1812 — Interativa escrita por Holtzmann


Capítulo 22
Capítulo XX


Notas iniciais do capítulo

Hello! Ainda posso aparecer sem correr o risco de ser cruelmente apedrejada?
Me perdoem o sumiço, mas ultimamente venho me sentindo um tanto desanimada com a escrita de modo geral - muita coisa rolando nessa vida de meu Deus, quase dando uma coringada aqui ( e nem é meme ). De todo modo, finally tomei vergonha de terminar esse capítulo que já estava semiacabado há algum tempo e vim postá-lo. Vou estar respondendo os comentários de vocês essa semana, e peço que vocês encontrem alguma maneira de perdoar essa autora fajuta de vocês XD
Anyway, fiquem com o capítulo!



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1812.

 

As primeiras impressões de Khaleesi, quando acordou, foram de calor e de conforto.

Ela certamente havia tido sua melhor noite de sono em muito, muito tempo. Talvez o transtorno da noite anterior tivesse a exaurido de tal modo que a derrubara. E então, à medida que ia despertando, outras impressões atropelaram esta. A primeira delas foi que seu nariz estava pressionado contra um peito nu, que subia e descia no ritmo constante da respiração de seu dono. O calor matutino que aquele corpo emanava a envolveu e a fez desejar se aproximar mais, apesar de já estar assustadoramente perto.

Khaleesi nunca tinha dormido com um homem. Isso é, dormir, no sentido literal da palavra. Ela tinha estado com Erik, mas todos os encontros tinham sido apressados, e eles nunca haviam tido tempo para ficar juntos depois, devido ao risco de serem encontrados. De alguma forma, isso parecia quase tão íntimo quanto o que experimentara com o Erik – talvez porque tivesse sido há tanto tempo que ela já tinha esquecido o que era intimidade.

Ela se sentiu muito tentada a voltar a dormir... Mas aquele homem não era Erik, lembrou-se, sobressaltada, pulando para fora da névoa de sonolência que a envolvia.

Deuses, aquele não era Erik!

O Comandante estava dormindo. Ela podia sentir isso na profundidade de sua respiração e no relaxamento de seu corpo.  Ela tinha que se levantar. Se a visse daquele jeito, ele podia achar que ela tinha feito de propósito. O que é claro que ela não tinha feito. Mal conseguia se lembrar da noite passada.

Se lembrava do encontro com o próprio pai. E do sentimento intenso, inominável, que a tinha dominado depois... Khaleesi sentira-se furiosa mas, principalmente, sentira-se frustrada... Por ter falhado. Ela acreditara, por um minuto, que poderia enfrentá-lo de cabeça erguida e a todos os demônios que ele significara. Mas não representava mais - ela se negava a aceitar estar errada nesse aspecto. Não podia admitir que aquele homem ainda tivesse tanto poder sobre ela, mesmo depois de se ver livre dele, mesmo depois de...

De todo modo, ela falhara. E isso a fizera sentir-se de uma forma que nunca tinha se sentido antes... Com uma vontade intensa de gritar a plenos pulmões e ao mesmo tempo de chorar desconsoladamente. No fim, ela não fizera nenhum dos dois. Mas engolira aquilo como se engolia uma bebida amarga.

Também se lembrava da tempestade. E se lembrava do braço do Comandante ao redor de seus ombros, e da voz dele guiando-a vagarosamente de volta ao mundo real. Se sentiu muito constrangida, de repente. Mortficada, na verdade. Primeiro por ele tê-la visto daquela forma - pois era como se ele tivesse visto uma rachadura da qual ela não queria que ele se tornasse ciente. Nem ele, nem ninguém.

Segundo, por despertar daquele jeito, toda enroscada nele. Mas, ao mesmo tempo, sentiu uma grande onda de alívio – por não ter estado sozinha durante aquele pesadelo. Por ter tido alguém por perto. Mesmo que tivesse sido a última pessoa que gostaria que a tivesse visto naquele estado.

Lembrou-se, de repente, que o tinha beijado.

Ah, não beijado, exatamente. Mas ela encostara os lábios nos dele, acidentalmente, e só a vaga memória do ocorrido era o suficiente para que ela desejasse morrer. Ou, ao menos, enfiar a cabeça em algum buraco profundo e escuro. Como o encararia naturalmente naquela manhã?

Maldição.

Provavelmente a melhor tática seria fingir que nada acontecera. Duvidava que ele traria o tema à tona - também parecera um tanto embaraçado depois do incidente, ainda que tivesse recuperado-se com muito mais desenvoltura que Khaleesi. É, seria o melhor. Se nunca falassem sobre isso, não precisariam recordar. Ela poderia fazer isso.

Mas havia outro problema mais imediato a ser alvo de sua atenção.

Percebeu que um dos braços dele estava em cima de sua cintura. Estava pesado. Uma de suas pernas estava presa sob uma das dele. Uma de suas mãos estava espalmada sobre o peito dele, enquanto a outra estava debaixo do travesseiro que dividiam. Era plena luz do dia, mas ela não saberia dizer a hora exata. Poderia ser o amanhecer ou poderia ser o meio-dia. Realmente dormira profundamente.

Considerou sua estratégia, se esforçando para manter a calma. Se continuasse agitada, poderia despertá-lo. Comecemos pelo mais fácil, pensou, afastando a mão que estava espalmada no peito do comandante, e foi afastando também o próprio rosto. À medida que ia se movendo, ela inevitavelmente prestou mais atenção nele; Haviam cicatrizes espalhadas pelo peito e abdome, pelos ombros e braços. Algumas menores, outras maiores, estriadas e escuras, o que indicava que tinham sido oriundas de ferimentos profundos, talvez feitos até o osso.

Khaleesi passou um minuto observando-as, se esquecendo por um momento de seu objetivo de correr para longe. Nunca tinha visto tantas. O que a fez se perguntar quais histórias estariam por detrás dela, quantas batalhas teria o Comandante travado, e por que ele parara? Teria sido algum ferimento particularmente cruel que o tinha forçado a voltar para casa antes do que desejava? O que quer que tivesse sido, tinha o levado quase à loucura.

Problemas de cabeça.

A lembrança das palavras de Kishan fez que um calafrio subisse por sua coluna.

Então ela lembrou onde estava, e o que estava fazendo ou melhor, o que precisava voltar a fazer. Começou a puxar, muito lentamente, o seu braço que estava preso debaixo do travesseiro. Seu marido resmungou no próprio sono, e se remexeu... Mas então voltou a ficar imóvel. Khal retomou a respiração que tinha prendido, e puxou o resto do braço, libertando-o da prisão.

Se contorceu para também libertar a própria perna. Agora só faltava o mais difícil; o braço pesado sobre sua cintura. Começou a recuar, lentamente. O Comandante não se mexeu. Recuou um pouco mais rápido e, por fim, conseguiu se libertar de vez. Se ela se virasse agora, poderia balançar as pernas sobre a borda da cama, sentar-se e depois levantar-se e ficar segura, mesmo se ele acordasse e a visse em sua camisola amarrotada, os cabelos soltos e emaranhados sobre a cabeça e ombros e ao longo de suas costas. Ele não saberia...

— Acho — ele disse assim que ela se sentou, com uma voz perfeitamente normal que sugeria que já estava desperto há algum tempo. — que você não conseguiu pregar o olho durante a noite.

— Eu dormi um pouco — ela murmurou, tentando imitar o mesmo tom de voz dele. Não virou a cabeça para olhá-lo.

— Deixei-lhe espaço suficiente? — o comandante perguntou, ainda de olhos fechados. — Não houve qualquer intercorrência?

— Oh, não — Khaleesi garantiu. — Havia muito espaço.

— Khaleesi Gillingham, — ele disse, em tom inexpressivo. — você certamente queimará no inferno pela eternidade. Está mentindo sem dó ou piedade.

Khal soltou um grito enfurecido e levantou-se, agarrando o travesseiro e atirando-o nele.

— Você, senhor — acusou ela. — não é nenhum cavalheiro. Veio com aquela história de pudores, mas nem tentou fingir acreditar que mantivemos as nossas próprias bordas da cama.

