Scooby Doo: Wicked Game escrita por KendraKelnick


Capítulo 30
Capítulo 30 – Epílogo?




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Agosto de 2021

             A manchete do jornal estava em coreano, mas não era preciso ser fluente naquele idioma para entender que eles estavam falando sobre aquele maldito caso mais uma vez. Quando eu vi a imagem de Alan Mayberry sendo conduzido por diversos policiais para a Unidade de Detenção do Tribunal Penal Internacional de Haia, eu desliguei a TV com raiva. Marcie visivelmente se ofendeu com a minha atitude, mas sua empatia lhe fez entender a minha revolta e não protestar.

Marcie: Bem, pelo menos ele terá o que merece, não? Será julgado por crimes contra a humanidade e certamente ficará o resto da vida na cadeia…

Velma: Sim, ele terá o que merece, mas e os outros? Alan não criou Squid Game, Marcie, ele era apenas mais um servo dos VIPs! E agora ele se tornou o bode expiatório de todo esse caso… os verdadeiros responsáveis se safaram! Não vejo a mídia falar sobre os VIPs em lugar nenhum, eles sequer tiveram as suas identidades reveladas! Isso não é justiça, é acobertamento! E a prisão de Alan não faz justiça, só encerra o caso que os VIPs querem esconder!

Quando eu percebi, estava falando alto e gesticulando devido à raiva, e por isso me calei. Marcie percebeu minha revolta e tentou não mais tocar naquele assunto.  Então, ela apenas juntou seus pertences e malas em silêncio, e nós deixamos o quarto do hotel para fazer o check-out.  Quando embarcamos no táxi, eu percebi que o motorista constantemente me olhava através do retrovisor – provavelmente, por ter me reconhecido das notícias da TV – e isso me irritou profundamente. Marcie notou o meu desconforto e acariciou a minha mão para tentar me acalmar, mas quando eu consegui relaxar, eu ouvi a pergunta que eu aprendi odiar:

Taxista: Você é Velma Dinkley?

Meu coração disparou e, de repente, se encheu de raiva. Senti vontade de gritar: “O que te interessa se eu sou Velma Dinkley?”, e até mesmo pular daquele táxi em movimento, mas meus nervos trabalharam para que a minha única reação fosse balançar a cabeça brevemente e desviar o olhar.

Marcie: Sim, ela é a moça das notícias… mas creio que ela não se sente confortável de falar sobre isso nesse momento, desculpe…

Marcie foi delicada e o taxista gentilmente balançou a cabeça, concordando com o pedido dela.  Felizmente, o silêncio reinou durante toda a viagem, e a gentileza do taxista superou minhas expectativas quando, ao invés de nos deixar na entrada principal do hospital – onde dezenas de repórteres nos aguardavam-, ele nos deixou em uma entrada mais discreta. Marcie e eu pagamos, agradecemos e recolhemos nossa bagagem de mão, mas no momento em que eu ia descer do carro, o taxista me abordou.

Taxista: Minha filha Ha-yun desapareceu em 2017 no metrô de Seul enquanto procurava um emprego. Quando as notícias sobre o jogo saíram no mês passado, eu não sabia se ela tinha sido mesmo uma vítima… mas, semana passada, a polícia nos disse que ela estava na lista de participantes de Squid Game… então… eu sei como você se sente…

O depoimento dele me paralisou e fez meu coração acelerar. Marcie continuou a conversa com algumas palavras de empatia, mas o impacto emocional me impediu de prestar atenção.

Velma: Eu sinto muito…

Taxista: O mundo inteiro sente…

Eu permaneci imóvel, sentada naquele táxi, por mais uns 30 segundos, e só então que eu me dei conta de que deveria descer – ou, pelo menos, dizer alguma coisa. Marcie me acordou do meu breve devaneio ao chacoalhar meu pulso, e eu percebi que deveria reagir.

Velma: Muito obrigada, senhor… então, acho que nós nos encontraremos novamente na cerimônia daqui a algumas horas?

Taxista: Definitivamente não… eu só iria a Silmido se fosse para assistir os responsáveis serem guilhotinados publicamente em um júri popular… e, se duvidar, eu ainda usaria suas cabeças para jogar boliche… mas ir a uma simples missa pelas almas dos mortos enquanto os bilionários que fizeram isso repousam tranquilamente em suas ilhas particulares? E ainda ver as autoridades mundiais que ajudaram a esconder esses vagabundos colocarem uma plaquinha com o nome de Ha-Yun no local? Não, obrigado…

O taxista terminou seu discurso elevando a voz e gesticulando muito, da mesma maneira raivosa que eu. Percebi que ele ficou um pouco envergonhado por ter demonstrado sua revolta, mesmo assim, ele não se desculpou pelo teor de suas palavras.

Velma: Eu entendo perfeitamente como se sente, senhor… e concordo… obrigada por dizer o indizível… mas, infelizmente, eu terei que comparecer…

Eu deixei o carro e me despedi, e logo em seguida Marcie me conduziu para o interior do hospital com rapidez, indicando que alguns jornalistas já estavam vindo em nossa direção. Ao entrar no hospital, eu sabia exatamente o caminho que deveria fazer. Era o mesmo caminho que eu fazia todos os dias há um mês: O quarto de Daphne, e depois, o quarto de Fred. Porém, dessa vez, para a minha surpresa, eu não precisei ir até o quarto de Fred: ao me aproximar da porta do quarto em que Daphne estava internada, eu vi Fred parado na porta, mexendo no celular, e ao lado dele estava Judy Reeves.

Velma: Quando foi que te deram alta?

Fred: Nunca… na verdade, eles desistiram de me internar… afinal, eu estou bem…

Velma: Existem muitos conceitos para se definir “bem-estar”, mas certamente “pneumonia química” não é um deles… e é isso que seu prontuário diz…

Fred: Você passou em Medicina, mas eu não me lembro de você ter cursado… doutora…

Velma: Não é preciso ser médica para saber que uma pneumonia química não se cura sem tratamento em menos de um mês… só é preciso não ser estúpida… deixe de ser teimoso, Fred, você sabe que precisa se cuidar!

