A fada que o escreva escrita por Creeper


Capítulo 17
Um pouco da família Whitlock


Notas iniciais do capítulo

Hey! E como o prometido, voltamos do hiatus, agradeço muito pela compreensão e espero que gostem do capítulo ♥, temos novos personagens e aqui se inicia nosso último arco.

Boa leitura!



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 A bela ilha de Hasi era repleta de estradas de pedra redonda que cruzavam os campos verdejantes sob o céu pálido e árvores de flores rosas que se desprendiam delicadamente de seus galhos ao serem tocadas pela brisa de cheiro doce.

Havia menos que cinco vilarejos na ilha, os quais faziam o papel de rodear uma notável mansão no topo de uma colina. Nosso destino.

Paramos em frente aos gigantescos portões dourados que guardavam um imenso jardim e a construção de três andares coberta por um telhado cinza-azulado e decorada por sacadas e janelas de vidros brilhantes.

Dante assoviou impressionado e eu soltei uma risada nervosa.

— Agora que estamos aqui, vai finalmente me falar quem viemos ver? – ele virou-se para mim.

— Hã, claro. – pigarreei. – Bem, essa é minha casa.

Os passarinhos cantaram ao fundo, totalmente alheios quanto ao estado de paralisação que Dante se encontrava.

— Você é estrangeiro?! – o exorcista berrou perplexo.

— O quê? Você nunca percebeu? – desviei o olhar e coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha.

— Espera, você é rico? – Dante avaliou a casa novamente com os olhos arregalados.

— Eu não, meu pai quem é. – brinquei com meus dedos.

— E quem é seu pai? – ele indagou boquiaberto.

— Dr. Tama. – dei um sorriso amarelo e encolhi os ombros. – Ele quem vai cuidar de você. 

Dante piscou pausadamente, completamente abismado. Cerrei os dentes, claro que eu não queria ter contado daquele jeito, mas não encontrei palavras para contar mais cedo. E em minha defesa, havia um bom motivo para eu não ter cogitado meu pai antes de Gaspar sugeri-lo.

Nosso momento de constrangimento foi interrompido por uma mulher uniformizada e de rabo-de-cavalo castanho que saiu pela porta da frente da mansão com um cesto em mãos. De repente, nossos olhares se cruzaram e suas sobrancelhas ergueram-se em sinal de surpresa.

— Olá, Amy. – inclinei a cabeça e sorri. – Eu voltei. – acenei timidamente.

Sua boca abriu-se espantada e pequenas lágrimas brotaram no canto de seus olhos rosas. Tudo aconteceu muito rápido: ela largou o cesto, correu o máximo que seu vestido permitia e escancarou o portão para me dar o mais apertado e sufocante dos abraços.

— Eu não acredito, pelos céus! – ela esfregou sua bochecha na minha, choramingando. – Meu pequeno Suichiro cresceu tanto, já é um homem!

— Amy… – balbuciei envergonhado, já que Dante nos lançava um olhar esquisito.

— Tenho o direito de estar emocionada! Você foi embora muito cedo. – Amy soltou-me e enxugou seu rosto. – Ainda era um garotinho de oito anos. – fungou.

— Oito anos?! – Dante engasgou-se.

— Deixa isso para mais tarde. – sussurrei e dei um beijo rápido na bochecha de Amy. – Será que podemos entrar?

— Devem! Venham, vou preparar um chá para vocês. Também posso fazer aqueles biscoitos de avelã e... – tagarelou enquanto nos instigava a passar pelos portões.

Devidamente dentro da residência, o cheiro de carvalho invadiu nossas narinas e os móveis lustrosos com seus detalhes a ouro demonstraram claramente que eram mais elegantes que nós.

— Permita-me levar suas malas. – Amy apressou-se em pegar minha maleta e a bolsa do exorcista, por mais que ele tenha relutado. – Vou avisar ao seu pai que você está aqui. – anunciou extasiada.

Um nó de ansiedade formou-se em meu estômago e antes que Amy subisse as escadas, puxei-a e cochichei em seu ouvido o real motivo de estarmos ali. Sua face ganhou uma nuance de desânimo, todavia, ela concordou e disse que faria o favor de passar o verdadeiro recado ao meu pai.

— Essa mulher… Sempre trabalhou aqui? – Dante perguntou quando ela foi para o andar de cima.

— Ah, sim. Mamãe e ela eram melhores amigas de infância porque a mãe dela era a governanta daqui. Quando se aposentou, Amy pediu para assumir o posto. – contei. – E, bem, ela é uma das que mais sofreu com a morte da mamãe. – suspirei pesadamente e massageei meu braço.

