Diário de Rosalya escrita por TiaManda


Capítulo 4
Lanchonete e toalhas caídas




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Anne: não acredito que realmente fez isso

Josh: você ainda duvida da capacidade da nossa Rosa?

Vicky: não é duvidar da capacidade, só que é loucura.

Chris: ela fez pouco, deveria ter dado um chute no saco dele.

— Obrigada Chris, por me entender — lancei um sorriso para câmera. Estávamos conversando, os seis, pela webcam, discutindo o acontecimento de hoje cedo, cada um em uma tela diferente. A imagem da tela do notebook lembrava a capa de algum CD pop, seis quadradinhos com fundos diferentes e pessoas diferentes em cada um deles.

Miguel: mas é sério Rosa, nunca mais faça isso.

Anne: e se ele estivesse armado?

— Ai, quantas vezes vou ouvir isso ainda? — revirei os olhos, suspirando — Eu já entendi.

Miguel: promete que não vai mais reagir dessa forma?

Chris: isso, prometa. Dá próxima não esquece o chute hein? Não pode dar tempo de deixar ele pensar.

Vicky: já está praguejando que vai ter próxima?

Chris: você entendeu, bobona — mostrou a língua.

Ri enquanto discutiam se a violência era ou não uma boa alternativa para reagir a um furto/ roubo.

— Sinto tanto a falta de vocês.

Josh: já vai começar?

Anne: ela tá sentimental, deixa ela!

— O Josh tem razão, Anne, estou muito melosa — falei rindo — Acho que é a falta de vocês.

Chris: e ela não para. 

Ri novamente.

— Tô brincando, mas é sério!

Josh: tá, Rosalya, já deu. Chega de chororô. Ninguém aguenta mais!

Chris: é, ninguém aguenta mais!

— Bestas! — mostrei a língua para eles.

Anne: mas então, diz pra gente, ele é gatinho?

— De quem você tá falando? — fiz a sonsa, mas já sabendo do que se tratava. Elas perceberam.

Vicky: hmmmm, então ele é!

Anne: que sortuda hein Rosa. Já chegou com tudo.

— É, super sortuda encontrar com alguém nessas circunstâncias e ainda CHORAR na frente dele — dei ênfase em "chorar".

Vicky: chorar? Como assim? Por quê?

— Eu estava muito sentida pelo colar.

Anne: ah não, Rosalya! — bateu a mão em sua testa — Não acredito.

Dei de ombros. Pensar muito nisso me faz querer enfiar a cabeça num buraco.

Vicky: mas ao que tudo indica, ele não se importou de ter te visto assim. Até te chamou de corajosa.

Anne: talvez ele tenha fetiche por loucas.

— Cala a boca! — tentei ficar brava, mas comecei a rir imediatamente quando reparei nos garotos da tela. Eles estavam fazendo caretas, em silêncio, enquanto nós conversávamos. Tava a coisa mais ridícula do mundo — Vocês tem cinco anos de idade mental.

Josh: e vocês não param de falar de coisa chata.

Miguel: ninguém merece.

Chris: rápido, vamos mudar de assunto antes que elas voltem a falar sobre isso.

— Está com ciúmes, Chris? — sorri.

Chris: mas é claro! Que cara é esse que fica se jogando pra cima da MINHA Rosa? 

Josh: nossa Rosa, você quis dizer.

Chris: não, minha.

Anne: mas então Rosa, como ele é? — falou ignorando completamente os meninos — Cor do cabelo? Altura?

Miguel: mimimi, Rosa, como ele nhe — caçoou fazendo careta.

Vicky: cala a boca, deixa ela falar!

Josh: cali a bique, deixa enha falar — zombou da mesma forma que Miguel.

Anne: crianças.

Chris: pelo menos eu não escuto Restart.

— Mas o que tem a ver? — não pude deixar de rir.

E assim se iniciou uma discussão.

Eu não entendia mais nada do que estava sendo dito, era uma confusão de falas, mas nem por isso deixava de participar. 

Chegou a um ponto em que ninguém mais falava coisas nexas. Todos perceberam e riram quando nos demos conta que estávamos debatendo sobre Pelanza cantar bem ou não, e a importância dele na vida da Anne.

Vicky: gente, estamos a duas horas conversando.

— Por mim, passaríamos o resto do dia aqui — Foquei no horário no canto da dela — Mas o Chris não colabora!

