I - Herdeira da Noite: Êxodo escrita por Elizabeth Charpentier


Capítulo 2
Capítulo Um




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/803030/chapter/2

Enquanto terminava de se arrumar em frente ao pequeno espelho do banheiro compartilhado, ouviu seu nome sendo chamado no andar de baixo com uma certa irritação e insistência. Amarrou seus cabelos ruivos em um rabo de cavalo alto, soltando alguns fios ao redor de seu rosto para emoldura-lo e desceu as escadas rapidamente, dando de cara com a irmã Sophie a esperando no último degrau.

— Nyssa, pensei que nunca mais sairia da cama. — repreendeu-a.

— Desculpe, não estou conseguindo dormir muito bem nas últimas noites e acabei acordando um pouco mais tarde. — confessou, postando-se ao lado da irmã enquanto andavam em direção a cozinha em passos calmos.

— Você precisa de acalmar, querida. Os próximos dias poderão ser bem conturbados, o ideal é sair com a cabeça limpa daqui e descansada.

— Tem razão, mas minha mente adora não fazer o que eu quero. — brincou.

— É natural do ser humano, mas você precisa aprender a lidar com ela antes que acabe tomando controle de suas decisões.

Chegando na espaçosa cozinha, Nyssa e Sophie encontraram as demais garotas conversando enquanto ajeitavam tudo o que era preciso para o café da manhã, andando de um lado para outro com diversos utensílios no colo. A ruiva andou ao encontro de Melissa que estava coando o café e se apoiou na bancada.

— Animada para seu aniversário de dezoito anos? — perguntou quando reparou a presença da ruiva.

— Sinceramente? Eu queria que demorasse um pouco mais. — disse um pouco cabisbaixa. — Não quero ter que sair daqui e me desligar de vocês.

Eram um pequeno orfanato nos subúrbios de Sioux Falls, em Dakota do Sul. A Igreja local acolhia aqueles que eram menores de idade e que por algum motivo não estavam sob a guarda de qualquer responsável legal — em linhas gerais, órfãos. A cidade os ajudava com doações e caridade enquanto as freiras cuidavam de todos e de sua educação, na medida do possível. Por mais que não tivessem qualquer ligação sanguínea, consideravam-se como uma grande e bagunçada família.

Nyssa não possuía qualquer memória ou documento que indicasse quem seriam seus pais biológicos ou de qual cidade veio. Irmã Sophie a encontrou na beira da estrada, desnorteada e sem lembranças, sem qualquer documento ou foto a acompanhando. Estimaram que poderia ter cerca de doze anos por conta da sua estatura física, mas ninguém sabe como aconteceu, como chegou até lá e desde o acolhimento, há quase seis anos, ninguém buscou por ela ou deu como desaparecida.

— Heei, terra chamando Nyssa. — Melissa a chamou balançando as mãos na frente da garota que se encontrava com o olhar fixo na chaleira. — Você está um pouco longe nos últimos dias, está tudo bem? — olhou-a preocupada, aproximando-se um pouco mais.

— Não se preocupe comigo, eu apenas estou nervosa sobre como serão os próximos dias.

Respirou fundo e olhou em seus olhos. Queria dizer a ela o real motivo por estar tão nervosa com sua saída do orfanato, mas não podia. Aliás, quem acreditaria ou não a chamaria de louca por querer ir em busca de dois estranhos que salvaram a sua vida anos atrás? Ter como um dos objetivos de vida ir em busca de duas pessoas que provavelmente não se lembravam de sua existência era no mínimo problemático.

— Estou bem. — disse por fim. — Vamos logo, as meninas estão esperando.

Sentaram-se à mesa e começaram a comer o simples banquete que haviam preparado. Todos estavam extremamente simpáticos e receptivos naquele dia enquanto tomavam o café da manhã juntas, parabenizando-a por enfim estar saindo do orfanato e seguir seus próximos passos rumo ao futuro, como elas mesmo disseram.