Dante assentiu brevemente e fitou o topo da escada quando Amy reapareceu. 

— O Dr. Tama irá recebê-los agora. – fez um leve gesto para que a seguíssemos. 

Engoli em seco e me aventurei degraus acima, ignorando o quão bambas minhas pernas estavam. Em 10 anos, a decoração não mudou nada, os quadros de família permaneciam no corredor e o maior deles chamava a atenção de todos que passavam: a pintura de uma mulher de longos cabelos em tom salmão e olhos melancólicos tão cristalinos quanto um lago.

— Uau. – Dante comentou admirado.

— Essa é Peach Whitlock. – interrompi meus passos para vislumbrar o retrato. – Tenho o sobrenome dela. – esbocei um sorriso bobo.

Eu teria passado horas ali, contudo, tivemos que abandonar a pintura quando Amy nos chamou diante da última porta do corredor. Ela desejou-me boa sorte, fez um rápido aceno com a cabeça e retirou-se.

Inspirei e expirei diversas vezes e limpei as mãos encharcadas de suor na calça. Não conseguia me concentrar em um único ponto, tinha de olhar para todas as coisas possíveis ou iria explodir.

Não sabia como seria encará-lo após tantos anos. Como ele estava. Quem ele era agora. Quem ele esperava que eu tivesse me tornado.

Arfei com esse último pensamento. Meu estômago virou um nó tão colossal que eu julguei impossível ele voltar ao normal algum dia. Será que era tarde demais para voltar para Enginóvia?

— Eu quem devia estar nervoso aqui, sabia? – Dante revirou os olhos.

— Por quê? – encarei-o incrédulo.

— Porque estou prestes a conhecer o pai do explorador que se jogou em mim na plataforma. – ele deu um sorriso sarcástico de canto.

— E o que tem isso? – rangi os dentes, tenso.

— Vai entender quando crescer. – o rapaz suspirou. – Digamos que conhecer os pais de alguém é algo importante.

— Ah, Dante, me ajude! – choraminguei. – Meu cabelo tem algum fio fora do lugar? Ele sempre mandava eu penteá-lo porque não estava bom o suficiente. E o laço do meu colarinho? – disparei nervosamente.

— Está tudo certo, apenas tem algo na sua boca. – Dante segurou meu rosto entre suas mãos geladas e passou um dos polegares por meus lábios.

Arregalei os olhos e afundei-me em todo o meu rubor. Tomei um pouco de coragem para engolir em seco e falar baixinho com a voz quase sumindo:

— O quê? Não me diga que são partes do almoç…

Minhas palavras foram cortadas pela boca de Dante na minha. Seus lábios tocaram os meus com certa intensidade e sua língua encontrou a minha, enroscando-se a ela. Se minhas bochechas já ferviam antes, agora estavam queimando e eu sequer conseguia fechar os olhos.

Porque se fechasse, tinha medo de que quando os abrisse, tudo tivesse sido um sonho.

Dante quebrou nosso contato, afastando-se de maneira contida e plantando em mim a necessidade de tê-lo novamente tão perto. Seus olhos azuis observaram-me profundamente enquanto se erguia, ferozes e apaixonados ao mesmo tempo. Meu coração acelerou-se e minhas mãos quiseram agarrar sua camisa e puxá-lo para outro beijo.

— O q-que foi isso? – balbuciei envergonhado e cobri minha boca.

— Só algo assim para te fazer pensar em outra coisa que não fosse o que está dentro dessa sala. – ele sorriu cúmplice e bateu na porta. – Eu li seu bilhete. – acrescentou em um sussurro.

Meu rosto foi consumido pela vermelhidão e eu mordi o lábio inferior, sem fazer a menor ideia de que bilhete ele estava falando. Entretanto, aquilo havia dado certo, pois meu estômago deixou de se preocupar com o nó para passar a se preocupar com as borboletas.

— Podem entrar. – uma voz grave soou detrás da porta.

Respirei fundo, dei dois tapinhas em minhas bochechas e girei a maçaneta. 

A primeira coisa que avistamos foram as estantes com milhares de livros de todas as cores, tamanhos e autores. Uma infinidade de anotações repousava sobre a escrivaninha e logo atrás uma grande janela retangular que ia do chão ao teto abria-se para uma sacada. 

E lá estava o dono da voz, com os braços cruzados atrás das costas a admirar a paisagem. Era alto, poucos centímetros menor do que Lissa e seus cabelos verdes comportavam-se como os meus nunca se comportariam.