Ele moveu-se preguiçosamente, apertando o travesseiro contra o peito. Conseguira agarrá-lo no meio do caminho, o maldito. Seu rosto estava meio amassado, com as marcas dos lençóis marcando suas bochechas, seu cabelo estava todo desalinhado, e uma sombra escura cobria o queixo, oriunda da barba por fazer. Ainda assim, ele conseguia parecer estupidamente arrogante, como se estivesse todo vestido em sua glória ducal.

— Eu despertei em algum momento durante a noite — murmurou seu marido. — e notei que tínhamos os dois rolado para o centro da cama. Para ser justo, não acredito que tenha sido um gesto consciente por parte de qualquer um dos dois. Mas então você resmungou algo sobre suflê de salmão, se minha memória não falha, e me agarrou antes que eu batesse numa retirada estratégica e, sendo o cavalheiro que sou, ao contrário de sua injusta acusação, fiquei onde estava e permiti que você se enroscasse em mim.

Ainda por cima, o imbecil estava a provocando. Khaleesi soltou outro grito de fúria e agarrou outro travesseiro para arremessá-lo uma vez mais.

— Não faça isso. — o Comandante avisou.

— Se eu vou queimar no inferno, — disse Khaleesi. — você vai torrar. Eu não fiz isso! E se tivesse sido o cavalheiro que professa ser, você teria se movido não apenas para a borda da cama, mas logo depois para o próprio quarto!

Ele ergueu uma única sobrancelha.

— Apesar de seu pedido expresso para que eu ficasse ontem à noite? Eu não seria tão descortês com minha própria esposa.

Khal quase gargalhou diante da ironia daquilo tudo.

— Coitado, — sibilou, apertando os olhos. — condenado a passar o resto da noite no meio da cama, atacado por uma mulher o agarrando. E eu não lhe pedi nada. Você decidiu ficar.

O Comandante suspirou.

— E ainda estou sendo duramente criticado, ora. É isto que se recebe quanto se tenta ser um pouco gentil.

Ele se pôs de pé com muita desenvoltura. Então saiu andando na direção do quarto de vestir que interligava seu quarto ao dela, um dos travesseiros debaixo do braço.

— Vista-se, — ele disse. — temos um café a ser tomado. A vejo em meia hora ou coisa parecida.

 

Mais tarde, Aiden estava sozinho, na biblioteca da residência dos Augustenborg.

Ele passara a maior parte de sua estadia ali, embora não tivesse lido um livro se quer. Ao invés disso, ele passara o tempo resolvendo alguns de seus assuntos pendentes - ou melhor, dando as orientações para que fossem resolvidos. Aiden tinha bons administradores com os quais contar, mas gostava de estar por dentro de toda e qualquer decisão que era analisada ou tomada. Afinal, no fim das contas, aquela responsabilidade era sua e de mais ninguém.

Assim, passara os últimos dias trocando correspondências, recebendo, lendo e assinando - ou rejeitando - alguns documentos. Verificara uma e outra vez o relatório de finanças de suas propriedades, apontando custos que deveriam ser reduzidos e outros cujo investimento deveria aumentar. Quando não passava de um Marquês, as coisas eram um pouco menos agitadas, mas desde que se tornara duque, sua mesa raramente ficava vazia. O trabalho era essencialmente o mesmo, mas em maior escala, assim como a cobrança.

Aiden fora habilmente preparado para o serviço, desde o momento em que o pai morrera. Mas isso não mudava o fato de que o trabalho era muito, e sua paciência naqueles dias, curta. Ele estivera dualizado entre fazer seu trabalho e manter um olho na própria esposa, para garantir que ela não voltaria a ter nenhum... Encontro desagradável com o pai. E aquilo fora algo que teimava em ressurgir em sua mente em meio às contas e relatórios. Especificamente, ele refletia naquilo agora, enquanto segurava a pena sobre uma missiva que enviaria ao Príncipe Regente relativo ao jantar na Carlton House.

A vida de sua esposa antes do casamento não era da conta de Aiden. Isso fora algo do qual ele se convencera desde o início, quando decidira que não tinha qualquer interesse em dividir com ela parte de si mesmo ou vice-e-versa. Mas desde a noite anterior ele fora incapaz de sentir-se curioso... Para não dizer interessado... No que quer que ocorrera entre Khaleesi e seu pai para contextualizar o que ele presenciara.

Não ouvira muito. Só a parte final do diálogo que travavam. Mas mesmo enquanto aproximava-se pelo corredor, ouvindo as vozes sem compreender bem as palavras que pronunciavam, ele fora capaz de detectar o teor nada gentil da conversa. Ele não perguntara a Khaleesi nada sobre. Ela não lhe dissera nada. E certamente aquilo era o melhor. Aiden não queria se meter em qualquer intriga familiar - mais do que já se metera ao interceder na interação entre o Duque e a filha. Sua cota de dramas como aqueles já fora preenchida há muito tempo por sua própria família.

Mas não conseguia afastar aquele ímpeto estúpido... De entender o que realmente se passava ali. Não seria deselegante de questionar a própria esposa sobre isso, sabendo que certamente seria refutado. O que demonstrava muita sensatez de sua parte, realmente. Mas o que a fez a seguir não foi nada sensato; Aiden terminou a carta ao Príncipe com algumas perguntas sobre o Duque Augustenborg e sua vinda à Inglaterra. O próprio Príncipe já lhe contara o essencial, mas Aiden queria mais.

Entremeou os questionamentos do modo mais natural e inocente que pôde. Embora tivessem uma diferença de idade considerável, ele e Jogie haviam sido criados com alguma proximidade em suas juventudes, de forma que crescera entre eles uma certa familiaridade. Afinal, em algum grau, eles eram família. Embora ela tenha sido abafada à medida que cresciam e tomavam seus respectivos postos como duque e príncipe regente.

Aiden não duvidava de que Jogie o contaria o que soubesse. Mas não estava tão certo de que o Príncipe Regente faria o mesmo - mas se este fosse o caso, por isso só o fato serviria de confirmação. De que havia algo oculto naquela história, como Aiden intuía que havia. De uma forma ou de outra, para saber do que se tratava, Aiden provavelmente teria de buscar outras fontes.

Outras fontes, pensou aborrecido. Parece que estou entrando numa maldita investigação. E tudo por conta de um ímpeto de curiosidade que não estava conseguindo manter sob controle. Provavelmente aquilo não levaria a nada. Provavelmente aquela suspeita advinha do pouco apreço que o Duque Augustenborg até então cultivara em Aiden. Mas ele a horrível sensação que não ficaria em paz até que tivesse certeza.

Por isso, selou a carta e pediu para que um criado a enviasse até a Carlton House.

Assim que o servo partira, a porta da biblioteca voltara a ser aberta... Dessa vez pela protagonista dos pensamentos de Aiden.

— Khaleesi. — ele disse, da mesa onde estava sentado. Durante todo o tempo em que haviam estado na propriedade de sua família, ela não entrara na biblioteca. Na verdade, não o tinha voluntariamente buscado ou pedido sua presença...

A não ser na noite anterior.

— Comandante. — ela devolveu, e ele sentiu-se talvez um pouco desapontado por não ouvi-la chamar de Aiden uma vez mais, embora aquilo não tivesse qualquer nexo.

Sua esposa permaneceu parada diante da porta por um momento, como se não soubesse para onde ir. Ou como se estivesse decidindo se permaneceria ali ou viraria as costas e iria embora, apesar de ter acabado de entrar.

— Sente-se. — Aiden orientou-a, quando tornou-se insupotável esperar que ela tomasse uma decisão.

— Ah, não. — Khaleesi balançou a cabeça. — Eu não gostaria de atrapalhá-lo...

— Já terminei meus assuntos. Não está atrapalhando em nada.

Ela não estava? Aiden ainda tinha trabalho a fazer, mas tinha a desagradável suspeita de que não conseguiria concentrar-se nele, não mais. Isso não queria dizer que seria uma boa ideia deixá-la entrar, naturalmente. As lembranças da noite anterior permaneciam muito frescas na mente de Aiden, assim como a forma como tinham despertado mais cedo.

