Scooby Doo: Wicked Game escrita por KendraKelnick


Capítulo 28
Capítulo 28 - Ponte para lugar nenhum




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No caminho para os banheiros, percebi um intenso movimento nos corredores. Havia mais soldados mascarados do que o habitual, e as armas que eles usavam eram mais assustadoras que os fuzis. De repente, um grupo de soldados impediu a nossa fila de continuar a andar, e começou a revistar cada um dos participantes. Eu então me lembrei do aviso de Flim Flam no dia anterior e entendi que, provavelmente, os mascarados estavam buscando o cartão que eu havia roubado do quarto do Front Man. Eu não sei se foi o medo de ser incriminada, ou se foi a violência gratuita que eu havia acabado de presenciar com a morte de Lupe, mas algo em mim me fez perder o controle, tremer e chorar. Fred olhou para trás e procurou me confortar em silêncio, e Daphne segurou a minha mão com força, como se a pressão de seus dedos pudesse transmitir algum tipo de incentivo ao meu coração sem esperança. Eu, porém, não conseguia parar de pensar que aqueles demônios poderiam fazer absolutamente qualquer coisa conosco em troca de um simples cartão. Presa em um medo visceral, eu retive meus passos por uns segundos. Shaggy imediatamente segurou os meus ombros e me empurrou para frente devagar, sinalizando que eu deveria continuar. Só senti algum alívio quando as mãos imundas passaram pelas roupas e corpos de todos os meus amigos sem derramar nenhuma gota de sangue. Entretanto, foi um alívio breve, pois dois um três minutos depois dois guardas gritaram coisas em coreano e uma pequena confusão se estabeleceu.

Vários guardas apareceram e rodearam os dois que gritaram, alguns gritavam palavras de ordem; outros apenas apontavam suas armas de maneira robótica aos que haviam começado a confusão. De repente, os dois guardas ergueram suas mãos para cima, e em uma das mãos de um deles estava o cartão perdido. Um breve silêncio teve início, e logo foi interrompido por uma rajada de tiros que eliminou os dois guardas e sujou nossas roupas e corpos com gotas de sangue. Dessa vez, eu não fui a única a chorar. Daphne se desesperou e caiu no choro nos ombros de Fred, e mesmo entre lágrimas, eu a consolei. A massa de soldados, então, se abriu, e dela surgiu o Front Man, que caminhou até os dois guardas mortos e retirou o cartão da mão desfalecida. Eu desviei o olhar dos cadáveres e continuei a caminhar até o banheiro, não conseguia encarar a culpa que sentia por ter feito aqueles dois homens perderem a vida. Ao chegar ao banheiro, porém, a realidade me deu outro tapa na cara: Agora, éramos só nos 3. Apenas Daphne, Ginevra e eu, de centenas que mulheres que estiveram conosco dois ou três dias atrás. E até quando seria assim? Não me preocupei em pensar em uma resposta – otimista ou pessimista-, porque eu sabia que seria mentira. Naquele lugar, as certezas eram líquidas e escorriam de nossos corpos quando menos esperávamos. Mas a ausência era sólida. O vazio era sólido. Tão sólido que pesou em todas nós, e dessa vez, foi Ginevra que começou a chorar.

Ginevra: Eu quero que saibam que eu tenho três filhos na cidade de Cáscia na Itália e que se...

Ginevra não conseguiu continuar. E, infelizmente, ela não precisou, Daphne e eu entendemos perfeitamente o que ela queria dizer e a abraçamos. Naquele momento, eu senti vontade de dizer o mesmo, de pedir que minhas amigas cuidassem de meus entes queridos caso eu não sobrevivesse à próxima rodada, mas eu percebi que eu mesma não cuidava bem deles, e isso me machucou profundamente. Às vésperas da morte, eu tinha contato mínimo com meus pais, conversas superficiais com a minha irmã, uma noiva passando suas férias sozinha... e nada mais. Nada de concreto além de uma carreira brilhante que estava prestes a acabar da maneira mais estúpida e cruel possível.

Daphne: Não vou ter tempo de ter filhos. Mas eu tenho três sobrinhos. E eu nem sei o nome deles!

Percebi que Daphne também estava enfrentando seus próprios fantasmas e arrependimentos quando ela tentou confortar Ginevra, mas terminou precisando ser consolada. Nosso luto coletivo logo foi interrompido por meia dúzia de guardas gritando palavras de ordem em coreano e apontando armas para nós. Fizemos uma higiene rápida por medo das atitudes dos algozes, e deixamos o banheiro sem saber se retornaríamos dentro de algumas horas. No caminho de volta, ainda havia muitos guardas, e a grande movimentação entre eles me fez perceber que eles estavam procurando o infiltrado. Secretamente, eu desejei sorte a Flim Flam. E desejei profundamente que eu e meus amigos tivéssemos mais do que poucas horas de vida.

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Ao retornar ao dormitório, eu tomei um susto. Mesmo sem querer, eu contei apenas 25 participantes. O excesso de camas vazias chocou até os ingleses, que geralmente comemoravam quando uma vida era perdida e o cofre se enchia de dinheiro. Fred, Shaggy e Andrei cochicharam sobre o fato de a quantidade de homens ser muito maior que a de mulheres, e eu senti um arrepio na espinha quando entendi quão perigosa aquela situação poderia ser para nós três. Quando os guardas serviram a comida, apesar da fome e da sede, eu pouco me importei. Eu procurei a cama mais alta e mais isolada para me alojar e tentar esquecer o sorriso inocente de Lupe sendo ceifado por um tiro. E para tentar esquecer que eu fui a responsável por aquele tiro. Infelizmente, não tive o tempo que precisei para processar minimamente aqueles sentimentos, minutos após eu me deitar, eu senti a presença de meus amigos em volta da cama, e eles me incentivaram a levantar.

Andrei: Eu sei que palavras não fazem sentido nesse momento, mas queria que soubesse que você fez o melhor que pôde para que todos nós vencêssemos o jogo...

Velma: É, mas nesse lugar, fazer o melhor nem sempre é o suficiente...

Andrei: Não é o suficiente, mas é o necessário. Você fez o necessário pelas nossas vidas... você ousou fazer o necessário para sobrevivermos, e isso foi admirável. Não havia como prever o que aconteceu logo em seguida...

Eu balancei a cabeça e sorri de maneira totalmente artificial para demonstrar gratidão pelas palavras de Andrei, mas na realidade, eu só queria que aquela conversa acabasse rápido. A culpa por ter sobrevivido machucava todas as partes do meu corpo, e consumia meu coração de tal forma que eu desejei que ele parasse de bater. Em seguida, meus amigos me conduziram à fila do jantar, e assim que chegamos, avistamos os ingleses rindo, comemorando e fazendo brindes com garrafas de cerveja. Ao chegar à mesa, percebemos que ali não havia nenhuma refeição, os guardas haviam apenas servido bebidas alcoólicas, aperitivos e comida industrializada sem valor nutricional nenhum. Nós nos olhamos com desespero, e o único que não se desesperou foi Shaggy, que ao invés de sofrer pela falta de alimentos, desatou a comer grandes porções de batatas e pipocas. Meus amigos ainda insistiram em rodear a mesa por alguns minutos, procurando algo menos horrível para matar a fome, mas eu logo desisti. Ao ver eu me afastar, Daphne me segurou pela mão e me conduziu por alguns metros, incentivando-me a procurar algo. Quando ela achou uma garrafa com líquido transparente, ela me deu uma unidade e logo bebeu a outra. Porém, o primeiro gole nos fez cuspir o líquido de volta na garrafa e desistir de consumir aquilo.

Daphne: Eca! Isso aqui é muito forte! É álcool!

Velma: É vodka!

Nossa reação fez os rapazes se aproximarem de nós e confirmarem que, de fato, era vodka. Fred olhou com preocupação para todas aquelas bebidas e todos nós estremecemos de imaginar o que tamanha embriaguez poderia causar nos demais participantes.

Ginevra: Talvez devêssemos pelo menos tomar um pouco de cerveja para matar a sede... e evitar desidratação...

Velma: Pelo contrário, o álcool desidrata o organismo... não vejo problemas em você tomar um gole ou dois, mas creio que beber uma garrafa inteira só irá piorar a fome e a sede...

