Diário de Rosalya escrita por TiaManda


Capítulo 10
Webcam e depreciação




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Duas semanas de aula. Sobrevivi a duas semanas. Foram os quatorze dias mais complicados da minha vida por duas razões:

A primeira é a dificuldade em entender as matérias em outro idioma. Tudo bem que eu sei francês, mas não é a mesma coisa que aprender em sua língua de origem. Ocasionalmente tenho que pensar duas vezes mais para compreender o assunto, sem contar os momentos em que os professores usam palavras que eu não conheço, daí tenho que perguntar para Lysandre o significado.

A segunda causa, trata-se das pessoas. Depois daquela discussão imbecil por conta da Debrah, fui levemente ignorada por parte dos alunos do meu ano. Ela é bem popular. Por incrível que pareça, Debrah não veio tirar satisfação comigo, acho que não quiseram "incomodá-la" com o assunto. Acredito que com exceção de Lysandre, o restante ainda guarda rancor de mim. Eu poderia dizer que esse era o motivo mais difícil de lidar, porém, confesso que o primeiro está superando ele. Até por que Lysandre me faz companhia, mesmo que apenas fique ao meu lado escrevendo em seu quase inseparável bloco de notas (sempre o perde), ainda sim é fofo da parte dele não querer me excluir.

Despertei-me dos pensamentos com uma mensagem no celular.

Josh cabeçãoAceita a solicitaçãobobona.

Estava jogada na cama, havia acabado de chegar da escola. Hoje havia sido um dia super cansativo. Olhei para o notebook aberto no chão, em uma página qualquer de pesquisa sobre tabela periódica.

Rosa vaiimbecil.

Liguei a webcam. Lá estavam eles. Tentávamos ao máximo manter contato. Geralmente a cada dois ou três dias conseguíamos nos reunir e separar um tempo para conversar.

Josh: Rosalya, você está a cara da derrota. - falou arrumando seu topete, os fios pretos selvagens insistiam em cair.

— Ah, obrigada pela parte que me toca.

Chris: mas é sério, Champoudry, o que são essas olheiras em plena quinta-feira?

— O quê? - procurei desesperada por um espelho até finalmente olhar para o meu reflexo no celular. Nada de olheiras. Suspirei aliviada.

Miguel: não se preocupe, Rosa, você está linda. Eles são idiotas.

— Eu sei - balancei a cabeça em uma espécie de repreensão interna por ter dado atenção aos dois.

Vicky: deixa eu adivinhar, química?

— Acredita que química é ainda mais insuportável em francês?

Anne: é horrível em qualquer língua. - finalmente se pronunciou, colocando uma das mexas negras atrás da orelha.

— Como sabe disso, Vicky?

Vicky: sua expressão de desespero é terrivelmente familiar.

— Hoje vocês tiraram o dia para me depreciar ou o que?!

Chris: estamos falando isso para o seu bem. - disse com a maior cara de pau possível. Todos assentiram, sorrindo.

Os repreendi antes de Josh me interromper.

Josh: pense pelo lado positivo, você não tem aula com a Dasha.

Um arrepio percorreu meu corpo ao ouvir aquele nome infernal. Dasha é a professora de ciências da minha antiga escola. Se alguém me disser que o demônio usa saia jeans com meia calça laranja, posso garantir que é ela. Certeza.

— Meus pêsames por vocês.

Vicky: gente, lembrei, sexta tem trabalho dela para entregar!

Chris: ah não! - respirou fundo, apoiando as mãos na testa. Sua touca azul claro foi empurrada com o ato, balançando seus cabelos castanhos claros, quase loiros.

Anne: eu venho para a internet justamente para esquecer que o mundo real existe. Vamos mudar de assunto, por favor.

— Tudo bem. - me ajeitei melhor na cama. Estava sentada de pernas cruzadas, mas depois deitei de barriga para baixo, com os braços apoiando o queixo. Olhei para Chris, ele parecia concentrado em algo na tela, distraído.

Josh: acredita que o Adam teve a coragem de me pedir seu número novo?

— O quê? Que canalha! - Adam foi uma parte da minha vida que eu preferia esquecer.

Anne: esse cara não cansa? - revirou os olhos.

Miguel: sorte a dele que não veio falar comigo.

— Você é uma graça, Miguel! - o mandei beijinhos, ele retribuiu fazendo caretas.

Vicky: tá hipnotizado, bocó? - bateu na câmera com a unha.

Chris: não, só estava pensando.

Anne: uuuh, Chris pensandoo.

Josh: milagre.

Chris: vocês me amam.

— Qual foi o fenômeno incrível que nos agraciou com essa surpresa?

Chris: seu quarto.

— Ah - revirei os olhos - lá vem.

Chris: Champoudry, o que são essas coisas empacotadas?

Não respondi. Apenas o encarei, sorrindo amarelo.

Chris: cadê aquele nosso quadro?

— Está na caixa.

Anne: qual das quinhentas caixas?

