Scooby Doo: Wicked Game escrita por KendraKelnick


Capítulo 29
Capítulo 29 – Squid Game: o jogo final


Notas iniciais do capítulo

Sejam Bem-vindos ao capítulo mais triste dessa história!



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Fred acomodou Daphne nos meus braços com cuidado, e se levantou rapidamente. A atitude dele fez Shaggy pegar suas armas e disparar em direção à mesa como um soldado em combate. Flim Flam tentou fazer o mesmo, mas o ferimento lhe fazia andar com muita dificuldade. Escondi meu rosto nos ombros de Daphne assim que vi a maneira determinada como Fred pegou uma faca, e não consegui fazer nada além de chorar. Aqueles homens eram criminosos, tinham um péssimo caráter e estavam dispostos a nos matar para receber milhões… mas, ainda assim, eram pessoas. E a ideia de que precisávamos assassinar pessoas para salvar nossas próprias vidas era hedionda e cruel, até mesmo no contexto demoníaco de Squid Game. Ao perceber o meu desespero, Daphne juntou as poucas forças que ainda tinha para me abraçar e acariciar meu cabelo, tentando me acalmar de alguma forma. Meu choro foi interrompido bruscamente pelo barulho de um tiro que atingiu um beliche próximo a mim, e na sequência ouvi Shaggy gritar. Vários tiros foram disparados em seguida, e isso me fez arrastar Daphne para um abrigo debaixo de uma das camas. De lá, eu vi que Alan estava na porta do dormitório, atirando em todas as direções sem piedade. Shaggy estava no chão, gemendo de dor com as mãos na barriga. Fred, Flim Flam e os demais participantes se abaixaram e procuraram se esconder debaixo da mesa e das camas, com medo de serem atingidos. Quando a rajada de tiros finalmente cessou, Alan riu debochadamente do cenário que viu.

Alan: Jones, dessa vez eu me lembrei de recarregar a arma! Obrigado pelo conselho! Infelizmente, eu tenho uma notícia muito ruim para vocês: vocês não são os preferidos dos VIPs! Sendo assim, de agora em diante, vocês ficarão desarmados e serão mortos caso ataquem os concorrentes favoritos. Sabe o que é, essa investigação mundial sobre lavagem de dinheiro e tráfico de órgãos não deixou os VIPS muito satisfeitos com vocês, sabia?… nesse momento, a mídia está em chamas com Angela e Dale Dinkley defendendo George Blake e exigindo providências do FBI sobre o desaparecimento da filha, Delilah Blake está mobilizando autoridades para fazer justiça pelo pai e pela irmã… até os insignificantes dos Rogers estão mobilizando a comunidade atrás do filho, acreditam? E todo esse escândalo tem atrapalhado um pouco nossos negócios e nossa vida financeira… as pessoas estão começando a ficar contra nós, e isso não é nada bom… melhor dizendo, nem todos! Fred Jones Senior concorda conosco de que a culpa de toda essa merda é a sua incompetência, capitão…

Velma: FRED, NÃO OUÇA, ELE ESTÁ MENTINDO!

Não sei dizer de onde tirei forças e coragem para gritar aquelas palavras e interromper Alan. Do medo de saber que aquele discurso poderia acabar com um tiro em cada uma das nossas cabeças? Da tristeza de saber que nossas famílias estavam fazendo o impossível para nos procurar? Da raiva que senti por ser ameaçada e não poder fazer nada? Não sei.  Só sei que tanto a força, quanto a coragem se dissiparam como uma descarga elétrica, e me deixaram fraca e vulnerável. E no momento seguinte, Alan olhou de maneira debochada para mim, deleitando-se por ter conseguido me tirar do sério.

Alan: Ora, por favor, Velma, não seja ridícula! O capitão sabe que eu não estou mentindo! Ele sabe que ele pode morrer aqui tranquilamente que o pai dele não se dará nem o trabalho de vir à Coréia para recuperar o corpo, e ainda reclamará de todo gasto que terá que ter com o funeral… ele também sabe que Judy Reeves nem imagina onde ele está nesse exato momento, e que o desaparecimento dele teve que ser reportado por Delilah porque ele tem uma mãe e dois pais, mas nenhum dos três realmente se importa…

Todas as forças que Daphne tinha naquele momento se perderam entre soluços de um choro incontrolável que tomou conta dela. Eu a abracei com mais força e tentei acalmá-la, mas enquanto eu fazia isso, o que nós duas mais temíamos aconteceu: a provocação de Alan foi efetiva e fez Fred sair do esconderijo para atacá-lo. Quando ouvi o barulho de Fred derrubando Alan no chão e, logo em seguida, entrando em luta corporal com ele, eu deixei Daphne e corri para impedi-lo – ou, talvez, para ajudá-lo a matar Alan.  Mesmo feridos, Shaggy e Flim Flam se arrastaram em direção a nós para nos ajudar. Para a nossa surpresa, os demais participantes saíram dos esconderijos e nos atacaram, defendendo Alan de nossa ofensiva. No momento em que Fred e eu conseguimos finalmente imobilizar Alan, eu senti uma dor horrível nas minhas costas, e ao olhar para trás, vi que Tom havia feito um enorme corte no meu ombro com o caco de vidro que arrancou do próprio rosto. Fred também sofreu cortes profundos enquanto eu reagia à dor do meu ferimento, e essa distração fez com que o jogo virasse contra nós. Em uma fração de segundo, Alan e os demais conseguiram nos imobilizar e colocar as facas em nossos pescoços.

Alan: Mas que merda, Fred! Que teimosia em querer morrer, você não pode morrer agora! Que falta de cavalheirismo da sua parte querer morrer antes da Daphne! Cara, se você fizer isso, quem é que vai estar do lado dela quando ela der o último suspiro? Quem é que vai ver o corpinho lindo dela ser carregado para dentro de um caixão e depois incinerado junto com o lixo? Quem é que vai impedir esses cavalheiros de esfaqueá-la agora mesmo para que a vida insignificante dela se transforme em alguns milhões de dólares no cofre? E se não bastasse tudo isso, você ainda colocou a Velma para lutar por você, que covardia! Não é à toa que seu pai te acha um merda… Será que é difícil de entender que vocês não sairão daqui com vida? Vocês irão jogar o jogo final para divertir os VIPS e depois morrer, ponto final! Não adianta resistir! Agora, vê se para com essa merda de tentar fazer armadilhas para mim e para os demais, acabou! Acabou para vocês! Voltem para suas camas e aproveitem suas últimas horas de vida antes do último jogo. Se eu fosse vocês, já sufocava Daphne e Flim Flam com o travesseiro, assim eu não preciso executá-los antes do jogo por não conseguirem correr e economizo algumas balas… 

Alguns guardas surgiram atrás de nós com armas apontadas para as nossas cabeças, mas eles não precisaram seguir nenhuma ordem: os próprios participantes nos arrastaram violentamente até as camas. Quando eles conseguiram nos reunir no canto do dormitório. Fred imediatamente correu em direção a Daphne, e Flim Flam e eu fomos ao encontro de Shaggy. Além das centenas de outros ferimentos anteriores, Shaggy agora tinha um tiro de raspão inédito na barriga, e apesar da bala não ter se alojado no corpo dele, o estrago que ela fez na pele e nos tecidos abdominais causaram um sangramento grande que, certamente, estava lhe causando muita dor. Enquanto Flim Flam e eu arrastávamos Shaggy em direção a Fred e Daphne, os demais participantes voltaram para a mesa, e lá receberam de Alan as facas que antes estavam em nossas mãos. Um grupo de seis soldados avançou em nossa direção com fuzis em punho e formaram uma espécie de barreira ao nosso redor.

Alan: Comportem-se, crianças! Quem tentar tirar a vida do amiguinho vai pro inferno mais cedo!

Alan riu da própria piada antes de se retirar e trancar a porta do dormitório. Tom e os outros homens voltaram à mesa e continuaram a refeição sem o menor pudor. E os soldados permaneceram ali, nos vigiando e nos ameaçando silenciosamente enquanto digeríamos o fato de que realmente iríamos morrer. Fred retomou Daphne nos braços e os dois se abraçaram como podiam. Mesmo que involuntariamente, Shaggy e eu também nos aproximamos deles, talvez porque um abraço era a única coisa que nos restava. No momento em que meus braços e os de Shaggy envolveram Daphne e Fred, Flim Flam atirou um travesseiro bruscamente em nossa direção e nos olhou com lágrimas nos olhos.

Flim Flam: Vai em frente, Shags. Por favor, cara, faz isso por mim! Eu matei mais de 40 guardas e vários VIPs, na hora que eles puserem as mãos em mim, eu sei que vão me torturar até a morte…

Não consegui descrever o horror que senti ao ouvir aquilo, mas Shaggy conseguiu. Após gritar raivosamente seu repertório de palavrões, ele escondeu o rosto nas mãos e chorou descontroladamente. Ao invés de causar comoção, a atitude dele irritou Flim Flam, que o pegou pelo colarinho e exigiu alguma ação.

Flim Flam: FAZ LOGO ESSA MERDA, CARALHO! NINGUÉM AQUI É FLUENTE EM COREANO! NINGUÉM AQUI SABE JOGAR ESSA PORRA DESSE JOGO, E MESMO QUE SOUBÉSSEMOS, SOMENTE UMA PESSOA VAI SAIR VIVA DAQUI COM O PRÊMIO! TODO MUNDO VAI MORRER DE MANEIRA HORRÍVEL EM ALGUMAS HORAS, ENTÃO ME DEIXA MORRER SEM DOR! EU NÃO QUERO LEVAR UM TIRO QUE NÃO SEJA FATAL E SER INCINERADO VIVO POR ESSES FILHOS DA PUTA!