Shaggy: Pois eu vejo problemas em tomar uns goles também... olhem aquilo!

Shaggy apontou para os demais participantes, que já estavam completamente entorpecidos. Alguns deles haviam caído no chão, outros já estavam em suas camas, e os poucos que resistiam em pé cambaleavam muito.

Shaggy: Tipo, nós já vimos essa cena antes, não? Foi assim que nos doparam no hotel, minha gente! E foi assim que nos trouxeram para cá! Não coloquem uma gota dessas merdas na boca!

Fred: Tarde demais...

Fred mostrou uma garrafa de cerveja pela metade, e Andrei apontou para uma garrafa vazia. Daphne ficou aflita e segurou a mão de Fred com força, e ele a confortou com um beijo na testa.

Wang: Bem, pelo menos ficaremos seguros durante a noite. Não há chance de haver brigas e de sermos atacados pelos outros participantes.

Shaggy: Mas, tipo, há uma chance do caralho daqueles soldados filhos da puta retirarem um rim de cada um de nós enquanto estamos apagados...ou pior, eles podem levar as garotas e...

Shaggy parou de falar e arregalou os olhos quando sentiu o peso do que iria dizer – ou sentiu o quanto suas palavras poderiam nos afetar. Ginevra e eu nos olhamos, e Fred abraçou Daphne com força, como se quisesse protegê-la até mesmo das palavras. No mesmo momento, Andrei cambaleou, demonstrando já sentir os efeitos da cerveja que havia tomado, e Fred, apesar de também demonstrar sinais de entorpecimento, tentou se manter firme.

Ginevra: Não, não acho que eles fariam isso... apesar de órgãos valerem muito dinheiro, eu acho que aqueles ricaços malditos apostaram em nós e de alguma forma querem que a gente continue no jogo... Eu acho que o real motivo para os soníferos é não deixar que nós escapemos caso o amigo de vocês tente nos ajudar, não? Vocês viram como eles estão caçando o infiltrado pelos corredores...

Velma: Ou talvez o motivo seja deixar o próximo jogo mais difícil. Vejam os desenhos na parede, ao que parece, vamos ter que pular obstáculos, ou atravessar algum tipo de ponte... algo praticamente impossível de se fazer quando se está dopado...

Eu apontei para os desenhos nas paredes e todos olharam com preocupação. Apesar de termos fornecido outras explicações, a ideia inicial sugerida por Shaggy ainda nos assombrava.

Wang: Fiquem tranquilos, eu não consumi nenhum dos itens que foram servidos e me ofereço para vigiar durante a noite. Nada irá acontecer conosco. E certamente Fred e Andrei já estarão se sentindo melhor antes do início do próximo jogo, seja ele qual for...

A fala de Wang foi a deixa que precisávamos para procurarmos abrigo nas camas. Shaggy e Wang ajudaram Andrei a chegar a uma das camas e Daphne conduziu Fred para a cama mais próxima. Quando eu me deitei, eu percebi que eles haviam retirado os cobertores e lençóis das camas, e o ar-condicionado do dormitório estava incrivelmente frio. Antes de apagar, Fred cedeu seu casaco a Daphne, e ela se aconchegou nos braços dele. Shaggy e eu procuramos camas na parte de baixo dos beliches para nos protegermos do frio. Mesmo encolhida a ponto de conseguir me aquecer, o peso dos fatos anteriores me impedia de adormecer. De repente, senti algo anestesiar minha boca e minha garganta, e percebi que aquele pequeno gole de vodka estava causando algo em meu corpo. Sem ter como lutar, eu me rendi aos sintomas, com a esperança tola de que eles anestesiariam os meus sentimentos.

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Acordei de um sono sem sonhos com um sobressalto causado pelo barulho da porta do dormitório se fechando. Ao olhar ao redor, a miopia e a escuridão só me permitiram enxergar as sombras dos corpos adormecidos dos demais participantes, todos deitados no chão. Eu me esforcei para enxergar os meus amigos, mas não consegui. Após alguns minutos, a falta de sono me fez sentar na cama, e o meu movimento brusco despertou Wang, que havia adormecido ao lado de meu beliche enquanto vigiava.

Wang: Alguma coisa errada, Velma?

Velma: Não... eu só perdi o sono... eu ouvi a porta do dormitório fechar e acordei...

Minhas palavras fizeram Wang se levantar rapidamente.

Wang: Sinto que algo parece errado... vamos checar e tentar descobrir o que está acontecendo.

Eu me levantei e segui Wang pelo dormitório. Ao perceber que ele contava os corpos adormecidos no chão, eu decidi checar os meus amigos. Consegui encontrar Ginevra e Shaggy, mas no momento em que me aproximei da cama de Fred e Daphne, senti um grande espaço ao redor dos braços de Fred, ocupado apenas pelo agasalho que ele havia cedido a Daphne. Meu coração disparou de horror quando me dei conta que Daphne havia sumido.

Velma: Oh não, Daphne! ELES LEVARAM A DAPHNE!

O meu grito de desespero acordou Shaggy e Ginevra, e Wang começou a andar rapidamente pelo dormitório à procura de Daphne. Shaggy não hesitou e correu para a porta do dormitório, lá chegando ele começou a bater e a chamar pelo nome dela. Sem saber o que fazer, eu sacudi Fred ininterruptamente até fazê-lo reagir, porém, mesmo com tamanho esforço, eu não conseguia acordá-lo. Ginevra fez o mesmo com Andrei, mas ele parecia mais anestesiado do que Fred. A raiva de Shaggy aumentou de tal forma que ele começou a chutar e a dar golpes na porta, e Wang logo se juntou a ele. Conforme o esperado, as atitudes dos dois resultaram em uma rajada de tiros disparada em direção à porta, e Ginevra e eu gritamos de horror. Eu fechei os olhos e senti medo de reabri-los, pois tinha certeza que veria a sombra de meus dois amigos mortos na escuridão. Após os tiros, o silêncio voltou a reinar no dormitório, mas o barulho de respirações ofegantes e passos rápidos me fez abrir os olhos – e, felizmente, perceber que Wang e Shaggy não haviam sido atingidos. Eu estava tentando acordar Fred novamente quando senti as mãos geladas e trêmulas de Shaggy segurarem meus braços com força, e ao olhar para ele, eu percebi que ele estava chorando.

Shaggy: Tipo, precisamos fazer alguma coisa, Velma! Precisamos ajudá-la!

O apelo desesperado de Shaggy só aumentou meu desespero, e tudo o que consegui fazer foi sacudir Fred mais uma vez para acordá-lo.

Ginevra: Precisamos sobreviver, Shaggy... só assim poderemos ter alguma chance de ajudá-la...

Ginevra tirou as palavras da minha boca, e apesar da reprovação de Shaggy, o medo me fez concordar com ela. Irritado, ele deu um golpe em uma das barras de ferro do beliche e foi em direção à porta novamente. Felizmente, Shaggy não tornou a chutar e bater, durante vários minutos eu observei a sombra dele vagar de um lado para o outro na escuridão, como se buscasse algo para fazer. O silêncio do dormitório evidenciou quão rápido o meu coração batia, e eu tentei acordar Fred mais uma vez – e mais uma vez fracassei. Sem outra opção a não ser lidar com mais sentimentos avassaladores, eu voltei para a minha cama e me encolhi. Não consegui dormir, mas mantive os olhos fechados para não ter que presenciar os horrores que faziam meu coração palpitar.

