Folklore escrita por Gorky


Capítulo 11
É bom ter uma amiga, parte um




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capítulo onze 

Pela primeira vez em anos, Emília e Elena Gilbert dormiram na mesma cama. Emília não percebeu muito bem o que aconteceu. Ela, Elena e Jeremy voltaram para casa depois do baile que terminou com sangue derramado e o sepultamento de um vampiro que Emília nem sabia o nome, e então, depois de tomar banho, ela seguiu para o quarto da irmã gêmea e começou a falar sobre Stefan, sobre Damon, sobre a tal tumba. Elena hesitou um pouco em responder as dúvidas de Emília, mas, por fim, revelou o que Damon tanto queria: libertar Katherine. 

Em meio à floresta, aos arbustos e árvores, ficava uma Igreja ― a Igreja dos Fell. Era uma Igreja antiga, da época da fundação de Mystic Falls, que na realidade nem era mais uma Igreja. Foi queimada por vários moradores da cidade ainda nos tempos da Guerra Civil e, atualmente, pouco restava dela. Isso era algo que os adolescentes de Falls aprendiam na escola. Mas o que não era mencionado pelos professores era a verdadeira razão por trás da destruição da Igreja: exterminar os vampiros que habitavam e assombravam a cidade. De acordo com Elena, uma bruxa chamada Emily Bennett ― ancestral de Bonnie ― enfeitiçou a Igreja, com o intuito de salvar os vampiros que haviam sido presos ali para serem queimados, e com isso, esses mesmos vampiros acabaram protegidos (ou aprisionados, dependendo da sua interpretação) numa espécie de tumba, debaixo das ruínas da Igreja. 

― Então ― Emília começou, ajeitando os pés na cama de Elena ―, a ex dos dois está presa nessa tumba? 

― É, acho que sim. 

― Mas por que ela mesma não sai? 

― Ela não pode. Nenhum dos vampiros pode. Tem um feitiço que impede eles de saírem. O que o Damon quer é acabar com esse feitiço. Por isso, ele queria o colar da Bonnie, que pertencia à Emily ou alguma coisa assim. É meio confuso, eu sei. 

― Ele e o Stefan namoraram essa Katherine ao mesmo tempo? ― perguntou Emília, colocando a cabeça no travesseiro de Elena. Ela nem notou o que fazia. Estava mais interessada no que a irmã falava. 

― É… ― Elena não escondeu o seu desconforto, mas Emília não se importou. Ela queria muito entender aquele triângulo amoroso. ― É, acho que sim. O Stefan não gosta de falar sobre isso e, sinceramente, eu não gosto de ouvir. 

― Você acha que o Stefan ainda gosta dela? 

― Eu sou a cara dela, o que você acha? ― Elena levantou-se, tirou o seu cobertor de dentro do guarda-roupa e o estendeu sobre toda a sua cama, incluindo sobre a irmã. Ela deitou-se ao lado de Emília e soltou um suspiro. De repente, a sua expressão mudou. De irritação à serenidade. ― Não ― ela negou com a cabeça. A voz, doce. ― É diferente. O que ele tinha com a Katherine e o que ele tem comigo. 

― Ele sabia que ela era uma vampira?

― Não no começo. 

Emília observou o rosto da irmã. Olhos castanho-escuros, pupilas inchadas, algumas espinhas na testa, lábios finos, ainda com a maquiagem da festa. Emília não falou para ela tirar. 

― Você é tão parecida assim com ela ou só está exagerando?

― Você ficaria chocada se soubesse o quão eu não tô exagerando. Sério, depois eu te mostro a foto dela.

E com isso, Elena desligou a luz do abajur, falou “boa noite” e as duas, como consequência da noite cansativa, rapidamente pegaram no sono. Nem ouviram Jenna chegando com Alaric. Não ouviram Alaric falando sobre Isobel Flemming. 

Elena acordou primeiro. Ela se arrumou com pressa e quando a irmã abriu os olhos, confusa, ela explicou que precisava ir até a mansão dos Salvatore, para conversar com Stefan. 

― Eu não vou demorar ― ela disse. 

Emília demorou algumas horas para cair em si. Sobre o momento dela com Elena. Foi quase como a infância de novo. Antes do acidente. Anos que Emília guardava poucas lembranças, mas que ela tinha certeza que haviam sido bons. Anos que Miranda e Grayson já afirmaram sucessivas vezes sentir falta. Mesmo diante das circunstâncias, ela sabia que os pais estariam felizes vendo-as tão próximas. 



Às três da tarde, ela preparou pipoca de microondas para si e sentou-se em uma das cadeiras da mesa da cozinha, enquanto observava a conversa de Elena e Stefan. Ela também estava sentada em uma das cadeiras, vasculhando uma caixa velha de Grayson, e ele estava acomodado em uma das cadeiras que ficavam ao redor do balcão, de frente para Elena. Pelo o que Emília tinha entendido, Elena procurava por um diário. 

― Você come comida normal, Stefan? ― perguntou Emília subitamente, surpreendendo até a si mesma. 

