I - Herdeira da Noite: Êxodo escrita por Elizabeth Charpentier


Capítulo 17
Capítulo Dezesseis




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Às vezes ela se perguntava o que poderia haver na outra vida — isso se houvesse outra vida além daquela que ela conhecia. Pensava se iria para um lugar calmo, limpo, bonito em que pudesse descansar do lado daqueles que ela chegou a amar algum dia. Ou se seria torturada e esfolada por toda a eternidade, se tornando tão mal quanto aqueles que torturam. Se questionava, além de tudo isto, se tudo o que lia ou ouvia sobre céu e inferno era verdade. Afinal, depois de tudo o que descobriu nos últimos meses, começou a questionar tudo aquilo que foi ensinado a ela desde criança.

Mas naquele momento tudo estava preto para ela. Ela não sentia seu corpo, não ouvia mais a voz de Sam ou de Dean a chamando, nem mesmo sentia a respiração pesada e dificultosa de antes. Não havia fogo ou o som de pássaros cantando. Parecia que estava em um limbo eterno, sem poder se mexer ou sentir, respirar ou enxergar.

Torcia tanto para que Castiel chegasse a tempo e a salvasse daquilo, da dor e do medo, mas no fundo, percebeu que ele não chegaria. Quando apagou, não ouviu o característico bater de asas que sempre ouvia quando ele estava chegando.

Não conseguia entender se aquele era o fim ou não. Sua mente dava voltas e voltas, tentando entender o que estava acontecendo ali, mas sempre voltando para o mesmo tempo, ainda mais confuso.

Talvez aquele anjo realmente tenha feito o que queria. A grande salvadora perdeu para algumas sombras. Como ela poderia lutar contra Deus, o ser mais poderoso que existe, se nem ao menos havia conseguido sobreviver aquilo? Não havia sido capaz nem de ao menos proteger os outros.

Alguns murmúrios ao longe. Um pensamento melancólico passou por sua mente, imaginando que aquilo seriam outras almas presas no limbo, assim como ela. Se tornaram mais altos e nítidos, e pode reconhecer que eram a voz de três homens, mas não conseguia ligar com seus donos. Conseguiu perceber apenas que pareciam preocupados com algo, nervosos.

Uma luz fraca acendeu a sua frente, pequena e longe. Piscou algumas vezes, tentando acreditar que aquilo não era algo criado por sua mente, mas a luz não desaparecia. Deu um passo à frente, depois outro e outros, chegando cada vez mais perto. Quanto mais chegava perto, mais via uma forma entre as luzes. Logo a figura de uma porta se formou à sua frente. Apressou o passo e girou a maçaneta, a abrindo. A luz ficou ainda mais forte, a cegando.

Sentiu algo quente em seu braço direito e algo acolchoado em suas costas, a mantendo deitada e confortável. As vozes se tornaram mais nítidas ao ponto de reconhecer Dean, Sam e Castiel conversando, aparentemente, ao seu redor. Abriu seus olhos lentamente e a viu em seu quarto. Sentiu uma respiração aliviada ao seu lado, mas a sua frente via apenas Dean e Sam, percebendo segundos depois a figura de Castiel ao seu lado.

— Enfim você acordou! Pensamos que os super poderes do anjo não haviam funcionado. — Dean comemorou, sentando na beirada da cama, próxima a ruiva. — Você nos deu um belo susto.

Nyssa se sentou na cama, vendo que a ferida em sua barriga não existia mais. Suas roupas estavam limpas e trocadas, e corou com a possibilidade de um dos três a ter visto nua. Se apoiou na cabeceira da cama e olhou para os três.

— Tá todo mundo bem? — perguntou.

Sam revirou os olhos e assentiu.

— Bobby teve que ser curado por Castiel também, está bem agora. — explicou.

— O que aconteceu? — perguntou, olhando para Castiel. — Você disse que nada poderia acontecer comigo, mas no fim, quase morri.

Castiel a olhou com pesar, mas logo desviou o olhar. Esfregou a palma de suas mãos, uma contra a outra, e respirou fundo, parecendo decidir se dizia ou não. Aquilo a estava deixando nos nervos.

— É tão ruim assim que você não quer me contar? — sussurrou.

— Não. — Castiel murmurou. — Porém é algo que não depende de mim ou de qualquer pessoa, apenas de você.

— Como assim? — perguntou confusa.