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Não sei quanto tempo se passou até os sinos tocarem e as luzes se acenderem. Mas assim que ambos aconteceram, eu me sentei na cama rapidamente e olhei ao redor, procurando por Daphne. Shaggy estava sentado na porta e logo se levantou também. Apesar de perceber que ele desejava continuar a bater e gritar, ele foi mais cuidadoso e apenar forçou fechadura. Os demais participantes ainda estavam entorpecidos, inclusive Fred e Andrei, que ainda estavam na mesma posição em que adormeceram na noite anterior. Daphne não estava em lugar nenhum, e isso aumentou o meu pânico. Felizmente, logo em seguida, a fechadura foi destrancada e a grande porta começou a abrir. Shaggy se assustou e se afastou um pouco, mas ao perceber que alguns soldados traziam Daphne arrastada pelos braços, ele voltou para a porta. Ginevra, Wang e eu corremos em direção aos dois, e no momento em que os soldados jogaram Daphne no chão com violência, nós a abraçamos. Antes da porta se fechar, eu vi o Front Man atrás de vários soldados, e estremeci de imaginar o que havia acontecido à minha amiga. Daphne parecia muito abatida, mas não estava muito ferida. Seus únicos machucados estavam nos braços, que sangravam muito e pareciam ter sido cortados em pequenas linhas horizontais. Eu a abracei com mais força e beijei o topo da cabeça dela entre lágrimas, e ao fazer isso, ela segurou na minha mão e na de Shaggy para nos acalmar.

Daphne: Fiquem calmos... está tudo bem... eu estou bem...

Ao olhar para o fundo do dormitório, eu percebi que Fred havia acordado, mas apesar de estar sentado na cama, ele parecia distante, como se ainda estivesse processando a realidade da vigília. Quando Fred finalmente entendeu que Daphne estava sangrando, ele correu desajeitadamente em nossa direção e a abraçou.

Daphne: Freddie, calma! Eu estou bem! Não aconteceu nada!

Fred: Você está sangrando, Daph!

Daphne: Calma, querido, está tudo bem, eu mesma me cortei...

A revelação de Daphne nos acalmou um pouco, mesmo assim, ainda sofríamos de imaginar o que havia acontecido. Daphne então sinalizou em direção às câmeras no canto da sala e, como uma boa atriz, começou a chorar e fingiu dor. A atitude dela nos confundiu e nos fez abraçá-la mais uma vez. Quando estávamos todos em volta dela, como uma redoma, ela parou de chorar e começou a sussurrar.

Daphne: Está tudo bem... Flim Flam capturou Alan e o fez de refém... depois, ele se vestiu de Front Man e me levou para fora do dormitório durante a noite... ele tem a chave de um iate e um plano de fuga, e tudo o que temos que fazer é passar pelo próximo jogo... ele me mostrou detalhes de como será, o jogo se chama "Ponte de Cristal", e nós teremos que subir até uma grande altura e atravessar uma ponte de vidro... serão duas plataformas de vidro, uma terá vidro comum, que se quebra facilmente, e a outra, vidro temperado, que aguenta o nosso peso... o desafio será saber qual dos vidros será o temperado, e saltar corretamente em cima deles para não cair de lá de cima...

Ginevra: Oh meu Deus, e como exatamente faremos isso?

Daphne, então, esticou os dois braços e demonstrou os pequenos cortes que ainda sangravam. Ao colocar os braços um do lado do outro, percebemos que os cortes estavam intercalados entre o braço esquerdo e o braço direito, de modo a formar uma sequência de caminhos a ser seguida.

Daphne: Eu fiz os cortes para copiar o caminho certo que Flim Flam me mostrou. Vejam: Primeiro, pularemos na plataforma da direita, depois pularemos na da esquerda, em seguida, duas vezes na da direita, e assim por diante. Quando o jogo começar, eu ficarei no começo da fila, e vocês me seguirão. Quando terminarmos de atravessar, devemos nos deitar no chão, pois todos os vidros restantes na plataforma irão explodir. Nesse momento, as câmeras e travas eletrônicas também explodirão, e será o momento em que fugiremos. Flim Flam virá nos buscar. Temos que ser muito rápidos para não dar tempo dos soldados reagirem ao inesperado, entenderam?

Todos nós balançamos a cabeça positivamente e nos soltamos do abraço coletivo. Daphne, então, continuou a encenar tristeza e dor e procurou conforto nos ombros de Fred, que a beijou. Em seguida, Fred a conduziu até a cama e a vestiu com o casaco, para que os cortes não fossem notados pelos soldados. Andrei finalmente acordou, mas parecia muito atordoado. No momento da higiene matinal, Wang e Shaggy tiveram que ajudá-lo a caminhar pelos corredores. Quando voltamos dos banheiros, alguns participantes haviam acordado e demonstravam tontura e náuseas. Quando o café da manhã chegou, comemos com tranquilidade. Aquela, finalmente, seria a nossa última refeição. Não de nossas vidas, mas a última refeição naquele inferno de lugar.

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A mesa ainda estava posta quando o megafone anunciou instruções sobre o próximo jogo em coreano. Wang traduziu as informações a todos nós e confirmou que, de fato, o jogo se chamava "Ponte de Cristal", exatamente como Daphne havia anunciado. Em seguida, a porta se abriu e os guardas ordenaram que ficássemos um ao lado do outro e escolhêssemos camisetas com números de 1 a 25. Daphne logo se adiantou e pegou a camiseta de número #1, para ficar em primeiro lugar. Fred escolheu o número 2 logo em seguida, e ao retornar, apertou a mão dela com ternura, como se temesse que algo de ruim fosse acontecer. Eu resolvi pegar o número 3, e nossos amigos pegaram os números sucessores, de modo que ficamos todos juntos. Quando todos já haviam vestido suas camisetas, sob a mira de fuzis, fomos levados através de corredores. Subimos intermináveis lances de escadas até chegar a uma plataforma muito alta. Ao redor, havia um grande salão iluminado com luzes coloridas, e abaixo, um grande abismo escuro. Conforme Daphne havia dito, de frente para a plataforma havia duas pontes de aço com pequenos retângulos de vidro e luzes de led na parte de baixo. Entre os vidros, havia grandes espaços, o que nos fez supor que deveríamos pular de um vidro a outro para atravessar a plataforma. O megafone anunciou novas instruções, e Wang confirmou que deveríamos escolher qual vidro deveríamos pular, sendo que uma das alternativas sempre nos levaria à morte, por ser um vidro comum. Daphne esboçou um pequeno sorriso confiante e destemido, mesmo assim, Fred a segurou com força pelo pulso e a impediu de entrar na plataforma.

Daphne: Freddie, querido, fique calmo... vai dar tudo certo, eu já decorei a ordem correta, ok?

Quando Daphne terminou de cochichar, Fred olhou para mim, com preocupação, e eu entendi perfeitamente o olhar dele. Se a nossa estabanada Daphne Blake poderia perder o equilíbrio e tropeçar nos próprios pés estando descalça em uma superfície completamente plana, imagine o que poderia acontecer a Daphne Blake em cima de uma minúscula placa de vidro suspensa em um abismo de vários metros. Esse fato fez meu coração acelerar e temer pela vida de Daphne, mesmo sabendo que ela sabia quais dos vidros não quebrariam. Daphne, então, percebeu o que nos preocupava e procurou nos acalmar.

Daphne: Ora, eu faço ballet desde os três anos de idade! Eu tenho muito mais equilíbrio do que vocês dois desajeitados, sabia? Agora parem de se preocupar e foquem em atravessar essa ponte o mais rápido possível. Há apenas 1 minuto por participante, ou seja, 25 minutos no total. Depois disso, todos os vidros irão se quebrar!

