.

― Pode dizer megera. Eu conheço ela, bem até demais. E a Elena também. 

Mas ela gosta da Elena. É diferente.

― É, gosta. Mas é a Elena. Todo mundo é conquistado por ela. 

Nem me fala.

― Mas o que importa, no fim do dia, é a opinião do Matt. E ele parece gostar muito de você. 

É, ele gosta ― concordou Caroline, claramente sorrindo do outro lado da linha. ― Mas ele não esqueceu a Elena.  

Caroline fez uma pausa. Emília a seguiu no silêncio. Ambas não sabiam o que dizer, mas ambas não queriam acabar com a conversa. Por fim, Caroline perguntou:

Então, quer saber o que eu vou fazer nesse sábado?

― O quê?

Visitar o meu pai, o namorado dele, e a minha irmã postiça. É aniversário dela. 

Emília não se segurou e soltou uma gargalhada.

― Nossa. Me perdoa por rir. 

Tudo bem, é bem patético mesmo. Mas eu não tenho alternativa. 

― Você pode dizer que está doente.

Eu poderia, mas… ― ela suspirou. ― É a minha única chance de ver meu pai. Ele prefere a nova família dele ― Emília engoliu em seco ao escutar a afirmação da Forbes. Ela era a única pessoa para quem Caroline havia confidenciado todos os detalhes do divórcio dos pais. A palavra “desastre” seria um eufemismo para descrever o processo. ― E eu estraguei a conversa de novo com o meu drama. Agora sou eu que preciso me desculpar.

― Tudo bem, tudo bem. Todo mundo tem coisas pra lidar ― e foi aí que Emília caiu em si. O que sua vida havia se tornado, os problemas com Stefan, com a família, com Tyler… como ela queria poder contar tudo para Caroline! Mas não podia. Não, não podia. Por isso, ela preferiu simplesmente dizer: ― Que bom que a gente se acertou! 

Sim… 

― Eu odeio não falar com você. 

Uma pausa, novamente. Dessa vez, mais curta. A voz de Caroline saiu suave: 

Eu também. 

Só quando elas desligaram que Emília se deu conta de que chovia lá fora. 



Caroline era a filha da xerife. E a xerife, de acordo com Stefan Salvatore, sabia sobre a existência de vampiros. Assim como todos os outros membros do Conselho dos Fundadores. Liz tecnicamente não era uma Forbes; só havia sido casada com um, mas ela certamente era mais comprometida com as causas das famílias fundadoras do que o ex-marido. 

Emília só pensou nisso quando acordou para tomar o café da manhã, algumas horas depois da ligação com Caroline. Liz Forbes era uma inimiga de Stefan, e consequentemente isso a tornava uma inimiga de Elena. Ela caçava vampiros; provavelmente já havia matado um. Emília a conhecia desde pequena e sempre gostou dela, então era difícil aceitar essa nova realidade. Era ainda mais difícil aceitar a possibilidade de seus próprios pais saberem sobre vampiros. 

Mas, naquela manhã chuvosa, para a sua alegria, ela não teve tempo de refletir por muito tempo a respeito de nada disso. Porque Jenna Sommers havia amanhecido doente ― o que era uma pena, mas não deixava de ser satisfatório para Emília, pois agora ela tinha algo para se manter ocupada. 

― O que você tem? ― ela perguntou parada na soleira do quarto de Jenna. O quarto de hóspedes. Quando Jenna se mudou, Emília disse que ela poderia ficar no quarto de Miranda e Grayson, mas Jenna não conseguiu. Desde o acidente, ninguém ousava entrar no quarto dos dois. A porta estava sempre fechada. 

― Dor de garganta. E dor de cabeça. 

Ela recusou comida. Só aceitou uma bebida quente, pastilhas para a garganta e comprimido para a cabeça. Mal se levantou da cama. Elena disse que prepararia o almoço. Ela e Emília se estranharam no começo, mas depois interagiram normalmente. Emília até se permitiu esquecer o surto estranho da irmã na noite anterior. A melhor decisão que poderia tomar seria se manter longe dos dramas de Elena. 

Talvez fosse impressão de Emília, mas Elena parecia um pouco ansiosa com algo. Inquieta. Ela não comentou nada porque não tinha certeza se estava só imaginando coisas. 

Jeremy, por sua vez, exibiu um comportamento estranho ― calado, desinteressado ― e às dez da manhã saiu de casa. Informou que ia para o Grill encontrar uns amigos e não deixou Emília interrogá-lo. 

Já na hora do almoço, enquanto Elena terminava de cozinhar, alguém tocou a campainha. Insistentemente. Como Emília era a mais próxima da entrada ― ela descia as escadas após verificar o estado da tia ―, ela mesma abriu a porta. 

Soltou um ruído de insatisfação ao ver o semblante arrogante de Damon Salvatore. Ele adentrou a casa dos Gilbert sem rodeios, praticamente empurrando Emília para o lado. 

― Cadê a sua irmã? ― seus olhos azuis olhavam para todos os cantos, menos para ela. 

