Diário de Rosalya escrita por TiaManda
Duas semanas de aula. Sobrevivi a duas semanas. Foram os quatorze dias mais complicados da minha vida por duas razões:
A primeira é a dificuldade em entender as matérias em outro idioma. Tudo bem que eu sei francês, mas não é a mesma coisa que aprender em sua língua de origem. Ocasionalmente tenho que pensar duas vezes mais para compreender o assunto, sem contar os momentos em que os professores usam palavras que eu não conheço, daí tenho que perguntar para Lysandre o significado.
A segunda causa, trata-se das pessoas. Depois daquela discussão imbecil por conta da Debrah, fui levemente ignorada por parte dos alunos do meu ano. Ela é bem popular. Por incrível que pareça, Debrah não veio tirar satisfação comigo, acho que não quiseram "incomodá-la" com o assunto. Acredito que com exceção de Lysandre, o restante ainda guarda rancor de mim. Eu poderia dizer que esse era o motivo mais difícil de lidar, porém, confesso que o primeiro está superando ele. Até por que Lysandre me faz companhia, mesmo que apenas fique ao meu lado escrevendo em seu quase inseparável bloco de notas (sempre o perde), ainda sim é fofo da parte dele não querer me excluir.
Despertei-me dos pensamentos com uma mensagem no celular.
Josh cabeção: Aceita a solicitação, bobona.
Estava jogada na cama, havia acabado de chegar da escola. Hoje havia sido um dia super cansativo. Olhei para o notebook aberto no chão, em uma página qualquer de pesquisa sobre tabela periódica.
Rosa: Já vai, imbecil.
Liguei a webcam. Lá estavam eles. Tentávamos ao máximo manter contato. Geralmente a cada dois ou três dias conseguíamos nos reunir e separar um tempo para conversar.
Josh: Rosalya, você está a cara da derrota. - falou arrumando seu topete, os fios pretos selvagens insistiam em cair.
— Ah, obrigada pela parte que me toca.
Chris: mas é sério, Champoudry, o que são essas olheiras em plena quinta-feira?
— O quê? - procurei desesperada por um espelho até finalmente olhar para o meu reflexo no celular. Nada de olheiras. Suspirei aliviada.
Miguel: não se preocupe, Rosa, você está linda. Eles são idiotas.
— Eu sei - balancei a cabeça em uma espécie de repreensão interna por ter dado atenção aos dois.
Vicky: deixa eu adivinhar, química?
— Acredita que química é ainda mais insuportável em francês?
Anne: é horrível em qualquer língua. - finalmente se pronunciou, colocando uma das mexas negras atrás da orelha.
— Como sabe disso, Vicky?
Vicky: sua expressão de desespero é terrivelmente familiar.
— Hoje vocês tiraram o dia para me depreciar ou o que?!
Chris: estamos falando isso para o seu bem. - disse com a maior cara de pau possível. Todos assentiram, sorrindo.
Os repreendi antes de Josh me interromper.
Josh: pense pelo lado positivo, você não tem aula com a Dasha.
Um arrepio percorreu meu corpo ao ouvir aquele nome infernal. Dasha é a professora de ciências da minha antiga escola. Se alguém me disser que o demônio usa saia jeans com meia calça laranja, posso garantir que é ela. Certeza.
— Meus pêsames por vocês.
Vicky: gente, lembrei, sexta tem trabalho dela para entregar!
Chris: ah não! - respirou fundo, apoiando as mãos na testa. Sua touca azul claro foi empurrada com o ato, balançando seus cabelos castanhos claros, quase loiros.
Anne: eu venho para a internet justamente para esquecer que o mundo real existe. Vamos mudar de assunto, por favor.
— Tudo bem. - me ajeitei melhor na cama. Estava sentada de pernas cruzadas, mas depois deitei de barriga para baixo, com os braços apoiando o queixo. Olhei para Chris, ele parecia concentrado em algo na tela, distraído.
Josh: acredita que o Adam teve a coragem de me pedir seu número novo?
— O quê? Que canalha! - Adam foi uma parte da minha vida que eu preferia esquecer.
Anne: esse cara não cansa? - revirou os olhos.
Miguel: sorte a dele que não veio falar comigo.
— Você é uma graça, Miguel! - o mandei beijinhos, ele retribuiu fazendo caretas.
Vicky: tá hipnotizado, bocó? - bateu na câmera com a unha.
Chris: não, só estava pensando.
Anne: uuuh, Chris pensandoo.
Josh: milagre.
Chris: vocês me amam.
— Qual foi o fenômeno incrível que nos agraciou com essa surpresa?
Chris: seu quarto.
— Ah - revirei os olhos - lá vem.
Chris: Champoudry, o que são essas coisas empacotadas?
Não respondi. Apenas o encarei, sorrindo amarelo.
Chris: cadê aquele nosso quadro?
— Está na caixa.
Anne: qual das quinhentas caixas?
Vicky: por que não desempacotou tudo ainda?