Fred: Que merda, já disse que estou bem e já me recuperei!

Velma: Acho que sua mãe discorda… e ela sim é médica…

Fred: Ela é obstetra, entende de bebês, não de pulmões!

Velma: E você é o quê? Além de um bebê gigante e birrento de 27 anos? Deixe de ser idiota, Fred, antes de serem especialistas, médicos são médicos!

Judy: Não adianta, Velma, é inútil, eu já pedi, implorei, briguei, ameacei… e ele simplesmente não obedece… minha esperança é que a poluição de Nova York piore a condição dele e o faça procurar um médico…

Fred: Não se preocupe, a Velma luta contra as mudanças climáticas, e certamente ela irá salvar o planeta junto com a Greta Thunberg antes que eu volte para casa…

Velma: Minha esperança, Sra. Reeves, é que o plano de saúde dele não cubra reabilitação respiratória… e que ele tenha que gastar todo o salário dele com broncodilatadores ecologicamente corretos que não deixam rastros de carbono na atmosfera… e que tenham embalagens recicláveis, é claro…

Judy, Marcie e eu rimos, e Fred fez uma expressão de desdém.

Velma: E como estão as coisas por aqui?

Fred: Tudo ótimo! A Daphne está se recuperando muito bem, e acho que em breve ela irá acordar e receber alta.

Judy estava atrás de Fred, e ao ouvir minha pergunta, sacudiu a cabeça negativamente e fez uma cara pessimista. Antes que o filho percebesse, ela interrompeu sua ação e disfarçou, e Marcie e eu nos olhamos com tristeza. Fred continuou a tagarelar sobre suas ações e o progresso de Daphne nos últimos dias, mas meus olhos se perderam na imagem dela inconsciente naquela cama e eu não consegui prestar atenção em nada. A tristeza que senti pela rápida resposta de Judy me impediu que me aproximar de Daphne e vê-la de perto. Felizmente, uma enfermeira apareceu para me salvar, ela nos lembrou que apenas uma pessoa poderia ficar no quarto com Daphne, e Marcie, Judy e eu saímos. Quando estávamos distantes o suficiente, Judy se sentiu a vontade para falar.

Judy: Bem… hoje faz trinta dias do resgate… e você é inteligente o suficiente para saber que quanto mais o tempo passa, menores são as chances de acordar de um coma, e menores são os progressos do paciente… mas ele não aceita! Ele vê progresso onde não existe! Ele comprou anel de noivado, enquanto ele deveria estar se preparando psicologicamente para uma morte cerebral… e fica me dizendo: “você é obstetra, não entende nada sobre cérebros”, mas os Blakes já trouxeram neurologistas do mundo todo, e todos concordaram comigo… hoje mesmo ele me disse que uma mulher acordou do coma depois de 27 anos! Como se isso fosse uma regra, e não uma raríssima exceção, e nós brigamos, porque eu acho que esse otimismo é irracional e muito prejudicial… ele não entende que as doses de realidade que eu dou a ele todos os dias são para o bem dele… ele prefere viver o impossível…

Velma: Bem, Sra. Reeves, a verdade é que foi o impossível que fez Fred ser quem ele é hoje… ele acredita no improvável, luta até o fim, e o improvável acontece, é assim que as coisas funcionam com ele… ele acaba definindo a vida dele, ao contrário de nós, que deixamos algumas coisas nos definirem… e, sinceramente, eu não acho isso ruim… ele sempre tem um plano, ele sempre encontra uma saída… horas antes de sermos resgatados, eu estava prestes a me suicidar, mas Fred tinha um plano porque havia 1% de chance de sobrevivermos… e eu tenho certeza que se Scooby e Gi-Hun não tivessem aparecido, ele teria salvado nossas vidas, como ele sempre faz…

Judy: Mas eu tenho medo de como ele irá reagir quando… ãhn… bem… você sabe… o inevitável acontecer… ou mesmo se nunca acontecer, como ele irá reagir se essa menina nunca acordar? Ou se ela tiver sequelas graves?… eu sinto que ele também tem medo, mas se recusa a admitir…

Velma: Eu acho que a palavra “inevitável” nem existe para o Fred, Sra. Reeves… e ele está certo em não deixar o medo definir a vida dele…

Judy se calou, e eu notei que ela se sentiu desconfortável por ter sido contrariada. De repente, uma mão tocou meu ombro, a quando eu me virei, Flim Flam me abraçou com alegria – e o gesto dele, felizmente, encerrou aquela discussão.

Flim Flam: Ora, ora, ora, se não é a nova chefe da Interpol! Que bom ver você por aqui, Velma… e que alegria em ver você na instituição…

Velma: Alegria em me ver na instituição que você abandonou?

Flim Flam: Sim, pois agora eu sei que será uma instituição muito mais competente…

Velma: Como chefe, eu acho que posso intervir caso você mude de ideia e queira voltar…

Flim Flam: Sem ofensas, mas nesse momento, recolher fezes de carneiros no Himalaia é uma oportunidade de trabalho mais atrativa para mim do que correr o risco de esbarrar em psicopatas que se divertem fazendo seres humanos competirem até a morte… mas eu lhe desejo sucesso mesmo assim… e muita sorte…

A ironia típica de Flim Flam me fez rir, mas logo nossos sorrisos foram interrompidos pelo assunto que não queríamos falar.

Flim Flam: Como estão Daphne e Fred?

Inevitavelmente, Marcie, Judy e eu nos olhamos, e hesitamos em responder.

Judy: Fred deu alta a si mesmo e se recusa a fazer tratamento médico… e Daphne… bem… ela está melhorando…

Judy olhou para mim com ternura quando disse, e eu sorri com gratidão por ela ter compreendido o meu ponto de vista.