Ela não gostava de Damon, mas não era estúpida o bastante para provocar um vampiro. 

― Na cozinha ― respondeu sem emoção. 

Ela deveria escutar a conversa dos dois? Sim ou não?

Sim?

Não?

Por que se importar com uma conversa da qual ela não fazia parte? Da qual ela não era… querida? 

Emília se perdeu no próprio dilema e acabou escutando pouco do que eles falavam. Algo sobre Stefan. É claro. Seja lá o que tenha ocorrido com Stefan, Damon saiu da casa a passos largos e Elena o seguiu com menos pressa, vestindo uma jaqueta no caminho. Ainda chovia com força na rua. Emília presumiu que Damon já tinha um guarda-chuva. 

― Eu preciso sair agora. O almoço tá pronto. 

― Com o Damon? ― Emília arqueou as sobrancelhas e cruzou os braços. 

― É o Stefan. Ele sumiu. 

Emília engoliu em seco. 

― Vocês precisam de ajuda? ― perguntou, já sabendo que resposta a irmã lhe daria. 

― Não. Eu acho melhor você ficar aqui, cuidando da tia Jenna. Quando eu voltar, eu te conto tudo. 

― Não seja sequestrada de novo. 



Emília teve a casa para si pelo resto do dia. E da noite. Jenna ficou na cama o tempo todo, dormindo. 

Almoçou sozinha, quieta e tranquilamente, ouvindo o barulho da chuva. Além de ficar de olho na tia, ela se ocupou de duas maneiras: dever de casa e seu caderno de desenho. Niklaus. Nik. Klaus. Ela não conseguia decidir de qual apelido gostava mais. Chamava-os de diversas formas, enquanto deslizava delicada e cuidadosamente o lápis pelo papel. Com um sorriso involuntário nos lábios. 

Tyler lhe enviou algumas mensagens. Emília pretendia apenas ignorá-las, mas, em determinado momento, seu sangue ferveu e ela escreveu:

 por favor, me deixa em paz.

Ele não mandou mais nada depois disso. 

Quando ela deixasse de ser uma covarde, consertaria aquela situação. Esclareceria tudo. 

Niklaus. Nik. Klaus. 

Não pense em mais nada. Só pense nele. 

Niklaus. Nik. Klaus. 

Klaus. 

Esse apelido certamente combinava mais com o vampiro. 

No final da tarde, Emília cochilou por um tempo. Ela pensou nos seus pais ― no acidente, no enterro, no seu pai a chamando carinhosamente de Emma. Seu apelido de infância, usado exclusivamente por ele. Jenna a chamou assim no enterro, enfurecendo-a. Eles não tinham ninguém melhor para cuidar da gente?, ela resmungou para a tia, que não respondeu nada, pega de surpresa pelas palavras da sobrinha.

Jeremy não estava em casa. Ainda no Grill, aparentemente. 

Klaus. 

Quando despertou, ela tinha a impressão que havia sonhado com ele. Mas não se recordava com precisão do sonho. Ou pesadelo. 

Mas a família Mikaelson estava lá. 

Não pense em mais nada. 

Emília sentiu o estômago embrulhar de noite. Ela até chegou a ir ao banheiro e erguer a tampa do vaso. Tossiu um pouco, mas não vomitou. 

O tempo todo, ela se sentiu acometida por uma velha sensação. De solidão. Tão conhecida que se tornou entediante. Continuava (ocasionalmente) lhe angustiando e lhe incomodando, isso não havia dúvidas. Mas Emília não tentava mais se desvencilhar dessa sensação quando a acometia; ao mesmo tempo, não a cumprimentava como uma amiga. Ela estava tão acostumada a se sentir solitária que, para ela, aquela se transformou numa verdade indiscutível:. Ela simplesmente pensava: “É só isso então? É só isso que eu vou sentir pelo resto da minha vida? Não tem nada mais inovador?” 

Àquela altura, uma realidade vitalícia e inescapável. 

Ela não chorou em nenhum momento.



Elena e Jeremy voltaram para casa juntos, às onze da noite. A televisão estava desligada. Muitas das luzes também, com exceção da luz da sala. Jenna dormia profundamente. Mas Emília, não. Ela esperava pelos irmãos há alguns minutos já, fitando a lareira. Deixou a porta destrancada, então Elena e Jeremy entraram sem alarde. 

Emília virou-se ao vê-los na entrada, levantando seu corpo do sofá. Ela começou falando “oi”, mas Jeremy não lhe deu atenção e subiu as escadas de dois em dois degraus. Deja vu. 

― O que foi? ― ela perguntou para Elena, que mal havia se mexido. Seu cabelo estava um pouco molhado, Emília reparou. ― Tá tudo bem com o Stefan?

― Sim ― Elena balançou a cabeça. ― Nós achamos ele.

Mas ela não parecia feliz. 

― Aconteceu mais alguma coisa? Por que o Jeremy tá estranho?

Elena a encarou por alguns segundos. O medo e a incerteza estampados em sua face.

― Acharam o corpo da Vicki. 


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