I - Herdeira da Noite: Êxodo escrita por Elizabeth Charpentier


Capítulo 3
Capítulo Dois




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Haviam se passado dois longos meses após a saída do orfanato e Nyssa não havia evoluído em nada em suas buscas. Andava pela cidade procurando por informações, pessoas que eventualmente pudessem conhecer aqueles dois homens, mas ninguém conhecia alguém chamado Alaric ou Michael Lockwood, nem ao menos haviam visto alguém com as poucas características que Nyssa se lembrava. Isto claramente demonstrava que eles apenas estavam de passagem pela cidade e não passaram muito tempo ali, o que a desanimava exponencialmente.

Em uma rápida na internet não achou nada relevante que remetesse a estes dois nomes, a não ser uma família rica do outro lado do país que, com toda certeza, não se pareciam nem um pouco com os homens que havia visto naquele dia, já que estavam na casa dos setenta anos de idade. Nada de redes sociais, notícias, obituário... Era como se os dois não existissem.

Por enquanto não tinha muitas opções a não ser continuar trabalhando e fazer o que estava ao seu alcance naquele momento. Sobre o trabalho, ela não poderia reclamar nem um pouco, já que, mesmo não sendo o emprego mais fácil e tranquilo que ela poderia ter arranjado, conseguia um bom dinheiro extra com as gorjetas que alguns deixavam todas as noites. Isso garantia o valor do aluguel todos os meses.

— Nyssa, mesa cinco! — ouviu seu nome sendo chamado e saiu de seus devaneios, correndo até a fenda da cozinha e entregando o pedido na mesa correspondente, dando as costas no mesmo momento.

Parou do outro lado do balcão e começou a limpar algumas coisas com pouco ânimo. O movimento sempre ficava baixo perto da meia noite, então não tinha muitas coisas para fazer a não ser ajeitar tudo e ficar esperando alguém chegar. Os únicos clientes naquela hora da noite eram caminhoneiros de passagem ou adolescentes bêbados voltando para casa.

Amélie, a outra garçonete, voltou depois de atender uma mesa e sentou-se na cadeira do balcão, tamborilando os dedos em um sinal claro de tédio e impaciência. Fora o pessoal da cozinha, apenas as duas trabalhavam naquele horário e ficavam até a lanchonete fechar.

— Quer que eu te leve de carro para casa hoje? — Amélie resmungou por conta da mão apoiada em seu queixo, encarando a ruiva que estava prestando atenção na limpeza dos copos – pela segunda vez nos últimos quinze minutos.

— Não precisa Am, não moro muito longe daqui, consigo ir a pé sem problemas.

— A questão não é a distância e sim os desaparecimentos nos últimos dias. Precaução nunca é demais nessa vida.

— Está tudo bem, é sério. Estou dois meses voltando sozinha e nada aconteceu. — Nyssa voltou sua atenção à colega, a encarando. Havia ouvido falar sobre estes tais desaparecimentos, mas isso acontecia em qualquer cidade, não? Se tivesse medo de cada coisa ruim que acontecesse ou pudesse acontecer nunca mais sairia de casa.

— Ainda acho uma ideia ruim, mas vou estar aqui até você deixar de ser suicida.

— Não fale assim. — revirou os olhos pela preocupação exagerada de sua colega, voltando a sua atenção para a organização dos copos.

— Três garotas desapareceram no subúrbio em menos de um mês, Nyssa. Para uma região que quase não tem crimes, é gente demais desaparecendo. — sua voz subiu uma oitava sem perceber por conta de sua indignação, mas tratou de abaixar o tom quando percebeu que os clientes olharam para ela de soslaio.

— Prometo que vou andar com o molho de chaves entre os meus dedos, ok? E qualquer coisa eu posso gritar e sair correndo, sempre tem alguém na rua.

— Desisto. — bufou.

Já era além da meia noite quando atenderam os últimos clientes, limparam toda a lanchonete e finalmente fecharam as portas. Amélie mais uma vez ofereceu a carona, mas Nyssa logo começou a andar em direção a sua casa, gritando que ficaria bem.

Por mais que acreditasse que nada poderia acontecer, segurou o molho de chaves em sua mão, colocando uma entre seus dedos em uma espécie de garra do Wolverine improvisada – e muito menos fatal. Não era a coisa mais segura e eficaz, mas ao menos poderia dar um pouco de tempo para fugir e correr se algo acontecesse. Mas não, nada aconteceria, não podia deixar as preocupações descabidas da colega criarem raízes em sua mente.