Flim Flam: Nada além do normal, então? Mal vejo a hora de Fred aceitar o convite da Interpol… precisamos de mais teimosos e otimistas como ele nas forças policiais, Sra. Reeves… se não fosse pela insistência do seu filho, não teríamos sobrevivido…

Velma: Bem, na verdade, nós nem teríamos entrado no jogo! Afinal, ele fez tudo o que a Interpol pediu para ele não fazer!

Flim Flam e eu gargalhamos ao concordar com aquela informação.

Judy: Seria ótimo, mas acho que ele tem outras prioridades no momento… principalmente depois que essa garota acordar!

Flim Flam: Se ele tiver interesse em ser babá de uns carneiros no Himalaia, fale para ele me ligar… ele tem o meu número…

Flim Flam mencionou que gostaria de ver Daphne e Fred antes do término do horário de visitas e se despediu de nós. E Marcie e eu aproveitamos a oportunidade para nos despedirmos de Judy, pois o nosso táxi já estava nos aguardando.

Velma: Nos veremos na cerimônia daqui a algumas horas?

Minha pergunta foi retórica, mesmo assim, Flim Flam parou e hesitou por um momento.

Flim Flam: Eu vou ver os VIPs serem condenados?

Velma: Você sabe a resposta…

Flim Flam: Então você também sabe a minha resposta…

Flim Flam e eu rimos e fomos interrompidos pela expressão de surpresa de Judy.

Judy: Oh meu Deus, eu esqueci de avisar o Fred sobre a cerimônia de hoje! Esperem um minuto, eu vou avisá-lo…

Flim Flam e eu rimos novamente, e Judy ficou confusa.

Flim Flam: Senhora, pelo bem e pela segurança das centenas de autoridades hipócritas que estarão na cerimônia hoje, eu acho melhor que o Fred não saiba… a não ser que você queira ver pessoas serem nocauteadas…

Velma: Ele sabe da cerimônia… mas nada no mundo irá tirá-lo daquele quarto… nem mesmo a oportunidade tentadora de socar algumas pessoas…

O taxista acenou para nós e nos apressou, e por isso nos despedimos definitivamente e partimos. Felizmente, desta vez, o taxista não me reconheceu e nenhuma conversa surgiu durante o trajeto até a Marina de Seul. Chegando lá, meu coração disparou quando eu vi novamente os locais que assombravam a minha memória, e procurei embarcar na balsa antes que aquelas emoções me fizessem desabar. Durante o trajeto, eu lutei contra a raiva e a tristeza que aquelas memórias me causavam. Ao chegar à ilha de Silmido, eu me assustei de ver a quantidade de pessoas no local. Repórteres, apresentadores, familiares de vítimas, autoridades mundiais, seguranças, celebridades, influenciadores. E o mais assustador era ver sorrisos nos rostos deles. Sim, havia paz naqueles corações, e havia também uma alegria ofensiva de soltar balões brancos em memórias dos mortos, enquanto os assassinos estavam vivos, saudáveis e impunes. Não sei se foi devido ao Transtorno de Stress Pós-Traumático que adquiri, mas a minha primeira atitude ao chegar à ilha foi recuar à balsa e querer fugir dali. Marcie me segurou pelo braço, me fez continuar e demonstrou seu apoio enquanto eu enfrentei os papparazzi no caminho até o local da cerimônia. Lá, encontrei os Fleachs, os Rogers, Crystal, Shaggy e Scooby. Para a minha surpresa, meus pais também me aguardavam ali, mesmo depois de terem deixado claro que não participariam “de uma tentativa covarde e sensacionalista de politizar e monetizar o acontecimento”. Todos me receberam com ternura, e quando eu finalmente me sentei, a cerimônia começou. Uma série de discursos longos e inúteis começou em diversas línguas, e felizmente eu não me atentei a nenhum deles, pois meus sentimentos faziam o meu tempo psicológico passar de maneira diferente do que a realidade. O único discurso que me chamou a atenção foi de um filho de Steven Applegate – e o motivo não foi o discurso em si, mas sim a ausência de quem deveria discursar logo em seguida: George Blake.

Velma: Cadê os Blakes?

Angie Dinkley: Eles se recusaram a participar…

Velma: O QUÊ?

Angie Dinkley: Sim, George escreveu uma carta para o Wall Street Journal dois dias atrás… pelo jeito, você não anda com as suas leituras em dia…

Não sei se foi a minha expressão de desdém, ou se foi a constatação de minha mãe sobre o estado mental miserável em que eu me encontrava, mas ela tratou de corrigir sua atitude soberba logo em seguida.

Angie Dinkley: …e no artigo ele deixava claro toda a farsa dessa cerimônia… “o mundo irá assistir a um evento similar a uma Copa do Mundo, mas ao contrário da Copa, a cerimônia de Silmido Island não terá campeões”, foi exatamente o que ele escreveu… e, obviamente, o estado de saúde crítico da filha também não o motivou a celebrar…

Velma: É… parece que até os Blakes evoluíram… e, pelo teor da crítica dele, me parece que ele irá atrás dos VIPs…

Angie Dinkley: Bem, pelo menos economicamente foi exatamente o que ele fez… mais de cinquenta financeiras declararam falência nos últimos quinze dias, enquanto as ações de Blake Bank dispararam e George incorporou a maiorias dessas empresas… não é uma prisão perpétua, mas para quem está acostumado a ter tudo e estar acima da lei, uma falência é como a cadeira elétrica…