O homem virou-se para nós, revelando um semblante experiente e as marcas de expressão de um adulto. Ele avaliou-nos em silêncio sem demonstrar nenhuma emoção.

— Você cresceu. – Dr. Tama afirmou após um tempo. – Já é um explorador?

Nenhum abraço. Nenhum “senti saudades” ou “como é bom te ver”. Fechei os olhos e respirei fundo.

— J-Já. – mostrei minha insígnia.

— Então eu o deixei em boas mãos. – ele concluiu satisfeito. – Amy me contou a situação. Quer dizer que você acha que posso curar esse rapaz?

— Sim. Você é o melhor médico, não é? – tremi os lábios.

Papai reservou um tempo para analisar Dante sob um olhar indecifrável. Ele soltou um curto suspiro e exclamou:

— Sinto em pedir isso a vocês, rapazes. Mas preciso que a fada pare de escrever.

Sybelle arregalou os olhos por um instante, todavia, logo sua surpresa foi substituída por indignação. Ela odiava receber ordens de outras pessoas.

— Pai... –  falei desacreditado.

— Não tem problema. – Dante negou com a cabeça e entregou a esfera para mim.

Constrangido, engoli em seco e sussurrei para que Sybelle parasse de escrever. Ela bufou, cruzou os braços e virou o rosto, acatando o pedido. 

— E então? – aproximei-me da sacada, deixando Dante a explorar os livros das estantes.

— Sabe que eu nunca me negaria a curar alguém, não é? – ele olhou-me de soslaio.

— Acho que sei. – concordei de maneira hesitante.

— Soube das novas regras da Guilda de Hibisc. – comentou. – Porém, esse rapaz não é sua dupla de verdade, é?

Soltei o ar e rangi os dentes. Nada escapava do radar de papai, era impossível mentir para ele.

— É uma longa história. – desviei o olhar.

— Longa ou não, me escute, Suichiro. – o homem chamou. – Vou cuidar desse rapaz com uma única condição. 

Eu sabia que ele não ia me pedir dinheiro. E isso me assustou mais do que se ele fosse de fato pedir.

— Depois do tratamento, vão voltar para Hibisc e se separar. Se ainda quiser se aventurar, arranje uma dupla oficial na guilda. 

Foi como ter levado um soco na barriga. Dei um grito esganiçado:

— Mas pai!

— Sabe a importância dos karmas compatíveis. Se continuarem assim, uma hora vão acabar colocando a vida um do outro em perigo. – franziu as sobrancelhas.

— Eu sei. Pelo menos acho que sei. – torci a boca. – Mas talvez o surto de demônios tenha acabado depois da nossa descoberta. Não preciso requirir um novo parceiro...

— Então também não precisa dele. – papai ditou.

Pressionei os lábios e cerrei os punhos, completamente contrariado. Não tinha palavras para protestar e mesmo que tivesse, elas não seriam aceitas. 

Deixei o ar escapar outra vez e relaxei os ombros. Eu podia tentar. Tentar dizer o que estava em meu coração.

— Pai... – resmunguei com a voz trêmula e encarei-o. – O que nos uniu está prestes a ter um fim. Eu não sei o que vai acontecer depois daqui. 

Papai arqueou uma sobrancelha e meneou com a cabeça, dando-me permissão para continuar.

— Porém, não é você quem deve decidir. – afirmei duramente.

O homem fechou os olhos e ganhou uma pequena expressão de desprezo. 

— Aguarde na sala de estar. Algo lá o fará mudar de ideia. – ele ordenou. – Vou dar início ao tratamento de Dante, não nos perturbe. 

Ergui as sobrancelhas e engoli em seco. Não esperaria papai repetir, ele odiava fazer aquilo, então atravessei a sala, devolvi Sybelle a Dante, pedindo a ela que voltasse a escrever e abandonei o escritório. 

Acabado, soltei um suspiro de decepção e segui para a sala de estar. 

O lugar estaria vazio se não fosse a presença do sofá e da poltrona branca, a enorme cristaleira e a mesa de centro feita da madeira mais cara possível. Após estudar o ambiente, sentei-me e aguardei pelo quer que fosse me fazer mudar de ideia.

Já estava cansado de esperar quando senti um cutucão no ombro esquerdo. Virei a cabeça rapidamente, deparando-me com o vazio. Outro cutucão, dessa vez no ombro direito. Girei a cabeça e não encontrei nada.

Franzi as sobrancelhas e apertei o tecido de minha calça. 

— Eu sei que estão aí. – bufei.

