Diário de Rosalya escrita por TiaManda


Capítulo 9
Fuga não planejada




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O armário da escola, que inicialmente considerei grande, agora era socado por dezenas de livros nos quais perdi a paciência de tentar organizá-los, então apenas os empurrava brutalmente na esperança de se encaixarem em algum momento e eu finalmente poder fechar a maldita porta de metal. 

Foi por um segundo de vacilo, onde não previ a rebelião dos materiais, que todos caíram determinados, rebeldes, como uma cascada de papéis revoltados, no chão.

Xingando mentalmente cada objeto espatifado no chão, abaixei para pegá-los, porém minha atenção desviou-se para a garota ruiva do outro dia, ela havia se aproximado.

— Oi, tudo bem? - sorriu - Prazer, me chamo Iris.

— Prazer, sou a Rosalya - tentei forçar um sorriso. Meu humor não era o dos melhores no momento. 

Rapidamente recolhi os cadernos do chão.

— Oh, você precisa de ajuda? - ela perguntou, agachando e pegando um dos livros que havia escapado de meus braços.

— Gentileza sua - agradeci forçando novamente o material no armário. Dessa vez eles não teriam escolha.

— Soube que você não teve bons momentos com a Ambre... - ela disse com uma expressão amigável - Não se preocupe, ela é assim com todo mundo.

— Lysandre me contou - empurrei a portinha de ferro, perseverante. Não perderia aquela guerra - Mas obrigada! É muito amável o que está fazendo - continuei.

— Geralmente eu fico no pátio na hora do intervalo, se quiser, pode me encontrar lá! Tem umas amigas que vão adorar te conhecer - sorriu parecendo não notar a batalha na qual eu participava contra todos os cadernos.

— Okay, obrigada! - falei, ofegante. Apoiei minhas costas contra o armário, agradecendo aos céus por ter o fechado, enquanto observava Iris ir embora.

Aliviada e tendo a sensação de dever cumprido, caminhei para a sala. O sinal ainda não havia tocado, mas eu não queria me atrasar. A experiência de ontem havia sido o suficiente para me traumatizar.

(...)

As três primeiras aulas foram confusas. Percebi o quanto precisava estudar mais francês. Existiam termos e umas expressões estranhas usadas pelos professores nas quais eu desconhecia. 

Anotei na contra-capa do QR em claras e grandes letras: "COMPRAR GLOSSÁRIO FRANCÊS"

Dei graças a Deus quando o sinal do intervalo tocou e fui em direção ao pátio querendo encontrar Lysandre. Talvez ele me ajudasse com o significado de "restreindre".

Quase no fim do corredor, trombei com uma garota de cabelos castanhos que saía do Grêmio.

— Me desculpa! - disse ela apressadamente - Eu estava tão distraída que... - desistiu de falar - Você é a aluna estrangeira, certo? Rosalya Champoudry? -  a olhei, confusa. Era tão evidente assim? Ela corou antes de continuar - Vi sua ficha... Sou representante de sala, então é meio que inevitável...

— Deve ser um saco essa responsabilidade toda, né - brinquei para amenizar o constrangimento dela.

— Na verdade eu gosto.

— Eu imaginei - sorri amarelo. Ficamos nos encarando por dez segundos, em silêncio, antes de eu quebrar o gelo - A propósito, como você se chama?

— Melody - sorriu e esperou um tempo para voltar a falar - Se quiser, posso te apresentar a escola - sugeriu. Eu já conhecia, mas não pretendia e nem podia recusar um pedido tão caridoso, visto a situação dos últimos dias. - Meus amigos também, eles são gentis, você vai gostar.

Por que todo mundo tá legal hoje?

— Eu só preciso pegar umas coisas no Grêmio - Mexeu em uns papéis que estava em mãos.

— Tudo bem - concordei.

— Já volto, um minutinho - segurou a porta do grêmio para adentrar, mas uma menina pegou em seu braço.

— Melody, rapidinho, você pode me dizer se checou os documentos que te pedi? - a garota disse. A observei, curiosa, ela era familiar. 