As palavras e ações de Flim Flam só fizeram Shaggy surtar, e ele se soltou das mãos do amigo e correu para continuar a chorar em uma das camas. Flim Flam se irritou ainda mais, e ofereceu o travesseiro para mim.

Velma: Eu? Nem pensar, Flim Flam!

Eu me afastei do travesseiro como um demônio fugindo da cruz, e isso fez com que Flim Flam oferecesse o travesseiro para Fred.

Fred: Jamais, cara…

Daphne: Freddie, talvez seja uma boa ideia…

A fala fraca de Daphne espantou Fred, e o fez encará-la com lágrimas nos olhos.

Daphne: Por favor, está doendo muito, eu não estou conseguindo respirar direito… e Flim Flam tem razão, é melhor morrer sem dor…

Fred: SEM DOR? VOCÊ ACHA MESMO QUE EU SERIA CAPAZ DE FAZER ISSO COM VOCÊ? VOCÊ É SAGRADA PARA MIM!

Flim Flam: Fred, depois de todo o sadismo que você presenciou nesses jogos, como você acha que aqueles órgãos saudáveis chegaram aos EUA? Acha que aquelas pessoas morreram pacificamente em camas confortáveis e tiveram seus órgãos arrancados após a morte? Claro que não! Você não imagina o que aqueles soldados fazem lá embaixo com os eliminados! Principalmente com as mulheres, você não tem ideia de tudo o que eu vi! E considerando o ódio que Alan e os VIPs têm de nós, eu tenho até medo de imaginar o que eles farão conosco… então, se ela realmente é sagrada para você, e se você tem o mínimo de consideração por mim, acabe logo com isso! E tente vencer o jogo final para salvar Shaggy e Velma!

Flim Flam jogou o travesseiro bruscamente em direção a Fred, mas ele golpeou imediatamente e fez o travesseiro voar longe. Flim Flam suspirou impacientemente e se afastou para pegar o travesseiro, e Daphne interveio.

Daphne: Fred, ele tem razão… você sabe que eu não vou conseguir jogar… e eu não vou sobreviver se eu não for socorrida logo… então, por favor, por mais difícil que seja, deixe-nos partir sem dor! Eu estou com medo…

Fred: DAPHNE, EU NÃO VOU MACHUCAR VOCÊ! EU NÃO POSSO FAZER MAL PARA VOCÊ, EU NÃO CONSIGO…

Uma epifania interrompeu as palavras raivosas de Fred e o fez olhar fixamente para Daphne e suspirar.

Fred: …mas, de alguma forma, eu fiz isso a vida inteira, né? E é por isso que estamos aqui… é por isso que você vai morrer… tudo culpa minha… eu matei você, Daph… por favor, me perdoe, mesmo sabendo que eu nunca vou me perdoar por isso…

Fred abraçou Daphne e soluçou entre lágrimas. De alguma forma, eu senti toda a tristeza que ele sentiu – e a tristeza de toda aquela situação – e também abracei os dois para chorar. Flim Flim se aproximou com o travesseiro em mãos, mas ao se deparar com a cena de nós três abraçados aos prantos, ele desistiu de pedir novamente e se afastou em direção a Shaggy.

Daphne: Fred, o passado não importa agora, não diga essas coisas…

Fred: Eu estou cansado de não dizer o que deve ser dito!

Daphne: Então diz que me ama?

Daphne terminou a frase com um pequeno sorriso, e isso fez Fred sorrir também antes de beijá-la e repetir diversas vezes que a amava – o que fez Daphne sorrir ainda mais. O barulho da porta do dormitório se abrindo interrompeu os dois, e os guardas gesticularam para que nós saíssemos para a higiene noturna. Fred e eu nos olhamos com tristeza, e tivemos o mesmo receio de deixar Daphne, pois não sabíamos se ela ainda estaria viva quando voltássemos.

Velma: Fred, talvez nós devêssemos levá-la… precisamos fazer algo com esse ferimento antes de infeccione… vamos tentar tirar o caco de vidro e lavar um pouco…

Daphne: NÃO! Por favor, não… deixa como está, Vel, por favor… você não faz ideia da dor que eu estou sentindo…

A força com que Daphne apertou a minha mão demonstrou o tamanho da dor que ela estava sentindo – e meu coração doeu por ela.

Fred: Vai vc, Vel… e leve Shaggy e Flim Flam… eu sei que é arriscado, mas se tiver uma chance de fugir, fuja… será a última chance… nós dois vamos ficar bem… eu quero aproveitar…

Fred não conseguiu terminar a frase, mas eu entendi que ele queria passar os últimos momentos de Daphne com ela. Eu confirmei balançando a cabeça, e no momento que fechei os olhos, as lágrimas escorreram pelo meu rosto. Senti vontade de gritar “NÃO VOU DEIXAR VOCÊS PARA TRÁS!”, mas o medo me fez engolir a revolta e me conduziu em direção à porta do dormitório. Shaggy me seguiu por um momento, mas logo em seguida Flim Flam o segurou pela mão e o impediu de sair.

Flim Flam: Você vai mesmo sozinho em um banheiro com cinco homens armados que querem te matar?

Shaggy: Tipo, que outra porra de opção eu tenho? Morrer esfaqueado no banheiro, morrer baleado no corredor, morrer espancado no dormitório, morrer na cama, morrer na porra daquele jogo… EM TODAS AS OPÇÕES EU VOU MORRER, ENTÃO QUE SE FODA!

Shaggy se soltou com raiva, mas logo em seguida eu o segurei e sinalizei para ele voltar. Ele me olhou com raiva, repetiu seu repertório de palavrões e voltou para o dormitório suspirando de ódio.

Flim Flam: Você é a única mulher, mas também não é seguro para você…

Velma: Aqui não é seguro em nenhum lugar… eu preciso fazer alguma coisa…

Flim Flam: Então, boa sorte…

Velma: Para todos nós…

            Meus sonhos de fuga logo foram destruídos quando, ao botar meus pés do lado de fora do dormitório, um guarda me algemou ao punho dele, enquanto outro guarda apontou o fuzil para a minha cabeça e sinalizou para eu andar. Fui conduzida dessa forma e lá chegando eles me soltaram. Infelizmente, havia meia dúzia de guardas me aguardando dentro do banheiro, e isso definitivamente encerrou as minhas possibilidades de fuga. A presença deles me constrangeu e me impediu de tomar banho, mas não foi suficiente para evitar que o vazio daquele lugar me machucasse. Somente eu sobrevivi. E meu coração estava tão vazio quanto aquele lugar. O mérito de ainda estar viva era ofensivo e cruel, e doía tanto quanto todas aquelas ausências. Um dos guardas se irritou por eu estar parada e me ameaçou, então eu caminhei até a pia e lavei as lágrimas do meu rosto. Mas a tristeza não saiu de mim. Por um instante, deixei meus olhos se perderem em meu reflexo no espelho, para ignorar a realidade que eu não queria ver. Em poucas horas, minha vida iria acabar, nem em meus delírios mais loucos eu imaginei que seria tão cedo, ou que seria daquela forma. Inevitavelmente, pensei em Marcie, em Madelyn, nos meus pais… e eu tudo aquilo que eu não iria viver. O descontrole emocional causado pelas lembranças irritou novamente o guarda, e ele me arrastou para fora do banheiro até me algemar de volta ao guarda que me trouxe, e eles me conduziram ao dormitório como um cão.

Fui a primeira a chegar ao dormitório, e logo vi Daphne acomodada em uma cama. Fred e Shaggy estavam ao redor dela com lençóis e travesseiros ensanguentados nas mãos, tentando de alguma forma estancar o sangramento e fazer um curativo. No meio do caminho, fui interrompida por Flim Flam me oferecendo um travesseiro de maneira incisiva.

Flim Flam: Velma, por favor… POR FAVOR! Não me deixe cair nas mãos deles com vida!

Senti tanta pena da maneira desesperada como ele me pediu para acabar com a vida dele que não consegui dizer nada. Por outro lado, mesmo sabendo que seria por um bom motivo, eu seria incapaz de fazer aquilo e recusei. Flim Flam ficou irado por ser ignorado mais uma vez e começou a gritar nossos nomes – e repetir centenas de vezes “por favor”. Shaggy e eu nos olhamos com lágrimas nos olhos, pois era cruel demais ignorar ou executar aquele pedido. Como os pedidos foram ineficazes, Flim Flam arrancou o lençol de uma das camas e enrolou em volta do próprio pescoço, improvisando uma forca.  A atitude de Flim Flam fez Shaggy levantar bruscamente e arrancar com raiva o lençol do pescoço dele.

Shaggy: O QUE VOCÊ PENSA QUE ESTÁ FAZENDO, PORRA! NINGUÉM VAI TE MATAR, NEM VAI DEIXAR VOCÊ FAZER ISSO, TÁ ME ENTENDENDO? ALÉM DO MAIS, A SUA RELIGIÃO CONDENA O SUICÍDIO! SE VOCÊ FIZER ISSO, VAI VOLTAR TODO FUDIDO NA PRÓXIMA VIDA!