A notícia me fez sorrir de alívio, mas logo meu sorriso foi desfeito, pois as homenagens começaram. Eu tentei não desmoronar em lágrimas, mas quando vi as famílias de Li, Wang, Dmitri, Andrei, Daniel e Vivian recebendo medalhas e homenagens, eu não consegui evitar. Infelizmente, Shaggy, Scooby e eu fomos chamados logo em seguida, e eu tive que discursar com o rosto molhado e os olhos vermelhos. Apesar do descontrole emocional, minhas palavras saíram com frieza e foram mecanicamente lidas do papel que Madelyn preparou para mim alguns dias atrás. Eu sabia que havia passagens emocionantes naquele discurso – tão fortes que emocionaram a audiência presente –, mas meu coração calejado parecia imune a todas elas. Meu pensamento distante também me ajudou a me manter íntegra, e só falhou quando o discurso me fez citar os nomes de Daphne, Fred e Flim Flam. Os aplausos ao fim do discurso só me fizeram sentir o alívio de poder sair daquele lugar. Ao voltar para a minha cadeira, assisti Scooby e Cheol serem consagrados heróis mundiais, e a Sra. Cho e Gi-Hun também receberam as honras que mereciam.  Durante o discurso de Shaggy, meus olhos se perderam nas cadeiras ao redor da minha, e foram parar em um casal de meia idade, com características latino-americanas, que vestia uma camiseta com a foto de Lupe. A mulher – aparentemente a mãe -, era muito parecida com Lupe, e essa descoberta me fez chorar. Marcie notou a minha tristeza, e quando eu mostrei a ela o motivo de minhas lágrimas, eu fiz outra descoberta infeliz. Três crianças aparentando ter de 7 a 12 anos, sentadas uma ao lado da outra, acompanhadas de agentes do Conselho Tutelar Italiano. Elas não usavam camisetas com foto, mas o rosto da garotinha, idêntico à Ginevra, denunciava o parentesco. Inevitavelmente, eu chorei outra vez, e fui interrompida pelos aplausos e pelos gritos de alegria da platéia.

Velma: O que houve?

Marcie: Você não ouviu? Shaggy acabou de pedir Crystal em casamento ao fim do discurso!

Minha reação imediata foi sorrir, mas logo em seguida, eu senti vergonha e muita culpa por sequer ter pensado em algo do tipo ao fazer o meu discurso.

Velma: Que droga! Eu não acredito que eu não pensei nisso! Marce, por favor, me perdoe, eu realmente não tive a intenção… eu… eu estive tão mal, eu… merda, eu não acredito que eu perdi a oportunidade de fazer algo tão incrível para você!

Marcie: Eu acredito! Eu sei bem a merda de noiva que eu tenho…

Nós duas gargalhamos, mas eu, na verdade, ria de nervoso.

Marcie: …por isso que eu comprei essa aliança e vou pedir você em casamento agora mesmo, Velma Dinkley!

Sra. Fleach: Na verdade, fui eu que comprei a aliança e tive toda a ideia, porque se dependesse da merda da minha filha, esse pedido nunca aconteceria…

Velma: Acho que é por isso que nos damos bem… somos igualmente péssimas!

Marcie: Enfim, Velma Dinkley, quer ser a minha esposa de merda para o resto da vida?

Velma: Só se você for a minha, Marcie Fleach.

Nosso “aceito” e nosso beijo foram aplaudidos e celebrados mais discretamente, mas despertaram a mesma alegria nos que estavam ao nosso redor. Quando a cerimônia terminou e embarcamos na balsa, finalmente pudemos abraçar Shaggy e Crystal e parabenizá-los pelo noivado – e eles fizeram o mesmo com nós. No caminho de volta, Scooby desfilou orgulhoso pela balsa, exibindo suas medalhas, e recebeu afeto e guloseimas de várias pessoas. Shaggy tagarelou o tempo todo sobre seus planos nos próximos meses, e alguns deles – ter um bebê – assustaram Crystal. Marcie riu da reação dela, e ao tocar no assunto sobre maternidade, ela tentou me provocar.

Marcie: Pense pelo lado positivo, Crystal, apesar de assustador, vocês dois já estão pensando em montar uma família… eu vou demorar uns sete anos úteis para convencer a Velma sobre isso… só espero não entrar na menopausa antes disso…

Marcie e Shaggy riram, mas ao invés de esboçar a minha tradicional expressão de desdém, eu sorri.

Velma: Bem, para economizar tempo, ao invés de montar uma família, que tal pegarmos uma pronta?

Eu apontei para Scooby-Doo, que rolava, latia, pulava e tentava chamar a atenção dos três órfãos italianos que estavam desolados em um canto da balsa. Marcie me olhou com indignação – mas, ao mesmo tempo, com certa alegria – e sorriu.

Crystal: Agora foi você que assustou ela, Vel!

Shaggy: Tipo, seria incrível da sua parte fazer isso…

Velma: E aí, Sra. Dinkley-Fleach, o que me diz? Pronta para aprender italiano?

Shaggy e Crystal começaram a rir e a fazer tentativas esdrúxulas de falar palavras em idioma italiano, e Marcie e eu acabamos rindo junto com eles.

Marcie: Bem, eu espero que a Interpol pague bem… porque eu não vou trabalhar e cuidar de três crianças ao mesmo tempo…

 

25 de novembro de 2021

            Quando eu terminei de empacotar a última mala, eu permiti que meu corpo exausto desmoronasse em uma poltrona próxima. Em menos de cinco minutos, Marcie surgiu às pressas, abriu uma das malas e vasculhou até encontrar suas malditas luvas. A atitude dela foi copiada pelas três crianças, que também abriram suas malas em busca de casacos e roupas de frio.

            Marcie: Tá nevando lá fora, sabia? Por que você não vem com a gente fazer uns bonecos de neve?

            A minha expressão de cansaço e mau-humor respondeu a pergunta de Marcie, e ela ficou desconcertada ao perceber a bagunça que ela e as crianças haviam feito – principalmente, porque ela não conseguia arrumar as roupas de volta nas malas de jeito nenhum. Então, a solução brilhante de Marcie foi me irritar cantando a música infantil “Você quer brincar na neveeeee?” com uma voz aguda e debochada. Eu revirei os olhos e tentei manter a seriedade, mas acabei rindo junto com eles.

            Velma: Não sei quais são as suas referências pedagógicas, mas eles não podem se divertir o tempo todo, sabia?