Ah sim, óbvio. Como pude esquecer aquelas calças justas horríveis? Era a garota de ontem, a que estava junto a um menino na rua.

— Estou indo verificar isso agora mesmo - Melody respondeu.

— Obrigada, Mel - ela beijou a bochecha da representante - você é uma fofa.

Melody abriu um sorrisão antes de perguntar.

— Já conheceu a Rosalya?

Subitamente a garota pareceu ter percebido minha presença ali.

— Você é a aluna nova, né? Prazer, Debrah. - voltou sua atenção para a Melody - Depois nós conversamos então - e saiu.

— Ela é tão legal - Melody suspirou - uma pena que vai embora...

— Embora? Por quê? - perguntei.

— Um produtor musical se interessou pela banda dela e do Castiel...

— Ela e o Castiel têm uma banda? - a interrompi - Ela consegue suportar ele?

— Sim - falou como se dissesse algo evidente - Eles namoram!

— Como?! - falei, surpresa.

— É, faz um tempo que estão juntos - completou.

Então não era ela a menina do outro dia? Não, era sim! Aquelas calças, eu as reconheceria em qualquer lugar. Porém, não era o Castiel quem a beijava. Não era!

— Mas o relacionamento deles é liberal?

— An?

— Liberal? Aberto? Sei lá como vocês chamam aqui. 

— Não sei onde você está querendo chegar, Castiel nunca concordaria com isso.

— Acho que a Debrah não pensa assim... - deixei escapar. Seu rosto, antes confuso, agora adquiria uma tom estranho e ela se afastou um pouco de mim. Já percebendo a merda que havia dito, resolvi continuar - Melody, você tem certeza de que eles namoram? Tipo, é oficial mesmo? - ela se afastou mais antes de falar.

— Rosalya, é melhor não insinuar coisas, não sei o que está pensando, mas a Debrah é uma boa pessoa - ao dizer isso foi embora, irritada.

Após alguns minutos tentando assimilar o que acabara de acontecer, andei para o pátio. Me remoendo internamente, o arrependimento bateu. Não sei a que ponto era paranóia, mas eu precisava ter certeza antes de acusá-la de algo.

Avistei Íris. Ela estava num canto com as mesmas meninas do primeiro dia de aula, mas dessa vez não riam. Melody estava lá também e conversava com elas, séria. Pararam de cochichar quando uma morena de olhos verdes percebeu que eu as encarava. Imediatamente as outras três me olharam, com uma cara estranha, não soube identificar se tratava de aversão ou desprezo.

Ok. Entendi a mensagem.

Procurei o banco mais afastado delas. Sentei suspirando.

— Está fugindo de mim? - Lysandre sentou ao meu lado.

— Onde se meteu, mocinho? Você sumiu - fingi seriedade.

— Eu te vi conversando com Íris, depois Melody, preferi não interferir, pois... - fez uma pausa antes de continuar - Você não é muito próxima das meninas daqui. Achei que se enturmaria com elas - apontou com a cabeça para o grupinho conversando - Mas, pelo visto, não deu certo - voltou a olhar para mim.

— A culpa não é minha se o povo daqui é muito sensível! - cruzei os braços.

— O que aconteceu? 

— Estão com raiva porque acusei a amiguinha delas de trair o namorado.

— Rosalya, você o quê? - Lysandre arregalou os olhos.

— A Debrah, eu a vi ontem com um cara, e hoje me dizem que ela tá com o...

— O que está falando é grave - me interrompeu. - Tem certeza?

— Tenho... Quer dizer, tinha, mas o modo como vocês ficam quando digo isso me faz duvidar. Não precisa olhar como se eu fosse uma assassina! - falei - De qualquer forma, não tenho provas, e isso não importa. Não quero mais problemas.

Ele me encarou, compreensivo. Eu ia dizer algo, mas fomos surpreendidos por Castiel.

— Quero falar com você. - cruzou os braços, impaciente.

Por falar no demônio.

— O que foi agora? - perguntei, ríspida.

— Por que está falando mal de Debrah?

As notícias correm rápido nessa escola.

— Eu não estou falando mal dela!