Flim Flam: EU QUERO QUE A MINHA RELIGIÃO SE FODA! EU NÃO VOU SER TORTURADO! E SE NINGUÉM VAI ME AJUDAR, NINGUÉM TAMBÉM VAI ME IMPEDIR QUE EU FAÇA SOZINHO!

Shaggy: EU VOU!

Flim Flam: EU TE MATO ANTES QUE FAÇA ISSO!

Velma: Hey! Calma! Calma vocês dois… eu faço, ok?  Eu faço… e logo em seguida, tiro a minha própria vida também… se quiser, eu também faço com você, Shags… Só esperem a Daphne morrer, ok? Vamos esperar as luzes se apagarem, senão os guardas podem nos impedir… Flim Flam tem razão, Shags, é a melhor escolha que temos e a nossa única chance de morrer em paz… se cairmos nas mãos dos VIPs, poderemos ficar anos em um porão sendo torturados e abusados…

Shaggy me olhou com surpresa e decepção, e logo em seguida algumas lágrimas escorreram pelo rosto dele. Ele tentou contra argumentar, mas a raiva e o desespero calaram suas palavras e o fizeram chorar desesperadamente. Flim Flam e eu o abraçamos, mas ele logo se soltou raivosamente de nossos braços e correu em direção a Fred.

Shaggy: LEVANTA DAÍ, FREDERICK, E FAZ ALGUMA COISA PORQUE AQUELES DOIS MERDAS QUEREM COMETER SUICÍDIO! E A PORRA DA SUA AMIGA GÊNIA TÁ CONCORDANDO QUE É UMA BOA IDEIA!

Fred fez um gesto pedindo silêncio, como um pai que nina um bebê, e apontou para Daphne em seus braços. O pedido dele foi em vão, pois o grito de Shaggy fez Daphne abrir os olhos, mas logo em seguida ele acariciou o rosto dela e a fez fechar os olhos novamente.

Fred: Por que eles querem se matar? Ainda tem o próximo jogo! A gente venceu todos os jogos anteriores com centenas de oponentes, vamos vencer esse jogo também… são só cinco pessoas para matar, a gente dá conta… se a gente matar todos eles bem rápido, podemos desistir!

Shaggy: AH NÃO, VOCÊ TAMBÉM PIROU? VOCÊ ESQUECEU QUE ALAN VAI MATAR DAPHNE E FLIM FLAM ANTES DO JOGO COMEÇAR E…

Fred: ELA NÃO VAI MORRER, ela só tem 27 anos! Ela vai ter uma vida longa e feliz… todos vocês vão! Vamos ficar velhos e ter que aturar um ao outro em um asilo. Nós vamos jogar o próximo jogo, Daphne e Flim Flam ficarão deitados atrás de nós na arena, e nós protegeremos eles. Nós vamos acabar com aqueles vermes um por um, e venceremos essa merda de uma vez por todas! Eu fui claro?

Shaggy: FRED, SE LIGA, NESSE ESTADO ELA NÃO DURA DUAS HORAS!

Fred segurou Shaggy pelo braço com força, e antes que ele pudesse descontar toda a raiva que sentia, eu soltei Shaggy e o empurrei para longe. Shaggy xingou em voz alta e suspirou para aliviar a frustração que sentiu ao perceber que o estado mental de Fred estava pior que o meu e o de Flim Flam. No mesmo momento, os demais participantes voltaram dos banheiros sorrindo e comemorando, e em seguida, os guardas anunciaram que as luzes se apagariam em dez minutos.

Dessa vez, eu não escolhi uma cama, pois não tinha intenção nenhuma de desperdiçar minha última noite de vida dormindo. Ao invés disso, eu me sentei ao lado da cama de Daphne e segurei mão dela com ternura. Ela e Fred estavam rindo e conversando coisas que eu não conseguia ouvir. Quase que por instinto, Shaggy veio até nós e se sentou ao meu lado. Sem dizer nada, ele beijou o topo da minha cabeça e me abraçou com força, e eu senti as lágrimas dele molharem o meu pescoço. Flim Flam se aproximou de nós e, para o meu desespero, ele trouxe um lençol em forma de forca, exigindo que eu cumprisse o que eu havia prometido.

Velma: Por favor, me dê um minuto… eu preciso me despedir…

Falei aquelas palavras me levantando depressa, para que Flim Flam não notasse que eu estava chorando. Entretanto, um segundo depois, Shaggy me segurou pela mão e me forçou a voltar para aquele abraço. Daphne se moveu com dificuldade, se acomodou nos braços de Fred e sorriu para nós.

Daphne: Que cena linda, eu sempre torci por vocês dois, sabia?

Shaggy: Tipo, eu sempre torci para ela ser hétero…

O comentário sincero de Shaggy nos fez rir, e ele corou. E eu aproveitei a ocasião para limpar as lágrimas que se acumulavam no meu rosto.

Velma: Minha sexualidade nunca me impediu de te amar e te admirar muito, Shags… se eu fosse escolher um cara, com certeza seria você, mas orientação sexual não é bem uma questão de escolha…

Daphne: Aposto que Freddie ficou ofendido de não ser o escolhido… ele adora de ser admirado…

Nós rimos mais uma vez e irritamos Fred com esse fato até ele corar e admitir que estávamos certos.

Fred: Qual é, todo mundo gosta de atenção… tipo aquela vez em que o Shags se apaixonou platonicamente pela atendente do Malt Shop por motivos aleatórios…

Shaggy: Não era aleatório! Ela realmente colocava mais carne no meu hambúrguer e mais calda no meu milkshake no que nos das outras pessoas!  Tipo, eu era realmente especial!

Daphne: Porque você era um cliente fiel e ia lá umas dez vezes ao dia! Ela só estava sendo legal, Shaggy, ela não estava dando em cima de você!

Fred: Não acredite nisso, Shags… eu achei isso a vida inteira sobre a Daphne, e eu estava errado… e no fim, eu só me ferrei e perdi tempo…

Velma: Porque, obviamente, você tem problemas graves de cognição…

Dessa vez, rimos tão alto que os demais participantes e os guardas nos olharam com reprovação.

Daphne: Frederick Jones, você só pode estar brincando! Eu sempre achei que era tão óbvio pra todo mundo que eu gostava de você…

Velma: E era óbvio!

Daphne: …e eu sempre tentei esconder, com medo do que você iria pensar sobre isso…

Velma: E falhou miseravelmente!

Eu ri enquanto Daphne corou, e Fred beijou a testa dela com ternura.

Fred: É exatamente isso… eu sempre senti o mesmo, mas também tinha medo do que você iria pensar… sinceramente? Eu sempre achei que eu não te merecia… ainda acho… por isso achei que eu não devia levar esse sentimento a sério, nem tão longe… mas agora eu vejo que perdi tanto tempo, Daph… se eu soubesse que seria assim…

Daphne: … que a gente morreria tão jovem? Ou que a gente só teria três dias realmente juntos como namorados?

Fred: … que não seria para sempre. Que eu não teria você para sempre. Você sempre esteve do meu lado desde que eu me entendo como pessoa, então, eu nunca achei que um dia ficaria sem você…

A tristeza na voz de Fred doeu em mim, e Daphne apertou a mão dele com lágrimas nos olhos, e em seguida o beijou. Shaggy e eu nos olhamos, incomodados que a tristeza vinha à tona, e ele tentou impedir que isso acontecesse.

Shaggy: Tipo, vocês se beijaram na terceira série, então já faz algum tempo que demonstram sentimentos um pelo outro… e eu lembro que foi na frente de todo mundo… se isso é esconder, eu não sei o que é demonstrar…

Velma: Foi no meu aniversário de oito anos, por sinal…

Fred: Sim, no aniversário em que você ficou com trauma de palhaços…

Velma: Ah, não, essa história de novo não!  Faz quase vinte anos, essa zoeira já deu! Vamos esquecer isso, por favor?

Shaggy: Ainda parece bem atual e apropriada para mim…

Daphne: Naquele dia, eu só estava sendo legal mesmo… ele caiu da árvore, gente, ele merecia um beijo… eu fiquei morrendo de dó…

Velma: Do que você está falando? Ele mereceu cair daquela árvore, ele era uma peste! Ele acabou com o meu aniversário!

Fred: Então o meu primeiro beijo foi uma mentira e você me beijou por dó? Eu podia ter morrido sem essa…

O comentário de Fred soou como um balde de realidade em todos nós, e fez todos os sorrisos desaparecerem. Por um instante, havíamos esquecido que, de fato, estávamos prestes a morrer.

Daphne: …mas, nas outras vezes, eu não estava apenas sendo legal com você…

Fred: Você foi bem legal comigo na noite do baile… na verdade, você foi maravilhosa…

O sorriso malicioso de Fred fez Daphne corar e rir, e Shaggy e eu reviramos os olhos.

Velma: Ai, que desnecessário, Fred!

Shaggy: Desnecessário pra caralho!

Daphne: É, parece que fomos bem legais um com o outro naquela noite…

As palavras de Daphne saíram como um sussurro, e ela sorriu timidamente. Fred a beijou com ternura, mas ela logo interrompeu o beijo para respirar com dificuldade, e isso fez o semblante dele entristecer.

