Diário de Rosalya escrita por TiaManda
Abri os olhos devagar. A luz do Sol, mesmo que sutil, machucava a retina.
Minha cabeça doía. Sentia que estava sendo pisoteada por uma manada de elefantes.
Aos poucos o ambiente tomou forma. Eu estava em um quarto, no qual nunca havia visto na vida, deitada na cama, ainda de sapatos.
Juntando forças e a urgente necessidade de beber água, arrastei-me até a porta, mas fui parada por inúmeros pensamentos.
Onde estava? Como havia chegado ali?
De qualquer forma, precisava assegurar minha defesa. Olhei rapidamente os móveis e peguei o abajur. Qualquer movimentação estranha eu não pouparia a abajurzada.
Ao passar pelo silencioso corredor, deparei-me com a sala e cozinha conjugada, delimitadas pelo balcão.
Ouvi uma voz familiar vindo da cozinha. Me aproximei cautelosamente da silhueta, até ela estruturar alguém nítido.
O alguém era... Lysandre?
Lysandre estava de costas e parecia falar ao telefone. Seu cabelo solto, encontrava-se totalmente desgrenhado, e ele usava as mesmas roupas da noite anterior, com exceção dos acessórios.
— Sim, senhora - disse ele - Certamente... É incontestável... Evidentemente, senhora!... Compreendo perfeitamente... Novamente peço perdão... Obrigado. - colocou o aparelho no balcão. A capinha brilhante chamou minha atenção. Jamais imaginaria que o vitoriano gostasse de glitter.
Na verdade chegava a ser engraçado porque seu dispositivo podia ser confundindo com o meu. Eram idênticos.
Subitamente a lógica voltou a agir na cabeça.
— Esse é o meu celular? - perguntei.
Ele virou na minha direção, surpreso.
— Oh, Rosalya! - disse Lysandre - Finalmente você acordou!
— Tenho tantas perguntas... - confessei.
— Explicarei todas - disse ele e depois suspirou. - Você não faz ideia do... - parou de falar de repente. Seu semblante pareceu ir de aliviado para confuso - Por que está com um abajur na mão?
— Por nada! - sorri amarelo - E por que você tá com o meu celular?
— Sua mãe ligou - respondeu ele.
Droga. Droga. Droga.
Eu não avisei meus pais sobre ter saído para o show.
— Sou uma garota morta! - declarei.
— Rosalya, ela estava muito preocupada com você - disse ele.
— Ah, Lysandre... - murmurei - Que merda eu fiz... - falei colocando as mãos na têmpora, ela latejava mais quando pensava.
Lysandre disse algo, mas, devido a dor, ouvi apenas a última frase.
— É melhor se sentar, Rosa.
— Lys, pode me dar um pouco de água, por favor? - pedi.
Ele assentiu. Sentei em uma das cadeiras encostadas no balcão. Lysandre logo juntou-se a mim, com o copo.
— Obrigada - disse eu - Quantos estragos causei? - perguntei, receosa.
Lysandre me encarou, sério.
— Do que você lembra exatamente? - perguntou ele.
— Bem, eu dançava... - tentei relembrar - Tinha a Debrah, Castiel também... E... Um menino... Como era mesmo o nome dele...
— Tiago - disse ele.
— Isso! - falei - Eles me apresentaram Tiago.
— É tudo o que lembra? - perguntou ele.
— Desculpa Lys, minha mente não tá ajudando.
— Após nossa discussão... - começou a falar, mas interrompi.
— Discussão? Nós discutimos?
— Sim, nós discutimos - respondeu ele - Fui rude e me arrependi no momento que você saiu, chateada - continuou - Perdão, Rosa - pediu. - Então fui atrás de você e a encontrei desacordada.
Abri a boca para falar, tinha muitas dúvidas, porém Lysandre fez um gesto com a mão, como se pedisse para eu apenas escutá-lo.
— Você não acordava por nada - disse ele - Um colega da banda nos ajudou, ele nos deu carona para minha casa e afirmou que você precisava comer algo. Só não fomos ao hospital porque você despertou, exigindo muita água, e em seguida comeu um pouco do macarrão que havia aqui. - prosseguiu- Depois adormeceu.
Lysandre parou de falar e ficou em silêncio por um instante, provavelmente para eu assimilar todas as informações.
— Nossa, Lysandre, me desculpa! Mil desculpas! Era pra ser sua noite, eu estraguei tudo - falei, envergonhada.