Talvez fora isso que o impedia de tirar aquilo da cabeça. Embora tivesse associado sua crise - Aiden duvidava que houvesse melhor nome para o que vira sua esposa sofrer - ao incidente de 1807, ele era incapaz de deixar de pensar... Que alguma parte, por mínima que fosse, do tormento dela tivesse relação com o próprio pai. Aquilo não passava de um pressentimento, é claro. Mera e estúpida intuição.

Mas ficara marcado à ferro quente na mente dele durante toda a noite e durante todo o dia desde então. E, de alguma forma, só aquele pensamento era o suficiente para deixá-lo... Irritado. Embora não estivesse de quem era o alvo de sua raiva. Seria o Duque Augustenborg, pelo modo como falara com sua esposa? Seria com a própria Khaleesi, que tinha sofrido aquele ataque e o tinha feito auxiliá-la durante ele e depois ficar com ela durante a noite? Seria consigo mesmo, sob à nova luz de sua descoberta de que a esposa presenciara o ocorrido de 1807 e a lembrança de que ele mesmo protagonizara o evento...

Que levara ela ao que presenciara ontem.

Qualquer que fosse a razão para a origem daquele sentimento, não era pertinente. O trabalho de Aiden era somente fazer por onde extingui-lo, e sanar sua curiosidade provavelmente calaria aquelas emoções estúpidas e perturbadoras. Assim que descobrisse que não havia nada a, de fato, ser descoberto, ele poderia voltar à normalidade e talvez...

Pudesse impedir que a esposa continuasse indo e vindo em sua mente daquela forma. Não que aquela fosse a única forma com que ela andava mexendo com a sua cabeça.

Ele não se arrependera de ter permanecido com ela durante a noite. Aquela tinha sido a atitude mais correta, embora não a mais sensata. Mas naquela mesma manhã, quando despertara com ela enroscada nele como se estivesse abraçando um maldito urso de pelúcia... Bom, ele questionara esta decisão, assim como a própria sanidade.

Primeiro porque não tinha se afastado dela quando tivera a oportunidade. Poderia - e deveria - ter feito isso. Mas não o tinha feito e, ao invés disso, permanecera imóvel, inalando o aroma do cabelo dela, o mesmo que sentira na noite anterior, e apreciando o calor febril e ensonado que seu corpo emitia em contato com o dele. Ele tinha ficado observando os sutis movimentos que seu corpo fazia enquanto adormecido, a forma como seus lábios se mexiam, como se estivesse sonhando e falando algo e pensara...

Céus.

Pensara que bastaria se inclinar um pouco e então finalmente poderia beijá-la. Embora não houvesse nada de dócil em sua esposa, Aiden apostava que sua boca teria toda a doçura que faltava nela... E talvez mais. Perguntou-se como seria a sensação de beijá-la. Perguntou-se se algum dia ela já fora beijada, se sabia como fazê-lo. Uma parte de si esperava que sim, afinal, ele não gostava da sensação de estar com uma mulher inexperiente. Talvez fosse por isso que tinha fugido por tanto tempo das damas inocentes da sociedade.

Mas outra parte dele, a parte menos sensata, a parte que enterrara muitos anos antes dentro de si mesmo quando seu pai morrera, aquela parte que não reconhecia, embora estivesse vindo à tona com constância nos últimos tempos... Aquela parte esperava que não, que sua esposa nunca tivesse sido beijada antes, e desejava poder testar esta teoria...

Prová-la, e quem sabe ensiná-la uma ou outra coisa.

O pensamento fez suas entranhas se revolverem mesmo agora, enquanto estavam a uma distância perfeitamente adequada um do outro. Era bom que Aiden tratasse de dar cabo daquela carência estúpida que o acometia. Não podia haver outro nome para aquilo além desse; carência, perturbação, desequilíbrio. Três das palavras que Aiden mais detestava no mundo.

Khaleesi permaneceu parada por um momento, mas então acabou por se sentar num sofá próximo à mesa onde ele estava. Ele aguardou por um minuto. Mas quando pareceu claro a ele que sua esposa não diria nada, ele abaixou novamente a cabeça para o relatório em suas mãos...

— Eu gostaria de pedir que esquecêssemos o que aconteceu na noite anterior. — ela disse, fazendo-o levantar a cabeça de novo.

Aiden olhou-a por um instante. Então balançou a cabeça.

— Não acho que será possível.

A mandíbula dela contraiu-se, ao ser a própria Khaleesi contrariada. Ela ajustou-se no sofá, sentando-se da maneira mais altiva que conseguia:

— E por quê não?

— Porque não quero.

A esposa de Aiden tomou ar.

Eu não acho, Comandante, que foi você o protagonista daquela cena infeliz, de modo que...

Se eu concordasse com isso, — o Duque a interrompeu. — não estaria concordando em só esquecer o que vi, mas também concordando em esquecer tudo o que fiz... E disse, para você. Ou seja, todo meu esforço seria jogado fora. Eu não costumo falar muito, madame, deve ter notado, de modo que o que ocorreu na noite anterior... Aquilo não é comum, ouso dizê-la.

Aiden não sabia porque estava aborrecido. Tinha sido ele quem decidira ficar após vê-la naquele estado. Tinha sido ele quem decidira permanecer com ela durante a noite. Talvez estivesse irritado por sentir que a própria Khaleesi tivera participação indireta naquelas decisões, pelo simples fato de ser...

Bom. Sua esposa. Mas isto não seria uma problema, seria? Se não fosse ela.

Pois, embora teimasse em não admitir, aquela mulher estava mexendo com sua cabeça além do que ele desejava que fizesse. Por não estar cooperando com a expectativa que ele tivera de como aquela relação deveria se desenvolver. Por estar deixando-o confuso daquela forma, sem entender bem as motivaçõs por detrás de suas emoções ou de suas atitudes e ainda assim sentir-se tão escravo delas.

Por fazer com que ele se sentisse fora do controle; Da situação, de si mesmo. Como o garoto inexperiente e imberbe que ele já não era há muito, muito tempo.

Sua esposa ficou muito quieta por um instante. Ela desviou os olhos dos dele. Voltou a encará-lo. Então desviou-os de novo. Pigarreou e, depois, pegando-o totalmente despreparado:

— Eu agradeço por sua gentileza. — disse, sem olhá-lo diretamente. Falar aquelas palavras claramente estava lhe custando muito - Aiden teria achado graça disso, se não estivesse tão espantado em ouvi-las. — Mas peço que não falemos mais sobre esse assunto. Não é algo que eu queira...

Aiden assentiu, antes que ela terminasse.

— É claro. — respondeu. — Não vou esquecer o que aconteceu, mas não falarei mais nisso, se é o que prefere.

Ela voltou a encará-lo. Então assentiu, claramente aliviada.

— Eu também gostaria de pedir outra coisa. — acrescentou.

— O quê?

— Quero voltar para Londres. — ela disse, com certa intensidade. — Quero voltar para casa.

O Duque olhou-a.

— Pensei que estivesse feliz em rever sua família. — ao menos, parte dela.

Ela acenou com a cabeça.

— E estou. — garantiu. Então abriu um leve sorriso, pouco convincente. — Ver mamãe e Kishan foi ótimo. Mas é hora de voltar à realidade e à rotina. Em outra oportunidade, pensei em convidá-los para nos visitar ao invés de virmos...

Aiden anuiu. Sua esposa parecia estranhamente ansiosa... E insegura. Talvez temesse que ele a criticasse por decidir voltar tão cedo. Talvez temesse que ele não aprovasse a ideia de receber sua família depois. Mas não. Não podia ser isso. Pois as recusas e as palavras, mesmo as mais duras, de Aiden, claramente não eram capazes de afetá-la.

Mesmo assim, Aiden viu-se garantindo-a:

— Sim. Não acho que seja má ideia.

