1812 — Interativa escrita por Holtzmann


Capítulo 18
Capítulo XVI


Notas iniciais do capítulo

Hellooo!
Quem é vivo sempre aparece, e cá estou eu. Demorei um pouco para liberar esse capítulo, mas por fim, consegui trazê-lo até vocês e, para compensar minha demora ( pardon me, darling ones ), eu me permiti escrever o quanto quisesse. E esse foi o resultado.
Eu espero que vocês estejam acompanhando e aproveitando essa aventura comigo. Apesar do cansaço da rotina, para mim está sendo um prazer escrever essa história e viver ela com vocês. Lembrando que toda crítica é aceita, tanto construtiva quanto destrutiva! Essa história é tão de vocês quanto minha, e vocês tem todo o direito de opinar quando algo desagrada a vocês
Sem mais delongas, vamos ao capítulo!



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Casa Fernsby, 1812

 

Adelaide tinha chegado a Londres no domingo, um dia depois do último encontro de Ophelia com Levi Holroyd.

Ela não enviara nenhuma missiva preparando Jo para sua chegada, nem um bilhete, nada. Quando se encontraram, ela dissera a irmã que tinha desejado fazer uma surpresa a ela. Afinal, não era nada comum que o Baronete de Fernsby fosse à Londres. O cunhado de Ophelia sempre tinha preferido o interior, e sua esposa nunca tinha discordado dele, embora Jo soubesse o quão Adelaide apreciara seu début na capital anos antes.

Quando a viu, algo apagado dentro de Ophelia voltou a se acender. Percebeu como andava sentindo falta da irmã - na verdade, de qualquer rosto minimamente familiar. Jo tinha passado o Natal com ela e sua família no final do ano anterior, então fazia menos de seis meses que a tinha visto, mas quando aqueles cachos dourados se sacudiram enquanto Ade corria para abraçá-la, pareceu que fazia muito, muito mais tempo desde então.

Ela correu, a abraçou e ficou dando pulinhos e gritinhos muito pouco dignos de uma dama - parecia que algumas coisas nunca mudavam, afinal. Depois dela tinham seguido Alice e Norman, os filhos de Adelaide e sobrinhos de Jo, que se juntaram ao abraço coletivo. Fernsby ficara um pouco mais atrás, olhando contidamente a cena, com as mãos atrás das costas.

Até que sua esposa o puxara e o forçara a se juntar ao abraço.

Depois que toda agitação tinha passado, Adelaide convidou Jo para a casa de Fernsby, para tomar um chá com ela, disse. Mas Ophelia sabia que a verdadeira intenção da irmã era outra - aquele chá, na verdade, nada mais seria que um interrogatório.

Nele, Jo teria que listar toda a infinita quantidade de eventos que Adelaide perdera naqueles meses em que não tinham se visto - embora a mais velha tivesse o hábito religioso de se comunicar com ela por cartas, contando-lhe tudo de interessante ou, no caso da vida de Jo, majoritariamente desinteressante, que acontecia.

Na última dessas cartas, Ophelia tinha comunicado a irmã sobre o iminente fim de seu serviço à família Dashwood. E esse acabou sendo o ponto de partida da conversa delas quando as duas conseguiram se sentar na sala de chá da Casa Fernsby, enquanto o próprio Fernsby, coagido pela esposa, fazia o favor de entreter as crianças enquanto as mulheres resolviam seus assuntos femininos.

Fernsby estremecera ligeiramente quando a esposa tinha usado aquelas palavras. Ele claramente não tinha o desejo de se intrometer nesses assuntos, quaisquer que fossem.

— Ah, Jo... —  Ade suspirou, enquanto servia uma xícara para a irmã mais velha. — É tão bom estar de volta, não consigo nem expressar o quanto.

Ophelia sorriu. Adelaide sempre tinha sido muito diferente dela. Ade tinha nascido para a agitação, para a dança, a luz e o riso. Tinha sido uma criança peralta, uma jovem sonhadora e impulsiva e, embora agora fosse uma mulher, uma esposa e uma mãe, muito desse espírito ainda habitava nela.

 Quando ela fizera seu debút, aos dezoito anos, aquele fora o auge de sua felicidade até então - Jo duvidava que tinha havido moça mais atraente que ela. Sua irmã era bonita, claro; com os cachos loiros e a pele de porcelana impecável. Mas muitas jovens eram bonitas. O diferencial de Ade era outro.