Ajeitou a fina jaqueta em seu corpo e esperou pacientemente para poder atravessar a rodovia. Fazia este caminho todas as noites, ida e volta, atravessando a rodovia agitada que atravessava todo o Estado, andava longas quatro quadras que passavam pelo centro industrial para então chegar na quadra da sua casa. Por mais que Sioux Falls fosse bem desenvolvida e a cidade mais populosa de Dakota do Sul, Nyssa não possuía condições financeiras suficientes para alugar uma casa em uma região melhor, se contentando com a parte marginalizada da cidade.

Estava chegando próximo a loja de tacos quando escutou algo quebrando atrás de si, a fazendo pular de susto. Virou na direção do som, encarando a rua deserta e escura, mas não conseguiu ver nada que indicasse que alguém estava atrás dela. Acelerou o passo, apertando a mochila no peito como se aquilo fosse protegê-la de alguma coisa. Talvez tenha sido apenas um gato, pensou, querendo acalmar seu coração que continuava martelando em seu peito.

Chegou na área de estacionamento de caminhões que era ainda mais aberta e deserta do que as ruas anteriores. Acelerou o passo, olhando constantemente sobre os ombros em busca de qualquer sombra suspeita, mas continuava a não enxergar nada além do vazio. Virou na Benson Rod, aliviada por começar a ver as pequenas casas da sua vizinhança, mas ainda precisava andar um pouco para chegar até a sua.

Andou abaixo das árvores, assustando-se com um cachorro ou outro que latia preso às correntes, xingando mentalmente quem os deixava presos na parte da frente das casas como guarda costas. Mais alguns metros e pode vislumbrar sua casa e suspirou aliviada, atravessando a rua rapidamente e desacelerando um pouco o passo.

Há duas casas, uma lâmpada explodiu em um dos postes acima dela, assustando-a novamente. Olhou para o próprio corpo em busca de algum machucado ou rasgo, mas nada. Balançou a cabeça, tirando os cacos de vidro do seu cabelo e bufou, estando completamente no escuro naquele momento.

De repente sentiu a forte sensação de estar sendo observada e correu os olhos ao redor, parando para olhar atrás de si, e novamente não havia nada, apenas os quintais vazios e cachorros, mas aquela sensação estranha ainda estava ali em seu peito. Voltou-se para frente e a figura de uma mulher estava parada na sua frente, a encarando. Nyssa reprimiu um grito, arregalando os olhos. Como ela havia chegado ali?

— Ah, desculpe, não te vi chegando. — falou enquanto suspirava alto, querendo acalmar seu coração. Mesmo que não conhecesse e achasse extremamente estranho uma mulher parar na sua frente do nada, não sentia tanto perigo vindo dela, pior seria se fosse um homem.

A mulher nada disse, a encarando com suas orbes azuis. Seu cabelo estava bagunçado e trajava um pijama fino de seda, deixando à mostra boa parte de sua pele que mostrava alguns machucados e hematomas escuros.

— Você está bem? — perguntou preocupada, mas não ousou chegar perto dela. — Precisa de alguma ajuda?

Ela continuou calada, a analisando. Em um literal piscar de olhos, suas orbes azuis se tornaram um profundo negro e um sorriso travesso esticou todo o seu rosto. Demônio foi o primeiro pensamento que passou pela mente da ruiva, mas mesmo tendo total certeza sobre o que poderia ser feito – infelizmente ela poderia aplicar o que aprendeu nos livros – seu corpo paralisou por inteiro, encarando o breu que seus olhos haviam se tornado.

A mulher permaneceu parada, sorrindo, como se estivesse esperando qualquer reação da garota à sua frente. Seu peito subia e descia levemente, em uma respiração calma e breve, e seus olhos se fixavam em um ponto específico no rosto de Nyssa. Deu um pequeno passo para frente, fazendo a garota dar um passo para trás instintivamente, querendo o máximo de distância possível daquele ser.

Não havia crucifixo, água benta, uma bíblia e seu latim estava enferrujado. Ela estava totalmente desprotegida e vulnerável para o que quer que aquele demônio estivesse planejando para ela naquele momento. O demônio deu mais um passo para frente, fazendo-a ir para trás e sentir suas costas batendo em algo quente, em outro corpo que estava ali apenas esperando. Antes mesmo que pudesse gritar ou sair correndo, braços fortes a circundaram e uma mão abafou sua boca, deixando-a sem saída – de novo. O demônio não estava sozinho e isto era óbvio.