Khaleesi anuiu mais uma vez.  Então, quando o silêncio entre eles começou a se tornar constrangedor, ela se colocou de pé e fez uma breve reverência.

— Pedirei para os criados começarem e arrumar as bagagens.

E, antes que ele respondesse, virou-se e foi embora.

Aiden permaneceu por ainda um tempo encarando a porta antes de voltar-se de novo ao relatório que tinha em mãos... E descartá-lo, colocando-o de lado.

 

Quando, depois do almoço, Khaleesi voltou a encontrar com seu marido, ela sentia-se um pouco menos... Agitada. Não orgulhava-se particularmente de seu pedido - Khaleesi não era mulher de fugir. Nunca fora. Mas só a percepção de encontrar-se novamente com seu pai numa circunstância como a última...

Ela convenceu-se de que seria o melhor. Por hora. Tentou-se convencer de que a própria covardia tinha alguma explicação aceitável - para acalentar seu próprio ego e seus próprios anseios. Para se consolar. Que patética que estava sendo. Mas Aiden concordara em partir e agora ela via-se mais que ansiosa para retomar à sua rotina em Londres - pensou que gostaria, e muito, de tomar chá com a Duquesa Viúva mais uma vez e de rever a criadagem.

Embora seu casamento ainda não estivesse na melhor das condições, sua rotina de casada praticamente já fora estabelecida, e havia certo conforto nela - sem grandes altos e baixos, Khaleesi sempre sabia o que ocorreria e o que deveria fazer. Ela nunca fora adepta a calmarias - nada nela.

Mas, naquele momento, viu-se desejando a calmaria da pacata vivência de Duquesa de Barclay mais que tudo.

Isso até encontrar com Aiden na biblioteca uma vez mais. Dessa vez, ele não estava sentado, mas permanecia de pé, analisando as lombadas de alguns exemplares das estantes de seu pai. Parecia muito concentrado - mas provavelmente não estava, pois quando Khaleesi pôs os pés para dentro da sala, ele voltou-se imediatamente na direção dela.

Seu cumprimento foi:

— Como decidimos retornar com antecedência, creio que conseguiremos comparecer ao jantar na Carlton House.

Ela franziu o cenho.

— Pensei ter deixado claro que não o acompanharia. — retrucou.

— O convite que recebi estendia-se especificamente para o Duque e a Duquesa de Barclay, madame.

— Não me importa. — havia mais de um motivo pelo qual Khaleesi não desejava comparecer aquele evento em específico. Sua família fora um dos motivos, sim, mas não resumia-se apenas a isso. A dinamarquesa era incapaz de separar os feitos das pessoas, e encontrar-se diretamente com o Príncipe de Gales - o homem que arruinara sua bela Copenhague, o homem que ordenara o ataque de 1807, que provavelmente arrancara Erikk dela...

Khaleesi não conseguia se quer conceber figura a qual mais fosse avessa.

Como ela poderia simplesmente encarar esse homem nos olhos e sorrir para ele, como se nada tivesse ocorrido? Como ela poderia encará-lo sem despejar sobre ele todas as acusações das quais era culpado e acabar criando uma imensa cena, digna de qualquer peça dramática? Uma cena que talvez custasse sua própria cabeça?

Mas ela não podia explicar nada disso a seu marido. Afinal, ele era relacionado ao Príncipe de Gales. Era um Duque Inglês, que vivera incauto das ações e consequências de seu próprio familiar regente. Como ele poderia entender e aceitar seus argumentos?

— Madame. — seu marido disse. — Não é de minha intenção manter minha esposa escondida dentro de um buraco como se fosse uma criatura digna de reprovação. As línguas de Londres são ferinas, e independente de quem tenha sido antes, agora você é uma Gillingham. É minha esposa. A Duquesa de Barclay. Não darei a ideia de que a abandonei ou de que me sinto envergonhado de alguma forma.

Khaleesi balançou a cabeça.

— Você não entende...

— Não. — ele reiterou. — É você que não compreendeu ainda. Levei um tempo considerável para me casar, mas agora que por fim o fiz, não é minha intenção expor minha esposa ao rídiculo ou à piedade dos outros.

A única coisa que Khaleesi conseguia ouvir por detrás daquelas palavras era a preocupação dele com a própria imagem e a imagem da própria família. Afinal, por que motivo seu marido verdadeiramente importaria-se com ela?

— Isso seria muito tocante, — ironizou. — se você ao menos estivesse preocupado comigo de verdade, ou se ao menos este fosse um casamento de verdade.

Seu marido se manteve encarando-a, impassível. Mas algo agitava-se dentro de seus olhos, algo que Khaleesi ainda não conseguia reconhecer.

— Isso de novo. — ele declarou, após um instante.

Khaleesi franziu o cenho.

— O quê?

— Isso sobre este ser um casamento apenas no nome. — retrucou ele, impaciente.

— Mas é a verdade. — Khaleesi replicou, inflexível. — Ora, por tudo que é mais sagrado, aquela foi uma cerimônia ridícula, feita apenas por conveniência, que tipo de cerimônia de casamento não tem se quer um maldito beijo? Além de que...

Ela interrompeu a si mesma. Estava prestes a mencionar sua noite de núpcias – ou melhor, aquela que não ocorrera. Em muitos lugares, incluindo na Inglaterra, um casamento era considerado não concluído, quiçá inválido, quando não havia consumação. Era por isso que ela estivera prestes a mencionar o fato. Mas falando daquele modo, o Comandante poderia entender suas palavras de uma maneira errada, como se ela estivesse lamentando o fato...

— É um beijo o que quer? — o Comandante indagou, interrompendo o fluxo de seus pensamentos.

Khaleesi balançou a cabeça:

— Eu não disse isso.

— Disse que nossa cerimônia foi ridícula, pois não tive a decência de se quer beijar a noiva devidamente. — ele continuou, inexpressivo. — Talvez este seja um de nossos problemas, não? Esta sensação de incompletude.

Khaleesi o encarou, brava. Mas durante os preciosos segundos que deveria ter usado para encontrar palavras para expressar sua indignação, acabou se permitindo apenas sentir os efeitos físicos das palavras de seu marido. Permitiu-se imaginar como seria ser beijada por ele.

O único homem que Khaleesi beijara fora Erik. Ela ainda podia se lembrar da sensação. Seria diferente, feito com um homem diferente? Talvez sim. Talvez não. Mas ela desprezava praticamente tudo no próprio marido. Como poderia simplesmente beijá-lo? Ele podia ter algum senso de humor, e na noite anterior, permanecera ao lado dela durante a tempestade, o que sugeria alguma gentileza...

Mas era insuportavelmente arrogante, frio, insensível, a perfeita personificação do que Khaleesi mais desprezava no mundo...

E atraente. Ela já admitira isso a si mesma, no dia do baile de sua apresentação. Ele era atraente de um modo quase opressor de tão impressionante. Talvez fosse essa mesma aura de altivez que tanto detestava nele. Ela tornava sua presença difícil de ignorar, e perto como estava naquele momento...

Ela arquejou levemente.

— Teria sido errado. — falou, por fim. — Nenhum de nós teria ficado confortável com isso. Mal nos conhecíamos.

— Errado? — indagou ele, com severidade. — Somos um homem e uma mulher, e estamos casados. O mínimo que deveria ter feito, a esta altura, é beijá-la, madame.

Khaleesi passou a língua pelos lábios secos e engoliu com dificuldade. Queria que as janelas estivessem abertas.

O cômodo parecia de repente abafado.

O Comandante deixou escapar um som de impaciência e foi na direção dela. Khaleesi recuou, pressionando as costas contra a janela atrás de si, e segurando o parapeito com ambas as mãos. Ele parou diante dela, as pernas afastadas, e estendeu as mãos até o rosto de Khal. Ela fechou os olhos e a boca de seu marido encontrou a sua, com vontade, pressionando os lábios dela de forma quase dolorosa contra os dentes.