— Não foi isso que me disseram - respondeu impaciente - Escuta, Rosalya, não sei o que se passa na sua cabeça, se é uma forma de chamar atenção ou sei lá... - O encarei com raiva. Sentia o sangue ferver. - Também não te suporto, não somos obrigados a nos aturar, mas você não tem que meter a Debrah no meio disso.

Levantei do banco, ficando frente a frente dele.

— Eu me importo com ela o mesmo tanto que me importo com você. - falei com ódio - Vocês dois não representam nada pra mim - ouvi Lysandre dizer algo, ele estava de pé, mas não prestei atenção no que falava.

— Isso tudo significa o quê? - aumentou o tom de voz - É inveja?

— Inveja de ser traído? 

Castiel cerrou os punhos, irritado.

Tive a impressão de que a escola inteira nos olhava.

— Ok, sua vida é uma droga, mas não queira tornar a minha uma também! 

— Eu não tenho culpa se você tem chifres e descobriu pela menina que te odeia! - gritei antes de sair.

Ouvi Lysandre chamando algumas vezes, mas não ousei virar. Precisava me acalmar ou iria explodir.

Voltei para a sala de aula, mas ao ver o mesmo professor das aulas anteriores, lembrei do inferno de tentar descobrir sobre o que falava, então, totalmente tomada por um sentimento impulsivo, peguei minha mochila e corri dali. Corri para o pátio, na área mais isolada, a procura do buraco do muro. Rapidamente o encontrei.

(...)

Um, dois, três, respira fundo, Rosalya.

Okay. Talvez não tenha sido uma boa ideia ter saído assim, sem assistir as três últimas aulas. Se o professor notar minha falta, ficarei encrencada.

Caminhei meio sem rumo. Não importava para onde ia, só queria tirar aquela discussão da cabeça.

Castiel babaca. Idiota. Se tivesse visto o que eu vi, não me trataria assim. Prefere ser teimoso, problema dele.

Idiota. Idiota. Idiota.

— Senhorita, acalme-se - alguém segurou meu braço. Era Leigh. Não tinha percebido, mas eu andava rápido e batia forte o pé no chão. - Está tudo bem? - continuou.

Respirei fundo. Fazia um tempo desde a última vez que o vi e ele sempre havia sido gentil, não podia tratá-lo com grosseria.

Me contentei em sorrir para ele, porém, o ódio dentro de mim ainda estava ali, refletindo nos olhos.

— Devo considerar isso um não? - perguntou lentamente, como se tivesse receio de algo.

— Ei! Por quê? Estou ótima! - disfarcei.

— Quer conversar sobre o que aconteceu?

— Tanto faz. - me rendi - Tenho a manhã livre mesmo... - apontei para a mochila em minhas costas.

— A senhorita não foi para a aula? 

— Na verdade, sim. Mas eu fugi. 

Ele arregalou os olhos.

— Senhorita Rosalya, isso é errado em tantos níveis!

Um pouco constrangida por ele ter dito aquilo para mim, voltei a andar.

— E você se tornou cúmplice do crime agora - soltei.

— Não brinque com isso, senhorita - falou se aproximando - Se por acaso alguém tiver visto...

— Então estarei morta - interrompi - mortinha! Minha mãe me mata e a diretora cor de rosa com certeza faria questão de enterrar!

— Diretora cor de rosa? - murmurou, aparentemente confuso. Logo sua expressão mudou - Para onde está indo?

— Não sei - confessei - Pensei em comer qualquer coisa, já que não o pude fazer no intervalo da escola. Só tô tentando lembrar onde fica a lanchonete de ontem...

—  Há uma no próximo quarteirão.

— Que ótimo! Quer vir também?

— E-eu... - retirou algo do bolso o que acredito ter sido um relógio, e o analisou antes de tentar falar.

— Ah, você tem compromisso - eu disse, estranhamente chateada - Fica para outra hora então.

— N-não! - negou rapidamente - Q-quer dizer, eu tenho, mas estou adiantando, então...

— Isso vai te trazer problemas? - interrompi - Não quero que seja demitido por minha causa...