A bronca de Daphne não diminuiu a nossa preocupação. Mesmo assim, sabíamos que ela estava certa, e que não tínhamos outra escolha senão deixá-la executar o plano. Fred a abraçou forte, beijou-a com ternura e desejou boa sorte. Em seguida, todos nós nos abraçamos e desejamos sorte uns aos outros. Quando entramos na plataforma em fila indiana, o cronômetro foi ajustado com 25 minutos, conforme Daphne havia dito. Infelizmente, eu cometi o enorme erro de olhar para baixo, e a vertigem que senti fez minhas pernas tremerem. Quando um dos soldados disparou um tiro determinando o início do jogo, Daphne saltou no primeiro vidro com sucesso. Como uma boa atriz, ela hesitou por um momento, e logo em seguida saltou no segundo vidro temperado. Fred a seguiu, e quando chegou a minha vez que avançar pelos vidros, eu estremeci. Primeiro devido à altura, as placas de vidro eram pequenas demais, e os espaços entre elas, grandes demais. O segundo motivo, infelizmente, era o fato de que eu simplesmente não conseguia enxergar as placas com nitidez. Minha miopia não me permitia enxergar além da segunda placa de vidro. E esses fatos, somados ao fato de que Daphne sempre pulava nas plataformas corretas (e a plataforma errada não se quebrava), dificultavam muito em saber qual dos dois vidros eu deveria escolher. Fred já estava na 5ª plataforma quando olhou para trás e sinalizou para eu avançar. Percebendo o meu medo, ele apontou para qual vidro eu deveria escolher, e felizmente eu pulei no vidro correto. Fred me ajudou até eu atingir a superfície imediatamente atrás dele, e nossos amigos vieram logo atrás de mim. No meio do caminho, um barulho de vidro quebrando surgiu atrás de nós e nos assustou, e quando olhei para trás, percebi que um dos participantes havia pulado na placa incorreta. Daphne, então, continuou sua encenação de escolher os vidros corretos, e enquanto avançávamos, mais quatro participantes caíram, alguns deles devido à falta de equilíbrio causada pelos sedativos. Quando o relógio marcava pouco mais de quatro minutos para o fim do jogo, Daphne atingiu a plataforma de saída. Em menos de um minuto, todos nós também chegamos ao fim, e no minuto final, o último participante que estava na ponte pisou no vidro errado e caiu. Nos segundos finais, os ingleses comemoravam mais uma vitória, e Daphne sinalizou para que nos deitássemos no chão e aguardássemos as explosões. Entretanto, para a nossa surpresa, no momento em que o relógio encerrou o jogo, não houve nenhuma explosão. Aguardamos alguns minutos deitados, mas nada aconteceu. Preocupada, Daphne se levantou e nós fizemos o mesmo.

Daphne: Isso não estava no plano, turma... estou preocupada...

A tensão se espalhou por todos nós, e só foi aliviada quando a porta de saída se abriu lentamente, permitindo a nossa passagem. Daphne olhou para nós e sinalizou para corrermos o mais rápido possível, mas no momento em que dobramos o corredor, nos deparamos com cerca de cinquenta guardas apontando fuzis para nós. Todos nós paramos bruscamente, e ao perceber a ameaça, Fred se colocou na frente das armas e ergueu os braços, pedindo para os guardas não dispararem. Antes que qualquer coisa pudesse ser dita, a multidão de soldados abriu espaço e permitiu que o Front Man viesse em nossa direção. Logo atrás dele, dois guardas trouxeram Flim Flam muito machucado, com os braços e pernas amarrados, e o jogaram perto de nós. Daphne caiu no choro ao ver Flim Flam capturado, e ao invés de chorar, eu converti o meu desespero em uma náusea profunda.

Alan: Desculpem-me, mas creio que o último jogo terá que ser anulado e jogado novamente. Eu estava brincando de ser refém de um imbecil que acredita que algum de vocês sairá daqui vivo e, infelizmente, não consegui acompanhar o andamento do jogo. Mas pelo que os VIPs me informaram, não foi um jogo muito divertido, terminou com 19 sobreviventes! Qual é, pessoal, vocês não querem encher aquele cofre de dinheiro? Também fiquei sabendo que não foi um jogo muito honesto, não é senhorita Blake? Como os demais competidores se sentem em saber que a senhorita trapaceou e fez com que tantas pessoas sobrevivessem?

Fred acertou um golpe em Alan e o derrubou no chão, o que o impediu de continuar. Sem hesitar, Andrei e Shaggy também começaram a golpear Alan, até que a multidão de guardas começou os agredir de volta e derrubou os três no chão. Quando os guardas acertaram golpes em Wang, Ginevra e em mim sem nenhum motivo, Daphne começou a gritar e a pedir para os guardas pararem, mas eles só cessaram quando Alan se levantou e gritou palavras de ordem em coreano.

Alan: É como eu disse anteriormente, é uma pena que vocês sejam tão valiosos e que muitos dos VIPs gostem de vocês, caso o contrário, seria divertido fuzilá-los aqui mesmo. Mas, não se preocupem, eu darei outra chance deles repensarem em quem eles devem apostar alguns milhões... vamos, levantem-se! Em meia hora, vocês jogarão novamente!

Não tivemos tempo de executar a ordem de "levantem-se", pois os soldados nos puxaram com violência e nos colocaram de pé. Daphne abraçou Fred e acariciou os ferimentos dele que sangravam. Shaggy se apoiou em mim, demonstrando estar com muita dor devido às pancadas. Flim Flam foi desamarrado e arremessado em nossa direção, e assim que caiu no chão, Wang e Fred o ajudaram a se levantar. Permanecemos alguns minutos em um silêncio atormentador, que apenas servia para nutrir ainda mais a nossa angústia. Às vezes, o silêncio era interrompido por bipes de rádio e mensagens em coreano ditando ordens sinistras sobre o futuro de nossas vidas. Quando as mensagens deixaram de ser transmitidas, Alan apontou para um dos participantes e os soldados o arrastaram. Ele fez o mesmo com outros participantes, e eles foram arrastados e colocados logo atrás do primeiro. Após novas ordens no rádio, outro participante foi colocado, e eu compreendi que, dessa vez, os VIPs estavam ditando a ordem dos participantes na fila do jogo. Logo em seguida, infelizmente, Wang foi levado, e logo em seguida, Ginevra e Daphne. Fred protestou e tentou segurá-la por um momento, mas estava tão ferido que logo desistiu. Alan riu ao perceber que Fred não tinha forças para resistir, e aproveitou a oportunidade para debochar.

Alan: Desculpe, Jones, eu também não queria que ela ficasse na frente junto com esses inúteis... ela significa muito para mim, sabe? Nós dois nos tornamos muito próximos nessa última semana, eu também não queria que ela morresse... mas infelizmente eu não tenho escolha! Eu prometi um cadáver para o George já faz alguns dias... e se eu não der logo o que ele quer, o que ele vai pensar de mim? Sem falar naquela vaca da Delilah que já está me enchendo o saco há dias, colocando aqueles malditos Rangers do exército americano atrás de mim... entende? Não é nada pessoal, a Daphne é maravilhosa, eu só preciso dela sem vida, ok?

Lágrimas corriam pelo rosto triste de Daphne. Fred não teve tempo de reagir à provocação, pois Shaggy e Andrei o seguraram com força, para que as atitudes dele não resultassem em mais um espancamento, ou até mesmo em um fuzilamento. Eu me aproximei e o abracei com força, tentando confortá-lo de toda raiva e de todas as emoções complicadas que eu sei que ele não sabia como lidar. Alan pareceu se divertir com o que viu e riu debochadamente mais uma vez, no mesmo momento em que apontou para Tom e ordenou que ele ficasse logo atrás de Daphne. Todos nós percebemos que aquela escolha foi proposital para irritar Fred, e Shaggy deu um tapinha nas costas dele para acalmá-lo. Toda a gangue dos ingleses foi alocada atrás de Tom, e Andrei ficou atrás do último membro. Restavam, portanto, apenas Shaggy, Fred, Flim Flam e eu, e eu percebi que houve um pequeno impasse entre os VIPs. Logo decidiram que Shaggy deveria ser colocado primeiro, e quando os guardas agarraram o meu braço para me arrastar até a fila, os VIPs protestaram.

Alan: Está ouvindo seu fã-clube, Srta. Dinkley? Eles não me deixam fazer nada com você! Se depender deles, eu devo estender um tapete vermelho sobre uma ponte de aço para a senhorita passar e vencer logo Squid Game...

Velma: Eu quero que você e esse maldito fã clube se fodam!

Alan: Oh, que grosseria, Velma! Deveria ter mais consideração por pessoas que apostaram milhões nessa sua vida de merda... e ainda por cima te deixaram viver, mesmo depois de escapar, roubar aquele cartão e acabar com a vida inocente de dois guardas!

A revelação de Alan fez um arrepio percorrer minha coluna e eu estremeci.

Alan: Ah, vai me dizer que está surpresa ao perceber que eu sabia sobre isso também? Ou que eu sabia de todos os encontros que você teve com o agentezinho da Interpol? Vai me dizer que você não sabia que eu permiti que tudo isso acontecesse? Puxa, que decepção, Velma, você parecia mais inteligente nas gravações... parece que os VIPs estão mesmo perdendo dinheiro acreditando nas suas habilidades... e é por causa disso que você é a próxima da fila!