Havia um birlho nela, um senso inato de diversão, de vitalidade. De esperança. Ela emanava uma energia que era difícil de ignorar. Quando estava feliz ou animada, ela parecia emitir uma luz que vinha de dentro dela... E Ade era uma pessoa alegre e animada e por natureza. A princípio Jo achara que aquilo era somente devido a juventude dela... Afinal, toda jovem debutante tinha aquele espírito de inocência doce.

Mas Ade já tinha vinte quatro anos agora, era casada e mãe de dois filhos. Ainda assim, Jo ainda conseguia ver essa mesma luz ali, espreitando por trás de seu sorriso. Tinha sido aquela luz que tinha iluminado as sombras de Jo em seu pior momento, enquanto se recuperava do incêndio e do que ele fizera com seu corpo e sua mente.

Adelaide era mais que sua irmã caçula - Ophelia suspeitava que ela a tinha tirado da beira de um precipício que tinha ameaçado engoli-la. Por isso Jo a amava.

— Imagino que esteja muito feliz por pisar em Londres de novo. — respondeu, apertando as mãos da irmã mais nova quando ela as estendeu.

— Ah, sim! Com certeza! — Ade acenou efusivamente com a cabeça. — O interior é encantador mas, depois de um tempo, aquela tranquilidade começa a sugar a paz de qualquer pessoa. Avery não queria vir, a princípio, mas eu o convenci de que se não saísse daquela casa, eu entraria em histeria.

— E Fernsby certamente prefere não ter que lidar com histeria feminina — Jo supôs, erguendo uma sobrancelha.

— Oh, não, você descobriu meu plano maléfico — Ade riu. — Por favor, não conte a ele, os homens ficam mais felizes achando que eles nos conhecem melhor que nós os conhecemos.

Ophelia levantou a mão solenemente:

— Minha boca é um túmulo. Palavra de honra.

Elas beberam o chá que Ade tinha servido e continuaram conversando sobre algumas amenidades. Adelaide comentou sobre como Norman e Alice andavam nos estudos. Jo deu mais detalhes sobre o baile que seria feito após a apresentação de Cecily à rainha, e como a garota andava saltitando e rindo sozinha pelos corredores de tanta expectativa.

Cecily lembrava muito Jo da própria Adelaide, embora não costumasse falar isso em voz alta para ninguém. Talvez esse tivesse sido um dos motivos pelos quais se apegara tão rápido e tão profundamente a Cecily. Jo tinha um carinho enorme por ela, muito superior ao carinho comum de uma professora por sua aluna.

Elas continuaram conversando e, inevitavelmente, chegaram ao assunto de Levi Holroyd. Jo não planejava mencioná-lo para Adelaide - não porque não confiava na irmã, ou temia sua reação. Mas porque seus encontros escondidos - ela gostava de pensar neles assim, embora sempre tivesse encontrado com ele ao ar livre, com os olhos de Londres inteira sobre eles - com Levi Holroyd pareciam um segredo. E Jo tinha muito poucos segredos só seus, quase nenhum, na verdade.

Mas pareceu injusto - até um tanto errado - esconder isso de Ade. Até porque aqueles encontros não tinham sido nada demais. Só caminhadas casuais com um cavalheiro, acompanhadas de conversas muito apropriadas e seguras...

Jo suspirou. A quem estava tentando enganar? A última de suas conversas não tinha sido nada segura. Ele a tinha chamado de uma companhia segura, por ser uma governanta - o que era bem ofensivo, se parasse para pensar devidamente - e depois tinha dito que, caso ela não fosse tão segura daquele jeito, ele se sentiria tentado a atrair sua interesse.

Não, a seduzi-la.

Ela ficou inquieta só de se lembrar. Inquieta e frustrada consigo mesma. Porque tinha gostado daquilo - daquela sugestão implícita de que tinha capturado a atenção e interesse dele. Até então, encarara as tentativas de conversa e convites dele como simples simpatia. Tinham começado com o pé esquerdo, sim, mas depois desse pé ajustado, ela tinha saboreado todos os momentos de suas caminhadas e os revivido repetidamente várias vezes então, dentro de sua memória.

E ficara lisonjeada - estupidamente lisonjeada e meio sem fôlego - por aquelas palavras atrevidas.

Essa sensação se intensificara consideravelmente depois da carta da Viscondessa.

As correspondências de Jo nunca eram muitas, e sempre eram as mesmas; as cartas que trocava com Ade, com Adam e com Bertha e, ocasionalmente, em feriados e datas esporádicas, com a mãe. Não tinha mais ninguém com quem ela mantivesse nenhum contato nem tivesse qualquer amizade próxima fora sua família.