— Eu s...

—  Eu já estou ferrada de qualquer forma, você não precisa se ferrar junto. Se seu chefe descobrir...

— Sen...

— E aí seríamos duas pessoas encrencadas! Você não poderia mais me salvar porque...

— Rosalya! - parou de andar.

— O quê? Estou falando sério! - avistei a placa da lanchonete - Ah, chegamos! - ele reparou no letreiro depois de mim. 

Entrei no estabelecimento sem esperá-lo e escolhi a primeira mesa que vi. O lugar era composto por poltronas cor de rosa, bancos cor de rosa, luminárias cor de rosa, bancadas cor de rosa, piso rosa e azul. Argh! Aquilo era uma indireta do universo? Uma referência a diretora? 

Balancei a cabeça para mudar os pensamentos. Nada de escola, nada de diretora! 

Leigh levou alguns segundos a mais para entrar e juntou-se a mim com o cardápio em mãos. A garçonete apareceu pouco tempo depois para nos atender.

— Três croissant, por favor - eu disse a ela - um crepe suzette... - examinei mais uma vez o menu - e um capuccino. O que você vai querer, Leigh? - o olhei.

Ele me encarava com uma cara engraçada. Lembrei do que minha mãe havia falado, dele fugir se visse o quanto eu comia. Corei no mesmo instante.

Não prestei atenção em seu pedido, concentrei-me em voltar a coloração normal do rosto. Quando a garçonete foi embora voltei a nossa conversa anterior, como estratégia para evitar perguntas.

— Ao menos avise ele que vai atrasar! - eu disse, insistente.

— Avisar quem? - perguntou, confuso.

— Seu chefe!

Sorriu antes de responder.

— Rosalya, eu não tenho chefe.

— An? Como?

— Era o que tentava dizer lá fora. Sou o dono da loja.

Contive a expressão de surpresa.

— Acho que me libero alguns minutos para acompanhar uma dama em fuga - riu.

Eu senti um negócio esquisito dentro de mim quando ele disse aquilo. Era a primeira vez que o via falar tão informal.

Nossos pedidos chegaram. Fiquei dividida entre ser espontânea ou não assustá-lo. Optei por ser espontânea, afinal, não desperdiçaria comida.

Ele pareceu não se importar. Ótimo, tornava as coisas mais fáceis.

— Quer falar sobre o incidente da escola? - perguntou Leigh.

— Nada demais - disfarcei - Somente uma discussão boba.

— Escapou de lá por algo bobo?

— Isso não importa - mordi um pedaço do croissant enquanto ele me olhava, seu prato estava intocável. - Por que não me diz sobre você? Já falamos muito a meu respeito.

— Ah - corou - Acredite, n-não há nada de extraordinário para ser dito.

— Não se autodeprecie dessa forma! Sei que pode ser divertido quando quer - dei um gole no capuccino - Como é sua rotina? Quais são seus hobbies?

— Bom... - encarou o teto, pensativo - Eu acordo e vou para a loja, da loja para o colégio - finalmente mordiscou algo antes de continuar - Gosto de desenhar. Criar modelos de roupas.

— É estilista! - pensei alto. 

Isso explicava o modo como se vestia! 

— Sim - sorriu notando meu entusiasmo. - Estou montando uma coleção atualmente.

— Mentira! - abri um sorrisão.

— Verdade! - animou-se - Eu poderia te mortrar alguns exemplos, porém não tenho o sketchbook aqui.

De repende tive uma ideia.

— Tem papel fácil aí? - perguntei.

— O guardanapo serve? - puxou um do porta guardanapo da mesa.

— Sim, ótimo!

Cacei por qualquer caneta na bolsa e me dei conta da lerdeza. Era só ter pego uma folha do caderno. 

Enfim, agora tanto fazia. Seria o guardanapo o condenado.

Anotei meu número de telefone no papel e o entreguei.

— Assim podemos combinar de nos encontrar outro dia e você me mostra sua super coleção! - eu disse sorrindo.

— A-ah, obrigado - ele corou, e, apesar disso, sorriu também.


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