Como tudo deve ser escrita por Carol Bandeira


Capítulo 3
Ela precisa de você


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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São Francisco não mudou muito desde a última vez que eles estiveram ali. Para Sara, fazia menos tempo que para Grissom.

A cidade trazia para eles boas memórias. Fora ali que o casal se conheceu- e segundo Grissom, foi amor à primeira vista. Então eles aproveitaram para tirar uns dias e bancar os turistas. Revisitaram todos os cantos que tinham alguma história para eles- com exceção do laboratório de criminalística. Sara não tinha estômago para isso ainda.

Foi com pesar que Gil se viu despedindo-se de sua amada depois de dias namorando e em uma fase engraçada de Lua de Mel antes do casório- com a ponte de Golden Gate ao fundo, ele finalmente colocara o anel de noivado no dedo dela. Eles agora tinham uma nova foto para substituir a antiga da geladeira.

—Sara... você tem certeza de que...

Ele estava de frente a ela, as mãos em sua cintura. Não conseguia pensar em se desvencilhar e deixar que Sara passasse por tudo isso sozinha. Sara, por sua vez, tinha os braços em volta do pescoço do noivo. Ela suspirou e respondeu, elevando as mãos e acariciando o pescoço do amado.

—Gil, por favor, nós já falamos sobre isso...

Realmente, eles falaram. E Gil tentou ouvir e compreender. Ele era uma pessoa que raramente se deixava levar somente pelo coração, mas ali estava o único ser no mundo que fazia com que Grissom agisse baseado só na emoção. E aquele órgão traidor não deixava Gil raciocinar direito ao ver sua futura esposa com dor sem nada fazer para ajudar.

O que Gil não conseguia compreender era que Sara não queria que o homem se misturasse com aquela parte de sua vida. Como ela dissera na carta, a vida com ele era o único lar que ela conhecera. Ela não queria manchar a vida deles com o horror que era a sua família. Ela não podia conceber a ideia de Gil interagindo com sua mãe, e por isso era importante que Gil não estivesse presente. Ela queria um lar para retornar depois do que iria passar com Laura Sidle e não tinha certeza se, ao ver o quão emocionalmente instável ela realmente era, Grissom iria aceita-la de volta. Irracional, ela sabia, mas era como ela se considerava agora.

—Eu sei, Sara... me promete uma coisa? Que não importa a hora, você vai me ligar se precisar de mim? Estou falando sério, Sara... eu preciso saber como você está passando. Não vou ficar tranquilo em Vegas sem notícia sua, ok?

—Ok, Gil...

Ela não podia não aceitar as condições dele. Abraçou o homem com força e segurou as lágrimas.

—Eu te amo... tanto...obrigada por fazer isso por mim.

—Eu também, meu amor- Gil pegou a mão direita de Sara e depositou um beijo no anel recém-colocado- Eu... vou esperar suas ligações... e espero que você encontre o que está procurando.

Depois de um abraço e um beijo de tirar o folego, a morena dirigiu o noivo até o aeroporto, onde eles trocaram mais um beijo desesperado no portão de embarque.

E assim, foi ao fim da tarde que ela se encontrou sentada nos degraus de pedra que davam para o prédio onde Laura Sidle morava- bem, assim informava a última carta que Sara recebera dela. Sara fizera uma pequena investigação e descobrira que a mulher em questão agora trabalhava como confeiteira em uma padaria próxima. Seria só uma questão de espera agora.

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Laura virou a esquina da rua de seu apartamento e uma sensação estranha tomou conta de seu corpo. Um nervoso na boca do estômago. Olhou de um lado ao outro da rua e não viu nada demais. Retomou os passos devagar, e foi quando parou em frente a seu prédio que entendeu.

Ela não a vira tinha mais de anos, mas nada naquele mundo a faria não reconhecer a mulher sentada na escadaria de sua casa. Ela estava mais velha,é claro. E carregava um ar de forte melancolia. Quando os olhos das duas se encontraram e reconheceram, um sorriso pequeno surgiu nos lábios de Laura.