Então quando ela recebera aquela carta de papel desconhecido, com aquele selo de cera clara que nunca tinha visto... Bom, ela tinha sido dominada pela curiosidade. Pensou até que talvez fosse uma carta de convite para algum tipo de seleção ou entrevista.

Mas ela nunca podia imaginar o que a estava esperando.

A Viscondessa de Berwick disse como tinha ficado contente em rever o Senhor Holroyd após tanto tempo, e por isso não pudera perder a chance de interromper o passeio dos dois para cumprimentá-lo - nem de convidá-lo para o sarau que ela planejava organizar na Casa Berwick na segunda-feira. Pediu desculpas pela sua indiscrição, e disse...

Que ficaria muito feliz se Jo os honrasse com sua presença.

Ophelia tinha relido aquele trecho da carta mais de uma vez, para conferir se não tinha entendido errado. A Viscondessa de Berwick estava a convidando? Uma mulher desconhecida, que ela só encontrara casualmente numa caminhada pelo parque? Só podia ser um engano. Jo sabia que aqueles convites raramente tinham haver com amizade ou intimidade, e muito mais com status, mas ela não tinha nem uma coisa nem outra.

Talvez tenha sido por isso que mencionou o assunto para Ade. Ela estava de frente a um dilema. E para explicar sobre o convite da Viscondessa, ela precisava falar sobre Levi Holroyd. Só havia um problema. Adelaide, apesar de ter amadurecido consideravelmente, ainda era bastante...

— Ah, Jo! — a mais nova exclamou, mal ela tinha terminado de contar sobre a segunda e última caminhada que tinha dividido com o Senhor Holroyd. Naturalmente, Jo tinha excluído a parte mais... Indiscreta, daquela conversa. Mas isso não pareceu nenhum impedimento para Ade começar a fantasiar. — Isso tudo é tão romântico!

— Romântico? — Jo fez uma careta. — Acho que entendeu errado, Ade. Não há nada entre eu e o senhor Holoyd além de um sentimento de simpatia. Talvez de amizade.

Adelaide revirou os olhos:

— Você é sempre uma estraga prazeres. — falou. — Ah, Jo, ele tem uma queda por você? Se tiver, que homem sensato que ele é. Ele é bonito? Tão bonito quanto seu patrão, o Visconde?

— Ade... — Ophelia começou.

— Jo! — sua imã exclamou, em tom de repreensão. — Você precisa aceitar o convite da Viscondessa!

Ela balançou a cabeça.

— Você não por estar falando sério, Ade. Com certeza a Viscondessa se sentiu na obrigação de me convidar só porque eu estava com o senhor Holroyd no parque.

— Ah, como você consegue ser cabeça-dura, quando quer! — Ade reclamou. — Ela a convidou por causa do Senhor Holroyd, mas não pelo motivo que você acha. Ela já tinha feito o convite por educação no parque, não tinha? Então não era obrigada a formalizá-lo numa carta, a não ser...

Jo refletiu um pouco, então franziu o cenho:

—... Que me quisesse lá. — concluiu, baixinho. — Mas por que ela iria me querer lá? Não faz sentido. Nós não somos amigas, nem conhecidas direito, além disso...

Adelaide gesticulava efusivamente, como se tentando desenhar a informação para ela num quadro:

— O Senhor Holroyd pediu a ela, é claro!

Jo se encolheu na cadeira. Seria isso, então? Teria mesmo ele influenciado a Viscondessa a convidá-la? Eles eram parentes, não eram? Ao menos fora isso que ela tinha dito no parque. E seria muito indelicado da parte dele, até inapropriado, convidar uma dama solteira - mesmo que ela já fosse uma solteirona - para um evento que se quer era seu.

Difererente de encontrá-la ocasionalmente à convite da anfitriã.

Mas ah, não podia ser. Ade estava indo longe demais com a própria imaginação. Ela sempre tinha sido dada a arroubos e sonhos românticos, quando mais nova. Embora ela mesma não tenha feito um casamento exatamente romântico. Ade apreciava Avery, seu marido, mas não tinha casado com ele por uma paixão arrebatadora.

Parecia, no entanto, que ela queria que a irmã vivesse o que ela não tinha vivido. O que era uma intenção muito doce, que emocionou Ophelia. Só tinha um problema.

Tudo aquilo não passava disso: um sonho. Não existiam sonhos de verdade, não na vida real. Jo sabia isso por experiência própria.

— Ah, Ade... — começou. — Eu não sei...