― Como.

― Você aceita? ― ela estendeu um pouco a sua tigela. 

― Não, obrigado ― ele mal se moveu. 

― Tá bom, me lembra de novo por que estamos mexendo nas coisas do papai ― ela se virou para Elena. 

― Porque nós precisamos do diário do Johnathan Gilbert ― respondeu Elena, com os olhos concentrados na caixa de papelão em suas mãos. 

― É, isso me diz muita coisa ― ironizou Emília. 

― O vampiro da estrada disse ontem que, pra gente achar o grimório da Emily Bennett, nós precisamos primeiro do diário do Johnathan. 

Emília franziu a testa. 

― Grimório? 

― É um livro de feitiços ― esclareceu Elena. 

Como isso não pudesse ficar ainda mais bizarro, pensou Emília. 

― Por que vocês querem abrir a tumba? ― indagou Emília, pondo uma pipoca na boca. 

Dessa vez, foi Stefan quem respondeu:

― Nós não queremos, mas o Damon quer. E para impedir que isso aconteça, nós temos que fingir que estamos do lado dele. 

Emília não compreendeu totalmente o raciocínio, mas fingiu que sim. 

― Stefan ― Elena encarou o namorado ―, você acha mesmo que o Damon acredita na gente? Que a gente quer ajudá-lo?

― Acho que o Damon não sabe no que acreditar. Confiança não é algo que surge naturalmente pra ele. 

― Olha, eu acho que o Damon acredita que tudo o que ele fez, que cada passo que ele deu, foi por amor. É estranho, mas também é bem triste. 

Stefan não escondeu o seu desconforto. 

― Há outras maneiras de se ter o que quer, Elena. Não precisa matar pessoas. Damon não tem respeito pela vida humana. Ele gosta de causar dor nos outros. 

― E quanto a você, Stefan? ― interrompeu Emília, repentinamente curiosa e atrevida. ― Você já matou algum humano?

― Mila! ― falou Elena com os dentes cerrados. Mas Stefan não fugiu da pergunta. Ele nem pareceu se incomodar. 

― Há muito, muito tempo ― respondeu com tranquilidade. 

Elena imediatamente mudou de assunto. 

― Mas e agora? O que vai acontecer se a tumba for aberta e o Damon resgatar a Katherine?

― Eu acho que, não importa o que o Damon prometa, muita gente vai morrer. 

Elena retirou um papel fotográfico velho (que Emília nunca vira antes) de dentro da caixa. Stefan cerrou os olhos e apressou-se para o lado da namorada. Ele reconheceu a pessoa na fotografia, mas Elena, não. Esse é Johnathan Gilbert, ele clarificou. 

E então, uma dúvida e uma promessa antiga surgiram na mente de Emília e ela sentiu-se na obrigação de manifestar aqueles questionamentos em voz alta. 

― Stefan ― Emília sussurrou o nome dele. Ele a olhou e Emília engoliu em seco. Não por medo ou por se sentir intimidada, e sim pelo o que estava prestes a dizer. ― Quem sabe sobre vampiros na cidade? Além da gente. A Elena me falou que tem algumas pessoas aqui que odeiam vampiros e querem eles mortos. 

Stefan pressionou os lábios, hesitante. Emília desejou ter elaborado melhor sua pergunta, mas já era tarde. Ela continuou:

― Tem algum policial envolvido nisso? Ou o… prefeito

Elena engoliu em seco e olhou para cima, para Stefan, aguardando a resposta dele. 

― Você sabe o que é o Conselho dos Fundadores? 

Emília assentiu. 

― Todos os que participam do Conselho sabem. 

― Então, isso quer dizer que os meus… nossos pais sabiam sobre vampiros? ― ela apontou para Elena. Julgando pela expressão no rosto da irmã, ela nunca havia parado para pensar naquela possibilidade. 

― Eu não sei. 

Ele estava sendo gentil, Emília percebeu. Sua mente funcionou no automático, em velocidade máxima. Conselho dos Fundadores. Bill. Liz. Forbes. Richard. Carol. Lockwood. Gilbert. Fell. Salvatore. O pai de Caroline. A mãe dela, a xerife. A mãe e o pai de Tyler. O pai, o prefeito. Caroline não sabia. Tyler não sabia. Não poderiam saber. Mas as famílias, sim. 

― Oi. O que vocês estão fazendo? ― era Jeremy. Emília não ousou encará-lo. Não conseguia. Sentia lágrimas brotando no canto dos olhos. Ela respirou fundo, os olhos fixos na tigela com pipoca. 

― Ah, oi ― disse Elena. ― Hum, eu tô só dando uma olhada nas coisas antigas da nossa família. Tô meio nostálgica. O papai tinha um diário antigo da família e eu achei que estava por aqui. 

― Tá falando do diário de Johnathan Gilbert?

― É, você sabe qual é?

― Fiz um trabalho de história sobre ele. 

― Ah, ótimo. Onde está?

― Eu emprestei pro sr. Saltzman. Ele queria ler. 