— Há mais uma etapa que você precisa passar em sua transição. Aquele ritual com Banshee foi apenas para ativar parte de seus poderes e de suas habilidades, apenas para você ter conhecimento deles e treiná-los. Porém, essa segunda etapa depende de seu desenvolvimento mental.

— Por que não me disse antes? Foi por isso que eu não consegui me curar ou coisa parecida?

Assentiu.

— Quando você completar a transição, você mudará drasticamente. Não sei exatamente para que forma ou jeito, mas a partir do momento, você estará plena em suas habilidades, em sua mente e corpo. — respirou fundo. — Não a contei antes porque decidimos que seria melhor se você descobrisse sozinha, se fosse algo que viesse naturalmente de você, mas temos que tomar medidas extremas a partir de agora, principalmente depois de saber que Deus está usando até mesmo criaturas das trevas para tentar machucar você.

A ruiva suspirou. Ledo engano ter pensado que não passaria por outro ritual.

— Como depende apenas de mim? Eu terei que fazer sozinha?

— Sim. Porém, será de uma forma totalmente diferente do que aconteceu com Banshee. Você terá que entrar em sua mente, em seu subconsciente e se direcionar para uma parte dela que ativará sua essência por completo. Mas ninguém sabe que parte em específico é. Fará isso a partir de uma espécie de meditação, apenas um pouco diferente da que os humanos praticam.

— Ah, maravilha.

Nyssa sentia seu corpo cansado, então se virou para o lado e se enrolou nas cobertas. Claro que parte daquela atitude era seu descontentamento com a sua nova "descoberta" - já estava cansada de ser uma cobaia na mão dos anjos -, mas preferiu se manter calada. Dean e Sam saíram do quarto sem falar nada, enquanto Castiel permaneceu sentado ao seu lado, com as mãos depositadas ao lado de suas pernas. A ruiva estranhou sua atitude, já que normalmente ele era o primeiro a sair em qualquer situação.

Permaneceu virada para o outro lado, mesmo com a pequena movimentação da cama atrás de si. Sentiu a mão do anjo acariciando seu cabelo levemente e seu coração deu um salto. Não ousou olhar para cima, sabia que seu rosto estava avermelhado, principalmente com a queimação. Era tão estranho como o seu corpo se comportava quando estava perto dele e ela não se cansada de pensar nessas coisas. Uma palavra passou por sua mente, mas seria tão contraditório e impossível. Um ser que foi criado para destruir Deus se apaixonar por uma criatura do senhor. Bufou. Provavelmente era apenas coisa de sua própria mente criativa.

— Por que demorou tanto para chegar quando Dean de chamou? — perguntou quando o silêncio se tornou ainda mais desconfortável.

— Depois que você tomou conta de seus poderes, minha vida se tornou um pouco mais complicada lá em cima. — suspirou. — Aqueles que confiam cegamente em Deus têm uma atitude um pouco agressiva àqueles que te apoiam, Nyssa. Nada do que eu já não tenha passado, contudo ocupa um pouco meu tempo.

Sentou-se e olhou para ele.

— As vezes esqueço desta parte de que você poderia estar sofrendo com isso também. Penso que me tornei mais um problema do que uma solução para vocês. — lamentou.

— "Para toda ação existe uma consequência", não é isso que dizem? — ele a olhou divertido. Nyssa achava engraçado quando ele tentava falar coisas mais "humanas", porque ela conseguia ver claramente o esforço e divertimento nos olhos de Castiel. — Todos sabíamos que quando você aparecesse as coisas complicariam, mas quando conseguirmos alcançar nosso objetivo, tudo terá valido à pena.

— Espero que eu consiga. Tenho tanto medo de falhar, porque eu sinto que se eu falhar, algo terrível vai acontecer.

— Acredite em você mesma Nyssa. Pare de se julgar tanto. No final tudo dará certo.

Castiel acariciou a bochecha da garota levemente, olhando fixamente em seus olhos. Timidamente, Nyssa analisou seu rosto. Sua pele alva brilhava levemente com a luz do abajur, seu maxilar estava levemente tensionado, mostrando um pouco de sua estrutura óssea e seus olhos verdes pareciam analisá-la profundamente. Seu coração acelerou consideravelmente e parou de respirar por um momento. Definitivamente ele estava agindo de uma forma diferente.

— Castiel... — sussurrou.

Tentou achar uma posição mais confortável na cama, mas estava tão nervosa que seus músculos a retesaram, a incomodando.