Shaggy: Tipo, pena que tudo o que vivemos vai acabar assim… tão cedo… e de maneira tão cruel…

Fred abriu a boca para refutar Shaggy, mas o sofrimento evidente de Daphne o calou. Ao vê-la com dificuldades, nós três unimos forças para colocá-la de volta na cama, em uma posição mais confortável que não afetasse o ferimento. Porém, o desconforto de Daphne não cessou, e logo os lençóis se banharam de vermelho com a presença do corpo dela.

Flim Flam: Talvez não acabe… talvez vocês continuem em outro lugar… ou talvez vivam de novo juntos, de outras formas… bem, pelo menos é o que eu acredito…

Todos nós olhamos para Flim Flam com espanto, e percebi que ele tentou esconder as lágrimas que tinha nos olhos. Ele não segurava mais a forca, nem o travesseiro. Fred estava aflito com a situação de Daphne, e tentou de alguma forma fazê-la rir.

Fred: Tomara que a Velma seja republicana na próxima vida…

Velma: Tomara que você seja menos babaca! Caraca, você tem o dom de me irritar, você não mudou nada desde a terceira série!

A piada fez um sorriso tímido surgir na boca de Daphne, mas foi insuficiente para disfarçar a piora em seu estado de saúde.

Shaggy: Tipo, Flim Flam tem razão… eu sei que eu vou reconhecer vocês… vocês são inesquecíveis… mesmo se a Velma for republicana…

Velma: Vocês estão quase me convencendo a não querer reconhecer vocês…

Daphne: Gente, não importa se nossas vidas acabarão, ou como acabarão… o importante é que estamos juntos… e eu vou morrer no lugar em que eu sempre quis estar… ao lado dos meus melhores amigos e nos braços do amor da minha vida…

As palavras sussurradas de Daphne destruíram totalmente o resquício de alegria que pairava no ar devido às piadas, e todos nós entramos em um silêncio mórbido e doloroso, interrompido apenas por soluços e lágrimas. Pouco depois, as luzes se apagaram, e tivemos que procurar camas para nos alojar. Apesar da tristeza profunda e do medo, eu não tive coragem, nem senti vontade de acabar com a minha própria vida. Felizmente, Flim Flam não tocou mais no assunto, e eu fiquei encolhida em minha cama, olhando para a escuridão e aguardando minhas horas finais passarem. De repente, ouvi Flim Flam se levantar e se afastar de nós, e meu coração disparou de imaginar que ele tinha decidido se suicidar. Tanto eu, quanto Shaggy nos levantamos depressa e o impedimos de continuar. Para a nossa surpresa, ele não tinha nenhum objeto nas mãos.

Flim Flam: Calma, pessoal, eu não vou mais fazer aquela loucura… a conversa de vocês me fez mudar de ideia…

Velma: Então aonde você vai?

Flim Flam: Vou fazer a única coisa que me resta… meditar e orar por um milagre…

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            Um estouro repentino e distante me acordou e fez o dormitório inteiro tremer. Minha mente estava tão atribulada que não percebi que eu havia adormecido. Devido à localização geográfica, a explicação mais razoável para o barulho e para o tremor seria um terremoto. Porém, em Squid Game, certamente aquilo seria algo muito mais trágico e perigoso que um simples terremoto. Meu coração disparou de medo, e imediatamente eu me levantei, temendo o que aconteceria logo em seguida. O único que estava acordado era Fred, que estava sentado ao lado da cama de Daphne vigiando o sono dela.

            Fred: Aonde você vai? Eu não vou deixar você se matar, eu já disse que tenho um plano para o jogo final e todos nós vamos sair daqui com vida!

            Velma: Não vou a lugar nenhum… você ouviu isso?  Não sei se estou pirando, mas eu acho que ouvi uma explosão e um tremor logo em seguida…

            Fred: Eu não acredito que vivi para ver o dia em que Velma Dinkley estava perto do lugar onde há mais vulcões e terremotos no mundo e questionou o que seria um tremor, que decadência… até eu que sou ruim em biologia sei a resposta… nem parece que você nasceu no meio da falha de San Andreas e passou a vida aprendendo na escola sobre a merda da geologia atípica de Crystal Cove…

            Velma: Isso não é biologia, idiota, é geografia! E é a prova de que você é ruim em geografia também! Não é momento para ironias e piadas, Fred, eu estou falando sério, você ouviu uma explosão e sentiu um tremor no dormitório logo em seguida?

Fred: Ouvi, foi um pequeno terremoto, fim do mistério… lembra daquele documentário chato que você nos obrigou a assistir quando os Blakes inauguraram o cinema na casa deles? Que falava que no Japão há uns mil terremotos por ano?

Velma: Na verdade, são dois mil por ano, um tremor a cada cinco minutos…

Fred: Foda-se… enfim, é isso…

Velma: Fred, nesse lugar, um terremoto de magnitude 9.8 seria a coisa menos cruel e assustadora que poderia acontecer conosco! É isso que estou querendo dizer! Será que os VIPs não estão tramando algo para nos matar? Sei lá, um incêndio, uma explosão, câmara de gás, algo do tipo? Talvez o próximo jogo não aconteça… e eles só queiram se livrar de nós… não acreditei quando Alan disse que Tom e os demais são favoritos e ganharão o jogo… não sei…

Minha voz estava falhando, e minhas mãos e pernas tremiam tanto que eu pensei que fosse desmaiar de medo.  Fred não respondeu, mas percebi que ele havia considerado o que eu havia dito porque ele se levantou de repente.

Velma: Talvez Flim Flam esteja certo… o suicídio é a melhor opção… o que virá pode ser muito pior e muito mais doloroso…

Fred: Se eu não cometi suicídio depois daquele documentário de 2 horas, eu nunca mais vou cometer…

Velma: FRED, PARE DE FAZER PIADA! EU TÔ FALANDO SÉRIO, ELES VÃO NOS MATAR!

Fred: EU NÃO VOU DESISTIR E NÃO VOU DEIXAR VOCÊS DESISTIREM!

O grito de Fred acordou Shaggy e outros participantes, e me fez cair no choro. Ao ver meu desespero, Fred me abraçou e tentou me acalmar de alguma forma. Eu tentei explicar meu ponto de vista, pois o pânico que tomou conta do meu corpo me impedia de ficar calada, aguardando o próximo jogo.

Velma: Fred, por favor, pode ser que isso não esteja nos seus planos!

Fred: Se a gente se suicidar, como vamos saber?

Velma: Fred, deixe de ser engraçadinho, pare de fingir que está calmo! Não podemos jogar o próximo jogo! Nós vamos morrer!

Fred: Então, vamos nos matar agora porque temos a possibilidade de morrer daqui a algumas horas? Cadê a garota do raciocínio lógico que eu conhecia, que sempre buscava uma explicação racional para as coisas? Olhe para o guardas, eles sequer estão preocupados, já devem estar acostumados com tremores desse tipo…

Velma: Fred, nós vamos sofrer muito, e eu não quero! Eu não quero morrer, EU NÃO QUERO!

O desespero me deixou ofegante e me fez chorar até soluçar. Fred me abraçou com mais força e Shaggy se aproximou de nós para me confortar.

Fred: Velma, escute, fique calma e foque nos fatos, isso é tudo o que você precisa nesse momento para sobreviver. Nesse hospício, só sairá vivo quem for mentalmente equilibrado. Se você cair no terror psicológico deles e se deixar impressionar com a violência gratuita desse lugar, você já perde 75% das chances de sobreviver… muitos participantes perderam a vida de maneira idiota por puro desespero, o Alan nos provoca a todo momento para reagirmos e sermos espancados, eu mesmo caí nisso várias vezes! Agora, raciocine: em qual das opções há pelo menos 1% de chance de nós todos sobrevivermos?

As palavras e o abraço de Fred pararam meu choro, mas não tiraram do meu coração o medo que eu estava sentindo.

Velma: E se eles estiverem tramando algo contra nós nesse momento?

Fred: Nós também estamos tramando algo contra eles. Então, estamos quites. Agora tente descansar em pouco. Precisaremos de disposição, atenção, frieza e equilíbrio emocional para vencer.

Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, Shaggy me abraçou, beijou o topo da minha cabeça e me conduziu de volta à cama. Fred nos acompanhou, talvez para ter certeza de que eu não iria atentar contra a minha própria vida. Quando sentei na cama, porém, fiquei em estado de choque por alguns minutos. Os rapazes insistiram para que eu me deitasse, mas o medo me paralisava de tal forma que eu não podia me mexer. Quando eu finalmente cedi, outro estouro aconteceu, dessa vez, mais forte que o anterior e, aparentemente, ocorreu em um lugar mais próximo de nós. O tremor no dormitório foi tão forte que as janelas de vidro tremeram e as estruturas dos beliches vibraram, e isso acordou Flim Flam e os demais. O susto me fez sentar na cama, e eu não precisei falar nada para Fred e Shaggy.

Fred: Acho que você tinha razão, não parece um terremoto, isso é dinamite!

Fred correu em direção a Daphne e Shaggy segurou a minha mão. Dessa vez, nós não éramos os únicos aflitos com a explosão. Todos os guardas do dormitório estavam inquietos, mandando mensagens no rádio, e isso provava que, realmente, algo atípico estava acontecendo. Minha angústia aumentou quando ouvi Fred chorar e gritar desesperadamente o nome de Daphne. A possibilidade de ela ter falecido causou um aperto no meu coração, e imediatamente Shaggy, Flim Flam e eu corremos em direção a eles.

Fred: VELMA, ELA NÃO ACORDA! EU NÃO CONSIGO ACORDÁ-LA!