Chris: ei! A culpa não é minha se tenho vida social!

Vicky: melhor ainda se ele sair, aí falamos mal dele.

Josh: você nunca teve uma ideia tão brilhante assim, Vicky!

Chris: eu ainda tô aqui.

Miguel: então a gente fala mal de você na sua cara mesmo. Eu não me importo, e vocês?

Anne: não mesmo. Deixa eu pegar a minha listinha de coisas irritantes que o Chris faz.

— Você também tem uma dessas, Anne? Eu sei a minha de cor.

Chris: bobões. Ficaria aqui mais duas horas se possível, mas realmente tenho que ir, me desculpem.

— Só desculpo se pagar um lanche. Daquele combo do WayCoffe — cruzei os braços.

Chris: tá, tá, um combo pra cada um... Quando eu for milionário, porque é uma fortuna.

Miguel: mas você já viu o tamanho também? Parece um Transformer!

Caímos na gargalhada. Minha barriga já doía de tanto rir. Não demorou muito para desligarmos a vídeo chamada.

(...) 

Estava morrendo de fome. Minha barriga não para de roncar, e para piorar, meus pais haviam saído.

— Vejamos o que tem nessa cozinha... — falei abrindo os armários — Ótimo! Era óbvio, Rosalya! Vocês acabaram de se mudar, o que esperava?!

Armários vazios. O almoço que meus pais haviam feito estava acabado desde as 15h, quando meu estômago se manifestou pela segunda vez.

 

(Mensagem)

Rosa: Mãe, q horas vcs voltam?

Mãezinhanão sei filha, seu pai errou o caminho. O app tá dando uma hora até chegar

Beleza. Não tinha outra opção. Precisava sair e enfrentar a cidade novamente. 

— Que ninguém me reconheça, que ninguém me reconheça... — cruzei os dedos, torcendo de olhos fechados.

Sem pensar duas vezes, saí antes de cogitar a possibilidade de desistir.

Okay, pra que lado ficava mesmo as lojas? Após cinco minutos de caminhada, me dei conta de que andava sem rumo.

Estava escurecendo, tornando mais difícil reconhecer o caminho. Me enfiei em ruas aleatórias, acreditando que a qualquer momento sairia no centro da cidade, mas não. Levou cerca de dez minutos para cair a ficha de que eu estava perdida.

Tateei meus bolsos em busca do celular. Tão óbvio, era só me localizar pelo GPS.

Ah não. Você não fez isso, Rosalya.

Deixei ele em casa.

— Aaaaah! — suspirei, batendo a mão repetidamente na testa—- Burra, burra, burra!

— Está tudo bem? — uma voz grave soou, bem perto, me pegando desprevenida.

Dei um grito agudo juntamente com um pulo. Meu coração estava a mil.

Era o garoto da loja de roupas.

— Não faça mais isso! — falei ofegante — Você quase me matou de susto! — era possível ouvir meu coração batendo.

— Me desculpe — corou — não tive a intenção de te assustar.

— Tudo bem! — falei ainda meio ofegante — Você chegou em boa hora! — abri um sorriso enorme. Ele me encarou confuso, parecia com receio de algo. Certeza que eu estava com aquela cara de desespero. 

— Aconteceu algo? — seus olhos cinza se encontraram com os meus, o coração errou uma batida.

— Na verdade sim — respirei fundo tentando manter uma postura séria, escondendo ao máximo minha agonia — Você sabe onde tem alguma lanchonete por aqui?

— Aan, a lanchonete mais próxima... — passou a mão nos fios pretos, jogando sua franja para trás, como se pensasse em algo muito complicado — Fica a uns vinte minutos andando.

Suspirei. Vinte minutos não era muito, mas para quem não conhece o caminho, ainda mais eu, viraria uma eternidade. Melhor seria voltar para casa. 

— Posso te acompanhar — disse ele, despertando-me dos pensamentos — Q-quer dizer, se você quiser... — corou.

Sorri em resposta.

Ele me guiou durante uns três minutos antes de se pronunciar.

—  Você é nova na cidade, certo?

— Como sabe disso? — eu disse surpresa.

— É a primeira vez que te vejo no bairro.

— Então você mora ali? — assentiu.

— O modo como se veste também evidenciou isso. Não são trajes costumeiros aqui — acrescentou.