— Nyssa!

O grito no andar de baixo a assustou, fazendo-a pular no lugar. Olhou para a porta instintivamente e depois voltou seu olhar para o lado. Castiel havia desaparecido. De novo.

(...)

— O que você quer, Dean? — perguntou mal humorada enquanto descia as escadas.

— Eita, que bicho te mordeu garota? — Dean riu. — Eu ia te pedir para fazer uma daquelas lasanhas que eu adoro, Sam passou na mercearia enquanto você estava desacordada e abasteceu a geladeira. Mas já que você está assim...

— Não, tudo bem, eu faço. — sorriu. — Só não se acostume com a mordomia.

— Tarde demais.

Nyssa foi em direção a cozinha e começou a revirar os armários, pegando tudo o que precisaria. Seria uma boa coisa para esfriar a cabeça e mantê-la ocupada. Apesar de que cada espaço de tempo sua mente estava sendo preenchida pelo que havia acontecido em seu quarto minutos atrás. Ela podia jurar que ele resolveria beijá-la, mas infelizmente ela nunca saberia, ou ao menos não tão cedo, por conta da boca grande de Dean. Ela sentia uma certa raiva, mas sabia que ele não tinha culpa. Bufou. Estava criando esperanças para nada.

— Nyssa. — Sam entrou na cozinha a chamando.

— Fala Sam.

— Aquilo que Castiel falou mais cedo, sobre acessar seu subconsciente para finalizar a transição... Você pode tentar isso a partir da meditação e, se você aceitar, posso te ajudar com isso. Na época da faculdade eu meio que gostava dessas coisas e aprendi um pouco de tudo, quem sabe isso facilite para você.

— Obrigada Sam, de verdade. — sorriu. — Com toda certeza vai me ajudar, porque eu não sei absolutamente nada sobre isso ou como e o que fazer. Apenas conheço aquela posição em que vocês ficam no chão quando estão meditando, de resto, nada. Então com toda certeza eu aceito a sua ajuda, se não for atrapalhar. — Sam riu e balançou a cabeça, sentando-se na cadeira. — Como Bobby está?

— Dormindo. Como ele mesmo disse, não tem mais o mesmo pique para lutar contra monstros. Ou com qualquer um.

— Às vezes tenho receio de abandoná-lo por conta disso, ele fica sozinho aqui e não tanto reflexo quanto nós.

— Não deixe que ele te escute falando isso, ele vai querer você. Ele é um cabeça dura, mas sabe se defender bem, apenas não tem o mesmo físico de antes.

Continuaram conversando enquanto Nyssa terminava de preparar a lasanha. Sempre gostava de conversar com Sam, principalmente porque ele foi um dos únicos que por mais tempo teve uma "vida normal" entre os três ali. Foi ele quem conseguiu dar um tempo nas caçadas, se afastar de tudo e viver uma vida normal, com faculdade, namorada, apartamento, então ele conseguia conversar sobre coisas que não envolvessem o sobrenatural.

— Você nunca namorou? Nem mesmo beijou alguém ou se apaixonou? — Sam perguntou curioso, depois de alguns minutos em que conversaram sobre relacionamentos.

— Não. Havia uma regra bem rígida no orfanato: sem namoros ou encontros. E como vivíamos basicamente no orfanato, não tínhamos contato com outros garotos e nem tive a oportunidade antes. Mas provavelmente você e Dean tiveram muitas oportunidades com garotas. — riu, sabendo que Dean era o garanhão, que sempre adorava contar as histórias das garotas que encontrava durante as caçadas.

— Apenas algumas vezes e elas não deram tão certo. — fez uma careta. — Prefiro não me ligar a alguém ou apenas "abusar" de alguma mulher, como Dean faz às vezes. Sempre aconteceu algo ruim quando me relaciono sério com alguém.

— Sinto muito.

— Tudo bem. Essas coisas já aconteceram faz muito tempo, não é tão ruim agora.

— Bom... Temos quarenta minutos, o que acha de subirmos e você me ensinar um pouco sobre meditação? Ao menos o básico.

— Claro, vamos.

Subiram para o quarto de Nyssa e esticaram dois edredons em frente a cama, onde havia mais espaço, e se sentaram em cima.