—Oi, mãe...

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Sara entrou no apartamento de sua mãe e passou um olho pelo lugar. Não era muito diferente do primeiro apartamento dela, naquela mesma cidade. Um quarto, cozinha pequena, sala. Antes que pudesse entrar em modo investigativo, Laura a chamou, perguntando se ela queria algo para beber, ao que Sara pediu um copo d’água.

Laura rapidamente serviu a filha e ficou a observar a mulher que não via desde que fora parar na prisão. Era estranho reconciliar a imagem que ela tinha da filha que ela deixou com a que estava agora em sua frente. Era óbvio que Sara não estava nada confortável ali. Mas tampouco Laura estava. Nenhuma sabia o que fazer.

—Você não sabe o quanto eu estou feliz em te ver, Sara- Laura não aguentou o silêncio. Ela nunca, nem em seus maiores sonhos, imaginou que reveria sua filha.

Sara parou a inspeção que fazia na casa e olhou para a mãe. A mulher tinha no rosto uma expressão tão emocionada que Sara sentiu que deveria responder o mesmo, mas não sentia nada nem perto de bom em relação a mãe para dizer aquilo.

—Eu... você parece bem.

Laura pareceu gostar da resposta e indicou a Sara que se sentasse no sofá da casa. A morena o fez, meio a contragosto. Não se sentia nada confortável naquele lugar. Apesar da casa ser bem arrumada e decorada, quanto mais tempo passava ali só queria ir embora.

—Eu sabia... sabia que você cresceria para ser uma linda mulher...

—Mãe... por favor...- Sara falou rispidamente. Não viera aqui para ter esses momentos de “mãe e filha” com Laura. Isso só a irritava. Era como se Laura não se lembrasse de tudo o que elas passara até ali.

—Desculpe, Sara...

—Olha, isso foi um erro... eu não sei o que... desculpe.

Sara se levantou em um salto e Laura só pode ver sua filha sair correndo dali, sem nada fazer.

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Mais um fim de expediente para Laura Sidle. Mais um dia em que ela encontra sua filha em frente a seu prédio. Surpresa, Laura estacou em frente à Sara.

—Eu... queria pedir desculpas por ontem...

—Não precisa disso, Sara...

—Você quer caminhar comigo? Vi uma praça aqui perto...

—Eu adoraria...

Mãe e filha andaram lado a lado por uns minutos, sem nada a falar. Laura preferiu deixar que a filha começasse a conversa. O que ela fez.

—Eu sinto falta dessa cidade...

—Você não mora mais aqui, então?- Laura imaginou que a filha tivesse se mudado quando os cartões que ela mandava começaram a ser retornados pelos correios.

—Me mudei para Las Vegas

—Veio aqui para as férias?

—Você pode dizer que sim.

Mais um momento de silêncio. Sara encontrou uma cafeteria que estava vazia e convidou a mãe para entrar. As duas fizeram seus pedidos e se sentaram em uma mesa na varanda

—O que você faz agora?- desde que saiu da prisão..

—Sou confeiteira em uma padaria perto de minha casa. Aqueles anos todos no nosso B&B serviram de alguma coisa.

Sara não conseguia entender como Laura fazia comentários do passado assim, como se não significasse nada.

—Bom... ótimo- era impressionante como Laura a irritava, mesmo sem querer. Sara tomou um gole do café e foi quando Laura reparou na aliança que ela usava.

—Oh... você vai casar?- a surpresa foi mais forte do que o voto que Laura fizera- em sua cabeça, é claro- de não tocar em nenhum assunto pessoal a não ser que Sara o fizesse.

—Sim- ela queria dizer que encontrara um homem decente, que a tratava como se ela fosse a parte mais importante da vida dela. Mas não queria ficar somente no rancor- Gil é... ele é o melhor de mim...