Vicky: por que não desempacotou tudo ainda?

— Não tô afim - falei. Eles pareceram não acreditar, mas era a verdade. Não me sentia em casa - Não quero.

Eu havia desistido de decorá-lo a exatos quatro dias atrás. Devido as atividades da escola, fui adiando a tarefa de arrumá-lo, porém, quando estive disponível, um sentimento de rejeição tomou conta de mim, e de repente não fazia mais sentido enfeitar ele.

Agora meu quarto se resumia em paredes brancas e caixas espalhadas no chão.

Chris: okay, você tá estranha. Como assim perdendo a oportunidade de decorar um lugar? Ainda mais um lugar que te pertence?

Miguel: ele tem razão, Rosa. Não tem nada que remeta a você.

— Ah gente, vocês são muito... - parei de falar quando senti o celular vibrando.

Olhei a notificação e imediatamente meu coração disparou.

Número DesconhecidoOlá Rosalyacomo está?

Com certeza era o Leigh. A formalidade em conversar até mesmo por mensagem... Era ele! 

Leigh não havia me chamado depois que dei meu número. Talvez porque estivesse ocupado com a loja, não sei. Não o via desde o dia da fuga.

Vicky: Rosa? - voltei a atenção para o notebook - Tá tudo bem? Parece que viu um fantasma.

O celular vibrou novamente.

Número Desconhecido: sou eu, Leigh

Leigh: perdão por não mandar mensagem antes

Leigh: eu fiquei...

Leigh: bem, eu...

Leighestava pensando em novas criações, porém preciso de tecidos novos e  uma loja abriu recentemente...

Abri um sorriso enorme.

Josh: ela viu um fantasma pelado.

Rosapor acaso isso é um convite?

Leighsim

Leigh: quer dizer

Leigh: se você quiser... 

(Digitando)

Não pude conter um gritinho de entusiasmo.

Chris: fantasma bem dotado.

Olhei mais uma vez para eles, sem entender sobre o que falavam, mas não importava, só queria rir, estava muito feliz.

Anne: muito bem dotado.

Leighpensei em ir domingoimaginei que talvez você gostaria de conhecer

Leigh: naquele dia na lanchonete você parecia interessada no assunto

Leigh: tudo bem se não puder

Levei alguns segundos a mais para responder. Estava tentando conter a empolgação. Apareceu que ele estava digitando, mas fui mais rápida.

Rosapor mim tudo bem.

Rosa: que horas pretende ir?

Ele parou de escrever durante o que aparentou ser uma eternidade antes de responder.

Leighprecisamos ir de manhã, porque essas lojas fecham cedo aos domingos

Leigh: eu posso passar na sua casa às 10h?

Rosasim, combinado!

Josh: ok, agora até eu quero ver esse fantasma.

— Gente, rápido, me ajudem a escolher um look para domingo! - falei virando a webcam em direção ao armário.

Levantei e rapidamente fucei as roupas, jogando na cama aquelas que me atraía.

Chris: ficou doidinha.

— Leigh me chamou para sair! - dei um gritinho de animação, acompanhado de pulinhos.

Vicky: mentiraaa!

Anne: aaaaaaah!

Elas também comemoraram.

Derepende a porta abriu bruscamente, minha mãe apareceu, seu semblante era de preocupação.

— Aconteceu algo, filha? Ouvi gritos e achei que... - parou de falar quando olhou o notebook - Ah tá.

Miguel: oi tia!

Os cinco a cumprimentaram.

— Olá queridos, quanto tempo! Como vocês estão?

Chris: estamos bem, mas a Rosa claramente está melhor.

— Cala a boca!

— O que quer dizer com isso? - me encarou, curiosa.

— Nada não, é besteira. - forcei um sorriso, torcendo para meu pai chamá-la no andar de baixo.

Josh: ela tem um encontro, tia.

Anne: com o Leigh.

Vicky o bonitão da loja de roupas.

Miguel: se eu fosse a senhora, não deixava ela ir.

— Ei! É um complô contra mim?

Eles riram, orgulhosos da vergonha que me fizeram passar.

— Ah é, Rosalya? - seu olhar passou de curiosidade para malícia. Corei já prevendo o que diria.

— Mãe, por favor, agora não.

— Vocês dois formam um casal tão fofo. Finalmente alguém tomou uma atitude. Achei que eu teria de interferir. - Sorriu - Não precisa se constranger, filha, é normal essas coisas entre jovens.

— Mãe... - coloquei as mãos nas bochechas quentes. - Acho que o papai está te... 

— Seu pai vai adorar saber que sua filhinha está crescendo - me interrompeu.

— NÃO! - gritei para ela, que saía do quarto.

Apareceu uma última vez na porta antes de falar.

— Eu sei, bobinha, tô só brincando. Ah, a propósito, o vermelho é bonito. - apontou para o vestido deixado na cama.

Voltei-me aos cinco engraçadinhos, brava.

— Estão contentes, agora?!


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