— A Viscondessa convidou você. — sua irmã disse. — Você é uma dama por nascimento, Jo. Tem todo o direito de aceitar e ir.

— Mas...

— Além disso, — Ade a interrompeu. — faz muito tempo que não tem a chance de se divertir.

— Ei, eu me divirto sim! — Jo exclamou, num tom meio ofendido. — Eu estava falando a você agora sobre...

Adelaide revirou os olhos.

— Caminhadas, sim, mas caminhadas não são diversão. — ela emendou. — Saraus, no entanto, tem comida boa e abundante, e geralmente tem dança. Dança, Jo! Quanto tempo faz que você não dança?

Fazia muito tempo.

Mas mesmo que Ophelia tivesse a ousadia de comparecer ao sarau, ela provavelmente faria papel de ridículo pelo simples motivo de que, embora fosse uma dama por nascimento, não tinha a vida ou a renda de uma.

— Eu não tenho roupas para isso, Ade. Nem adornos ou criatividade para me arrumar. — Jo disse. — E não posso usar nada do meu guarda-roupa num evento desses. Tudo é escuro e fora de moda.

Os olhos de sua irmã brilharam:

— Ah, isso não vai ser um problema.

Dessa forma, Ophelia viu-se sendo arrastada à Oxford Street. Ela não tinha dinheiro para gastar com um vestido na Bond Street, mas poderia encontrar algo na Oxford se soubesse onde procurar, Ade garantiu.

Elas pularam de loja em loja, de rua em rua, e até se estreitaram pos uns becos um tanto suspeitos que Jo desconhecia, mas que Ade parecia conhecer como a palma de sua mão. Jo colocou e tirou vários vestidos e descartou praticamente todos. Sempre que gostava de algum, Adelaide o rejeitava dizendo que era igual a todos os outros que ela tinha.

Então Jo olhava ele, e percebia que realmente, era mesmo.

Em contraponto, todos os vestidos que Adelaide gostava pareciam demais para Jo. Cores como rosa, amarelo, laranja... Ade se dava bem com roupas coloridas daquele jeito, mas elas não tinham nada haver com Jo. Não realmente.

Quando o domingo já estava perto de acabar, Jo estava prestes a desistir daquela empreitada. Ela já não queria tanto ir, pensou - embora as palavras de Ade tivessem soado bastante sedutoras, quanto mais ela pensava nelas. Outra oportunidade apareceria, pensou, embora soubesse que é claro que aquilo era mentira - não era todo dia que uma Viscondessa comvidava ela para um sarau da alta sociedade.

Mesmo assim, ela estava prestes a pedir para Adelaide para voltarem, quando sua irmã insistiu que entrassem numa última loja para provar um último vestido. Quando Jo o colocou, sua irmã começou a bater palminhas, pulando no lugar onde estava:

— É esse! Ah, Jo, é esse!

Quando a segunda-feira chegou e, junto com ela, a inevitável ida ao sarau, Jo viu-se ansiosa.

Quando chegou a hora de se aprontar, ela colocou o vestido de seda azul que Adelaide a fizera comprar - era um modelo de cintura alta com um decote discreto, mangas curtas e bufantes e bordados com fios prateados na barra e na beirada das mangas. Ophelia achou um desperdício usar aquele vestido tão bonito - ninguém o notaria, de qualquer modo. Ele não notaria. Por que notariam ela, uma completa estranha, em meio aos outros convidados conhecidos entre si, que certamente estariam presentes e faziam parte do mesmo círculo social?

Jo tentou arrumar o próprio cabelo sozinha - mas Adelaide disse que o tinha feito com muita severidade, e que aquilo não serviria, e desfez todo o seu trabalho. Não deveria tê-lo lavado. Ficava sempre mais sedoso e indomável no primeiro dia.

— Sente-se e me deixe fazer isso direito. — Ade falou.

Ser mimada por Adelaide era uma sensação estranha à Ophelia. Provavelmente porque ela se acostumara a ser ela a cuidadora. Ade era sua irmã caçula, afinal, e sempre tinha permitido que Jo fizesse seu papel de irmã mais velha, mesmo quando talvez não se sentisse tão confortável. Era o modo delas dizerem uma a outra o quanto se amavam, Jo achava.

Assistir sua irmã modelar seu cabelo fez com que Jo acalmasse os próprios nervos, pelo menos um pouco, até o momento em que a carruagem alugada chegou à porta da Casa Fernsby.