— Nosso irmãozinho voltou para casa! – duas vozes disseram em uníssono e seus donos pularam por cima do sofá.

Não eram idênticos. Um era 3cm maior do que o outro. Um tinha o cabelo vermelho feito fogo e o outro dourado feito ouro. Eles não nasceram daquele jeito, certo dia saíram sozinhos e quando voltaram, haviam substituído a cor salmão de suas madeixas. Ninguém sabia como e ninguém conseguia desfazer, sendo assim, a maior semelhança entre eles eram os olhos verdes do papai.

— Kenjiro. – olhei para o ruivo. – Manjiro. – fitei o loiro. 

— Faz anos que não nos vê e é assim que nos cumprimenta? – Kenjiro fez um biquinho.

— Papai disse que vocês vão me fazer mudar de ideia. – contei.

— Quanto ao quê? – Manjiro sentou-se ao meu lado, curioso.

De todas as pessoas, aqueles gêmeos seriam as últimas pessoas no mundo a me convencerem de algo. Papai não me conhecia mesmo. 

— Já devem saber sobre o surto de demônios em Hibisc, não é? – cruzei os braços. – Minha dupla não é compatível comigo. – revelei a contragosto. 

Kenjiro e Manjiro trocaram olhares surpresos e refletiram por um tempo.

— Mini Suichiro, você sabe por que é assim? – Manjiro segurou minha mão direita, a de aço.

— Ou por que eu e Manjiro temos isso? – apontou para sua perna direita e o braço esquerdo do seu gêmeo, que também eram de aço.

Balancei a cabeça em negação porque sequer Amy havia me contado sobre aquilo. Manjiro respirou fundo e colocou o braço no encosto do sofá.

— Porque mamãe e papai eram incompatíveis. – explicou. – E é isso que nasce dessas relações.

Pisquei os olhos lentamente e fiquei boquiaberto. Era algo óbvio. Era algo que eu sabia que acontecia. Apenas não esperava que acontecesse na minha família, isso porque eu nunca soube o karma da mamãe. 

— Qual era o karma dela? – questionei acanhado.

— Câncer. – Kenjiro olhou para cima. – E você sabe, o do papai é áries.

— Mesmo assim, eles quiseram ficar juntos. – Manjiro largou minha mão.

— E depois de três filhos "imperfeitos", mamãe caiu em uma tristeza profunda e... – o ruivo desabou no sofá.

— Morreu. – falaram ao mesmo tempo. 

— Mamãe não nos achava imperfeitos. – argumentei choroso.

— Não. – o ruivo inclinou a cabeça.

— Ela nos amava mais do que tudo. – o loiro suspirou tristemente. – Apenas não amava a si mesma.

— Ela se julgava a imperfeita da história. – Kenjiro cruzou as pernas. – Imperfeita por ser incapaz de ultrapassar a incompatibilidade dos karmas. – tocou a ponta de meu nariz.

Abaixei a cabeça e fitei meus joelhos. Os gêmeos haviam convivido mais com mamãe do que eu, afinal, já tinham 8 anos quando nasci e 13 quando ela partiu. A conheciam melhor.

— M-Mas... – murmurei. – É diferente comigo e Dante.

— É. – responderam juntos. 

— Vocês não podem ter filhos um com o outro. – Manjiro puxou a fita de meu cabelo e passou a mão por minhas madeixas. – Além de que, vocês são parceiros de viagem, certo?

O jeito como Manjiro falou “certo” deixou claro como ele tinha certeza de que a resposta era “errado”.

— Porém... – o ruivo cantarolou. – Vão se desentender uma hora ou outra. E alguém vai morrer.

Senti uma pontada de irritação e endireitei minha postura.

— Nem tudo acaba em morte, sabiam? – franzi o cenho. – E desentendimentos podem ser resolvidos. – olhei para cada um deles.

— Coitadinho... – Kenjiro riu.

— Tão ingênuo. – Manjiro completou com um sorriso.

— Quando ele for te ferir, não vai ser direto no seu coração. – o ruivo pousou o indicador em meu peito. – Vai ser em outra coisa.

Então os dois sussurraram:

— Seu âmago.


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Notas finais do capítulo

Entendam âmago no sentido de interior/espírito >< .

Woooow, temos o primeiro beijo do nosso casal, graças aquele bilhete (lembram de qual capítulo?). Os gêmeos que não prestam, um pai seco toda vida e a revelação de que o Suichiro na verdade é rico.
Depois de tudo isso, me contem o que acharam, ficarei muito feliz ♥

Até semana que vem, beijos.
—Creeper.