Mas quase no mesmo instante a pressão se tornou mais suave, ele abriu os lábios, instigando os dela, ainda fechados, a fazerem o mesmo, e provocando uma sensação aguda dentro de Khaleesi. Quando os lábios dela por fim se abriram, ela notou que sim, era completamente diferente do que experimentara antes. Podia sentir o próprio perfume. E o perfume dele. E o cheiro da tentação curiosa.

E do perigo.

E, ah, ela queria que ele continuasse.

Parecia perigoso, além de errado, beijar o Comandante. Não só pelas razões que ela já verbalizara, mas por tratar-se dele. Beijá-lo era algo novo e até então inexplorado, jamais idealizado até aquele momento. Embora ela tivesse descoberto uma ou outra coisa sobre ele, seu marido ainda era quase um estranho para ela. Mas durante aquele momento, ele pareceu diferente do homem gélido e distante que ela até então conhecera.

Ela levou as mãos ao rosto dele. Era cálido e liso. Deveria ter se barbeado naquela manhã. Ele se afastou por um segundo, e olhou-a fixamente nos olhos, como se esperasse receber um tapa. Ela não bateu nele, e ele pareceu receber o fato como um incentivo, pois voltou a baixar a cabeça e a encostar os lábios nos dela. As mãos que tocavam o rosto dele deslizaram até seu pescoço.

Aquele não era um beijo lascivo. Não parecia nada com o gesto carnal e cheio de luxúria que ela às vezes dividira com Erik. Khaleesi podia sentir que aquele beijo estava sendo quase um ato de exploração; uma maneira nova de conhecer um ao outro, de uma maneira diferente de como fora feito até então. Sentiu que poderia passar o dia todo lá, beijando-o lenta e preguiçosamente, saboreando aquela sensação nova, inédita. A boca dele era suave, e suas mãos continuavam segurando o rosto dela de uma maneira terna, quase carinhosa.

Mas ele não limitou-se ali. Talvez incentivado por sua receptividade, seus lábios passearam pelo rosto dela, subiram até suas têmporas, deixando sensações onde quer que passassem. Eles desceram até sua orelha e Khaleesi pôde sentir sua respiração perfeitamente regulada, em contraste a dela. O homem sabia o que estava fazendo. Ele voltou a descer, depositando um beijo em seu queixo antes de voltar a seus lábios uma vez mais.

Quando se separaram pela segunda vez, agora de vez, Khal sentia-se um tantinho sem fôlego. O rosto dele permanecia próximo, a ponto da única coisa que ela enxergava eram os olhos dele, fixos nos seus.

— Peço que me perdoe — ele murmurou, contra os lábios dela, antes de se afastar por completo, cruzando os braços atrás das costas. — Peço sinceramente que me perdoe.

Seu tom de voz polido, rígido, dissipou o que restara daquela aura cálida e fantasiosa que a tinha envolvido. Num passe de mágica, ele de repente voltara a ser o homem que ela conhecia; o rijo, pagmático e engomado Duque de Barclay. Ela limpou a garganta e uniu as duas mão à frente do próprio corpo, empertigando-se.

Em contraste ao calor que estivera sentindo um minuto atrás, o afastamento do Comandante fez com que se sentisse...

Fria.

— Não sei por quê. — falou, imitando tom de voz dele. — Eu não o rejeitei, rejeitei? E fez o que se propôs a fazer. Concluiu sua cerimônia de casamento de forma adequada.

— Eu nunca teria a beijado dessa forma na capela. — o Comandante retrucou, e algo naquelas palavras fez com que suas pernas tremessem ligeiramente.

Ela não achava que ele teria feito isso, não mesmo. O que acabara de acontecer, nada daquilo parecia ter vindo de seu marido. Deveria ficar feliz, então, desse passo somente ter sido dado naquele momento? Ou deveria amaldiçoar o fato, pois se tivessem somente encostado os lábios brevemente, ela não teria o experimentado com tanta avidez... Nem descoberto a gentileza de sua boca, ou a ternura de suas mãos, sensações que suspeitava que não voltaria a esquecer e que talvez nunca mais voltasse a provar?

Khaleesi forçou um sorriso animado... Talvez animado demais.

— Ah, — disse. — talvez devamos voltar. Minha família está esperando para se despedir de nós, seria errado mantê-los esperando.

 

Após o desagradável encontro no dia da regata, Beatrice não viu William por alguns dias.

Quando ele voltou a aparecer, em visita à sua casa mais uma vez, ele trouxe, além de outro buquê de tulipas, um pedido:

— Estive pensando se você poderia orientar Cecily em seu début esta temporada.

A solicitação a pegara de surpresa. Primeiramente, pois de alguma forma Triz esperava que eles fossem conversar sobre a cena que ocorrera com Lady e Lorde Dashwood. Segundo, porque ela era provavelmente a dama menos adequada ao serviço que William podia encontrar em toda sociedade londrina. Em ambos os casos, William não parecia dividir a mesma opinião que ela.

Eles estavam no jardim da Casa Whitmore, então. Aquele se tornara um ponto de encontro recorrente entre eles. Era quieto e suficientemente isolado para dar uma sensação de falsa privacidade. Também, era o lugar mais distante para o qual seria adequado que Beatrice fosse acompanhada de William... Sem algum tipo de acompanhante.

Por um instante fugaz, Beatrice contemplou a possibilidade de perguntá-lo diretamente sobre o último acontecimento... Perguntas era o que não lhe faltavam, de fato. Ela passara os últimos dias remoendo as palavras de William em sua mente, e sentindo a força delas, e do intenso e poderoso sentimento de... Injustiça, que as acompanhava.

Traído pelo próprio irmão. Aquele era um drama digno das obras de Lorde Byron. Mas aquilo não tratava-se de uma narrativa literária, e sim da vida de William. Da vida de Will. Beatrice era incapaz de conceber o quão doloroso todo o processo fora para ele. E embora não estivesse inclinada a tomar qualquer partido, visto que ainda não conhecia os dois lados da história, era incapaz de evitar lamentar profundamente por seu amigo e cortejo de mentirinha.

Ela contemplara a possibilidade de pô-lo contra parede sobre o assunto, mas desistiu. O momento certo chegaria para tal. Mas não era agora. Triz optara, por sua vez, na segunda problemática a ser tratada:

— Eu não acho, Will, — disse. — que eu seja a melhor indicada para o posto de madrinha de Cecily. Sou eu mesma uma dama solteira, pouco experiente nos assuntos de cortejo da sociedade de Londres. Certamente haverá quem a oriente melhor. E quanto a senhorita Wright?

— A senhorita Wright deixou-me sua carta de demissão alguns dias atrás. — William retorquiu. — E embora Cecily tenha me garantido que ela iria a seu baile de apresentação, e embora ela seja uma dama inteligentíssima, não acho que a senhorita Wright tenha qualquer experiência como uma debutante e, de todo modo, não desejo abusar de sua boa vontade com Cecily. Ceci precisa de alguém que esteja ao lado dela no futuro e possa orientá-la referente a... Bom, esses assuntos femininos.

Abby quase achou graça da forma como William referia-se a tais assuntos.

— Eu a orientaria eu mesmo, — ele acrescentara. — mas passei o último ano fora do país e sinto que me falta a sensibilidade necessária para tratar desses temas.

— Eu passei a maior parte de minha juventude na América. — Beatrice salientou.

— Sim, — Will anuira. — mas agora está aqui, e creio que é a única mulher com quem Cecily sentiria-se a vontade de conversar sobre estes temas e que ela escutaria sem pestanejar.

— Não sabia que tinha tamanha credibilidade com sua irmã.

— Está brincando? — William indagara. — Para ela, você é como algum tipo de divindade superior que jamais deve ser questionada. Ela a admira como nunca admirou ninguém, a não ser a própria senhorita Wright.

Beatrice ficara meio sem graça, então. Sorrindo, Will acrescentara:

— Além do mais, seria tão estranho que eu desejasse que minha futura esposa e minha irmã caçula criassem uma amizade?

— Não seria, se seu interesse em mim não fosse só uma grande mentira teatral. — Beatrice retrucara. — Mas como nós dois sabemos que nunca vamos nos casar, seu argumento acaba de ser derrubado por terra por minha lógica.