A mansão Haylock era muito parecida com suas semelhantes do bairro de Mayfair. Mas ela contava com um pequeno jardim na parte da frente, onde narcisos e outras flores floresciam em abundância. Os narcisos, diferente do resto, cresciam livremente, fora de seus canteiros, espalhados pelo chão. Pareciam como pequenas gotas de sol salpicadas na grama.

Havia talvez quinze pessoas reunidas no salão quando Ophelia foi anunciada. No entanto, o aposento parecia estar bem mais cheio, e era difícil se convencer que seus ocupantes eram iguais a todo mundo, não devido aos títulos nobiliárquicos que provavelmente tinham, mas devido ao fato de que ninguém ali levavam uma vida se quer parecida com a de Ophelia. Eram universos praticamente opostos.

Na verdade, Jo era obrigada a admitir que havia apenas um naquele grupo a quem ela temia - e ansiava - encontrar e ele não era um desconhecido.

 Quando chegou à porta, por um momento Jo não soube muito bem o que fazer, mas então o mordomo pediu-lhe seu cartão - que ela não tinha, é claro - e em troca ela sussurrou, meio atabalhoada:

— A senhorita Ophelia Joanne Wright.

O mordomo ergueu uma sobrancelha inquisitiva:

— A senhorita Ophelia Joanne Wright de...?

— Ah, — Jo piscou. — de Midlands.

Então o mordomo virou-se e anunciou seu nome aos convidados.

Ophelia ficou parada, por um momento, passando os olhos sobre aquela pequena multidão... Dentro da qual estava Levi Holroyd, e também...

Oh, céus, graças a Deus.

— Milorde, Visconde Bedwyn. — Jo desceu a escadaria o mais devagar e naturalmente possível, mas sua vontade realmente era de correr até o Visconde. Nunca ficara tão feliz em vê-lo em sua vida.

O Visconde virou-se na direção de sua voz, com uma expressão de surpresa.

— Senhorita Wright. — ele falou. Então abriu um sorriso caloroso. — Como é bom encontrá-la, embora isso seja muito inesperado. Veio na companhia de alguém?

— Oh, bem... — Jo começou. Então notou que o Visconde não estava sozinho. Ao lado dele estava uma jovem de cabelo loiro e olhos claros, muito bonita... E desconhecida a Ophelia. Ela usava um vestido cor-de-lavanda que sugeria um luto parcial.

— Ah, que maus modos os meus. — o Visconde disse. — Senhorita Wright, apresento a você a senhorita Rodwell. Abby, essa é a senhorita Wright, que trabalha como... — ele fez uma pausa. Então concluiu, com um sorriso: —... Que é muito querida por Cecily e por mim.

— É um prazer. — Jo disse para a moça, que lhe abriu um pequeno sorriso em resposta.

Seria ela alguma amiga do Visconde? Ophelia não se lembrava de tê-la visto antes embora, naturalmente, ela mal visse o próprio Visconde. Seria uma conhecida, ou talvez... Ah, um interesse romântico do Visconde? Ophelia tentava ao máximo nunca ser curiosa a ponto de ser indiscreta, mas foi incapaz de evitar, naquele momento.

— Senhorita Wright, — a Viscondessa apareceu, usando um vestido de seda verde-clara e um sorriso no rosto. — ah, como é bom vê-la. Pensei, por um momento, que se sentiria desconfortável em aceitar meu convite.

Ophelia abriu um sorrisinho para a mulher:

— Eu agradeço o convite, senhora. Foi muito gentil.

— Ora, deixe-me apresentá-la os outros, sim?

Lady Florence Haylock era tia-avó do jovem Visconde de Berwick, uma mulher mais velha, com cabelo mais branco do que negro agora e uma pele que parecia papel amassado. Mas, apesar da idade, tinha uma presença elegante, austera, formidável.

— Tia Florence também é relacionada ao querido Levi, — a Viscondessa acrescentou para Jo. — ela o ajudou a bancar seus estudos em Edimburgo.

Lady Florence estalou a língua.

— Um grande desperdício George fez, não aceitando financiar o garoto. — disse. — Existem mais homens que se julgam inteligentes do que homens de fato inteligentes nesse mundo, veja bem. George e Levi são um excelente exemplo disso.

George. Aquele nome já tinha sido mencionado antes pelo Visconde, no parque. Seria algum parente do senhor Levi? Seu pai, talvez? O Visconde sugerira que quem quer que ele fosse, ele e Levi haviam se separado devido a escolha de Levi de se tornar um médico. E agora Lady Florence dizia que ele se negara até a ajudá-lo nos estudos.