— Não tô afim - falei. Eles pareceram não acreditar, mas era a verdade. Não me sentia em casa - Não quero.
Eu havia desistido de decorá-lo a exatos quatro dias atrás. Devido as atividades da escola, fui adiando a tarefa de arrumá-lo, porém, quando estive disponível, um sentimento de rejeição tomou conta de mim, e de repente não fazia mais sentido enfeitar ele.
Agora meu quarto se resumia em paredes brancas e caixas espalhadas no chão.
Chris: okay, você tá estranha. Como assim perdendo a oportunidade de decorar um lugar? Ainda mais um lugar que te pertence?
Miguel: ele tem razão, Rosa. Não tem nada que remeta a você.
— Ah gente, vocês são muito... - parei de falar quando senti o celular vibrando.
Olhei a notificação e imediatamente meu coração disparou.
Número Desconhecido: Olá Rosalya, como está?
Com certeza era o Leigh. A formalidade em conversar até mesmo por mensagem... Era ele!
Leigh não havia me chamado depois que dei meu número. Talvez porque estivesse ocupado com a loja, não sei. Não o via desde o dia da fuga.
Vicky: Rosa? - voltei a atenção para o notebook - Tá tudo bem? Parece que viu um fantasma.
O celular vibrou novamente.
Número Desconhecido: sou eu, Leigh
Leigh: perdão por não mandar mensagem antes
Leigh: eu fiquei...
Leigh: bem, eu...
Leigh: estava pensando em novas criações, porém preciso de tecidos novos e uma loja abriu recentemente...
Abri um sorriso enorme.
Josh: ela viu um fantasma pelado.
Rosa: por acaso isso é um convite?
Leigh: sim
Leigh: quer dizer
Leigh: se você quiser...
(Digitando)
Não pude conter um gritinho de entusiasmo.
Chris: fantasma bem dotado.
Olhei mais uma vez para eles, sem entender sobre o que falavam, mas não importava, só queria rir, estava muito feliz.
Anne: muito bem dotado.
Leigh: pensei em ir domingo, imaginei que talvez você gostaria de conhecer
Leigh: naquele dia na lanchonete você parecia interessada no assunto
Leigh: tudo bem se não puder
Levei alguns segundos a mais para responder. Estava tentando conter a empolgação. Apareceu que ele estava digitando, mas fui mais rápida.
Rosa: por mim tudo bem.
Rosa: que horas pretende ir?
Ele parou de escrever durante o que aparentou ser uma eternidade antes de responder.
Leigh: precisamos ir de manhã, porque essas lojas fecham cedo aos domingos
Leigh: eu posso passar na sua casa às 10h?
Rosa: sim, combinado!
Josh: ok, agora até eu quero ver esse fantasma.
— Gente, rápido, me ajudem a escolher um look para domingo! - falei virando a webcam em direção ao armário.
Levantei e rapidamente fucei as roupas, jogando na cama aquelas que me atraía.
Chris: ficou doidinha.
— Leigh me chamou para sair! - dei um gritinho de animação, acompanhado de pulinhos.
Vicky: mentiraaa!
Anne: aaaaaaah!
Elas também comemoraram.
Derepende a porta abriu bruscamente, minha mãe apareceu, seu semblante era de preocupação.
— Aconteceu algo, filha? Ouvi gritos e achei que... - parou de falar quando olhou o notebook - Ah tá.
Miguel: oi tia!
Os cinco a cumprimentaram.
— Olá queridos, quanto tempo! Como vocês estão?
Chris: estamos bem, mas a Rosa claramente está melhor.
— Cala a boca!
— O que quer dizer com isso? - me encarou, curiosa.
— Nada não, é besteira. - forcei um sorriso, torcendo para meu pai chamá-la no andar de baixo.
Josh: ela tem um encontro, tia.
Anne: com o Leigh.
Vicky o bonitão da loja de roupas.
Miguel: se eu fosse a senhora, não deixava ela ir.
— Ei! É um complô contra mim?
Eles riram, orgulhosos da vergonha que me fizeram passar.
— Ah é, Rosalya? - seu olhar passou de curiosidade para malícia. Corei já prevendo o que diria.
— Mãe, por favor, agora não.
— Vocês dois formam um casal tão fofo. Finalmente alguém tomou uma atitude. Achei que eu teria de interferir. - Sorriu - Não precisa se constranger, filha, é normal essas coisas entre jovens.
— Mãe... - coloquei as mãos nas bochechas quentes. - Acho que o papai está te...
— Seu pai vai adorar saber que sua filhinha está crescendo - me interrompeu.
— NÃO! - gritei para ela, que saía do quarto.
Apareceu uma última vez na porta antes de falar.
— Eu sei, bobinha, tô só brincando. Ah, a propósito, o vermelho é bonito. - apontou para o vestido deixado na cama.
Voltei-me aos cinco engraçadinhos, brava.
— Estão contentes, agora?!
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