Emília não ficou por mais de uma hora ali. Foi como se não houvesse oxigênio o suficiente dentro de sua casa para ela, os irmãos, a tia e Stefan. Impulsivamente, ela telefonou para Corinne e perguntou se ela queria sair para algum lugar (um lugar que não é o Grill, por favor, acrescentou). Para a sua surpresa, Corinne respondeu que sim.  

― A noiva chata do meu irmão tá aqui me enchendo o saco. Ainda bem que você ligou! ― ela justificou. As duas, então, escolheram uma sorveteria que Emília já havia ido antes; localizava-se próxima à casa de Caroline. 

Emília não trocou de roupa. Ela somente prendeu o cabelo em um rabo de cavalo e passou rímel cuidadosamente nos cílios. Não se despediu de ninguém. 



Corinne Montana Aziz nasceu na cidade de Charlottesville, no mesmo ano que Emília. Após os seus pais ― Haz e Michelle ― se divorciarem, ela se mudou com o pai e o irmão mais velho para Mystic Falls, onde Haz conheceu a futura madrasta de Corinne ― a quem ela atualmente se referia como mãe ―, Laurel. Apesar de estudarem juntas desde os nove anos, elas só se tornaram amigas quase dois anos mais tarde, quando ambas ficaram sobrando em um trabalho em dupla promovido pela professora de matemática. E mesmo com um tempo de amizade tão longo, Corinne raramente falava sobre Michelle e o que desencadeou a separação dos pais. 

Antes de Corinne, Emília era uma loba solitária; uma dessas alunas que sentam no fundo da sala, que nunca levantam a mão, que só abrem a boca quando alguém lhes dirige a palavra, e que têm uma reputação manchada (é impossível escapar de rumores maldosos e verdadeiros em cidades pequenas). Não espantava a frustração de Miranda e Grayson com a falta de vontade da filha mais velha de formar amizades. Ela não era nada como Elena. 

Mas, em Corinne, Emília encontrou um espírito semelhante. Porque, se havia alguém ainda mais insociável e desinteressada no mundo que Emília, esse alguém era Corinne. 

Na sorveteria, Emília preparou um de baunilha com jujuba e calda de chocolate e Corinne se contentou com um de morango e chocolate com muito chantilly por cima. Sentadas em uma mesa do lado externo, a conversa delas passou por tópicos variados: Taylor Swift, Piratas do Caribe, Crônicas de Nárnia, Cleópatra, Radiohead, Mario Mansfield ― a paixão secreta de Corinne ―, Ben 10, Crepúsculo, Harry Potter, o irmão de Corinne e a noiva dele. Nada de Stefan Salvatore. Nada de vampiros. Nada de bruxas. Por algumas horas, Emília se esqueceu o que a sua vida tinha se tornado. 

― Lembra daquela mulher que parou a gente na rua e achou que você era minha irmã gêmea? ― disse Corinne, em um certo momento, quando o seu sorvete estava acabando. 

― Nossa, sim! Foi muito bizarro.  

Quando Emília voltou para casa, já havia escurecido. Ao pôr os pés no saguão, todo o baque de mais cedo a atingiu de uma vez só. Ela se viu obrigada a se lembrar de que Mystic Falls não era uma cidade comum, havia vampiros habitando-a e um deles namorava a sua irmã gêmea, e a xerife ― mãe de sua amiga ― sabia disso, e o prefeito ― pai de seu namorado ― sabia disso, e possivelmente os seus próprios pais também. Mas Jenna, não. 

Ela sentiu falta de suas preocupações antigas; se Tyler estava traindo-a de novo, se ela havia ido bem na prova de física; se Caroline estava apenas enganando-a e rindo dela pelas costas; se ela teria que se consultar com um psicólogo novamente. 

E então, Elena desceu os degraus da escada com pressa, enfiando seus braços em uma jaqueta preta. Stefan vinha atrás dela, acompanhando seus passos na mesma velocidade. 

Emília piscou, confusa. 

― O que eu perdi?

Elena suspirou. 

― Escuta, eu tenho que sair agora com o Stefan. Quando eu voltar, eu te conto tudo. Prometo. Faz companhia pra tia Jenna. 

Stefan mal a olhou. 

Jenna assistia a uma maratona de filmes de terror, com uma tigela de pipoca no colo. Jeremy havia saído com Damon, para o Grill, Jenna contou. Senta aqui comigo, tá passando Pânico, ela disse. Emília não recusou a oferta, mesmo não querendo. Enquanto via o filme, ela olhou várias vezes para a porta de entrada, esperando a chegada da irmã. Pânico acabou e Elena ainda estava fora, fazendo só Deus-sabe-o-que. Ela não deu nenhuma pista, nenhuma dica. Eu tenho que sair agora com o Stefan. Que específica!

Jenna não percebeu o seu tormento e ansiedade. 

E Emília não percebeu quando ela mesma caiu no sono, deitada no sofá ao lado do da tia. Estava dormindo quando Jenna a envolveu num cobertor. 


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