Oh, bem, ela tinha a impressão que descobriria mais logo logo.

O Marquês de Stanbrook, filho do Duque de Kennard, era um rapaz esguio e bem-apessoado - com dezenove, não mais que vinte anos. Era muito parecido com a mãe, a Duquesa de Kennard, que o acompanhava. A Duquesa era alta, com uma bela silhueta, embora já estivesse mais para o lado dos quarenta que dos trinta, cabelo muito ruivo e uma beleza madura atordoante, com talvez um vago traço estrangeiro - Ophelia suspeitou que talvez fosse escocês.

Jo concentrou-se em cada apresentação, sorrindo e fazendo um meneio para o resto dos convidados que se seguiram. Era quase como se ela acreditasse que, daquele modo, conseguiria evitar o contato visual com a última pessoa.

— E você já conhece Levi, acredito — disse a Viscondessa, assim que terminou as apresentações. — De fato, sei que o conhece.

Jo, ao lado dela, inclinou a cabeça.

— É muito bom vê-la de novo, senhorita Wright. — ele disse, e abriu um sorriso. Ophelia se sentiu uma tola por não conseguir evitar sorrir de volta.

O Visconde Bedwyn tinha se aproximado com sua acompanhante.

— Ah, Levi, é uma surpresa muito boa ter você e a senhorita Wright aqui. — ele falou, com astúcia cintilando nos olhos. — Imagino a quem devemos agradecer essa adorável coincidência.

Ophelia jurou, por um segundo, que os olhos de Sir Levi fuzilaram o amigo. Mas só por um segundo. Antes que ele pudesse responder, foi interrompido pela aproximação da Duquesa de Kennard, seguida por seu filho.

— Ah, Levi. — foi o que ela disse quando encarou o médico, unindo as duas mãos à frente do corpo. Abriu um largo sorriso. — Que maravilha é vê-lo.

A expressão de Levi ao ver a duquesa, num primeiro momento, foi de espanto. Ele pareceu indeciso, por um segundo, mas por fim, seu rosto suavizou-se. Ao mesmo tempo em que parecia um tanto tenso, ele parecia genuinamente feliz só em vê-la. Estendeu as mãos para ela, que as segurou ternamente.

— Lizzie, — ele respondeu, carinhosamente. — bela e impressionante como sempre. A idade fez bem a você.

— Está me chamando de velha? — a duquesa questionou, arqueando uma sobrancelha. Então riu. — Ah, esqueça, acho que estou ficando velha mesmo. Você, no entanto, nunca muda, não é? O tolo cortês de sempre.

O Marquês deu um passo a frente, abrindo os braços, e após um segundo de hesitação, o médico foi na direção dele, o apertando num forte abraço:

— Você também, garoto! Como cresceu!

O marquês riu. Jo achou seu sorriso muito parecido com o de Levi; era um meio-sorriso, meio astuto, meio amável.

— Tio Levi, — o marquês disse. — seu sacana, por onde andou todo esse tempo?

Tio Levi.

Ophelia assistia a tudo, muda. A senhorita Rodwell tinha a mesma leve impressão confusa que ela, mas o Visconde Bedwyn, por sua vez, apenas sorria. Parecia conhecer aquelas pessoas. Ah, é claro que conhecia - eram parentes de seu amigo.

— Ah, céus — a duquesa interviu. — Levi, Brendan, estamos sendo horrivelmente mal educados. Lorde Bedwyn, senhorita Rodwell, senhorita Wright, nos desculpem.

— É sempre refrescante presenciar um reencontro familiar, milady — o Visconde Bedwyn sorriu, fazendo aquela sua mágica de descontrair o ambiente com um simples sorriso. — Mas por favor, alguém me diga, é verdade mesmo que hoje teremos o prazer de ver a Viscondessa de Berwick tocar? Ouvi dizer que ela é extremamente talentosa.

— Ah, sim, ouvi o mesmo — a Duquesa concordou. — Também convenci Brendan a nos dar uma pequena amostra de suas práticas recentes no violino.

— Por tudo o que é sagrado, garoto, — Levi disse. — está tocando, agora? Não tem pena de atormentar os gatos da vizinhança?

Bebidas foram servidas e a conversa fluiu de forma surpreendente durante mais ou menos quinze minutos, quando o mordomo apareceu na porta para informar a Viscondessa anfitriã que o jantarestava servido. Claro que a conversa tinha fluído com facilidade. Aquelas pessoas pertenciam à alta sociedade. Ficavam à vontade em eventos sociais e eram adeptas da boa educação e da boa conversa.