            Marcie: Ah, qual é, eu cresci em um parque de diversões e olhe para mim agora!

            Marcie e eu rimos novamente, e ela jogou um casaco e um cachecol em minha direção antes de vestir as crianças. Eu suspirei e, sem vontade nenhuma de me juntar a eles, eu comecei a me vestir também. No momento em que eu procurava as minhas luvas, percebi que meu celular vibrou. Ao olhar na tela, vi que Fred havia me mandado uma mensagem dizendo “você quer um bom motivo para ser grato nesse dia de Ação de Graças?”, e eu fiquei surpresa por ter me esquecido de que era feriado.

            Velma: Que droga, Marce, hoje é dia de Ação de Graças! Como pudemos esquecer o dia de Ação de Graças?

            Marcie: Talvez porque estamos em um país em que ninguém dá a mínima para esse feriado idiota?

            Velma: Mas é nossa obrigação lembrar as datas importantes do nosso próprio país! Que droga, somos péssimas, desse jeito as crianças nunca irão aprender nada sobre a nossa cultura…

            Marcie: Hey, relaxa, ano que vem faremos algo decente reunindo as nossas famílias… e então eles aprenderão a odiar o Dia de Ação de Graças assim como nós…

            Marcie riu da própria piada mesmo diante da minha expressão séria e saiu com as crianças. Antes de eu me juntar a eles, eu peguei meu celular para escrever para Fred, e a imagem que eu vi me fez gritar de alegria: Daphne estava acordada, sorrindo e parecia bem. Eu tentei chamar Marcie para lhe falar sobre a boa notícia, mas quando vi pela janela a imagem dos quatro casacos se afastando do hotel em direção aos arredores, eu desisti. Eu liguei para Fred imediatamente, mas a linha dele estava ocupada, provavelmente devido às dezenas de ligações que ele estava recebendo para saber sobre Daphne. Sem outra opção, eu peguei o celular e fui atrás de Marcie.

            Eu mal havia colocado meus pés na grama congelada quando recebi um golpe de bola de neve na cara. As crianças riram muito, e quando eu abri meus olhos, vi Marcie rindo, orgulhosa do que havia feito.

            Velma: Vai ser difícil educar crianças de 7, 9 e 11 anos enquanto eu tiver uma criança mal-educada de 27 anos como esposa… você não pode ensinar a eles as porcarias que você aprendeu com os seus pais!

            Marcie repetiu “você não pode ensinar a eles as porcarias que você aprendeu com os seus pais” com uma voz de deboche e todos riram. Eu revirei os olhos e também ri um pouco, afinal, eu tinha muitos motivos para sorrir. Antes que eu pudesse dar a boa notícia, meu celular vibrou e o rosto de Fred apareceu na tela. Quando eu atendi, a imagem de Daphne sorrindo ao lado de Fred, Judy, Delilah, Fred Sr. e os Blakes me fez gritar de alegria. Marcie interrompeu suas brincadeiras infantis e se aproximou da tela do celular, e quando todos gritaram “milagre de Ação de Graças”, ela entendeu o motivo da minha alegria e também gritou. Daphne acenou para mim sorrindo e eu acenei de volta, mas no momento em que eu fiz algumas perguntas, Fred se afastou dela com a câmera e me censurou.

            Fred: Sem perguntas no momento… ela ainda está um pouco confusa, mas o pior já passou…

            Velma: Fred, isso é incrível! Estou tão feliz por vocês!

Marcie: É mesmo um milagre!

Velma: E quando foi que aconteceu?

            Fred: Há umas oito horas… ainda não conseguimos acreditar…

            Velma: E ela está bem?

            Fred: Ela ainda está um pouco entorpecida e nós estamos poupando-a de saber algumas coisas… mas ela já reclamou do estado das próprias unhas, então eu acho que ela está ótima… e como estão as coisas aí na Itália?

            Velma: Bem, ainda estamos lutando pela cidadania americana das crianças e enfrentando toda a burocracia de uma adoção internacional… mas, tirando esses detalhes, estamos indo bem… melhoramos a comunicação com eles e acho que estamos nos dando bem, apesar dos problemas na hora da alimentação… eles consideram o meu spaghetti ofensivo à culinária italiana…

            Marcie: Desculpe ter demorado dez anos para te dizer isso, mas o seu spaghetti realmente é ofensivo… e olha que eu nem sou italiana…

            Fred e Marcie riram de mim e eu revirei os olhos.

            Fred: Shaggy me disse que você está nos deixando para ir morar em Washington D.C.… vai ser estranho não ter você por perto pela primeira vez na vida…

            Velma: Vocês é que me abandonaram para ir morar naquele fim de mundo! Voltar para Crystal Cove depois de tantos anos? Ah, fala sério!

Fred: Shaggy tem se dado muito bem lá… ele está feliz com Crystal e Scooby…  e também com o sucesso do aplicativo dele…

Velma: Ah, qual é, Fred! Shaggy se daria bem em qualquer lugar que tenha comida… E, além disso, eu não tenho escolha… Crystal Cove não deve ter nem uma guarda municipal, quem dirá uma sede da Interpol…

Fred: Bem, felizmente, eu tenho escolha… e pretendo fazer a escolha certa de agora em diante… Crystal Cove será melhor para Daphne e eu…

Velma: Fico feliz de ouvir isso, Fred…

Fred: …mas nós não vamos desistir de convencer você e Marcie a voltarem. Precisamos de vocês… e sentiremos saudades…

Velma: Quem sabe na primavera, no casamento de Shaggy e Crystal?

Fred: Quem sabe no Natal? Daphne só precisa de mais três semanas de tratamento aqui em Seul…

Judy: Na verdade, a Daphne está ótima, é o tratamento pulmonar dele que ainda vai durar três semanas… e sim, dessa vez ele aceitou o tratamento sem precisar ser ameaçado…

Dessa vez, Judy e eu rimos e Fred revirou os olhos, impaciente.