— Eu aprendi apenas o básico, mas dizem que são coisas importantes para que a meditação ocorra. Você pode cruzar as pernas, com uma na frente da outra e encontrar uma posição que seja confortável para você. Deixar sua coluna ereta, mas de uma forma que ela fique confortável e relaxada, nada muito retesa. Apoiar suas mãos em seu colo, palma acima de costas e relaxadas. — a maneira em que Sam dizia, a ruiva comandava seu corpo a fazer as ações. — Mantenha a cabeça reta, não a deixe abaixada ou levantada, assim seu pescoço não vai se cansar. Deixe seus olhos ligeiramente abertos, parados em um ponto qualquer à sua frente, mas sem muito foco. Inspire pelo nariz e expire pela boca, concentrando-se na eliminação de toxinas. Faça isso até se sentir totalmente relaxada. Esvazie sua mente, concentre-se em si mesma e esqueça qualquer pensamento ou problema ao seu redor.

Por mais que fossem muitas coisas ao mesmo tempo, Sam falava de uma forma calma e esperava que a garota fizesse o que ele estava dizendo para então continuar. Nyssa inspirou fundo e expirou, repetindo algumas vezes, contando cada uma delas, até seu corpo começar a relaxar. Tentou ao máximo esvaziar a sua mente, mas essa parecia ser a etapa mais difícil; muitas coisas passavam em sua cabeça, como a transição, Castiel, Deus e todos os outros problemas forçavam o fluxo de seus pensamentos, todos de uma vez só. Demorou para que ela pudesse relaxar completamente e o fluxo de pensamentos diminuísse, até se tornarem cada vez menos frequentes.

Perdeu a noção do tempo e há quanto tempo estava naquela posição, mas seu corpo não estava incomodado com a pressão no chão ou sem o apoio em suas costas. Por mais que sentisse cada centímetro de sua pele encostando no edredom, ou a sensação em suas mãos na calça que vestia, aquele não era o foco de sua mente. Sua concentração estava em tentar buscar algum ponto em sua mente que pudesse se fixar.

A partir de certo momento, não sabia dizer ao certo quando, começou a sentir uma pressão diferente em seu corpo, como se sua pressão estivesse baixando, mas sem o característico enjoo e dor de cabeça. Sua pele pulsava, como se algo estivesse tentando sair de dentro dela, sua mente dava algumas voltas, por mais que permanecesse parada no lugar. Sua visão começou a criar forças abstratas à sua frente, juntando cores, contrastes, formas, formando um caleidoscópio ao seu redor. Olhou em direção à Sam e a forma de seu corpo estava colorido, assim como todo o quarto, e as linhas dançavam para todos os lados.

Depois de algum tempo assim, as formas se juntaram e as cores mudaram, mostrando novamente o seu quarto, mas desta vez Sam não estava mais ali.

Olhou para os lados e não havia nenhum sinal dele, nem mesmo de sua colcha no chão. Se levantou rapidamente, ficando um pouco tonta por ter feito isso rápido demais para sua pressão aguentar. Saiu do quarto e percebeu que tudo estava silencioso e escuro, parecendo já ser noite. Desceu as escadas e não havia ninguém, nem mesmo o forno estava ligado. Estranhou. Havia algo diferente no ambiente, mas não conseguia entender o que era.

Andou por todos os cômodos da casa e nada, não havia sinal de que alguém havia estado ali. Foi até a porta da frente e assim que tocou a maçaneta com uma de suas mãos, sentiu seu corpo sendo puxado violentamente para trás. Fechou os olhos, esperando pelo baque de cair no chão, mas ele não veio. Pelo contrário, sentiu que algo pressionava suas pernas, como se estivesse sentada, e abriu seus olhos, vendo Sam a sua frente novamente.

— Mas o quê...

— Conseguiu? — Sam perguntou.

— Não sei, não faço a mínima ideia do que aconteceu.

— Acho que você terá que treinar um pouco mais para entender, é assim mesmo. Venha, Sam já desligou o forno. — falou já se levantando.

— Já se passaram os quarenta minutos? — ele assentiu. — Que estranho, parece que se passaram apenas dez.

— Esse é um dos efeitos. Você acaba se concentrando tanto em si mesma que não se preocupa com o que aconteceu ao seu redor e não percebe a passagem de tempo.

— Ah, que estranho.

Se levantou e esticou seu corpo. Suas pernas estavam um pouco doloridas por ficar na mesma posição por tanto tempo, mas seu corpo estava um pouco mais relaxado do que antes. Mesmo com toda a concentração e calmaria, os problemas vieram com tudo em sua mente novamente. 

 


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