No momento em que Alan disse "a próxima da fila", ele acertou um golpe violento em minhas costas e me derrubou no chão. Fred novamente avançou sobre ele e o derrubou, mas assim que Alan caiu, Flim Flam segurou Fred e o impediu de continuar – e sofrer as consequências por isso. Eu me levantei logo em seguida e dois guardas me seguraram pelo braço com força, me conduzindo até a fila do jogo. Assim que Alan se levantou, em um movimento rápido, ele tateou a túnica preta, retirou uma pistola do bolso e atirou no pé de Flim Flam, fazendo-o gritar de dor e cair no chão, em meio ao próprio sangue. Nós gritamos de horror ao presenciar a cena, e Shaggy e eu nos abraçamos, escondendo nossos rostos nos ombros um do outro, para não presenciar os horrores que viriam logo em seguida. Fred socorreu Flim Flam e tentou de alguma forma conter o enorme sangramento.

Alan: Desculpe, agente, não leve esse tiro para o lado pessoal... ele não tem nada a ver com o fato de você ter se infiltrado, matado VIPs e soldados e tentado me seqüestrar...eu o perdôo por tudo isso... foi muito divertido fingir que eu não sabia de nada... e foi uma experiência muito enriquecedora para Squid Game, até os VIPs gostaram, sabia? Tanto é que eles apostaram uma grana alta em você e pediram para você jogar também!

No momento em que Alan anunciou que Flim Flam entraria no jogo e também competiria pelo prêmio, um dos primeiros participantes da fila protestou e gritou palavras de revolta em coreano. Em um movimento rápido, Alan apenas sacou a arma e atirou na cabeça dele, fazendo-o cair morto no chão. Novamente, gritamos de horror e nos encolhemos de olhos fechados, mas Alan, em um impulso sádico e desnecessário, continuou atirando sem parar no cadáver do homem, fazendo com que o sangue dele espirrasse em todos nós. Quando as balas acabaram, ele guardou a arma e debochou do ocorrido.

Alan: Desculpe, eu fui interrompido e informado que estava agindo contra as regras por adicionar um participante. Mas agora o problema foi resolvido e o número total de participantes não foi alterado. Então, como eu estava dizendo, foi decidido que você deveria jogar também, agente... e é por isso que resolvi deixar as coisas mais interessantes para você. Afinal, quem conseguiu matar mais de 40 guardas e se infiltrar na balsa, não terá problemas em saltar algumas plataformas com uma bala presa no pé...

Fred e Flim Flam ignoraram as provocações e sequer olharam para Alan enquanto ele falava. Mesmo com o sangramento levemente estancado, Flim Flam estava ofegante, visivelmente sofrendo de dor. Mesmo assim, ele se esforçou para se levantar e Fred o ajudou. Alan se irritou de ver Fred e Flim Flam inabaláveis, e por isso ordenou que os guardas arrastassem Flim Flam para a fila.

Alan: É, parece que você é o último, Jones... e, sim, isso foi pessoal... não quero ter o prazer de vê-lo morrer agora... antes, eu quero ter o prazer de ver você sofrer... primeiro, eu vou tirar ela de você, e você nem vai ter a chance de se despedir... depois, eu vou fazer você presenciar a queda de cada um deles, e logo em seguida...

Fred: ...e logo em seguida você vai voltar a ser um capacho daqueles bilionários... e a agir como um cachorro adestrado, acatando todo tipo de ordem idiota que aqueles filhos da puta ditam, só para fingir ter um poder e uma importância que visivelmente você não tem. Você não é um VIP, Alan, você não é um deles. Você não é um banqueiro, você não é um investidor, você não é porra nenhuma. Você é financeiramente fracassado demais para isso, tanto é que precisou matar e chantagear os dois homens que te ajudaram a conseguir algum espaço no mercado. Você não é nada além de um agregado. Você é só o palhaço que apresenta esses espetáculos... e você fracassou até mesmo na função de palhaço, porque descobrimos tudo e você teve que nos capturar. E você vai fracassar novamente, a qualquer momento. E quando isso acontecer, não vamos precisar te matar, nem te fazer sofrer... nós vamos apenas assistir você ser descartado da mesma maneira banal com que você executou aquele homem e aqueles dois guardas, e...

A raiva de Fred abalou tanto Alan que ele não foi capaz de responder. Ao invés disso, ele apontou a arma para a cabeça de Fred e apertou o gatilho. Nós nos assustamos com a atitude dele e gritamos, Shaggy e Andrei se jogaram em direção a Fred, mas felizmente a arma estava descarregada e nada aconteceu. Vários guardas logo bateram em Andrei e Shaggy pela atitude deles, e os fizeram voltar à fila com violência. Fred riu de deboche enquanto Alan ainda o encarava com raiva e tentava apertar o gatilho da arma sem balas. Ao ver aquilo, os guardas partiram para cima de Fred e descontaram nele todo o ódio de Alan enquanto o conduziam para a fila, mas ele não demonstrou nenhum tipo de reação ou emoção.

Fred: Eu não disse? Sua decadência já começou... primeira falha: você está em um jogo mortal e se esqueceu de carregar a arma... e se a arma estivesse carregada, você ia atirar em um finalista que vale milhões, como você explicaria isso aos seus senhores? Como pagaria a eles o dinheiro que perdeu? Eles iriam chicotear você ou abusar de você? Ou será que você teria que rastejar entre os pés deles pedindo perdão?

Daphne e Velma: FRED, PARE! POR FAVOR!

Nossa súplica desesperada fez Fred hesitar em continuar, e logo em seguida os guardas o golpearam com tanta força que ele caiu e o seu nariz começou a sangrar. Daphne soluçou e tentou se aproximar para ajudá-lo, mas Shaggy a segurou, temendo que os guardas descontassem nela toda aquela raiva. Dessa vez, foi Flim Flam que o ajudou a se reerguer e o trouxe para o último lugar da fila. Sem dizer mais nada, Alan apenas fez um gesto aos soldados e ordenou que fôssemos levados de volta ao jogo. Inevitavelmente, eu comecei a chorar. De tristeza, de medo, de angústia, de tudo. No trajeto de volta para aquele caminho sem volta, eu deixei apenas lágrimas. E desejei que elas me guiassem de volta para algum tipo de esperança de sair de Squid Game com vida.

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Nunca vou conseguir definir o sentimento que tive ao estar de volta àquela plataforma. Um sentimento incerto que, ao mesmo tempo, causava em mim a pior das certezas: a de que eu iria morrer. Não consegui viver a aflição de temer pelas vidas de meus amigos, porque no meu coração aquela certeza avassaladora já me dizia que, se tivéssemos a sorte de sobreviver a mais um desafio, certamente sairíamos de lá deixando muitos deles para trás. Sem se virar, Shaggy jogou as mãos para trás e agarrou as minhas com força, e eu retribuí com um abraço apertado. Eu olhei para trás para procurar os olhos de Fred e Flim Flam e desejar-lhes sorte, mas ambos estavam distantes, perdidos em seus próprios sentimentos. Então, eu olhei para frente à procura de Daphne – que também estava imersa em seus próprios pensamentos – e nesse momento o meu olhar se cruzou com o de Ginevra. Eu senti um aperto no peito, pois sabia o que aquele olhar queria. Antes que eu pudesse desviar, eu a vi fazer o número três com os dedos – em referência aos três filhos - sussurrar: "Você prometeu". Eu fechei os olhos para não deixar as lágrimas que se acumularam escorrerem - e para não ter que encará-la mais – e balancei a cabeça positivamente.