Velma: Pelo visto, as decisões corretas já começaram… fico feliz de saber disso, Fred…

Judy: Eu também!

Fred: Bem, eu preciso voltar… nos falamos mais tarde… Feliz Dia de Ação de Graças…

Velma: Feliz Dia de Ação de Graças, Fred!

No momento em que eu encerrei a chamada, meu celular se encheu de neve. Eu olhei para Marcie com impaciência, mas ela ria orgulhosamente de sua ação e sequer se importou.  Quando eu guardei o celular no bolso do casaco, minhas mãos acidentalmente tocaram um pedaço de papel, e ao retirá-lo, percebi que era um dos cartões de visita de Squid Game. A descoberta me fez estremecer e, imediatamente, amassar aquele cartão com tanto ódio que pensei que iria esmagar meus próprios dedos. Antes de eu me juntar à brincadeira, eu deixei o cartão amassado no lixo mais próximo – e desejei que minhas lembranças terríveis de Squid Game fossem descartadas junto com ele.

8 de abril de 2023

            Ao retornar do mar, eu dei uma breve olhada no relógio do celular e, ao fazer os cálculos mentais de fuso horário, meu coração disparou. Imediatamente, eu chamei Marcie e as crianças, nós juntamos nossos pertences e retornamos ao hotel. Eu me senti tão culpada por ter esquecido o chá revelação de Shaggy e Crystal que comecei a clicar insistentemente no link da reunião enquanto ainda estávamos no elevador. Quando chegamos ao quarto, Crystal aceitou a minha solicitação de maneira sorridente, enquanto Shaggy estava de mau-humor ao lado dela. Ao ouvirem a minha voz, Scooby e Amber pularam na mesa e apareceram na câmera, e eu os cumprimentei. Na reunião também estavam Sugie e os pais dos noivos, e eles nos cumprimentaram. Além de nós - os convidados ao vivo -, outras pessoas também acompanhavam a transmissão no youtube, inclusive Marcie, que havia aberto a live no notebook para as crianças assistirem.

            Crystal: Oi Velma! Oi Marcie! Olá crianças, que bom ter vocês aqui nesse momento tão especial para nós! Vocês estão ao vivo, ok?

            Shaggy: VOCÊ QUER DIZER, TIPO, OI VELMA, VALEU POR TER ESQUECIDO IGUAL TODO MUNDO, E POR FAZER A GENTE ESPERAR ETERNAMENTE POR VOCÊS!

            Crystal: Calma, amor, são só 15 minutinhos de atraso…

            Crystal revirou os olhos e riu desconcertadamente, enquanto Shaggy cruzou os braços impacientemente e fechou a cara.

            Crystal: Desculpe por isso, meninas, é que Shaggy está um pouco ansioso para cortar o bolo, e vocês sabem como o humor dele fica quando há comida envolvida…

            Velma: Tudo bem, eu conheço esse idiota desde que eu me entendo por gente, já estou acostumada…

            A resposta de Crystal foi interrompida porque ela aceitou Flim Flam na reunião, e isso irritou Shaggy ainda mais.

            Shaggy: TÁ VENDO, OUTRO ESQUECIDO, JÁ SÃO 20 MINUTOS DE ATRASO!

            Flim Flam: Oi pessoal, perdão pelo atraso, eu tive que descer uns 3 mil metros de montanha para chegar em uma vila que tenha wi-fi… que bom ver vocês, mesmo que seja em uma chamada de vídeo em diferentes fusos horários, como nos velhos tempos…

            Crystal: Oi Flim Flam, que bom ter você aqui! Você está ao vivo, ok? Bem, creio que agora só faltam Fred e Daphne?

            Shaggy: AH, QUE SE FODA O FRED E A DAPHNE, ELES ESQUECERAM DESSA MERDA, VAMOS CORTAR LOGO ESSE BOLO, PELO AMOR DE DEUS!

            Velma: Eles nunca esqueceriam, Shags… eles só devem estar ocupados demais com o bebê…

            Marcie: …ou fazendo outro bebê…

            Velma: Argh, Marcie, que desnecessário!

            Shaggy: Desnecessário pra caralho! E sabe o que é desnecessário também, minha gente? ESPERAR DAPHNE E FRED PRA CORTAR ESSA MERDA DESSE BOLO!

            Shaggy suspirou devido à irritação, e Scooby também demonstrou seu nervosismo ao olhar para o bolo e ganir.

            Crystal: Será que alguém poderia ligar para eles?

            Marcie imediatamente pegou seu celular e discou o número de Daphne, e não obteve resposta. Logo em seguida, ela fez o mesmo com o número de Fred, e também não obteve resposta. A cada tentativa, a frustração de Shaggy aumentava, e Scooby-Doo chorava cada vez mais ao olhar para o bolo intacto. De repente, a ansiedade fez Shaggy roubar um pouco de chantilly com o dedo, mas Crystal lhe deu um tapa na mão e seu mau-humor piorou. Por volta da décima tentativa, o celular de Fred atendeu, mas para a nossa surpresa, quem apareceu na tela foi uma carinha redonda e ruiva com grandes olhos azuis. Marcie mostrou a tela de seu celular para a câmera da live, e após a imagem inicial ter derretido nossos corações, começamos a chamar por Daphne e Fred. Nossos chamados, porém, só fizeram as mãozinhas cheias de pulseiras agarrarem o celular e levarem-no à boca. Por uma fração de segundo, eu vi a imagem de Fred dormindo logo atrás da bebê, e quando a imagem da câmera se resumiu aos dois únicos dentinhos daquela boca, Shaggy perdeu a paciência e se levantou. Crystal o segurou pelo pulso, e Scooby aproveitou a distração dela para lamber uma camada generosa do chantilly do bolo. A fofura da bebê de Daphne e Fred  e palpites sobre o sexo do bebê de Crystal geraram um falatório que durou alguns minutos, até que foi interrompido pela imagem das mãos de Daphne retirando o celular da boca da criança e encerrando a chamada. Após alguns segundos, o rosto de Daphne surgiu na live de Crystal. Enquanto nós a cumprimentávamos sorrindo, ela acordou Fred com ternura, pegou a bebê no colo e repetiu diversas vezes com voz aguda e infantil “você atendeu o telefone do papai, meu bem?”.