Com um breve suspiro entrecortado pelos dedos em seus lábios, Nyssa entendeu que aqueles seriam seus últimos minutos – seja de vida ou seja de paz e integridade física. Lembrava-se muito bem do que as histórias contavam: sádicos, possuem prazer na tortura e zero consideração pela vida humana, tratando-o apenas como um mero ser insignificante. Por que diabos eles queriam algo com ela? Por que atacá-la no meio da rua, podendo ser vistos por qualquer um? Mas é claro que com a sua falta de sorte, ninguém a veria ali. Devia ter aceitado a carona de Amélie.

A mulher ficou a centímetros do rosto de Nyssa, passando a ponta dos dedos por sua bochecha esquerda, inclinando o rosto levemente para o lado. O hálito quente batia no rosto da ruiva e os olhos negros a hipnotizavam de medo, fazendo seu coração bater cada vez mais forte com a expectativa do que ela poderia fazer.

— Sabe, nós imaginávamos que você seria um pouquinho diferente disto. — seu olhar de desdém percorreu todo o corpo dela, em uma clara feição de nojo. — Talvez eles não estejam tão certos sobre você, afinal. O que uma garotinha indefesa poderia ser a não ser um brinquedinho em nossas mãos? Você...

O demônio foi interrompido pelo barulho alto de pneus derrapando no chão atrás deles. Ela encarou o que quer que estivesse atrás, esboçando um largo sorriso enquanto encarava os dois homens saindo daquele carro velho.

— Larga ela. — o mais novo gritou em direção ao demônio enquanto o mais velho se preparava para jogar uma garrafa de água benta naquele brutamonte que segurava a ruiva.

— Vocês não estão cansados de se meterem onde não são chamados? — a mulher vociferou, depositando a sua atenção nos dois caçadores a sua frente. Deu um pequeno passo para frente, enrolando uma das mechas ruivas de Nyssa entre seus dedos.

Antes que pudesse ordenar ao seu lacaio que desaparecesse com a garota, o caçador mais velho jogou a garrafa de água benta em seu rosto, fazendo-a se contorcer pela dor excruciante de sua pele queimando e se desmanchando. Soltou um grito irritada, sentindo os respingos da água benta que foi jogada contra o outro demônio.

Nyssa sentiu o aperto em seu corpo se fechando ainda mais antes que a soltasse. Se não fosse pelo reflexo rápido de suas mãos, teria caído de cara no chão já que suas pernas estavam fracas pelo pavor. Virou-se a tempo de ver um homem alto esfaquear os dois demônios que se iluminavam em uma estranha luz alaranjada. O chão estremeceu segundos antes dos corpos atingirem o chão em um som seco.

Sua respiração saía forte de seu peito e seu coração parecia que saltaria a qualquer momento. Continuou encarando os corpos sem vida sem prestar qualquer atenção nas duas figuras – e aparentemente humanas – que recolhiam as coisas e viam em sua direção. Depois de alguns instantes que pareceram horas, piscou os olhos algumas vezes e ergueu o olhar, tendo um pouco de dificuldade para enxergar quem estendia a mão para ela. Aceitou um pouco receosa, impulsionando-se para levantar.

— Você está bem? — o mais alto perguntou.

Com o som da voz rouca, uma memória surgiu na mente de Nyssa como um gatilho e ela encarou os olhos esverdeados daquele que havia a salvado mais uma vez. Michael Lockwood. O mesmo homem que havia salvo anos atrás e que estava em busca desesperadamente. Quase riu pela extrema coincidência.

— Ah, eu acho que sim. — sua voz saiu fraca enquanto se levantava com dificuldade. Suas pernas tremiam um pouco mais, mas os músculos ainda indicavam que precisavam de descanso. — O que foi isto? — sussurrou para si mesma.

— Onde você mora? Podemos te levar até lá. — Michael perguntou ainda em um tom calmo, mas o barulho alto do porta malas fechando a lembrou de que não estavam sozinhos.

— Claro, eu agradeceria.

Mil coisas passavam por sua cabeça enquanto andavam de forma calma até sua casa, sentindo os passos pesados de Alaric atrás deles. Ainda não havia dito nada sobre conhecê-los, e nem ao menos sabia como fazer isso. Passou a vida inteira imaginando como seria esse momento, mas nunca havia planejado o que dizer, o que fazer ou qualquer outra coisa, então quando Michael a deixou na porta de sua casa, ela segurou-o pelo braço.