Em seguida, um dos guardas disparou o tiro para marcar o início do jogo e o cronômetro começou a funcionar. Desta vez, havia 19 placas de vidro e 19 minutos para completar o trajeto. O primeiro participante não demorou para pular, mas infelizmente escolheu o vidro errado e despencou. A cena de horror – não apenas da aflição de vê-lo cair, mas também a cena terrível do corpo ensangüentado lá embaixo – fez todos recuarem vários passos e hesitarem em continuar. O segundo participante começou a tremer e conteve seus passos, enquanto gritava súplicas em coreano. Um dos guardas o pegou pelo braço, o levou de volta até a beira da plataforma e ameaçou jogá-lo de lá de cima caso se recusasse a continuar. Sem alternativa, o homem então saltou no primeiro vidro temperado e hesitou. Quase dois minutos já haviam sido perdidos quando ele finalmente saltou para o segundo vidro... e, infelizmente, o vidro se quebrou e ele caiu. Shaggy cobriu o rosto com as mãos e agarrou os próprios cabelos com força, tentando controlar o imenso medo que sentia. Eu o abracei novamente, mesmo sabendo que minhas mãos trêmulas e frias não podiam oferecer consolo nenhum. O terceiro participante avançou pela ponte e fracassou no terceiro vidro, e o mesmo ocorreu com o quarto, até que chegou a vez de Wang pisar em um dos vidros. O fracasso do quinto e do sexto participante fez Ginevra e Daphne entrarem na ponte. Também tornou Wang o primeiro da fila e, portanto, o próximo a correr o risco de morrer. No momento em que Daphne pisou no primeiro vidro, Fred protestou no fim da fila, mas tanto os guardas quanto Flim Flam o impediram de continuar. No silêncio tenso daquele lugar, eu conseguia ouvir o choro de Daphne e Ginevra, e inevitavelmente me preparei para perder ambas. Antes de tomar a decisão crucial, Wang olhou para trás, fez uma reverência e nos encarou por um momento. Eu fechei os olhos para não ver o resultado da escolha dele, mas o barulho de vidro quebrando e os gritos dos meus amigos me avisaram sobre o que havia acontecido.

Fred: NÃO É POSSÍVEL, TODOS OS PARTICIPANTES ESTÃO MORRENDO! ISSO É TRAPAÇA! ESTAMOS AVANÇANDO ÀS CUSTAS DAS VIDAS DELES!

Os guardas ignoraram os gritos e a raiva de Fred, e após ter dois ou três fuzis apontados diretamente para a própria cabeça, Fred se calou. A morte de Wang fez Andrei entrar na ponte, e Shaggy estremeceu por ser o próximo. Eu tentei ignorar o olhar de Ginevra, mesmo assim, notei que ela estava olhando para mim para enfatizar sobre o pedido que havia feito antes. Inevitavelmente, eu a olhei nos olhos, balancei a cabeça e lhe desejei sorte. Em vão, porque o vidro escolhido por ela se quebrou e a vida dela chegou ao fim no fundo daquele abismo. Todos nós gritamos de horror – por perdê-la, e também por saber que Daphne havia se tornado a primeira da fila. Fred perdeu o controle, e nenhum de nós conseguiu censurá-lo, pois também estávamos aflitos. A fila avançou por um momento e Shaggy pisou no primeiro vidro.

Daphne: Eu não vou sair daqui! Eu... eu... eu não quero!

Diante do abismo, Daphne começou a chorar sem parar, e paralisou de medo. O relógio mostrava que mais de 8 minutos já haviam sido perdidos, e a demora de Daphne irritou Tom.

Tom: Se demorar mais, eu derrubo você daí!

Daphne olhou para nós com olhos tristes e assustados, buscando uma ajuda que não podíamos dar a ela. Percebi que seus braços e pernas tremiam muito, e isso me fez temer ainda mais pela segurança dela. Shaggy e eu paralisamos de angústia, e ao contrário do que eu imaginei, Fred não surtou. Ao invés de gritar, enfrentar os guardas ou fazer algo contra Tom, ele apenas olhou para ela com ternura e a incentivou.

Fred: Daph, você passa horas olhando para vitrines! Todas elas têm vidro blindado, você está acostumada! Agora, olhe para os vidros com cuidado, é como uma vitrine de loja... você... você vai saber escolher o vidro certo...

A voz de Fred falhou ao dizer "você vai saber escolher o vidro certo", e o nó que se formou na minha própria garganta devido ao peso daquelas palavras me fez chorar. Shaggy começou a incentivar Daphne da mesma forma, e logo em seguida Flim Flam e eu fizemos o mesmo.

Tom: Você tem trinta segundos para você ser chutada...

A ameaça de Tom fez Daphne olhar para trás pela última vez e dizer "Eu amo vocês" com ternura. Eu decidi que aquela seria a última imagem que eu queria ter de Daphne e me encolhi, cobrindo olhos e ouvidos, para não ver mais nada. Para a minha surpresa, o barulho consistente dos pés de Daphne pisando no vidro blindado ecoou pelo ambiente, e todos nós gritamos de alegria. Foi uma alegria breve, visto que ainda havia 10 escolhas a serem feitas, mas foi um alívio depois de ter presenciado tantas mortes. Quando chegou a minha vez de pular na plataforma, meus olhos não permitiram que eu enxergasse exatamente onde eu deveria pular. O barulho de Fred, Shaggy e Flim Flam incentivando Daphne me deixou tensa e dificultou o meu trabalho de ajustar o foco da minha visão, mas quando eu finalmente tomei coragem e pulei, fui bem sucedida. Uma nova onda de gritos de alegria invadiu o local e denunciou que Daphne fez a escolha certa mais uma vez, e a fila avançou até chegar a vez de Flim Flam pular. Foi então que percebi que eu teria de lidar simultaneamente com a aflição de ver Daphne correr o risco de cair, o desespero de eu não conseguir enxergar onde eu deveria pular e também a angústia de ver Flim Flam atravessar aquela ponte... com um pé só. Aparentemente, Flim Flam compreendeu a minha preocupação e sorriu de maneira nervosa antes de pular – e, felizmente, chegou ao vidro sem perder o equilíbrio. Nos minutos seguintes, Daphne continuou a escolher os vidros certos e a conduzir a fila pela ponte, até que Andrei atingiu a 8ª plataforma – que ainda tinha o vidro comum quebrado – e nos alertou.

Andrei: Prestem muita atenção na ordem dos vidros corretos a partir de agora. Decorem as posições que os participantes da frente estão. Caso contrário, podemos perder a vida de bobeira...

O aviso de Andrei fez Shaggy tremer e olhar para mim com uma expressão de medo, uma vez que "prestar atenção" nunca foi o forte dele.

Velma: Fique tranquilo, Shags, eu tenho memória fotográfica!

Nos pulos seguintes, eu ajudei Shaggy e os demais a escolher a opção certa, enquanto Daphne continuou a avançar com sucesso. Em alguns momentos, eu percebi que até mesmo Tom e os outros homens da gangue dele olhavam para trás e me consultavam antes de escolher qual vidro pisar, e mesmo sabendo que eles não mereciam a minha ajuda, eu os ajudei. No meio da ponte, Shaggy paralisou novamente, e olhou para mim com mais medo ainda.

Shaggy: Velma... tipo... não tá muito estranho a Daphne acertar todos os vidros?

Velma: Eu fico aliviada que ela esteja fazendo isso, Shags... na verdade, eu estou mentalmente agradecendo a um Deus que eu não acredito por isso, caso contrário, perderíamos Daphne e nossas próprias vidas...

Flim Flam: Shaggy tem razão Velma, pode ser uma armadilha... da mesma maneira que os primeiros participantes fracassaram sucessivamente, pode ser que eles estejam fazendo Daphne avançar de propósito, para conduzi-la a alguma emboscada...

A intervenção de Flim Flam me assustou, pois eu não imaginei que ele tinha conseguido ouvir o que estávamos falando.

Velma: Sim, é estranho, mas não vejo outra explicação lógica senão o fato de que ela está escolhendo os vidros certos... não há como ter um controle automatizado sobre qual vidro irá resistir e qual vidro irá estourar...

Shaggy: Tipo, não estou falando de controle computadorizado, estou falando que a Daphne pesa pelo menos uns 20kg a menos que cada um de nós, e que pode ser que ela seja muito leve e não quebre o vidro comum...

A fala de Shaggy fez Tom e todos os outros participantes olharem para trás com receio. Daphne também parou e olhou assustada para nós.

Fred: Dá pra vocês pararem de falar merda e calarem a boca? A Daphne está escolhendo os vidros certos, ela sabe quais vidros são temperados, ela está acostumada a olhar para vitrines...

Shaggy: É, mas, tipo, pode ser que...