            Daphne: Oi queridos! Desculpe a demora, estou ocupada com a primeira Páscoa da nenê… e com outro mêsversário dela na semana que vem… meu Deus, passa tão rápido!

            Crystal: Aww, Daph, ela está tão linda! Mal vejo a hora de ver a carinha do meu!… ou da minha!… obrigada por estarem conosco nesse momento…

            Velma: Ai que droga, agora eu fiquei com muita saudade de vocês! Como vocês estão?

            Daphne: Ansiosos para descobrir como é que se desliga essa menina… mas estamos bem…

            Fred: Dormindo três horas por dia… mas estamos felizes…

            Velma: Estou vendo… por que não tentam música clássica? Além de acalmá-la e de melhorar o sono dela, ajuda no desenvolvimento intelectual dos bebês…

            Fred: Não, obrigado, eu morro de medo que ela fique igual a você…

            O comentário de Fred fez todos rirem, e Scooby aproveitou a oportunidade para lamber mais uma parte do bolo.

            Daphne: E como estão as crianças? E a viagem? Estão curtindo?

            Shaggy: AS CRIANÇAS ESTÃO ÓTIMAS, A VIAGEM ESTÁ MARAVILHOSA, A BEBÊ DA DAPHNE E DO FRED É LINDA, AGORA CHEGA DE CONVERSA FIADA E VAMOS CORTAR ESSE BOLO!

            O comentário raivoso de Shaggy fez todos se calarem. Então, Crystal pegou a faca para cortar um pedaço e mostrar a cor do recheio do bolo – e, consequentemente, revelar o sexo do bebê-, mas no momento em que ela enfiou a faca no bolo, Scooby-Doo abocanhou uma parte generosa e revelou que o recheio era azul.  Shaggy ficou ainda mais irritado, e se dividiu entre dar bronca no cão e comer rapidamente o que restou do bolo – para não deixar Scooby comer mais. Nós sorrimos e aplaudimos a descoberta, enquanto Crystal desconcertadamente tentava limpar toda a sujeira.

            Daphne: Que lindo, Shags, você vai ser papai de um menino!

            Velma: Espero que você deixe de se comportar como um bebê agora que você vai ter um bebê…

            Daphne: Não funcionou com o Freddie…

            Fred fez uma careta enquanto nós duas rimos.

            Velma: Não funcionou com a Marcie também… e olha que tivemos três… e eles já vieram prontos…

            Marcie: Funcionou com a Velma porque mentalmente ela já tem 65 anos…

            Fred: A Velma tem 65 anos mentalmente desde o jardim de infância!

            Dessa vez, fui eu que fiz uma careta, e eles riram de mim.

            Daphne: E vocês já pensaram em um nome?

            Shaggy: Já! Norton!

            A revelação do nome incomum deixou todos nós desconcertados e, infelizmente, ninguém conseguiu evitar expressões faciais de desgosto.

            Sugie: Hmm… Norton? É sério isso?

            Crystal: Sim… foi Shags escolheu! Bonito, né?

            Nenhum de nós conseguiu concordar.

            Shaggy: Norton! Nor de Norville, ton de Colton, o nome do papai, Norton!

            Sugie: Tipo, você tá ligado que não é um cachorro que você está nomeando dessa vez, né?

            Marcie: E que o bebê vai carregar esse nome para o resto da vida…?

            Sugie: … se bem que até o nome do pobre cachorro você escolheu mal… “Scoobert Cornelius Doo”…

            Velma: Shags, ele vai te odiar muito por isso!

            Flim Flam: Só uma pergunta… vai ser Norton, tipo… antivírus?

            O comentário sarcástico de Flim Flam fez todos gargalharem, e Shaggy permaneceu sério.

            Shaggy: Tipo, obrigado pelos conselhos, Liang, Marcie, Margaret e Velma, vejo que vocês têm muita moral para falar sobre nomes feios e atípicos… mas vai ser Norton mesmo! NORTON!

            Nós continuamos a rir, enquanto os pais dos noivos permaneceram em silêncio, desconcertados com a decisão.

            Colton: Bem, acho que os culpados disso são Paula e eu… afinal, nós o chamamos de Norville…

            Nós rimos mais uma vez, e Flim Flam deixou a live sem explicações. Logo em seguida, Marcie me cutucou e me olhou com os olhos arregalados. Ela, então, apontou para a tela do notebook, e nessa direção, eu vi um pequeno anúncio pago na parte de baixo do vídeo. Ao me aproximar, eu vi que se tratava de um jogo de apostas online, que prometia fortunas ao jogar jogos simples, como jogo da velha, dados e… um jogo coreano chamado DDakji. Meu coração acelerou, mesmo assim, eu continuei intercalando meu olhar entre as palavras que apareciam no anúncio e os olhos espantados de Marcie. Como o anúncio me pareceu inofensivo, eu olhei para ela interrogativamente.

            Marcie: Não, não olhe para mim, assista até o final!

            A maneira assustada como Marcie falou me fez estremecer, e eu continuei a observar a sequência de palavras e imagens que surgiam naquele pequeno anúncio. Crystal e Daphne começaram a me chamar na live, mas o medo não permitia que eu desgrudasse os olhos daquela tela. Ao fim de uma sequência interminável de imagens, o anúncio adquiriu uma cor marrom assustadoramente conhecida, as palavras “Vem aí” apareceram e, logo em seguida, três formas geométricas pretas surgiram no centro, juntamente com um botão escrito “Saiba mais”. A imagem do antigo cartão de Squid Game me fez gritar e fechar o notebook com violência, e isso assustou não apenas as crianças, como também meus amigos que estavam na live.