—Fico feliz com isso... é importante ter alguém para dividir a vida...

“Ah, é? Então é por isso que você matou meu pai, é?”, Sara queria perguntar.

Como Sara não respondesse, Laura trocou o assunto.

—E onde está esse Gil? Você não o deixou sozinho para vir conversar com uma velha senhora, não?

—Ele está em casa. Ele é ... importante no trabalho, não pode ficar fora muito tempo...

—Ah, sim...

—Olha... foi bom te ver.... eu tenho que ir!

O nervosismo falou mais alto para Sara, e ela saiu novamente desembestada pelo caminho.

Tarde seguinte. Laura , com esperança no coração de rever a filha mais um dia, havia levado consigo uns produtos da padaria na qual trabalhava para casa. Ao encontrar a filha, novamente sentada nas escadarias, seu coração se alegrou.

As duas mulheres trocaram um “oi, como vai” e a mais velha abriu a porta para a filha entrar em sua casa.

—Eu não sabia se você viria, mas trouxe uns lanches para a gente.

Sara havia se armado para não deixar a emoção novamente tomar conta dela. Afinal, se toda vez que a mulher a sua frente se comportasse como se aquela situação toda fosse normal isso fizesse com que Sara tivesse vontade de fugir...bem, seria melhor ela voltar para Vegas.

Enquanto Laura arrumava o lanche que trouxera na mesa, Sara deixou sua bolsa no aparador perto da porta e passou a andar pela casa pela primeira vez. Reparou que a mulher decorara com objetos decorativos. Muitos, por sinal. Havia também uns poucos porta-retratos, o que chamou a atenção da morena. Neles ela encontrara uma foto antiga,  e sentiu novamente o estomago embrulhar. Lá estava ela, uma criança ainda, com seu irmão em frente ao B&B de seus pais. Deveria ter sido um dos dias bons naquela casa. Não querendo se prender ao passado, ela passou o olho na foto seguinte. Dessa vez, Laura estava nela, não muito diferente de como era no momento. Estava no meio de um bando de meninas, e todas na foto sustentavam um sorriso. Diferente do sorriso dela e de seu irmão, elas pareciam genuinamente felizes ali.

—São as meninas do Centro de Cuidado das Mulheres.

—Ah?

Laura havia voltado da cozinha e trazia duas xícaras com ela.

—A foto que você está segurando. É um centro de recuperação para mulheres e famílias vítimas de violência doméstica. As mães frequentam para fazer sessões com psicólogos ou cursos. Se elas não tem com quem deixar as crianças, eles tem voluntários para olhá-los.

—E você é uma voluntária?

—Sim... eu mesma frequentei o centro depois de deixar a prisão- Laura se sentou à mesa – Eles me ajudaram muito e eu pensei que deveria retribuir o favor.

Sara colocou o porta-retrato de volta na estante em que ele estava, e mais uma vez um sentimento estranho se apossara dela. Aquela vontade de bater em retirada quando as coisas ficavam difíceis... mas isso não resolveria nada e Sara já estava cansada de correr. Estava cansada de sentir como se o mundo estivesse desabando sobre os seus pés e ela não tinha lugar algum para se apoiar.

Enquanto isso, a pessoa que deveria estar lá para apoiá-la, a pessoa que deveria amá-la incondicionalmente saíra da prisão, não fora procurá-la, a deixara viver sozinha durante todos esses anos, mas ficara ali, em São Francisco cuidando de crianças que não eram suas...

—Você algum dia se importou com a gente?- ela perguntou ainda de costas para a mãe- Você alguma vez pensou em se separar dele e nos levar para longe dali? Ou você nunca pensou em mim e em Micah?

—Sara... eu...

—Eu não quero desculpas, Laura! É tarde demais para isso!- dessa vez ela se virou e encarou a mãe- Desculpas poderiam ter funcionado enquanto eu ainda era uma criança... eu era uma criança! Nove anos, e não merecia viver aquela vida!