As palavras de Fred fizeram o aperto em meu coração aumentar, e quando eu toquei as mãos frias dela, esse aperto me sufocou de desespero. Shaggy tentou consolar Fred e meu primeiro impulso foi checar os sinais vitais dela. Felizmente, Daphne ainda tinha pulso e ainda estava respirando, mas ambos estavam tão fracos que pareciam imperceptíveis. Minha constatação de que Daphne ainda estava viva fez o choro de Fred ceder, mesmo assim, o desespero dele continuou e desestabilizou toda a confiança e a motivação que ele demonstrou minutos atrás. Após uma longa mensagem de rádio em idioma coreano, as luzes se acenderam de repente. Os guardas correram para a porta do dormitório e exigiram que ela se abrisse, mas não foram atendidos. A luz forte fez os outros participantes se levantarem e, infelizmente, denunciou o estado mórbido em que Daphne se encontrava: palidez extrema, lábios arroxeados e olheiras escuras em volta dos olhos.

Fred: Temos que sair daqui agora!  Ela não tem muito tempo! Os guardas estão de costas, podemos acertá-los com facas!

Shaggy segurou Fred pelo pulso e conteve todo o impulso dele de tentar lutar mais uma vez. Enquanto isso, Flim Flam se aproximou dos outros homens para convencê-los a desistir. O desespero dos guardas chutando e golpeando a porta do dormitório que não abria fez alguns deles hesitarem, mas Tom, mesmo em um estado tão terminal quanto o de Daphne, não os deixou desistir. No mesmo momento, uma terceira explosão aconteceu do lado de fora do dormitório, ainda mais forte e mais próxima que as anteriores, e isso fez a luz piscar e o ar-condicionado parar de funcionar.  Os guardas ficaram ainda mais assustados, e enquanto mandavam mensagens no rádio, outra explosão aconteceu, seguida de vários tiros. Inevitavelmente, Flim Flam e eu nos aproximamos de Fred e Shaggy, pois sabíamos que algo bem ruim estava prestes a acontecer. Os rádios que os guardas usavam ficaram sem sinal e exibiam um chiado incomum. Uma fumaça sufocante invadiu o dormitório, denunciando que um provável incêndio estava acontecendo e que, realmente, algo estava fora do controle. O cheiro de fumaça fez os guardas iniciarem manobras manuais para abrir a porta do dormitório, mas não conseguiram.  Fred, Shaggy, Flim Flam e eu nos olhamos, e nós sabíamos que aquele seria o nosso fim. Em um impulso, Fred correu até a porta e tentou ajudar os guardas a abri-la, mas não teve sucesso. Shaggy, Flim Flam e outros participantes fizeram o mesmo, mas a porta parecia não ceder. Para piorar, uma explosão aconteceu próxima ao fundo do dormitório. Ela fez as janelas superiores quebrarem, fez o sistema elétrico soltar faíscas e entrar em curto, e encheu o dormitório com uma fumaça branca ainda mais sufocante. Alguns pequenos cacos de vidro acertaram os guardas e os rapazes, e inevitavelmente, todos começaram a tossir devido à fumaça. Imediatamente, eu me aproximei de Daphne, preocupada com os danos que aquela fumaça poderiam fazer a sua respiração debilitada. Fred e os demais surgiram logo em seguida.

Fred: Acho que você estava certa, os VIPs querem destruir o lugar para acabar com as provas! Tem um incêndio acontecendo ao redor do dormitório, as paredes estão quentes e há fumaça por toda parte, precisamos sair daqui!

A crise de tosse que interrompeu a fala de Fred – e a crise de tosse que tomou conta de nós – refutaram Fred e eram uma prova incontestável de que não conseguiríamos sair dali. Ao se recuperar, Fred pegou uma fronha de travesseiro para improvisar uma máscara e cobrir o próprio nariz, e em seguida, fez o mesmo com Daphne. Ao som de gritos, balas e barulhos de passos apressados, Shaggy, Flim Flam e eu copiamos Fred. Enquanto Shaggy e Flim Flam retornaram à porta, Fred tentava tirar Daphne da cama de maneira segura, sem tocar no ferimento. O medo me paralisou de tal forma que eu não sabia o que fazer. Eu o ajudei brevemente a erguê-la, mas ao ter suas mãos encharcadas de sangue, Fred hesitou.

Fred: Não podemos movê-la, Velma, isso piora o sangramento, ela está muito fraca e pode morrer!

Velma: Se nós não a tirarmos daqui, com certeza ela vai morrer!

De repente, um tiro de sniper vindo das janelas acertou a cabeça de um dos guardas que estavam na porta e ele caiu morto no chão. Shaggy e Flim Flam correram em nossa direção, enquanto vários outros tiros acertaram os que permaneceram tentando abrir a porta. Fred venceu o medo inicial e definitivamente pegou Daphne em seus braços, logo em seguida, ele correu para um abrigo embaixo da mesa, e nós fizemos o mesmo. No momento em que nos escondemos debaixo da mesa, a grande porta do dormitório explodiu com violência e os guardas foram arremessados longe, assim como os pedaços de concreto e madeira. Além de lançar muita poeira de concreto, a explosão fez mais fumaça entrar no dormitório, uma vez que abriu um enorme buraco na parede onde antes tinha a porta. Através desse buraco, era possível ver chamas consumindo o revestimento plástico dos corredores. Por essas chamas, surgiram Gi-Hun, três agentes da Interpol armados, e logo atrás deles, Scooby-Doo. Gi-Hun e os agentes entraram rápido, pisando sobre os escombros e apontando as armas para os corpos dos soldados que estavam no chão. Mesmo assim, Shaggy não se deixou intimidar com a cena catastrófica e correu em direção ao seu melhor amigo para abraçá-lo. Fred também correu depressa em direção à porta, ansioso para socorrer Daphne, e Flim Flam saiu debaixo da mesa logo em seguida. Eu fui a única que hesitou, mas quando os agentes pediram para que saíssemos depressa do dormitório devido ao incêndio, eu obedeci. Scooby-Doo estava radiante de nos ver, ele latia, pulava em nós e lambia nossos rostos descontroladamente. A ansiedade dele só era freada pelos longos abraços que Shaggy lhe dava, aos prantos.

Flim Flam: Precisamos sair desse lugar agora, vamos!

A ordem de Flim Flam fez Shaggy desfazer o abraço e agir. Infelizmente, somente dois dos cinco participantes quiseram vir conosco. Dois participantes surtaram ao perceber que teriam que deixar o cofre para trás, e se recusaram a sair sem o dinheiro. Ao se aproximar de Tom para ajudá-lo, Shaggy notou que ele já estava morto. Quando chegamos no meio do primeiro corredor, outra explosão aconteceu e fez grande parte do dormitório ruir. A empatia me paralisou por um segundo e me fez pensar nos dois homens que haviam ficado lá para tentar pegar o dinheiro, mas Shaggy logo me puxou e me fez continuar a correr. Flim Flam nos conduziu por um caminho diferente e, aparentemente, menos confuso do que o labirinto de corredores que passávamos todos os dias. Porém, ao chegar a uma grande sala, não era possível continuar. Estava escuro, o teto havia cedido devido à explosão e havia muita fumaça tóxica. Flim Flam imediatamente recuou e sinalizou que devíamos voltar.

Flim Flam: Não há como passar, infelizmente teremos que passar pelo labirinto!

A fumaça naquele lugar era sufocante e debilitante. A cada crise de tosse, parecia que havia menos oxigênio disponível para se respirar, e a minha cabeça doía cada vez mais. Mesmo assim, nós retornamos depressa ao caminho habitual, mas ao chegar no labirinto, o cenário era ainda pior. A fumaça obstruía muito a visão, e parecia mais sufocante do que a fumaça anterior, uma vez que fazia meus olhos lacrimejarem. Havia corpos de soldados por toda a parte, e alguns deles, ainda vivos, rastejavam em nossa direção. Labaredas grandes consumiam a decoração plástica e conferiam uma visão infernal e assustadora àquele lugar. Ao ver aquilo, todos nós paralisamos. Gi-Hun continuou com cuidado e nos incentivou a continuar, mas ainda assim permanecemos parados. Scooby-Doo, então, abocanhou a barra da camiseta de Shaggy e o puxou até ele se convencer a segui-lo.

Shaggy: Vamos, turma, é a nossa única chance!

Dois agentes carregaram Flim Flam para que ele conseguisse se mover mais depressa e eu saltei entre os corpos, desviando as mãos que insistiam em puxar meus tornozelos. Ao olhar para trás, percebi que Fred ainda estava no mesmo lugar. Imediatamente eu voltei e o puxei pelo punho, mesmo assim, ele não se moveu.

Fred: Velma, não há como continuar, é muita fumaça, vai sufocá-la!

Velma: Fred, essa é a única opção, a única em que há pelo menos 1% de chance de sobreviver! Você mesmo me disse isso, vamos!

Fred: 1% de chance para mim, Daphne pode não resistir…

Velma: FRED, PARE DE DEIXAR O MEDO DEFINIR A SUA VIDA! VOCÊ JÁ NÃO PERDEU O SUFICIENTE POR SENTIR MEDO DE FAZER A COISA CERTA?