O Visconde não perdera a pose, arqueando uma única sobrancelha:

— Ora, toda mentira tem que ser temperada com um pouco de verdade para ser convincente. Eu quero que você e Cecily se dêem bem, embora não porque espero casar com você um dia.

Foi naquele momento que Triz entendera que não tinha muita escolha. William estava certo. E, além do mais, como ela poderia negá-lo esse facor?

— Além disso, — o Visconde acrescentara, significativamente, aproximando seu rosto do de Beatrice, os lábios quase roçando no lóbulo de sua orelha. — isso significaria que a senhorita passaria mais tempo com seu cortejo indigno.

Beatrice revirara os olhos, então, espalmando a mão no rosto dele e empurrando-o para longe. Ele gargalhara em resposta.

Mas uma decisão havia sido tomada.

 

Alguns dias depois

 

Beatrice não conseguiu comparecer a apresentação de Cecily à Rainha, mas estava esperando a moça em seu retorno.

Dois dias antes, tinha acompanhado a garota na ida à modista que fizera seu vestido de apresentação. O vestido era uma monstruosidade de penas, fitas e armações que fez com que Beatrice se sentisse muitíssimo sortuda em não ter precisado passar pelo mesmo em próprio début - na América, as coisas eram infinitamente mais simples e práticas, mas na Inglaterra, os padrões da Rainha Charlotte eram bastante extravagantes.

Quando Cecily voltou do Palácio de Saint James no Grande Dia - como ela começara a se referir ao dia da apresentação - ela parecia tão esgotada, tanto física quanto emocionalmente, que seu maior desejo parecia ser se recolher o mais rápido aos seus próprios aposentos - sobretudo porque ainda haveria um baile para o qual se preparar naquela mesma noite. Mas, infelizmente, Triz não podia permitir que ela fizesse isso, pois ainda havia muito que precisavam discutir e acertar sobre aquela noite e como Cecily se comportaria nela.

Não que Triz fosse o ás da experiência no tema, como ela apontara anteriormente a Will. Mas, decidida a cumprir com a tarefa que tinha se proposto a fazer pelo seu amigo, ela fora atrás de uma ajuda mais que especialista.

Jennie Thompson era filha de um lorde muito amigo do pai de Beatrice. Por conta disso, elas se conheciam desde muito pequenas, embora fossem tão opostas quanto o dia era da noite. Jennie era dona de um ótimo coração, mas tudo o que Triz tinha de discreta ela tinha de extravagante, tudo que Triz tinha de responsável ela tinha de irresponsável, e tudo o que tinha de reservada e perspicaz, Jennie...

Bom, não tinha.

Ainda assim, elas tinham sido grandes amigas - e continuaram sendo, mesmo depois de Beatrice ter partido para a América. Quando a Rodwell voltara para a Inglaterra, de coração e espírito partidos, Jennie tinha sido a primeira pessoa a visitá-la e, de alguma forma, com seus modos falantes e dramáticos, tinha feito com que Beatrice sorrisse e esquece, por nem um minuto que fosse, de toda a miséria que a estava acometendo.

Triz era muito grata a Jennie por sua amizade, ainda mais considerando que ela era uma das poucas amizades que ainda tinha ali, na Inglaterra. Só havia ela e Grace, afinal.

Ah, e agora Wil, é claro. 

E embora Jennie fosse todas essas coisas anteriormente listadas, ela tinha uma vantagem sobre Triz: Tinha vivido a vida inteira na Inglaterra, e debutado lá, o que lhe rendia um conhecimento muito mais amplo no assunto. Por essa razão, e somente por essa razão, foi que Triz decidiu convidá-la à Casa Bedwyn.

Fora fácil distinguir sua chegada, pois assim que pusera os pés dentro da mansão, Jennie exclamara no mais alto e estridente som possível:

Beatrice Abigail Rodwell! Sua ingrata! Passa semanas sem me enviar um bilhete se quer e agora me convoca para ajudar a irmã do cavalheiro que a está cortejando?! Nem teve a decência de me avisar que estava sendo cortejada, sua...!

Beatrice sorrira para ela.

— É ótimo de ver também, Jen. Eu prometo que explicarei tudo a você depois mas, agora, temos um caso urgente a tratar.

Por sorte, ela e Cecily tinham se entendido de imediato, e a jovem Dashwood tinha dado toda sua atenção a todas as explicações que Jennie tinha para lhe oferecer. Todo o básico sobre etiqueta a garota já dominava - a Senhorita Wright fizera um excelente trabalho nesse aspecto, ninguém podia negar. Mas havia outras coisas sobre as quais era importante que aprendesse, de acordo com Jennie.

Para começar, era importante que ela aprendesse sobre as pessoas - nomes e posições de vários membros da nobreza e quem era mais importante que quem. Havia todo um sistema hierárquico a ser decorado. Cecily precisava se lembrar que havia certos cavalheiros com quem deveria dançar, caso a convidassem, e outros com quem não deveria.

Certos convites deviam ser honrados depois que ela fosse devidamente apresentada à sociedade, outros eram opcionais, dependendo dos compromissos que ela pudesse ter e de suas inclinações pessoais... Outros ainda deveriam ser firmemente recusados. E também havia... Ah, como Cecily comentara depois com Beatrice... Havia outros milhares de detalhes aos quais se atentar.

Aquele mundo em que estavam incluídas, o mundo da aristocracia, com todas suas regras e expectativas, na verdade não passava de uma grande tolice, no ponto de vista de Triz. Mas era inegável que havia algo de empolgante e desafiador em encará-lo. E Cecily mostrou-se uma pupila muito disposta e atenta...

Talvez atenta demais. Porque quanto mais ela se mostrava interessada, mais Jennie falava, e bom...

Jennie simplesmente não sabia quando devia parar de falar.

No fim, elas gastaram toda a tarde com aquelas aulas informais, e logo chegou o momento em que Cecily deveria preparar-se para o baile. A própria Beatrice precisava ir em casa para se trocar. Quando ela e Jennie se despediram, a amiga de longa data de Beatrice segurara firmemente nas mãos de Cecily:

— Você vai conseguir, garota. — disse, com confiança. — Você é linda e tem muita coragem, Além disso é baixinha.

Cecily rira.

— Não sabia que ser baixinha era uma vantagem nesse aspecto, senhorita Thompson.

— É claro que é. — Jennie retrucara. — Baixinhas costumam ser mais ferozes. Talvez devêssemos formar uma liga de baixinhas. Aterrorizaríamos o mundo. E então o dominaríamos.

Surpreendetemente, até Triz começara a rir, naquele momento. Percebeu que sentira falta dos absurdos de Jennie. Tanto que nem fez questão de lembrar a amiga que não poderia se enquadrar em sua liga, por não ser exatamente uma mulher baixa. Cecily também parecia encantada pela personalidade... Excêntrica, da jovem, pois apertou as mãos dela de volta e disse:

— Eu farei um bordado, e vamos usá-lo como estandarte como sairmos em passeata... Até onde marcharemos?

— White’s Club talvez fosse um bom lugar. — foi Triz quem respondeu. — Aquele bastião do orgulho viril e da suposta superioridade masculina, lugar do qual nenhuma mulher decente ousa se aproximar. A Liga das Baixinhas fará uma passeata até o clube e exigirá igualdade de direitos.

As três voltaram a rir. Ah, como era bom dividir as risadas e os absurods da vida com outras pessoas. Após tanto tempo afastada de seus amigos na América, ela quase se esquecera de como era aquela sensação.

Mais tarde no mesmo dia, depois de prometer a Jennie que se encontrariam para que ela lhe contasse de todas as novidades mais recentes de sua vida, Triz voltou para a casa Bedwyn, de onde tinham acordado em partir juntos para a Casa Dashwood ela, William, Cecily e... Zachary, é claro. Foi assim que Triz se viu esperando no piso inferior da mansão da Hanover Square, com o irmão e William, um de cada lado seu. Aqueles dois tinham encontrado uma maneira relativamente pacífica de se relacionarem, embora não sentissem nenhum grande apreço mútuo.