Dali dois dias completaria dezoito anos; o dia em que foi encontrada na beira da estrada e escolhido como a comemoração de seus anos. E como era costume e regra da Igreja, quando o órgão ganha maturidade e idade suficiente – e infelizmente nem sempre andavam juntos – eles resolveram "entregá-los ao mundo".

Nyssa já possuía um plano e um lugar para ficar. Possuía uma proposta de emprego como garçonete em uma das lanchonetes perto da rodovia e, se tudo desse certo, seria suficiente para pagar o aluguel de uma casinha barata em um bairro afastado de Sioux Falls. Infelizmente sem qualquer experiência ou formação além do Ensino Médio não conseguiria nada melhor por enquanto, mas seria o suficiente para iniciar as suas buscas.

(...)

— Você promete que não vai sumir? — Melissa sussurrou entre as cobertas, com receio de que as outras acordassem.

— É claro que não vou, não conseguiria deixar você para trás como num passe de mágica. — entrelaçou suas mãos e trouxe até o peito, como se estivesse a abraçando. — Podemos conversar por e-mail, ligação, você poderá ir até a lanchonete de vez em quando se tudo der certo... Temos jeitos de fazer dar certo.

Melissa sorriu, sentindo o calor em suas mãos. Desde que Nyssa havia chegado ao orfanato, as duas criaram uma ligação indiscutível e se tornaram amigas e confidentes desde o primeiro momento. Por mais que Nyssa tivesse um bom relacionamento com os outros órfãos, nada se comparava a amizade das duas, e esse era um dos motivos por ela sentir tanto pesar em ir embora, mas sabia que não era para sempre. Melissa era apenas um ano mais nova do que a ruiva e logo também poderia se juntar a ela.

— Promete também que contará tudo para mim, até se acontecer alguma coisa estranha? — Melissa a olhou profundamente e séria, como se entendesse que algo a mais aconteceria com a saída de Nyssa e por mais que tivesse se surpreendido com a pergunta, Nyssa assentiu enquanto sorria. Entendia a sua preocupação e não daria muitas brechas para preocupa-la sem motivos.

— Isso me deixa satisfeita, por enquanto. — frisou. — Eu te amo. — sussurrou.

— Eu também te amo.

(...)

Havia chegado o dia de sua saída. Todas as Irmãs e órfãos estavam no hall de entrada para se despedirem, desejando sorte em sua nova vida enquanto a abraçava. Depois de alguns minutos de abraços e choros, Nyssa foi em direção aos portões da Igreja. Olhou para trás e suspirou, encarando todas acenando para ela. Andou em passos calmos, segurando firmemente a alça de sua bolsa que levava todos os seus pertences, e saiu em direção à rua.

Andando para seu novo futuro, não podia deixar de lembrar o que a motivaria a partir dali e tudo o que acontecera.

Há cerca de três anos o Padre regente foi assassinado em uma espécie de ritual macabro. Ninguém soube o que aconteceu, quem fez isso ou porquê, e todos ficaram assustados com o que houve, por óbvio. Contudo, dois agentes chegaram até a Igreja pouco tempo depois perguntando sobre o suposto homicídio e investigando o local. Eles estavam interessados demais e pareciam saber mais do que a polícia ou qualquer outra pessoa ali, mas não falaram nada sobre o ocorrido.

Dois dias depois alguém ateou fogo em uma das alas do orfanato, especificamente onde Nyssa dormia. Acordou com o fogo já perto de sua cama, não deixando qualquer saída. Mesmo com todo o pavor daquele momento, lembrava claramente de ter visto uma silhueta entre o fogo parada, como se estivesse encarando a garota, mas não teve tempo suficiente para que pudesse pensar direito ou conseguisse ver alguma coisa além da sombra, já que um dos irmãos arrombou a porta do quarto e a tirou dali, salvando sua vida.

Ela lembra muito bem de seus nomes. Alaric e Michael Lockwood. Um nome diferente e rebuscado para as pessoas que moravam naquela cidade, mas bonito. Na noite em que houve o incêndio eles gritavam sobre coisas estranhas como demônios, fantasmas e ataques. Aquilo tudo parecia estranho para ela, mas desde aquele dia havia decidido que iria em busca de saber sobre aquelas coisas – afinal, quase havia sido morta por uma, aparentemente – e achar os irmãos Lockwood novamente.