Uma crise de tosse tirou meu fôlego totalmente, e antes que eu cedesse totalmente, eu puxei Fred pelo pulso e o obriguei a continuar. Quando chegamos a um ponto em que a fumaça não nos permitia enxergar quase nada, nós nos abaixamos e nos deixamos guiar pelo barulho das balas. Os barulhos de balas ficaram cada vez mais próximos, e em seguida, Scooby-Doo passou por nós correndo em direção contrária.

Shaggy: Voltem! Voltem! Soldados armados!

Shaggy nos empurrou rapidamente e nos forçou a retornar, enquanto os agentes trocavam tiros com alguns soldados. Tanto o retorno, quanto a cena dos participantes e de um dos agentes da Interpol sendo baleados, foram os veredictos de que iríamos sucumbir naquele lugar. Ao chegar de volta à sala central dos labirintos, havia chamas por toda parte, e a fumaça havia se tornado escura, e ainda mais tóxica.  Fred atravessou as chamas até chegar a um dos corredores do labirinto, enquanto Flim Flam e os agentes da Interpol terminavam de exterminar os soldados restantes que nos perseguiam. Shaggy, eu e Scooby ficamos perdidos no meio da sala, envoltos em fumaça e chamas. O calor no lugar em que estávamos era tão insuportável que Scooby logo recuou e puxou Shaggy de volta ao labirinto em que os guardas e agentes trocavam tiros, mas no momento seguinte, ele desmaiou. Scooby se empenhou em arrastá-lo e eu tentei ajudá-lo, mas o oxigênio era tão escasso que eu deitei no chão e mal consegui me mover.  Quando consegui me recuperar da falta de ar, ouvi Flim Flam gritar nossos nomes no fundo do corredor que havia sido liberado. Eu tentei me levantar, mas a falta de ar era tão grande que fechava a minha garganta e impedia meus músculos de se moverem. Ao erguer a cabeça, eu vi Gi-Hun com uma lanterna nas mãos sinalizando o caminho para nós, mas eu não tinha condições de continuar. Scooby-Doo puxou o corpo inconsciente de Shaggy com força em direção à saída, e eu reuni forças para acompanhá-los. Poucos metros adiante, várias mãos de vários soldados feridos que estavam no chão nos agarraram e nos impediram de continuar. Scooby-Doo mordeu todas elas com violência e continuou a arrastar Shaggy com determinação, mas eu não tive a mesma força. Eu lutei o máximo que pude para me desvencilhar dos braços e pernas que me agarravam - como em uma luta de jiu-jitsu -, e quando escapei de todos eles, eu não consegui continuar.  Em desespero, eu olhei para Fred com Daphne nos braços a vários metros atrás de mim, e tentei gritar, mas o nome dele saiu como um sussurro. As chamas estavam tão próximas do meu rosto que eu sentia minha pele queimar e competia com o fogo para conseguir oxigênio. E um impulso final, eu joguei o meu corpo no início do corredor, e a última coisa que vi antes da fumaça me fazer desmaiar foi a imagem de Fred e Daphne desaparecendo através das chamas, em direção ao corredor contrário.

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            Quando eu acordei, a pele do meu rosto ardia muito, e a dor piorava na medida em que minha pela atritava com a grama. Quando abri os olhos, vi Scooby-Doo abocanhando o meu agasalho e me arrastando pela grama para bem longe daquele lugar.  Naquele momento, eu entendi que estava viva e, finalmente, havia saído de Squid Game. Não consegui esconder minha emoção, nem consegui conter minhas lágrimas, e Scooby pareceu entender o meu alívio, uma vez que parou de me arrastar por um momento e lambeu minhas bochechas com alegria. Em seguida, vários agentes da Interpol e vários paramédicos vieram ao nosso encontro, e me colocaram em uma maca de atendimento logo após elogiar o ato corajoso de Scooby com um tapinha na cabeça dele. Não consegui parar de tossir durante o meu trajeto até a ambulância. O esforço de tossir fez todos os meus cortes e lesões doerem muito, e evidenciou quão machucada eu estava. No caminho, vi Shaggy e Gi-Hun sendo atendidos por paramédicos, e Alan Mayberry sendo levado com violência por vários agentes da Interpol. A ausência de Daphne, Fred e Flim Flam nas ambulâncias me fez sentar na maca, gritar os nomes deles e chorar descontroladamente. Infelizmente, o choro fez minha respiração falhar e piorar, e a oxigenação irregular tirou os meus sentidos. Os paramédicos me ajudaram, descansaram a minha cabeça na maca e me conectaram aos aparelhos vitais, para que eu pudesse respirar melhor. Quando os motores foram ligados, a última cena que vi antes de fechar os olhos foi Scooby-Doo pulando no vidro da ambulância para se despedir de mim.

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            Marcie: Graças a Deus ela já recebeu alta, os médicos disseram que ela só está com ferimentos superficiais… e com os pulmões um pouco debilitados por causa da fumaça…

            Aquela voz conhecida, e as mãos pequenas e delicadas que seguravam as minhas mãos com ternura, me fizeram abrir os olhos devagar. Quando realmente acordei e percebi que Marcie e Shaggy estavam ao lado de minha cama, eu me sentei depressa e os abracei com alegria. Eles me abraçaram de volta, e foi impossível impedir que a emoção daquele momento transbordasse em lágrimas. Foi então que eu percebi que eu estava em um hospital, e que eu finalmente havia conseguido sair daquele pesadelo. Ao perceber meu choro, Marcie enxugou minhas lágrimas e sinalizou para que eu me acalmasse.

            Marcie: Calma, querida, está tudo bem… você precisa se acalmar, ok? Seus pulmões não podem lidar com essas emoções agora…

            Marcie me abraçou com delicadeza, e por mais que o toque e a voz dela me acalmassem, eu não consegui parar de soluçar.

Shaggy: Tipo, se você tivesse fumado uns baseados ao longo da vida, talvez não tivesse com o pulmão tão fudido só por inalar umas fumacinhas…

Velma: Cala essa boca, você também estava tossindo!

Shaggy: Mas, tipo, eu tô ótimo, sem nenhuma lesão pulmonar! Fumar uns me fez bem…

Velma: Informações tiradas diretamente das vozes da sua cabeça, né? Desde quando fumaça de maconha faz bem?  Você tá todo fudido, Shags, olha para esses pontos, está parecendo o Frankenstein!

Nós três rimos um pouco e nos abraçamos novamente. As piadas e os sorrisos me trouxeram uma sensação de segurança, conforto e normalidade novamente, e isso me acalmou, visto que há semanas eu não me sentia tão bem. Quando Marcie finalmente me soltou, eu olhei pela janela do quarto e vi uma cabeça ruiva sentada de costas para o vidro. Imediatamente o meu coração disparou de alegria, e devolveu ao meu corpo todas as forças que eu havia perdido durante o incêndio.

Velma: DAPHNE!

Marcie e Shaggy chamaram meu nome e tentaram me censurar, mas eu fui mais rápida e deixei a cama e os aparelhos em um impulso. Quando cheguei à porta do quarto, porém, toda a minha alegria se dissipou. Os cabelos ruivos, na verdade, eram de Delilah, que olhou para mim fixamente e tinha os olhos vermelhos de tanto chorar.

Marcie: Velma, querida, você precisa repousar…

Velma: CADÊ A DAPHNE?

Marcie: Velma, por favor, você não pode hiperventilar nessas condições…

Velma: RESPONDAM A MINHA PERGUNTA! CADÊ A DAPHNE?

Shaggy: Velma, vem, vamos voltar pra cama, assim que você se acalmar…

Velma: EU NÃO QUERO ME ACALMAR, EU QUERO OS MEUS AMIGOS! ONDE ESTÃO DAPHNE, FRED E FLIM FLAM?

Delilah: Eu não sei! Ninguém sabe! Eles… eles… sumiram…

Delilah não conseguiu continuar, pois começou a chorar descontroladamente e escondeu o rosto com as mãos. O choque daquela resposta me desarmou, e a lembrança de Fred e Daphne desaparecendo nas chamas me trouxe uma verdade cruel que eu não queria aceitar. Fragilizada, Delilah me abraçou e chorou no meu ombro, e eu senti meu coração despedaçar. Marcie e Shaggy nos abraçaram, e ninguém conseguiu achar palavras adequadas para aquele momento. Nosso abraço foi desmanchado de repente por um impacto, e ao me virar, eu percebi que era Sugie Rogers que havia pulado nas costas de seu irmão e o abraçado com força.

Sugie: Como é bom te ver, seu otário!  Nem acredito que você está vivo! Tipo, NUNCA MAIS ME DÊ UM SUSTO DESSES!

Shaggy: Tipo, eu também pretendo nunca mais me dar um susto desses, fica tranquila…

Os irmãos se abraçaram com alegria, enquanto Delilah se afastou de nós. Shaggy ergueu a irmã nos braços e os dois riram, satisfeitos por terem se encontrado. Crystal e o casal Rogers apareceram logo em seguida e nos cumprimentaram com satisfação.

Madelyn: Olhem, ela esta ali!