Esperaram por um bom par de minutos até que, do topo das escadas, Cecily gritou:

— Estão prontos?!

Os três levantaram a cabeça para vê-la descer a escadaria. Como uma noiva, ela não tinha permitido que ninguém visse o vestido que ela usaria naquela noite, nem contara nada sobre ele - embora a própria Beatrice tivesse ajudado ela a escolhê-lo dias antes, quando a tinha ido buscar para fazerem compras juntas.

Ela estava toda de branco, dos pés à cabeça. Mas não havia nada de apático na sua aparência. Ela cintilava sob a luz das lamparinas. O ruivo de seu cabelo parecia destacado pelo branco do vestido, assim como o leve rosado em suas bochechas e boca. Havia duas camadas no vestido; a interna era sedosa e a exterior, rendada. Tinha a cintura alta, abaixo da linha do peito, e um corte jovial, elegante, perfeito.

Fitas brancas se entremeavam aos cachos de seu penteado. Ela usava luvas e sapatos brancos, além de um leque prateado. Embora não fosse a maior fã daquele tipo de exibição pública, que tinha como interesse praticamente vender a mulher como um produto a ser adquirido, Triz não pôde deixar de se orgulhar do próprio trabalho.

— Está linda como uma pintura, senhorita Dashwood. — Zachary disse, nada original.

— Eu não posso vê-la, — Will falou. — mas estou certo que Rodwell nunca esteve tão certo antes, irmãzinha.

Cecily sorriu para os dois e cinco minutos depois estavam os quatro espremidos dentro da carruagem da família Bedwyn.

— Will, — Ceci disse, pousando uma mão enluvada na do irmão. — você é mesmo uma rocha. Estou tão apavorada que tenho certeza que o som dos meus dentes batendo vai abafar o da orquestra quando eu chegar e todo mundo vai torcer o nariz e mamãe me acusará de arruinar o baile e a reputação da família. Claro, você não precisa ficar assustado. É Lorde Bedwyn, ex-oficial do exército de Sua Majestade, enquanto eu sou só a sua irmãzinha mais nova. Você acha... Ah, estou falando pelos cotovelos. Nunca faço isso. Mas estou aterrorizada.

Ela riu nervosamente. Estava claramente a beira da histeria.

— O pior já passou, — foi Beatrice quem respondeu. — E você se saiu maravilhosamente bem, Cecily, pelo que Will me disse.

Ela sorriu timidamente para Triz. Will apertou sua mão. Isso pareceu fazê-la relaxar, um pouco.

Pouco depois, quando subiram as escadas para a mansão na Hanover Square e entraram, Beatrice teve uma rápida noção das vastas dimensões, das centenas de velas nos candelabros altos e sem candeeiros nas paredes, da fartura de flores e do reluzente piso de madeira, de espelhos e pilares, da nata da aristocracia vestida com suas melhores roupas e as joias mais caras.

Para Cecily, o impacto inicial foi mais que momentâneo. Afinal, sua família tinha feito tudo isso para ela - ou, ao menos, para o bem de sua estréia na sociedade. Bea a escutou arquejar  e a viu olhar de um lado para outro, para cima e para baixo, como se não pudesse absorver o suficiente do primeiríssimo salão aristocrático de seu primeiríssimo baile da aristocracia.

Will explicara a Triz que antes de debutar, Cecily só havia saído de casa para fazer passeios ao ar livre, como no dia da regata, visto que ainda não podia comparecer às festas da sociedade. E uma única vez participara de uma cerimônia intimista e familiar, o casamento do Duque de Barclay, para o qual William fora convidado. Mas só.

De modo que Triz entendia como para ela tudo aquilo provavelmente estava sendo deslumbrante.

Por sorte, eles não encontraram diretamente com Lorde e Lady Dashwood, embora tivessem os visto - ou, no caso de Will, não visto - pelo salão. Triz ficou sentada assistindo às danças com William a seu lado. Como ainda estava em luto parcial, não seria muito adequado sair rodopiando por aí. Mas isso não importava tanto; Porque se ela pudesse dançar, seria esperado que ela dançasse com William, que toda sociedade já sabia que estava lhe fazendo a corte, e Will...

Bom, Will não podia dançar.

Bea não pôde dançar com ele. Mas pôde relaxar e conversar com ele enquanto mantinha os olhos em Cecily Dashwood. Não havia motivos para preocupações, realmente. Ela era bonita e vivaz o suficiente para atrair um número mais que suficiente de parceiros, mesmo se não tivesse outras qualidades. Mas haviam. A jovem era muito comunicativa, inteligente, bem-humorada, e isso lhe concedia uma aura atraente e difícil de ignorar.

Além disso, era irmã de Lorde Bedwyn, ex-oficial do exército de Sua Majestade. Esse fato logo criara agitação no salão, depois de ter sido sussurrado para algumas pessoas. E mais importantes, talvez, fossem os boatos de que a Srta. Dashwood, sendo irmã não de um, mas de dois lordes aristocratas, era tão rica quanto suas concorrentes mais disputadas.

A tarefa da Beatrice, na verdade, se consistiu em nada mais que selecionar os cavalheiros que queriam dançar com a jovem, para que nenhum canalha ou caçador de fortunas tivesse essa chance. Ela tinha recebido longas aulas de Zachary sobre todas as famílias ativas na temporada, seus parentescos e as famas de todos os indivíduos masculinos solteiros que as integravam, e pegara mais algumas dicas com as aulas de Jennie naquela tarde.

Ela não mencionou ao irmão, é claro, que o objetivo daquela consulta era dar a Cecily Dashwood mais opções além do próprio Zachary.

Cecily teve sua primeira dança com ele, apesar de tudo; a segunda, com David Grattin, filho caçula de sir James Grattin; e a terceira, com Peter Ortiz, que não tinha a melhor das famas, mas que comportou-se de modo bastante adequado com Cecily, de modo que Triz o tinha permitido passar por sua rígida régua...

Por enquanto.

O Duque de Barclay, um dos amigos de William - aqueles sobre os quais ele falara tão ternamente, seus colegas sobreviventes da guerra - tinha se comprometido com a dança do jantar, embora tivesse tido o cuidado de não optar pela valsa. O Duque era casado, afinal, e uma valsa era uma dança ainda bastante mal vista pelos mais tradicionais devido a intimidade que sugeria. Mas Beatrice não acreditaria que a dança que ele escolhera seria mal vista, considerando que todos pareciam saber da amizade entre ele e William.

E ser vista na companhia do duque durante a dança e o jantar só poderia beneficiar Cecily. Homens tinham esta tendência estúpida de ir atrás de seus semelhantes. Se um homem de influência dava atenção a uma moça, era como se aqueles ao redor começassem a farejar nela algum feromônio que automaticamente a tornava interessante.

E não havia nenhum homem de maior influência na sociedade londrina que um duque. 

Num dos momentos em que Cecily estava livre da companhia de seus recém-conquistados admiradores, ela se aproximou de Beatrice e William e começou a dar um relato ansioso de cada momento do baile até então. A moça praticamente borbulhava de empolgação ao falar. Ela não sabia nada sobre manter um elegante ar de tédio - ainda bem, pensou Triz.

Não havia nada mais ridículo do que uma jovem recém-saída da escola, vestida em branco virginal, que se mostrasse entediada e cansada da vida diante de mais um baile e mais um parceiro.

O Duque de Barclay foi então ao encontro deles e Cecily encarou-o com olhos levemente arregalados. Beatrice não pôde condená-la. O Duque era um homem alto, austero, com um olhar rígido e uma presença quase esmagadora de tão imponente.

— O senhor foi oficial? — perguntou ela. — Conheceu William na Península Ibérica?

— Infelizmente não, Srta. Dashwood. — respondeu ele. — Embora eu tenha o conhecido depois que voltou de lá, no Chalé, enquanto nos recuperávamos de nossas experiências na guerra. Ele era um narcisista metido a piadista, mesmo naquela época, e eu poderia odiá-lo por isso, se ele não tivesse um coração tão bom.