A Viscondessa tinha feito a distribuição de lugares na mesa para o jantar. Jo se viu conduzida até o salão pelo braço bastante firme do Marquês de Stanbrook, enquanto o senhor Holroyd caminhava, mais atrás, de braços dados com a duquesa.

— É amiga de meu tio, senhorita Wright, eu suponho? — o marquês perguntou a ela, no meio do caminho. Não tinha nenhuma inquisição em sua voz. Ele parecia só estar puxando assunto.

— Ah, — Jo respondeu, abrindo um sorrisinho sem graça. — acho que “conhecida” seria o mais correto, milorde.

Então, Ophelia viu ali o que talvez fosse uma oportunidade, por isso, emendou:

— Então quer dizer que é o senhor é filho do Duque de Kennard, irmão do senhor Holroyd?

O marquês acenou.

— Isso mesmo.

Aquele era um mistério solucionado. Era hora de ir para o próximo.

— O duque não pôde comparecer ao sarau, por isso só você e a duquesa vieram?

O rapaz hesitou. Então olhou-a, abrindo um aquele meio-sorriso tão parecido ao do tio:

— É conhecida o suficiente de meu tio para saber sobre a relação entre ele e meu pai, suponho? — ele indagou.

— Talvez.

O garoto riu.

— Então sabe por quê meu pai nunca viria a este sarau.

Ophelia ergueu uma sobrancelha, acreditando que estava chegando finalmente a algum lugar:

— E você concorda com ele?

O sorriso do marquês murchou quase de imediato, seu rosto ficou severo, e ele voltou a olhar para frente:

— É claro que não, madame. Meu tio é inocente de tudo que é acusado.

Ophelia achou curiosa a reação do garoto. Se o único problema entre os irmãos Holroyd fosse apenas a escolha de Levi de se tornar um médico, como ela tinha entendido que era, por que a escolha daquelas palavras?

Meu tio é inocente de tudo que é acusado.

Levi, mais atrás, mantinha uma mão sobre a mão de Elizabeth. Ele não esperava vê-la. Por Deus, nem sabia que o Viscondessa tinha a intenção de convidá-la. Mas agora que ela estava ali... Ele se sentia indescritivelmente feliz. Fazia tanto tempo desde a última vez que tinham se visto frente à frente, que Levi nem se quer era capaz de se preocupar com o motivo pelo qual tinham ficado afastados tanto tempo.

— Lizzie, — começou, quando estavam quase chegando na sala de jantar. — como está...

Ele parou. Não devia fazer esse tipo de pergunta. Mas parecia que o instinto era mais forte que ele. Elizabeth olhou-o e sorriu, bondosamente:

— George? — ela completou, com delicadeza. — O mesmo de sempre, Levi. Mas... Ano passado, seu coração falhou, e desde então ele tem se tornado obcecado com Brendan e com sua educação. Mais do que o habitual.

— Seu coração? — Levi franziu o cenho, e sua memória o levou diretamente a um único caminho: Pai.

— Sim. — Lizzie anuiu. Parecia um tanto melancólica. — Brendan não está lidando muito bem com a situação.

Levi se remexeu, desconfortável.

— Ele sempre teve dificuldade em compreender o pai.

— Ele sempre teve dificuldade em perdoar o pai. — a duquesa corrigiu. Então apertou seu braço, acrescentando, baixinho: — Principalmente pelo que foi feito a você.

Levi fechou os olhos, se arrependendo de ter trazido o assunto à tona. Lizzie acrescentou:

— Ele sente sua falta. Brendan, quero dizer. Você sempre conversava com ele, lembra? E isso o ajudava, de algum modo. O ensinava a lidar com George. Mas agora...

— Sabe que é mais seguro mantermos distância. — Levi murmurou, em resposta.

Ela anuiu.

— Eu sei.

Levi olhou sua cunhada.

Elizabeth costumava dizer que ele fora o único que a acolhera, de fato, depois que ela se casara com George. Os dois eram muito jovens, então; Lizzie não passava dos vinte e quatro e Levi, dos dezesseis. George, no entanto, já era um homem adulto de trinta e dois anos, altivo e mergulhado em seu título e naquilo que ele trazia junto, tratando a todos, inclusive a própria esposa, como crianças.

A conexão entre eles fora inevitável - o irmão caçula rejeitado e a esposa negligenciada. E tinham deixado essa conexão ir longe demais. Ah, se Levi soubesse no que isso acarretaria...