O olhei indignada. Como assim "meus trajes"? Olha a roupa que ele tá vestindo! São de 1800 (mas estilosas, devo confessar).

Corado, continuou.

— I-isso não era para ser uma ofensa. Mil perdões se interpretou assim — disse, apreensivo.

Ri com a situação. Tão formal. Ele pareceu relaxar ao ver que eu não estava brava.

— Você sempre fala certinho assim?

— Força do hábito — sorriu.

Um minuto de silêncio.

— Por que quis me ajudar? — perguntei curiosa. 

Ele brincou com um botão na manga de seu casaco, e parecia inquieto por alguma razão, como se não quisesse responder.

— Você estava perdida — falou ainda mexendo no botão — seria mal educado não ajudá-la.

Ao perceber seu constrangimento repentino, preferi mudar de assunto.

— De qual lugar acha que sou? 

— Seu sotaque... É do Sul da França? — perguntou após alguns segundos.

— Minha família é de lá, mas eu não — sorri.

— É de fora do país? — assenti — de onde?

— Adivinha.

Fez uma pausa antes de se pronunciar, aparentemente pensativo.

— Dinamarca?

— Não.

— Irlanda?

— Não.

— Espanha? Itália?

— Não e não. Nunca vai acertar desse jeito. Vou te dar uma dica, é frio.

— Alasca?

— Okay, você é péssimo nisso. Sou da Rússia.

Ele ia falar algo, mas parou de andar e colocou a mão na minha para que eu parasse também. Olhei para nossas mãos, sem entender, depois para ele, que encarava algo. Mirei na mesma direção que seus olhos. Havia uma silhueta preta, parada a pouco metros de distância.

— Vem, por aqui! — nos escondemos atrás de uma das árvores de decoração da rua. 

— Esta cidade é realmente perigosa! — falei cruzando os braços.

— Não, não é, senhorita — sussurrou.

— Então o que estamos fazendo escondidos, exatamente? — um minuto de silêncio — Nos escondendo de um serial killer!

Ele riu antes de me responder.

— Aqui não é perigoso...

— Fui furtada hoje de manhã - o interrompi.

— Eu sei, mas...

— E agora estamos nos escondendo de um estranho, a noite — falei ainda de braços cruzados.

— Foi uma infeliz coincidência. Não temos certeza do que aquela pessoa é exatamente.

— Um assassino!

— Assassinos usam toalha? — disse olhando fixamente para a silhueta.

— O quê? — forcei a vista para enxergar melhor.

Havia uma senhora, meio gordinha, que aparentava ter cerca de sessenta anos, enrolada em uma toalha rosa, com bobs no cabelo. Ela estava regando um arbusto de flores perto da calçada.

— Isso é muito estranho — ele disse, desconfiado — muito estranho.

— Vem cá, aqui é cheio de pessoas doidas assim mesmo? — falei um pouco alto. Na rua só havíamos nós três. Eu, o garoto moreno e a louca da toalha.

Ela imediatamente olhou para a árvore na qual estávamos escondidos, mas não nos viu. Sua atenção voltou para o arbusto, porém, em uma fração de segundo, descuidou-se e deixou cair a toalha.

Eu e o garoto arregalamos os olhos, sem acreditar no que acabava de acontecer. 

— Pff... — tentei segurar a risada, mas era impossível — Hahahah... mmmm — O garoto colocou a mão na minha boca, para que eu ficasse quieta. Notei que ele estava vermelho como um pimentão.

A senhora rapidamente levantou a toalha e entrou para casa. Então voltamos a caminhar, eu rindo sem controle, e ele cada vez mais sem graça. Minha barriga doía, me faltava ar.

— Essas coisas... — respirei fundo — essas coisas sempre acontecem por aqui?

— Eu não sei o que aconteceu com todo mundo hoje! — confessou — É inacreditável.

— Acho que atraio esse tipo de coisa, é quase um karma — brinquei.

Nós dois sorrimos. 

— Falta muito para chegarmos na lanchonete? — falei.

— Não, estamos quase lá! — respondeu — Olha... É ali! — apontou para um dos estabelecimentos.

— Ah, finalmente! Estou morrendo de fome. Você vem? — concordou — a propósito, como é seu nome? — questionei, estranhando a situação. Vinte minutos conversando e eu não sabia seu nome.

— Leigh, e o da senhorita?

— Rosalya — sorri. Ele sorriu de volta. Meu coração errou mais uma batida.


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