Não tive tempo de me preparar para receber minha irmã mais nova. Ela simplesmente ignorou o fato de já ter 23 anos – e ser bem maior do que eu – e se jogou nos meus braços com tanta força que me derrubou no chão. Meus pais correram em nossa direção, e após brevemente saudar Shaggy e os Rogers, eles se juntaram a nós no chão, e nos abraçaram e nos beijaram sem parar. Eu os abracei de volta com alegria e gratidão, pois vê-los novamente após tantos horrores era um verdadeiro sonho realizado. Marcie timidamente começou a nos rodear, tentando interferir e nos lembrar que eu ainda estava doente e precisava fazer repouso, mas minha mãe e Madelyn a pegaram pelo pulso e a puxaram para o chão, envolvendo-a no nosso enorme abraço familiar. O tombo de Marcie me fez rir – e também me fez chorar de emoção, pois pela primeira vez na vida, eu vi meus pais tratando-a tão bem e incluindo ela em nossa família. Em seguida, meus pais me bombardearam de perguntas, e eu mal consegui falar, pois Shaggy tagarelava e gesticulava sem parar contando os detalhes de tudo o que passamos – de uma maneira mais heróica e mais romantizada do que realmente foi, é claro.

Fred Sr.: Frederick?

O chamado de Fred Sr. ao virar o corredor interrompeu nossa alegria e fez todos os sorrisos cessarem. Como sempre, ele estava muito sério e vestido de maneira muito formal, mas na medida em que ele se aproximava de nós, seu semblante foi mudando, até que seriedade anterior se perdeu e o desespero tomou conta do rosto dele.

Fred Sr.: Vocês viram o meu filho Frederick?

O silêncio que pairou sobre nós foi mais revelador do que qualquer palavra de pesar, e obviamente, fez o desespero de Fred pai aumentar.

Paula: Sr. Jones, sentimos muito, mas…

Fred Sr.: Mas…?

Nem mesmo a doce e meiga Paula Rogers teve coragem de continuar aquela explicação e se calou. Angustiado, Fred Sr.  continuou a nos interrogar com palavras e com o olhar, mas ninguém ousou responder suas perguntas. No momento em que ele entendeu o que o silêncio queria lhe dizer, ele caiu de joelhos e começou a chorar.

Delilah: Sr. Jones, não conseguimos achar o Fred e a minha irmã, eu sinto muito…

Delilah se aproximou de Fred pai para confortá-lo e para ajudá-lo a se levantar, mas a dor a fez perder as forças também, e ela permaneceu ajoelhada no chão, abraçada com ele. Enquanto isso, Judy Reeves surgiu no fim do corredor, elegantemente vestida, e apressou seus passos de salto alto ao ver Fred Sr.  e Delilah no chão.

Judy: Frederick, o que está havendo?

Fred Sr.: Perdemos ele, Judy.

A notícia atingiu Judy como um tiro, e o choque foi tão grande que pensei que ela fosse desmaiar. Porém, ao invés de cair no chão, ela se afastou de nós chorando e puxando os próprios cabelos. Marcie, Madelyn e minha mãe se levantaram para tentar confortá-la, e o clima de luto e de dor se tornou tão insuportável que os Rogers se entreolharam e decidiram partir. Não sei quanto tempo nós demoramos para conseguir recompor Delilah, Fred Sr.  e Judy minimamente, mas a angústia de presenciar toda a dor que eles estavam sentindo fez parecer uma eternidade. Com muito esforço, conseguimos fazê-los sentar nas cadeiras de espera do hospital, e algumas enfermeiras lhes trouxeram água. Após algum tempo, Judy e Fred pareciam mais conformados, mesmo assim, entrelaçaram suas mãos e choraram juntos por algum tempo. Delilah, por sua vez, parecia cada vez mais cheia de ódio. Ela discou seu iPhone freneticamente seis ou sete vezes, até que na última vez o aparelho foi arremessado contra a parede e parou de funcionar.

Delilah: QUE FAMÍLIA MALDITA! NINGUÉM ATENDE A MERDA DO CELULAR! POR QUE EU TENHO TRÊS IRMÃS SE NENHUMA DELAS PRESTA?

Judy e Fred soltaram suas mãos por um momento e abraçaram Delilah, para tentar acalmá-la. Meus pais e Madelyn sinalizaram que iriam partir – provavelmente pelo mesmo motivo que os Rogers – e Marcie e eu ficamos para tentar ajudá-los.  

Jenkins: Srta. Delilah, que bom finalmente encontrá-la! O senhor George e a senhora Nancy a aguardam no carro e desejam notícias do paradeiro de sua irmã Daphne…

A voz de Jenkins no fundo do corredor fez Delilah se levantar e avançar sobre ele como um animal selvagem. Felizmente, ao alcançá-lo, ela se acalmou e não descontou nele toda a raiva que estava sentindo.

Delilah: Diga àqueles dois inúteis que se eles querem notícias da filha deles, eles terão que vir até aqui obter!

Ao mesmo estilo de Daphne, Delilah era elegante e conseguia manter a etiqueta até mesmo quando estava furiosa. Jenkins acatou a ordem e desapareceu no corredor, enquanto Fred pai e Judy receberam Delilah aos prantos. Presenciar o sofrimento de todos eles era algo tão insuportável que Marcie me olhou profundamente nos olhos e sinalizou para que partíssemos também. Para o meu azar, Delilah logo me segurou pelo punho e me impediu de sair.

Delilah: Por favor, eu preciso de vocês duas aqui… você sabe… se acharem os corpos… eu não vou conseguir…por favor…

O pedido de Delilah era tão hediondo que me causou náuseas, mas não pude negar. No fim do corredor, George Blake surgiu em um sobretudo preto que exaltava ainda mais sua arrogância. Ao redor dele, havia diversos seguranças, e Jenkins os acompanhava logo atrás. Em seguida, Nan surgiu vestida como um membro da família real britânica, e a barreira de seguranças que a envolvia não foi suficiente para conter todo o desprezo que ela exalava. A presença dos pais desarmou Delilah, e toda a rebeldia de antes desapareceu. Ao invés de raiva, ela demonstrou receio ao se levantar e se descontrolar na presença deles, mesmo assim, ela os encarou e lhes deu a notícia.

Delilah: Eu não achei a Daphne! Eu sinto muito!

Apesar da voz ter falhado e algumas lágrimas terem escorrido pelo rosto dela, o semblante de Delilah ainda era sério.

Nancy: Então procure novamente! E da próxima vez, só me chame quando encontrar!

George: Quer dizer que você interrompeu a minha agenda para informar que não encontrou a Daphne?

Delilah: Não, eu interrompi sua agenda e chamei por vossa majestade para informar que a filha de vocês está morta! MORTA! ENTENDERAM? NINGUÉM A VIU SAIR DAQUELE LUGAR! Agora liguem para aquelas vadias que eu chamo de irmãs, e digam que a parcela da herança delas irá aumentar! Quem sabe assim elas se importam e atendem a merda do celular para saber quando será o funeral!

Ao terminar de falar, Delilah se descontrolou e começou a chorar, e Judy e o Sr. Jones a abraçaram.  O choque foi tão grande que George e Nan demoraram um momento para processar a informação sobre a perda da filha, mas quando eles entenderam, esboçaram as reações de dor mais angustiantes que eu já vi na minha vida.  Judy e Fred logo os confortaram, e aproveitamos o momento em que os dois ex-casais se abraçavam para sair dali. Antes de virar o corredor, observei as duas famílias em harmonia, e lamentei profundamente que meus amigos nunca veriam aquela cena. Mesmo já distante, conseguia ouvir os gritos de Nan os lamentos de Fred pai ecoarem pelos corredores do hospital. E mais uma vez eu lamentei, pois meus amigos partiram sem saber que eram tão amados.

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Quando nos aproximamos da saída do hospital, a movimentação de repórteres e curiosos do lado de fora me intimidou e me fez paralisar. Eu segurei a mão de Marcie com força e a impedi de continuar também, mas ela me puxou para frente e me incentivou a avançar.

Marcie: Ah, você está brincando que você está com medo da mídia e dos repórteres! Você sempre quis isso! Vá em frente, é o seu momento!

Naquele momento, Marcie não percebeu quão mórbido era assumir um lugar que sempre foi ocupado por Fred Jones – e que eu sempre lutei para ocupar. Ela parecia grata demais por eu ter sobrevivido, e apenas me puxou pelo punho alguns passos à frente, até eu rir e ceder.

Marcie: Quem diria, você com medo de dar entrevistas… quem é você e o que fez com Velma Dinkley?

Velma: Certamente, eu nunca mais vou ser a mesma pessoa depois daquele lugar… nem eu mesma consigo me reconhecer…

Marcie sentiu a minha dor e me olhou com empatia enquanto envolveu um dos braços no meu ombro.

Marcie: Eu ainda te reconheço… ainda vejo a mulher incrível por quem me apaixonei… e acho que te reconheceria até no inferno…

Marcie sorriu e continuou a me puxar, mas eu permaneci imóvel.

Velma: Me desculpa, tá?

Eu hiperestimei minha capacidade de dizer aquelas palavras sem chorar, e assim que terminei a frase, tive que esconder meu rosto nas mãos, para conter as lágrimas.

Marcie: Querida, está tudo bem… você não precisa se desculpar por nada…

Velma: Eu preciso sim… por tudo… por todos esses anos… há algumas horas, o meu maior medo era morrer sem ter a chance de me desculpar e de fazer diferente… então, por favor, me desculpe… eu prometo que as coisas irão mudar e eu vou ser sincera com você de agora em diante…

Marcie sorriu com ternura, mas logo seu sorriso se tornou desconcertante.

Marcie: Bem, se agora seremos sinceras uma com a outra, então acho que eu também te devo desculpas… quando eu fui para a Flórida há algumas semanas… não eram apenas férias… eu estava pensando em te deixar…

O choque daquela notícia me fez prender a respiração, e Marcie limpou minhas lágrimas com cuidado.