            Crystal: Velma? Está tudo bem? Aconteceu alguma coisa?

            Velma: Está sim, tudo ótimo, desculpe, eu deixei o notebook cair, eu volto em um instante…

            Eu encerrei a chamada no celular e o joguei com tanta raiva contra a cama que, mesmo sendo uma superfície macia, eu achei que ele quebraria. Mesmo sem querer, eu desatei a chorar incontrolavelmente de raiva e de medo, e Marcie me abraçou, ainda com os olhos assustados. Ao ver a expressão assustada das crianças olhando para nós, ela procurou distraí-los em direção ao outro quarto, enquanto eu tentei me acalmar.

            Marcie: A única coisa que eu tenho a dizer é: QUE BIZARRO!

            Velma: Eu não acredito! Como isso é possível? O mundo inteiro foi avisado sobre os horrores desse jogo! As polícias de todo o mundo estão em alerta desde 2021, a Interpol e as big techs se comprometeram a vigiar a internet… como é possível? Isso é tão, tão… injusto… assustador!

            Eu afundei no meu desespero novamente, enquanto Marcie me abraçou e procurou me acalmar. Meu celular recebeu dezenas de mensagens preocupadas de Shaggy e Crystal, perguntando se eu havia me ofendido com algo, e também de Daphne e Fred, questionando a minha saída rápida. Eu estava respondendo todas elas, fingindo que tudo estava bem, quando uma ligação de Flim Flam me interrompeu.

            Flim Flam: Velma… bem, eu nem sei como eu vou te falar isso, maaas… você não vai acreditar no que eu vi em um anúncio pago na live do Shags…

            Velma: Não precisa me falar nada, Flim Flam. Nós também vimos… e é por isso que eu estou em lágrimas nesse momento…

            Flim Flam: Bem, aparentemente, Shaggy e os demais não viram nada, caso contrário, teriam mencionado… enfim… você conta a eles ou eu conto?

            Velma: Nenhum de nós! Não iremos mencionar uma única… eles estão vivendo os próprios sonhos e não merecem ser tirados disso… eu fui clara?

            Flim Flam: É… mas você sabe que eles estão em perigo mesmo assim… todos nós estamos… afinal, se esse anúncio foi direcionado a nós, quem direcionou deve saber, no mínimo, onde nós estamos nesse exato momento… e, acredite, isso é muita informação para uns psicopatas impunes… não acha?

            Flim Flam ficou em silêncio, e tudo o que se ouvia durante a chamada era a minha respiração ofegante e os meus suspiros de angústia. Quando Flim Flam suspirou, eu percebi que ele estava tão nervoso quanto eu.

            Flim Flam: Olha, Velma, tudo bem se você não quiser falar para eles, mas acho que ignorar o que vimos é burrice e irresponsabilidade… temos que fazer alguma coisa! Sei lá, clicar no anúncio, denunciar para o youtube, pedir explicações para o Google, acionar a Interpol, caçar os VIPs anonimamente,  chamar o Batman, sei lá, qualquer coisa, menos fingir que nada aconteceu!

            Um longo e incômodo silêncio cheio de respirações ofegantes ocorreu. Até que eu suspirei e decidi intervir.

            Velma: Olha… não fale nada para ninguém no momento, ok? Nem clique em nada… estou voltando para Washington agora mesmo…

            Flim Flam: Ok… e eu estou voltando para Pequim. Nos vemos na Interpol. 


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Notas finais do capítulo

E esse foi o capítulo final da história! :(
Muito obrigada a todos que acompanharam até aqui ao longo de todos esses meses! E muito obrigada por todas as leituras e comentários!
Como vocês sabem, a segunda temporada de Round 6 sai em 2024… se ela for tão boa quanto a primeira e tiver um bom roteiro (coisa difícil de se ver hoje em dia rsrsrs), eu farei a continuação de Scooby-Doo Wicked Game, partindo desse acontecimento final e do fato de que os VIPs ficaram soltos.
Enquanto a segunda temporada não chega, eu vou me dedicar a reler e corrigir todos os capítulos de Wicked Game em português (eu sempre reviso antes de postar, mas a cada vez que eu releio, eu acho erros rsrsrs) e finalizar Wicked Game em inglês. Depois que eu fizer isso, vou me dedicar à escrita das minhas outras histórias: Girl, Pitstopped, que também tem a Velma como protagonista, e uma história nova que pretendo iniciar no começo de junho de 2023, “Eu só quero meu futuro de volta”, que terá Judy Jetson como protagonista. Se vocês gostaram de Wicked Game e da maneira como eu escrevo (e amam Scooby-Doo e Hanna-Barbera assim como eu), talvez vocês gostem dessas histórias também.
Girl, Pitstopped é uma história mais adolescente, com foco em amizade, questionamento de estereótipos e humor. Nela, os personagens de Scooby-Doo e Hanna-Barbera são adolescentes do Ensino Médio, e algo estranho acontece enquanto Velma aceita um trabalho provisório na mansão de uma garota que tem todas as características que ela abomina. Depois desse acontecimento, Velma terá que aprender a lidar com as coisas – e com os próprios conceitos – de maneira diferente.
Já “Eu só quero meu futuro de volta” será uma história levemente inspirada na série Dark, e terá como foco a relação conturbada entre Jane e Judy Jetson, mãe e filha. Quando a diferença de idade, de pensamento e de gerações entre elas atinge um nível tão insuportável que a convivência entre ambas se torna impossível, Rosie, a I.A. da família Jetson, acha uma solução mágica para fazer as duas serem amigas. O único problema é que essa solução irá alterar para sempre as vidas das duas – e até mesmo o destino da humanidade. Nessa história, os personagens de Scooby-Doo não são protagonistas, mas eles serão importantes – e aposto que vocês irão gostar da maneira como cada um deles será mostrada.
Enfim, muito obrigada pelo apoio de vocês! :) Sem ele, nada disso seria possível.
K. Kelnick



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