— Rosalya, não diga bobagens. - falou ele - Apenas peço para que não faça mais isso com você mesma, por favor - me olhou, parecendo sincero.
Segurei sua mão como gesto de consentimento.
— E também peço para não se afligir com a notícia que darei - respirou fundo - Seus pais estão vindo te buscar.
O quê? Ah meu Deus...
Eu definitivamente era uma garota morta. Qual seria a forma de assassinato? Ou pior, como me torturariam? Sem redes sociais? Sem contatos com a Rússia? Só comer legumes por uma semana? Apenas vestir roupas feias?
— Rosa? - disse ele, me retirando dos pensamentos.
— Tô ferrada... - murmurei.
— Visto o número de ligações que não cessavam, concluí que eles não sabiam do show, então fiquei divido entre contar a verdade ou te amparar - disse Lysandre - Por isso dormiu aqui. Você estava praticamente inconsciente, imaginei que ficariam desapontados caso presenciassem o ocorrido, e você certamente se chatearia no fim. Porém foi impossível continuar ignorando as ligações, tive de atender seu telefone... - parei de prestar atenção no que dizia e peguei o celular de cima do balcão.
"36 chamadas perdidas de Mãezinha"
— Ai, tô tão ferrada! - falei. - Lysandre, o que vocês conversaram? O quanto eles sabem do que aconteceu?
— Disse a ela que havíamos ido a um concerto e você passou mal. - respondeu - Não é necessariamente mentira...
— E também não é cem porcento a verdade - falei.
— Acredito que não sou eu quem deve contar a verdade.
— Eu sei, você tem razão. Muito obrigada, Lysandre. Por tudo. Você me ajudou tanto... - falei antes de o abraçar.
(...)
Após Lysandre desligar o interfone, descemos até o térreo do prédio. Meus pais esperavam na portaria.
Fui recebida com abraços e beijos da minha mãe.
— Graças a Deus você está bem, querida. - disse ela, segurando meu rosto. Ela falou algo com Lysandre, mas não ouvi. A claridade do dia provocava mais a dor de cabeça.
Entre a falação, ela fez um gesto para que eu entrasse no carro.
— Até segunda, Lys. - me despedi.
— Até segunda. - respondeu ele. - Cuide-se.
— Obrigada, mais uma vez. - o abracei. Lysandre retribuiu.
(...)
O caminho para casa foi silencioso. Eu sabia que aquilo não era um bom sinal.
Quando adentrei a sala, tentei subir as escadas, mas fui barrada pela minha mãe.
— Vamos conversar, Rosalya. - disse ela, séria.
Engoli a seco. Obviamente ela não acreditara na versão de Lysandre.
— Aonde você foi ontem? - meu pai, que até então permanecia quieto, perguntou.
— Um show. Com Lysandre. - falei baixo devido a dor.
— Por que não nos avisou? - perguntou minha mãe.
— Eu... - tentei dizer.
— Tem noção de como nós ficamos preocupados com você? - me interrompeu aumentando o tom de voz.
— Querida... - meu pai tocou o braço dela, como se para acalmá-la.
— Esqueci de avisá-los. Lysandre me convidou de última hora e...
— E por que dormiu na casa dele? - ela perguntou.
— Passei mal... - sussurei. Não consegui olhá-los.
— Tem algo mais que queira nos contar? - perguntou ele.
Neguei com a cabeça, encarando o chão.
— Rosalya, você está cheirando a álcool. - disse ela - Tenho certeza que há algo sim.
Meu estômago revirou. Droga. Tinha esquecido desse detalhe.
— Exagerei um pouquinho... - tomei coragem para os olhar. Seus semblantes evidenciavam o desapontamento.
— Estamos muito decepcionados, filha. - disse meu pai.
— Você ficará de castigo por tempo indeterminado. - disse ela com a voz firme. - Sem passeios, sem celular e sem notebook.
Eles cortariam meu contato com a Rússia?!
— O quê? Mas... - tentei dizer.
— Sem mais! - declarou ela. - Agora me dê! - estendeu a mão esperando o celular. Entreguei sem relutância pois fui tomada por uma sensação de enjôo e precisei correr para o banheiro.
(...)
"QR
São 17h00 e estou tão arrependida das mil decisões erradas que tomei ontem. Só hoje já vomitei duas vezes, trouxe problemas para o Lysandre e chateei meus pais.
Ainda é tarde de sábado e não fiz nada a não ser desenhar em você. Na verdade, não tenho muitas opções agora. Acho que vou voltar a dormir."
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