Marcie: …mas eu mudei de ideia. Meus pais me convenceram a permanecer no noivado e me falaram muitas coisas boas de você… mesmo assim, eu ainda estava confusa… bem, você sabe como eu sou, eu acabei pedindo um sinal para o universo… sobre o que eu deveria fazer… daí, no dia seguinte, você desapareceu… e eu me dei conta do quanto a minha vida não fazia sentido sem você… dois dias depois, seus pais começaram a defender George publicamente e a pressionar a mídia, e eu percebi que era ali que eu deveria estar, do seu lado, do lado das pessoas que sempre estiveram comigo… então, Delilah me ligou e nós viemos procurar vocês… graças a Deus achamos… quer dizer, nem todos…

Marcie não conseguiu continuar devido ao choro e me abraçou com força. Dessa vez, eu a acalmei, mas a emoção daquela declaração não permitiu que nenhuma de nós duas deixássemos de chorar.

Marcie: Desculpe, eu sei que você não acredita nessas coisas idiotas de sinais, mas foi como aconteceu…

Velma: Não! Eu acredito sim… antes de ir para Seul, eu senti coisas bizarras, como se fosse uma premonição… se eu tivesse acreditado naquilo, estaríamos na Disney neste momento… mas eu prometo que a nova Velma agora acredita nessas coisas, ok? A nova Velma nunca mais vai desmerecer o que é importante para você…

Nosso abraço demorou para ser desfeito, e mesmo quando se desfez, ainda estávamos chorando. Marcie, então, me conduziu à porta principal, e eu novamente paralisei.

Velma: Por favor, eu não posso fazer isso… não sozinha… você sabe, não faz sentido sem eles aqui…

Marcie balançou a cabeça e concordou silenciosamente com a minha decisão, e ao invés de me levar para a saída principal, ela me conduziu por corredores menores, até atingirmos uma saída mais discreta. Deixei aquele hospital aos pedaços, e totalmente ciente de que alguns pedaços nunca mais seriam recuperados. O ar puro da liberdade pós-Squid Game era restaurador, porém, inspirava um recomeço que eu não estava preparada para lidar – e, talvez, eu nunca estaria. Marcie apertou a minha mão para que os diversos enfermeiros, socorristas e agentes não nos separassem, e eu a segui entre um labirinto de macas e ambulâncias. Nossa caminhada foi interrompida por dois homens que retiraram uma maca de dentro de uma ambulância, e para a minha surpresa, a pessoa nessa maca era Flim Flam.  Minha emoção foi tão grande que abracei Flim Flam com força, ignorando os ferimentos dele, e isso o fez gritar de dor. Os socorristas me afastaram bruscamente e continuaram a empurrar a maca, e Flim Flam riu do ocorrido e me segurou pela mão ao passar por mim.

Flim Flam: Desculpe, depois que eu retirar uma bala do meu pé, costurar uns 10cm do meu abdômen, estancar o sangramento de uns trinta cortes ao redor do meu corpo e me recuperar de uns cinquenta hematomas de espancamento, a gente se abraça e conversa mais!

Flim Flam foi conduzido para dentro do hospital, e a alegria que eu senti de vê-lo com vida me fez rir e assistir a imagem dele desaparecendo no corredor. Ao ver a minha expressão tola de felicidade, Marcie me cutucou e apontou sorrindo para a direção das ambulâncias. Quando meus olhos ajustaram o foco através das lentes, meu coração acelerou.

Velma: FRED!!!!

Eu disparei em direção à maca que deixava a ambulância e Marcie veio logo atrás. Minha corrida foi tão frenética que fez seguranças do hospital nos perseguirem e deixou os socorristas em alerta. Infelizmente, o abraço apertado e emocionado que gostaria de dar em Fred foi censurado por enfermeiros que impediram a minha aproximação. Mesmo assim, Fred esticou o braço e bagunçou o meu cabelo, e toda emoção contida se transformou em lágrimas.

Velma: Eu sabia que você conseguiria, eu sabia!!

Fred: Graças a você… seus planos… seu incentivo… sua amizade… como sempre…

            As palavras de Fred só pioraram meu choro e meu descontrole emocional, e eu o perdi de vez quando vi Daphne inconsciente ser tirada da ambulância e levada às pressas para dentro do hospital.

Fred: …mas eu confesso que nunca achei que você choraria por mim… afinal, você disse que o Shaggy é o cara…

Velma: CLARO QUE CHORARIA, EU TE AMO, SEU BABACA CIUMENTO!

O abraço repentino que eu dei em Fred fez os socorristas definitivamente perderem a paciência comigo, e eles me afastaram da maca e pediram para que os seguranças nos afastassem de vez. Fred acenou para nós enquanto foi levado para dentro, e Marcie me abraçou para tentar conter meu choro – mesmo sabendo que aquele era um choro de alegria.

Marcie: Calma, agora está tudo bem! Vamos voltar e dar a boa notícia aos Blakes e aos Jones… eles estão desolados…

Em um primeiro momento, eu assenti, mas ao dar os primeiros passos de volta ao hospital, eu hesitei.

Velma: Não, vamos deixar eles descobrirem isso sozinhos… eles têm muito o que conversar nesse momento…e muito o que aprender sobre o valor dos filhos deles… quem sabe umas horas de luto sejam terapêuticas a todos eles… Fred e Daphne merecem isso…

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            Ao deixar a entrada dos fundos do hospital, inevitavelmente tivemos que atravessar fachada e a entrada principal – e o mar de jornalistas e câmeras que faziam a cobertura do caso. Marcie apertou a minha mão quando alguns jornalistas me reconheceram e vieram em nossa direção, mas antes que eu pudesse recusar entrevistas, Shaggy nos puxou pela mão e nos conduziu para uma roda de jornalistas que entrevistavam Gi-Hun, a mãe de Sang-woo e um garotinho chamado Cheol.

            Shaggy: Tipo, se você não quiser dar entrevista, tudo bem! Mas você tem que ouvir essa história!

            Scooby-Doo, então, latiu algumas vezes e o garotinho mostrou a tradução dos latidos no aplicativo de Shaggy, e todos os jornalistas ficaram admirados. A mãe de Gi-Hun desatou a falar para os microfones de diversas nacionalidades, e ao ouvir a tradução simultânea de uma emissora dos Estados Unidos, eu entendi que ela falava que Scooby-Doo foi o grande responsável pelo nosso resgate.

Shaggy: Tipo, só ouve essa história! No dia da operação cachalote, o Scooby escapou porque farejou a Daphne por perto… mas ao invés de encontrá-la, ele achou o Gi-Hun, por isso eles estavam juntos quando nos sequestraram… depois que nos levaram, Gi-Hun ficou ferido na marina e acabou sendo socorrido como um indigente… Scooby escapou dos mascarados e foi até a casa da mãe de Sang-woo pedir comida… O Cheol tinha o meu aplicativo no celular e começou a conversar com ele por brincadeira, mas ficou impressionado quando Scoob falou sobre o sequestro e sobre Gi-Hun estar ferido e não identificado em um hospital de Seul… por isso, Cheol contou tudo à mãe de Sang-woo… como Scooby estava com a sua bolsa, ela acreditou imediatamente na história e foi até o hospital… lá, ela reconheceu o Gi-Hun, e quando ele recebeu alta, eles informaram a Interpol e armaram um plano para nos salvar… Incrível, não? Tipo, impressionante!

Shaggy falava alto e seu sorriso ia de orelha a orelha devido à emoção que sentia, mesmo assim, notei que o objetivo daquela conversa não era me informar sobre o que havia acontecido.

Velma: A notícia é boa… mas incrível e impressionante mesmo é você! Me desculpe por ter percebido isso somente agora… se eu não tivesse desdenhado seu aplicativo, nada disso teria acontecido.

Shaggy sorriu para mim como uma criança ao ver o presente de Natal, e eu o abracei com força enquanto o agradeci inúmeras vezes. Nosso abraço foi desfeito por Scooby, que colocou a cabeça na fenda entre nossos corpos e forçou seu corpo até nos separar – e até conseguir a atenção que ele queria de nós dois. Os repórteres continuaram a explorar a história e a fazer diversas perguntas, e ao ver a alegria nos rostos de Shaggy, Cheol e da senhora Cho, eu me afastei e permiti que eles tivessem seus momentos de fama.

Angie Dinkley: A senhora recebeu alta, mas isso não significa que está bem para ficar andando por aí… vamos, você precisa descansar!

Minha mãe abraçou Marcie e eu em cada braço, e logo em seguida Madelyn e meu pai se juntaram a nós.

Velma: Eu estou ótima… estou pensando até em ganhar um Nobel…

Angie Dinkley: Querida, seu trabalho é mais incrível que qualquer Nobel!

Aquelas palavras foram tão terapêuticas que me fizeram sorrir, e pela primeira vez em muitos dias – talvez, até mesmo em muitos anos – eu senti paz. Caminhamos em silêncio até o estacionamento, e permanecemos da mesma forma quando entramos no carro. Quando papai acelerou e estávamos prestes a deixar o hospital, vi Delilah, Judy, os Blakes e Fred Sr. juntos, sorrindo e conversando enquanto atravessavam o estacionamento. Minha paz interior aumentou, e eu me empenhei em pedir fortemente ao universo que Daphne se recuperasse logo. Ela ia adorar ver aquilo.


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