Fred: PODE SER PORRA NENHUMA, ISSO NÃO FAZ SENTIDO! ELA ESTÁ SALVANDO A PORRA DA VIDA DE VOCÊS, E VOCÊS ESTÃO DUVIDANDO DELA? É ASSIM QUE VOCÊS AGRADECEM? PAREM DE FALAR MERDA E DEIXEM-NA CONTINUAR! O TEMPO ESTÁ ACABANDO!

Shaggy, Flim Flam e eu nos olhamos após a bronca de Fred e nos calamos. No meu coração, eu sabia que havia possibilidade de Shaggy estar certo, mas quando olhei para Fred, entendi que aquele não era o momento de alimentar inseguranças e duvidar da capacidade de Daphne. Então, Fred continuou a incentivá-la e Daphne escolheu a plataforma certa mais uma vez.

Andrei: Fiquem tranquilos, se Shaggy estiver certo, Daphne estará a salvo por ser mais leve, e nós teremos cinco idiotas que perderão suas vidas para abrir 5 espaços para nós.

A provocação de Andrei fez os homens olharem para ele com raiva, mas creio que foi necessária para trazer um pouco de conforto para nós. Felizmente, faltando três minutos para o fim do jogo, Daphne pisou na plataforma final e venceu – e todos nós comemoramos com alegria. Em seguida, Tom e os demais também completaram, e provaram que a hipótese de Shaggy não era verdadeira. Não consegui ver o momento exato em que eu pisei na plataforma final, pois tudo o que fiz foi abraçar Shaggy e Daphne com força e chorar de alívio. Logo em seguida, Fred se juntou ao nosso abraço, e o pesadelo havia acabado oficialmente. Mesmo havendo rivalidade entre nosso grupo e o de Tom, o clima era de confraternização, e vi que mesmo eles estavam felizes e aliviados por terem sobrevivido a um desafio tão cruel. Shaggy e Flim Flam desataram a falar e a rir nervosamente– efeito colateral das toneladas de adrenalina que seus corpos tiveram que suportar minutos antes – e, apesar do tiro, Flim Flam demonstrava estar bem.

Fred: Você conseguiu, minha linda, eu sabia que você iria conseguir!

Daphne: Freddie, você nunca duvidou! Muito Obrigada!

Fred e Daphne se abraçaram com ternura e se beijaram de maneira apaixonada. Ao fim do beijo, Fred sorriu e a ergueu no ar, como forma de comemorar o grande feito de Daphne ter salvo a todos nós. No momento em que ele fez isso, porém, sem nenhum aviso prévio, todos os vidros da ponte começaram a estourar sucessivamente em direção à plataforma final, formando uma grande onda de cacos de vidro em nossa direção. Andrei, que não estava entretido com comemorações, pulou em cima de mim e puxou a camiseta de Shaggy, e nós três fomos os primeiros a cair deitados no chão. Eu cobri a cabeça com os braços e fechei os olhos, com medo de ser atingida, mesmo assim, senti pequenas lascas perfurarem minhas mãos, minha cabeça e meu agasalho. Os gritos lancinantes de todos me causaram pânico e me fizeram esperar pelo pior. Quando o barulho de vidros quebrando cessou e a chuva de lanças terminou de cair sobre nossos corpos, o cenário foi desolador. Os cortes causados pelos cacos de vidro maiores eram tão graves e profundos que sequer conseguimos nos importar com as centenas de pequenos cacos que ficaram em nossa pele. Além dos caquinhos, um caco de vidro pequeno se alojou na minha mão e fez meu sangue escorrer pelos meus cabelos. Andrei, Shaggy e Fred foram atingidos nos braços por cacos de vidro do tamanho de um dedo, Flim Flam recebeu um caco de vidro um pouco maior na região do umbigo e, infelizmente, Daphne recebeu o maior caco de vidro, do tamanho de um palmo, nas costas. Ao olhar ao redor, percebi que os demais homens receberam ferimentos semelhantes, o mais grave deles aconteceu em Tom, que teve um caco de vidro grande alojado no rosto, fazendo seu olho direito vazar. Eu me levantei entre lágrimas e comecei a tremer de olhar aquele caco cravado na minha mão, fazendo o sangue escorrer como uma torneira aberta. Sem demora, nem aviso, Andrei retirou o caco rapidamente da minha mão e logo enrolou a manga do meu agasalho para fazer o sangue parar de sair. Shaggy e Fred retiraram os próprios cacos de maneira semelhante, mas ao invés de se preocuparem com o próprio sangramento, eles correram para ajudar Daphne e Flim Flam, que não tinham conseguido se levantar. Mesmo debilitado, Flim Flam recusou ajuda e retirou o caco de vidro com frieza durante um grito de dor. Em seguida, ele apertou a própria barriga e eu coloquei minha mão livre em cima da dele, para ajudá-lo a estancar o sangramento. Felizmente, o corte dele parecia superficial e envolveu apenas a derme. Eu só parei de pressionar ao ouvir os gritos e lamentos de Shaggy e Fred, que estavam ao redor de Daphne sem saber o que fazer diante de um ferimento tão grande e tão profundo – e diante de tanto sangue. Eu corri para ajudá-los e tive a mesma reação emotiva quando vi o estado de Daphne, que respirava com dificuldade. Infelizmente, não havia como deixar aquele caco lá, tampouco havia como tirar, pois os dois cenários poderiam levá-la à morte em pouco tempo. No primeiro momento, não consegui fazer nada além de chorar junto com meus amigos e colocar minhas mãos ao redor do caco de vidro para fazer o sangue parar de correr um pouco. Pouco tempo depois, ao perceber que Daphne estava perdendo os sentidos e ficando gelada, dediquei meu tempo à tarefa árdua de tentar acordá-la e mantê-la consciente, enquanto Fred a envolvia nos braços e tentava controlar o sangramento.

De repente, todo o desespero e tristeza de Shaggy se converteram em raiva, e ele começou a chutar e socar a porta de saída com força, para que os guardas aparecessem. Andrei e Flim Flam se juntaram a ele, bem como alguns dos outros participantes, que também sangravam muito e desejavam sair dali. Não muito tempo depois, a porta foi aberta, mas não havia guardas. Sem hesitar, os homens correram em direção aos corredores, e nós juntamos esforços para carregar Daphne em segurança. O caminho de volta ao dormitório, apesar de longo, estava estranhamente deserto, todos os inúmeros guardas de outrora não estavam em lugar nenhum. Quando chegamos ao dormitório, a porta estava aberta e também não havia guardas. Um verdadeiro banquete muito luxuoso estava em cima de mesas ricamente ornamentadas, e nelas havia facas de todos os tipos e outros objetos de cutelaria muito pontiagudos. Apesar de eu ter me assustado de ver todas aquelas armas, eu não consegui priorizar nada além de Daphne. Assim que a colocamos em uma das camas, ela finalmente abriu os olhos, e parecia mais corada e mais quente do que antes, apesar de estar com o pulso incrivelmente fraco.

Velma: Fred, precisamos fazer alguma coisa rápido! Vamos retirar o caco, ok? Olha, pela localização, eu acho que não atingiu nenhum vaso tão importante, nenhum órgão, talvez o sangramento seja do sistema ázigo, então a gente tem que...

Não sei se eu me calei devido às lágrimas de Fred ou devido ao sangue manchando o lençol branco, mas naquele momento, eu percebi que nada do que eu havia falado fazia sentido – eu apenas queria que fizesse sentido. A inércia de Fred me irritou, mas o que mais me machucou foi perceber que, de fato, não havia nada o que fazer. Não havia médicos, não havia socorro, não havia cura, pelo contrário, naquele lugar, a morte era mais do que bem-vinda. Flim Flam e Andrei embalaram no mesmo conformismo desesperador, e apenas tentavam paliativamente manter Daphne consciente. Ao invés de se juntar ao nosso desespero triste, Shaggy continuou a desabafar seus sentimentos chutando beliches e paredes e gritando xingamentos, na esperança que sua atitude chamasse a atenção de algum guarda. Não demorou muito, o Front Man surgiu no dormitório, Shaggy partiu em direção a ele, mas Andrei logo o segurou, assumindo que um possível ataque poderia custar a vida de Shaggy.