—Não, Sara...você não merecia...

—Então por quê? Por que você não nos tirou dali?

—Eu não poderia... eu amava seu pai demais, na mesma medida que o odiava... não era saudável, eu sei...

—Não me diga!- sua voz era pura ironia- Saudável era tudo que vinha de fora dali... eu só preciso saber porque... talvez se eu souber... talvez ele pare de me perseguir.... esse passado, esse trauma... eu não aguento mais Laura... eu preciso de uma saída.

—Oh, Sara...não há nada que eu possa dizer para fazer isso passar...acredite eu tentei.

—Não me importa...só me diga porquê...

—Sinto muito querida... eu pensei nisso demais... e... só posso dizer que eu não soube amar vocês da forma que precisavam... e eu sinto muito por isso.

O que Sara ouviu foi um pouco diferente do que Laura quis dizer. Por que na verdade, o que Sara mais temia na vida era isso... que ela fosse uma pessoa tão errada, tão quebrada que ninguém, nem ao menos seus pais, pudessem sentir amor por ela. Talvez fosse por isso que Grissom demorasse tanto para entrar em um relacionamento com ela. Porque ela era incapaz de ser amada.

—Eu também sinto muito... foi o que ela conseguiu dizer antes de sair dali.  

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Na tarde seguinte, Laura não encontrou sua filha do lado de fora de sua porta. Não que ela realmente esperasse a presença dela depois de ontem. Mas o coração era um órgão traiçoeiro e queria o que queria.

Ela sabia que havia magoado a filha. Mas como não o fazer? Se dor era o que Laura mais causava àquela menina. Ela sabia desde que vira a morena naquele primeiro dia. Sabia que Sara procurava alguma explicação para os eventos do passado. Infelizmente, Laura tinha lá a sua leitura e não era algo bonito. Ela fizera muita terapia para poder aprender a lidar com toda a dor de seu passado e sofrera para conseguir chegar ao patamar de aceitação em que agora se encontrava. Para Sara percorrer o mesmo caminho, era fato que iria passar por muita dor ainda.

Laura entrou em seu apartamento e estranhou ao não encontrar ali o silêncio de sempre. Em seu lugar havia um barulho de zunido, mas que logo parou. Imaginou estar ouvindo coisas, então voltou a sua rotina. Colocou a bolsa em um banco da cozinha americana e foi até a geladeira para um copo d’água.

Novamente, o barulho de um objeto vibrando. Um celular, talvez? Buscou em sua bolsa pelo objeto, mas não era o dela que tocava. Quando ela enfim guardou o seu, o barulho havia cessado. Para recomeçar logo em seguida.

Curiosíssima, a mulher começou a busca pelo objeto desaparecido. Esquadrinhou o lugar todo, aprumando os ouvidos para localizar o barulho. O fato de agora o objeto tocar incessantemente ajudou.

Laura encontrou o objeto, um celular, como havia imaginado. No visor, o nome G. GRISSOM. Mais uma vez a chamada foi encerrada. Quase 50 chamadas perdidas. Não era difícil imaginar de quem era aquele celular. E pelo fato de todas as chamadas parecerem ser do mesmo número, Laura imaginou ser este o seu futuro genro.

E agora, Laura pensou. O que fazer? Esse homem queria mesmo falar com sua filha. O número de chamadas indicava que ele não tivera contato com Sara por um tempo. Isso causou a Laura enorme angústia. Não fazer contato com Laura era algo esperado. Ela entendia. Mas deixar o próprio noivo sem comunicação...será que algo havia acontecido a ela? Por isso, quando o telefone tocou novamente, Laura não hesitou muito ao atender.

— Sara, meu Deus... ainda bem que você atendeu!-

— Sinto muito, senhor Grissom...aqui quem fala é Laura...

— Oh...

— Senhor Grissom... eu acho que Sara... ela  precisa de você...


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