— Obrigada, de verdade. Se vocês não tivessem chegado, com toda certeza eu teria sido morta por aquele demônio ou qualquer outra coisa ruim que quisessem fazer comigo. — uma risada fraca saiu de seus lábios por puro nervosismo e começou a brincar com a barra da jaqueta. — Seria pedir demais que vocês entrassem um pouco?

— Você sabe o que era aquela coisa? — Alaric falou pela primeira vez, dando um passo para frente e ficando ao lado de Michael.

— É, eu sei sim, e não é a primeira vez que vocês me salvam de alguma coisa sobrenatural. — decidiu contar, por fim. As feições dos dois ficaram ainda mais confusas do que antes, mas não falaram nada. — Olha, eu sei que é estranho, mas eu planejo falar com vocês há anos, só não dessa forma.

Alaric foi o primeiro a esboçar qualquer reação.

— Olha garota...

— Nyssa.

— O quê?

— Nyssa, meu nome é Nyssa.

— Tanto faz, não importa. Nós salvamos muitas pessoas no nosso trabalho, é normal ter alguém espalhado por aí.

— Só entrem e me escutem, 'tá legal? Tenho algumas cervejas na geladeira, caso isso compense por algo que fizeram por mim agora pouco.

— Ok, me venceu, mas temos pouco tempo.

Depois que Alaric terminou uma das garrafas de cerveja, Nyssa se ajeitou na velha poltrona.

— Como você sabia que aquilo era um demônio? — Michael perguntou.

— Depois que vocês me salvaram, digamos que vocês acenderam a minha curiosidade sobre esse assunto e a biblioteca da Igreja tinha os mais diversos livros que vocês podem imaginar, então passei os últimos anos estudando sobre tudo, fantasmas, demônios, anjos, vampiros... — falou tudo em apenas um fôlego. — Mas eu também queria encontrar vocês e agradecer pelo que fizeram e tentar achar uma forma de recompensar vocês. Então saí do orfanato e fui em busca de vocês, mas não imaginei que encontraria vocês nessas condições.

— Você não precisa nos compensar sobre o que aconteceu anos atrás, este é o nosso trabalho e não queremos nada em troca. — informou Michael, calmo.

— Mas eu quero dar algo em troca. — sua voz subiu algumas oitavas e pigarreou para disfarçar. — Eu sei muitas coisas, coisas que as pessoas "normais" não sabem, e eu queria me juntar a vocês de alguma forma, trabalhar para vocês, matar essas coisas... E também quero descobrir o porquê destas coisas estarem atrás de mim e sozinha não conseguirei fazer isso.

— Então quer dizer que depois que salvamos você, você foi em busca de qualquer informação que houvesse sobre seres sobrenaturais? — perguntou Michael, um pouco incrédulo. — E agora está querendo caçar e matar essas coisas conosco, mesmo sem nos conhecer ou saber qualquer coisa sobre como usar uma arma, realizar um exorcismo ou lutar? — Nyssa revirou os olhos. Ele estava simplesmente repetindo tudo o que ela havia dito antes.

— Nós batemos sua cabeça quando te salvamos ou quando você era bebê? Porque não tem ninguém neste mundo que seja normal que anseie isso. — exclamou Alaric.

— Então digamos que não sou normal. — sorriu amarelo para ele. — Eu não tenho qualquer chance nesse mundo enorme de ter uma vida normal, eu estou sozinha aqui e a única coisa que me imagino fazendo é indo em busca dessas coisas. Não importa o que eu vá fazer no começo, posso passar informações sobre as coisas que vocês caçam — usou o termo que haviam me dito antes com um pouco de incerteza — e ajudar vocês ou posso simplesmente ficar no carro enquanto vocês estão lá dentro, não me importo, mas quero participar disso. — falou com convicção. — Caso não me aceitem, eu terei que me virar e caçarei essas coisas sozinha.

— Nada disso é simples, Nyssa. Quando se entra nesse tipo de mundo, nunca mais consegue sair dele.

— Aparentemente eu já estou nele. Aquele demônio disse como se me conhecesse, como se algo a tivesse mandado atrás de mim, e ainda houve o ataque anos atrás... Se eu estiver sozinha, as chances são bem maiores de que eu acabe morta. — sabia que estava exagerando um pouco, mas precisava apelar para qualquer coisa que os convencesse.

Os dois se encararam por alguns instantes e suspiraram.

— Nós podemos pensar sobre isso, mas não podemos garantir nada a você.

— Sam, é melhor não...

— Sam? O nome de vocês não é Alaric e Michael Lockwood?

— Nesse meio não usamos nossos nomes verdadeiros sempre. Somos Sam e Dean Winchester. 

 


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