Cecily riu encantadoramente daquele relato. O Duque então estendeu uma das mãos, e a moça lhe entregou uma das mãos enluvadas, surpresa. Ele a levou aos lábios com delicadeza.

— William mencionou a existência de uma irmã. — prosseguiu o Duque. — Tenho certeza que sim. Mas ele não mencionou, esse bandido, que ela era... que ela é... Uma das mais belas damas do país.

Ele acertou em cheio no tom.

Cecily contemplou o irmão com adoração por alguns segundos, então, ruborizada, olhou novamente para o Duque. Como é maravilhoso ser tão inocente, pensou Bea. O Duque falara de tal forma que a lisonja claramente fora motivada mais por gentileza do que por flerte. Seus modos eram quase paternais, embora ele com certeza tivesse menos que trinta anos.

Devia ter deixado toda sua jovialidade para trás em algum campo de batalha.

— Talvez não devesse mencionar isso a Lady Barclay, Aiden. Não sei se ela gostaria de ouvi-lo elogiar outra moça assim. — Will brincou, olhando o amigo com sugestividade. Estava claro que o estava provocando.

O Duque não mudou de expressão ao acrescentar:

— Peço que me perdoe, Srta. Dashwood, por não considerá-la a dama mais bela do país. Este posto já é ocupado por minha esposa.

Ele pareceu ter dito aquilo por dizer. Mas Bea não conseguiria ter certeza, já que não o conhecia muito bem. De todo modo, Cecily voltou a rir, encantada.

— Tem todo o meu perdão, Vossa Graça. E Lady Barclay tem toda minha inveja, por ter um marido tão atencioso. Espero ter a mesma sorte que ela.

Aquelas últimas palavras pareceram deixar o Duque um tanto desconcertado... Ele olhou a menina por um segundo, como se não soubesse o que dizer... Mas então Will o ajudou, sorrindo gentilmente para a irmã:

— É claro que terá, Ceci. É claro que terá.

Depois disso, os casais se juntaram no centro do salão para a dança do jantar. O Duque dançava com uma fluidez séria, executando os passos muito perfeitamente, mas sem aquele ar de leveza de quem tinha prazer da atividade. Enquanto os outros casais pareciam aproveitar a dança para ultrapassar a respeitabilidade, ele manteve uma distância muito correta de Cecily, quase distante demais para o que seria ideal para a quadrilha que dançavam.

Era evidente que ele estava tentando tornar tudo muito respeitável para quem estava assistindo. A sociedade precisava de muito menos que um abraço exageradamente próximo para começar um boato. E ele era um homem casado. Triz achou muito bondoso da parte do Duque se esforçar em prestar aquele papel, mesmo ciente desse risco.

Pois é claro que Cecily ficou radiante durante toda a dança. Em alguns momentos Triz pôde ver o Duque lhe dizer algo, e ela sempre ruborizava e sorria em resposta. Ela estava encantada além do que as palavras podiam definir. Quando a música acabou, eles voltaram para perto de William e Triz.

Não demorou muito para que Cecily fosse arrebatada pelo próximo nome em seu cartão de dança para a valsa que estaria começando em alguns minutos. Quando ela partiu, o Duque se voltou para Will e Abby.

— William, não me apresentará a dama que o acompanha? — o Duque perguntou ao Visconde, muito categoricamente.

— Ah, que rudeza a minha! — Will exclamou. — Não os apresentei mais cedo, não foi? Aiden, meu caro, esta adorável moça é a senhorita Beatrice Rodwell.

— Vossa Graça. — Beatrice fez uma reverência.

O Duque olhou-a demoradamente, como se a analisasse... Beatrice teve a sensação estranha de que aquele olhar afiado era capaz de enxergar através dela.

— É um prazer, senhorita Rodwell. — ele disse, após um minuto. Seu tom de voz era educado. Só.

Então, mesmo que nada mais tivesse sido dito por parte do Duque, William sorriu para ele e acrescentou:

— Estou me agarrando a vã esperança de conquistar o interesse da linda e inteligente Beatrice. Estou tentando convencê-la de que sou um bom partido.

O Duque lançou um olhar claramente surpreso para o amigo cego. Suas sobrancelhas ergueram-se. Ele voltou a olhar para Beatrice. Então olhou William.

— Ora, — murmurou. — isto é inesperado.

Bea sorriu, sem graça, e sentiu as bochechas esquentarem. Até então, William nunca dissera com todas as palavras aquilo para ninguém - é claro, pois não era algo que se dizia abertamente daquele jeito a outros. O cortejo - pelo menos o público - era feito sempre com gestos e palavras implícitas, pois qualquer coisa além disso era considerado inadequado.

— Não me desejará boa sorte, meu amigo? — Will questionou o Duque, ainda sorrindo.

O semblante do Duque ainda estava dominado de estranheza, e ele parecia francamente confuso. Mas talvez tivesse percebido que aquela era a intenção de William - deixá-lo com cara de bobo, pois retomou sua expressão usual e disse:

— Acredito que eu deva desejar boa sorte à dama, não a você.

William gargalhou. Triz sorriu levemente, decidindo que, embora fosse um tanto intimidante, o Duque tinha algum senso de humor.

— Mas sinto que não posso permanecer mais por tempo o suficiente para isso. — O Duque acrescentou. — É hora de retornar a minha casa onde, como você muito notavelmente me recordou, minha esposa está.

— Ah, as maravilhas da vida de casado. — Will declarou, zombeteiro. Mas então seu semblante adquiriu um tom mais sóbrio, e ele pôs-se de pé, estendendo a mão na direção do amigo. Talvez prevendo qual era sua intenção, o Duque virou levemente de lado, para que sua mão alcançasse seu ombro.

William apertou-o levemente, com camaradagem.

— Obrigado, Aiden. — disse, com sobriedade. — Obrigado mesmo. Pode ter sido algo pequeno para você, mas Cecily se gabará dessa noite o resto de sua vida.

O Duque não disse nada, mas deu um tapinha no ombro do Visconde, antes de se despedir e partir para fora do salão. Quando ele se foi, William voltou-se novamente para Beatrice, inclinando-se um pouco em sua direção ao dizer:

— Eu tenho uma surpresa para você.

Abby ergueu as sobrancelhas.

— Para mim?

— Sim. — ele concordou. — Mas você vai precisar esperar um pouco para recebe-lo. Ele ainda não chegou a Londres.

Beatrice encarou-o com suspeita, os olhos estreitados.

— O que você poderia pensar em me dar?

William gargalhou.

— Ah, você não vai arrancar essa informação de mim antes da hora. — devolveu. — Eu estou com sede. Pode me dizer onde fica a mesa de bebidas, Abby, para que eu possa ir pisoteando alguns pés com minha bengala até lá?

— Eu posso ir com você.

Ele franziu o cenho.

— Não precisa. — retrucou. — Que tipo de cavalheiro eu seria se não pudesse nem mesmo pegar uma bebida para a dama que estou cortejando?

Ele colocou-se de pé, e ela o instruiu mais ou menos que caminho deveria seguir. Bea sabia que não deveria demonstrar pena. William era totalmente averso a isso. Era importante para ele fazer as coisas sozinho, por mais difíceis que pudessem ser sem sua visão.

Quando ele foi embora, Triz teve um instante para prestar atenção em seus arredores... Todos dançavam e os que não dançavam permaneciam às margens do salão, como ela, conversando. Mesmo sem intencionar, ela começou a perceber e a prestar atenção nas coisas que os outros diziam. Divertiu-se com isso por alguns segundos, ouvindo as fofocas sobre uma tal de Senhorita Allen e um Sir Hopkins casarem-se após a barriga da senhorita começar a elevar-se de maneira chamativa.

Em meio as conversas que surgiam e desapareciam à medida que seus faladores passavam ao lado de Triz e partiam, no entanto, houve uma frase em específico que Beatrice acabou captando e que fez seu estômago revirar-se, e não de riso:

Lady Hazeltine e o marido vieram a Londres para o auge da temporada.


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