Qualquer pessoa a chamaria de louca por acreditar naquilo que eles diziam ou ainda mais por querer ir atrás de duas pessoas desconhecidas, mas precisava daquilo, precisava entender o que havia acontecido e porque justamente onde morava.

Desde então reservou parte do seu tempo para ler diversos livros, artigos e qualquer fonte que existisse sobre aqueles seres sobrenaturais. Por sorte, a biblioteca da Igreja prezava pelo conhecimento – mesmo que um pouco diverso e contraditório com aquilo que pregava – e possuía diversos livros sobre o assunto. Cada fonte, cada relato, imagem ou símbolo indicavam a ela que tais coisas ou seres realmente poderiam existir. Estudou-os durante estes três anos afincos e estava convicta de que precisava ir atrás daqueles dois homens.

A coisa mais complicada do seu plano é de que não sabia absolutamente nada sobre eles além de seus nomes – isso considerando que fossem seus nomes reais. Havia uma pequena e mínima chance de morarem em Sioux Falls, mas também havia a chance de estarem apenas de passagem, pois nunca mais os viu pela cidade, porém isto não iria desanimá-la em achá-los.

Voltou a prestar atenção no caminho, segurando-se firmemente em suas esperanças de que tudo daria certo. Seu primeiro destino seria o seu novo emprego, queria ir para lá o quanto antes para garantir a sua vaga. Não era muito longe da Igreja e por isso não demorou mais do que quinze minutos para passar pelas portas da lanchonete.

— Olá! — cumprimentou uma das garçonetes que estava no balcão. — Sou a nova garçonete, Nyssa, e gostaria de saber se está tudo certo e quando posso começar a trabalhar.

— Ah sim, Christine avisou que você poderia vir hoje. Espere um pouco aqui. — apontou para uma das cadeiras do balcão e se dirigiu a uma fenda na parede que dava até a cozinha, conversando com alguém ali. Minutos depois uma outra mulher andou até o balcão sorrindo em sua direção.

— Olá, sou Christine, serei sua chefe enquanto você trabalhar aqui. — estendeu sua mão em direção a ruiva, cumprimentando-a. — Soube que saiu do orfanato hoje... Gostaria de começar a trabalhar quando? — olhou sugestiva.

— O quanto antes melhor. Se quiser, posso começar agora mesmo.

— Tudo bem! Venha comigo. — Christine andou até uma porta no canto esquerdo e Nyssa a seguiu.

Ela abriu uma porta nos fundos da lanchonete e andou pelo estreito corredor até alguns armários de metal. Nyssa conseguia ouvir toda a agitação da cozinha ao seu lado, bem como o vapor quente, então sabia que não estava muito longe dela. Christine abriu um armário e deu a pequena chave do cadeado.

— Aqui será o seu armário, poderá guardar suas coisas aqui juntamente com seu uniforme e objetos pessoais. — apontou para o espaço vazio e pegou um avental azul que parecia dar em seus joelhos. — Como você veio direto para cá, poderá apenas usá-lo, mas nos outros dias peço que use também uma camiseta azul e um jeans preto para ficar padrão com as outras meninas. Você ficará encarregada de anotar e entregar os pedidos, tanto no balcão quanto nas mesas, tudo bem? Qualquer dúvida que tenha as outras meninas podem te ajudar. — suspirou. — Vou deixar você se arrumar em privacidade, te encontro lá fora. — informou e logo saiu do pequeno espaço.

Nyssa jogou sua mochila no armário designado e fechou o cadeado, deixando a chave no bolso do jeans para não perdê-la. Amarrou seu cabelo até o topo de sua cabeça em um rabo de cavalo alto e ajeitou o avental de seu corpo, voltando para o interior da lanchonete. 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "I - Herdeira da Noite: Êxodo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.