Alan: Perfeito! Os participantes mais valiosos e interessantes chegaram até o fim, temos pessoas suficientes para jogar Squid Game e competir acirradamente pelo grande prêmio, Delilah está a caminho para buscar o corpo e Daphne está morrendo rápido. Tudo ocorreu conforme o previsto. Parabéns a todos!

Eu senti vontade de gritar e esfaquear Alan com todos os objetos que estavam em cima da mesa, mas a verdade dura das palavras dele me desarmou e eu comecei a chorar sem parar. Daphne também chorou e apertou minha mão e a de Fred com força, e nós nos abraçamos e choramos juntos por algum tempo. Nem mesmo Shaggy teve forças de reagir. Ao invés disso, ele veio em nossa direção e nos observou a certa distância, preso em um transe depressivo. Quando o Front Man saiu, alguns guardas surgiram carregando um caixão e o deixaram no meio do dormitório. Todos nós entendemos o significado daquilo, inclusive Daphne, que se desesperou e chorou com mais força.

Daphne: Eu não... quero! Eu não quero morrer... eu não quero!

O fato de Daphne estar ofegante e suas próprias palavras estarem lutando contra a morte que lhe consumia era uma certeza mórbida que machucou todos nós. Eu tentei acalmá-la, mas o soluço descontrolado do meu choro não permitia que nós duas sentíssemos algum conforto.

Andrei: Pessoal, o jogo acabou! Somos em 6! Somos a maioria! Se todos nós desistirmos ao mesmo tempo, o jogo é interrompido, é a regra!

A voz de Andrei ecoou pela sala, e a primeira reação que causou foi fazer Flim Flam gritar "Eu desisto!". A atitude de Flim Flam fez dois participantes reagirem e gritarem "Eu não desisto!", como forma de protesto à ideia de Andrei. A raiva de Shaggy se voltou contra eles, e Shaggy gritou "Eu desisto!", ao mesmo tempo em que empurrou um deles e começou uma briga. Tom e outros participantes gritaram "Eu não desisto" enquanto trocaram golpes com Shaggy, Andrei e Flim Flam, e Fred e eu aproveitamos para gritar várias vezes "Eu desisto!" bem alto. Uma batalha entre gritos ininterruptos de "Eu desisto!" e "Eu não desisto!" começou, e Fred e eu estimulamos Daphne a acordar e a gritar "Eu desisto!" para definitivamente estabelecer o fim do jogo. No momento em que Daphne finalmente disse "Eu desisto!", Shaggy e Andrei começaram a gritar pedindo o fim do jogo, pois a maioria havia desistido. Um barulho eletrônico soou pelo dormitório – provavelmente demonstrando que nosso pedido havia sido acatado, e as luzes se apagaram de repente. Shaggy comemorou ostensivamente o ocorrido, mas no momento seguinte, Tom atingiu Andrei pelas costas com uma faca grande e ele caiu de joelhos. Sem hesitar, Tom esfaqueou Andrei descontroladamente no pescoço e no tórax várias vezes, até que ele finalmente caiu de bruços no chão. Shaggy e Flim Flam correram para ajudá-lo, mas não conseguiram fazer nada além de acertar Tom com chutes e golpes que o derrubaram. Eu gritei de desespero ao ver a luta de Flim Flam e Shaggy contra os demais participantes com facas em mãos, mas nem eu, nem Fred conseguimos abandonar Daphne para ajudá-los. Felizmente, no momento seguinte, a porta abriu, alguns soldados surgiram e as luzes se acenderam novamente. Os guardas dispararam tiros de alerta para que o conflito acabasse, e os homens largaram suas facas e levantaram seus braços, em sinal de rendição. Felizmente, Shaggy e Flim Flam não tinham nada além de ferimentos de defesa nos braços e nas mãos. Tom, apesar de não ter recebido golpes cortantes, agonizava no chão devido ao grande sangramento em seu rosto. Percebi que ele estava tão debilitado quanto Daphne, e lutava para tentar se reerguer. Os guardas se aproximaram de Andrei, checaram o pulso dele e, infelizmente, constataram sua morte. No momento em que o cofre se encheu de dinheiro e os guardas carregaram o corpo de Andrei para dentro do caixão, Shaggy caiu de joelhos e chorou descontroladamente, descontando toda sua raiva e frustração em pesados murros contra o chão.

Apesar da revolta, eu não consegui esboçar nenhuma reação além de chorar lágrimas desoladas em silêncio. A mão cada vez mais fria de Daphne esfriou totalmente meus ânimos e impediu que qualquer fagulha de esperança brotasse no meu coração. Fred apertou e sacudiu a mão dela para fazê-la acordar de um sono mórbido que insistia em envolvê-la, mas os olhos dela não o obedeciam. Infelizmente, eles se abriram no momento em que os guardas retiraram o corpo de Andrei e trouxeram outros dois caixões, e os alojaram no centro do dormitório. Dessa vez, porém, Daphne estava tão fraca que não protestou. Fred e eu desesperadamente começamos a chamá-la e a falar com ela, para que ela deixasse de se conformar com a própria morte, mas o estado quase inconsciente em que ela se encontrava evidenciava que, talvez, todo aquele esforço seria apenas uma despedida. Com a pior dor no coração que já tive, eu procurei palavras bonitas para dizer a ela. E não encontrei, provavelmente, porque eu não queria achar.

Daphne: A gente não vai sair daqui... mas eu sempre vou me lembrar de vocês...

A voz de Daphne saiu como um sopro. Infelizmente, ela havia achado as palavras que eu não queria dizer de jeito nenhum. Nem eu, nem Fred conseguimos refutá-las, nem perdemos tempo de fazer outra coisa além de abraçá-la e chorar, pois sabíamos que o pior aconteceria a qualquer momento.

Shaggy: A GENTE VAI SAIR SIM! A GENTE VAI SAIR AGORA!

As palavras de Daphne tiveram o efeito oposto em Shaggy, e em um impulso, ele correu para a mesa do banquete e se apossou de duas facas. Fred e eu gritamos para fazê-lo parar, mas quando Flim Flam fez o mesmo, Shaggy se sentiu motivado a prosseguir.

Shaggy: EU VOU PICAR TODOS VOCÊS ATÉ VOCÊS CABEREM NESSES DOIS CAIXÕES, SEUS FILHOS DA PUTA! NÓS VAMOS SAIR DAQUI AGORA!

Shaggy e Flim Flam partiram para cima dos outros participantes, que procuraram se defender como podiam. Debilitado, Tom mal conseguia se mover, e por isso recebeu alguns ferimentos extras de faca durante o combate. Cansada de tantos horrores, de tanto medo e tanta dor, eu escondi o meu rosto nos ombros de Daphne e implorei para que Shaggy e Flim Flam não terminassem dentro daqueles caixões. Felizmente, os guardas interromperam a briga, e nossos amigos não se feriram como os outros homens. Em seguida, os demais participantes ocuparam lugares na mesa do banquete e começaram a comer. Desta vez, porém, Shaggy tinha fome de vingança, e ao invés de se render aos alimentos, ele veio em nossa direção trazendo todas as facas que conseguiu pegar.

Shaggy: Fred, a gente precisa de você... tipo, se a gente matar um deles, podemos desistir! Vamos, cara!

Fred sequer se moveu do abraço apertado em que se encontrava, e a ausência de resposta dele deixou claro que ele não deixaria Daphne sozinha. A atitude de Fred fez Shaggy me entregar uma faca e olhar para mim – e estender a mim o convite mórbido de assassinar uma pessoa.

Shaggy: Vamos, porra, tipo, eles estão distraídos, alguns estão de costas! É a nossa chance!

Velma: Ou talvez a gente só precise esperar um pouco...

Minha covardia me fez apontar para Tom, que agonizava em um canto do dormitório.

Daphne: Se eu morrer antes dele, o plano não dará certo... eles ainda serão maioria...

O comentário terrivelmente consciente de Daphne doeu em todos nós, mas Fred o recebeu como uma ofensa gravíssima. Sem hesitar, ele olhou nos olhos de Daphne com ternura, beijou-a de maneira apaixonada e deixou um beijo forte na testa dela antes de se levantar e pegar a faca mais afiada que Shaggy havia trazido.

Fred: É por isso que tem que ser agora!

 


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