— Você é boa demais para essa família. — viu-se dizendo à duquesa. — Nenhum de nós a merecemos.

Elizabeth ergueu as sobrancelhas, surpresa. Então sorriu, tristemente:

— Essa nunca foi uma questão de merecimento, foi? Ou de escolha?

Não. Nunca havia sido mesmo. Elizabeth não escolhera o homem com quem se casara, assim como Levi não escolhera a família em que tinha nascido.

O jantar correu sem nenhuma intercorrência. A duquesa, como esperado, recebeu o lugar de honra à direita do Visconde de Berwick,  seguida pelo Marquês. Então vinha a Viscondessa de Berwick, e o Visconde Bedwyn. À frente do Visconde cego, tinha sido colocada sua companhia, a senhorita Rodwell, e ao lado dela...

Jo.

Levi Holroyd assumiu o lugar do outro lado de Ophelia.

— Normalmente não costumamos ser tão formais. — o médico murmurou, em voz baixa para ela. — Acho que Gwyneth fez o jantar de hoje em homenagem aos convidados... Como você.

Jo teve de dar risada do quão ridículo aquilo soava:

— Bem, é bom se sentir importante. — respondeu. E era verdade.

Ele era um cavalheiro formidável. Os ombros eram estreitos, o cabelo penteado para trás caía na nuca. Agora, ela podia ver ali o irmão do Duque de Kennard. Porém, havia um sorriso à espreita em seu olhar. Algo que o fazia ser só Levi Holroyd, nada mais que isso. O que era um pensamento patético, considerando que ela não conhecia o homem tanto quanto não conhecia o irmão do duque.

A senhorita Rodwell, de seu outro lado, inclinou um pouco a cabeça para o lado:

— Acho que vou morrer de tédio. — murmurou, pegando Ophelia de surpresa. Ela se voltou para a jovem. — Ora, me perdoe o desabafo repentino. Você é a senhorita Wright, certo? Will me disse que é governanta de Cecily.

Jo se endireitou na cadeira, pronta para alcançar a taça de vinho que lhe fora servida e encarar qualquer tentativa de menosprezo:

— Sim, sou, madame.

Mas a moça sorriu levemente:

— É bom não me sentir totalmente sozinha nessa.

Jo a olhou com curiosidade.

— Ah, mas e o seu título?

— Filha do Visconde de Whitmore. — a jovem respondeu. — Mas honestamente? Preferiria ser uma das invisíveis. Como você. Me perdoe, não estou tentando ofendê-la. É que realmente invejo seu status e a liberdade que ele traz. Deve achar que sou louca, não?

Jo decidiu que gostava da senhorita Rodwell, embora sim, estranhasse aquela sua maneira pensar. Liberdade? Ophelia nunca refletira dessa forma sobre sua condição social. Ela engatou num diálogo com a senhorita Rodwell, que se estendeu durante todo o jantar até seu inevitável fim. Após alguns minutos, Jo pegou-se sentindo-se de fato à vontade. Não era tão difícil misturar-se quando aqueles ao seu redor eram tão bem treinados nas cortesias sociais.

Depois do jantar, todos tomaram seu rumo em direção à sala de música. Quem conduziu Ophelia, desta vez, foi o próprio Visconde de Berwick. Ele permaneceu de pé, depois de conduzi-la até um assento próximo ao piano. Manteve as mãos às costas enquanto o Marquês tocava violino - uma cantiga folclórica animada. Apesar das palavras de Levi, o rapaz tocava bem, e Jo aproveitou a música genuinamente contente.

Mas o gato da Viscondessa ronronou de modo um tanto barulhento quanto os aplausos cessaram, e houve uma gargalhada geral.

— Me recuso a fazer qualquer comentário — o senhor Holroyd disse, erguendo as mãos.

Depois disso, Ophelia começou a ser incentivada a tentar o piano. Ela tentou listar para eles todas as razões extremamente sensatas pelas quais aquilo não era uma boa ideia, e a principal delas era: ela não tinha nenhum talento particular, só sabia o que era necessário para ensinar a Cecily.

Contudo, ela viu-se sendo guiada até o assento do mesmo jeito, e tocou por alhuns minutos, embora continuasse protestando que só voltara a praticar nos últimos tempos, depois de um lapso de muitos meses. A Viscondessa se juntou a ela, cantando uma canção do País de Gales - em galês. Tinha uma bela voz de mezzosoprano, capaz de fazer o ouvinte sonhar com as colinas e as neblinas de Gales.

O Visconde e a senhorita Rodwell surpreenderam a todos cantando um dueto com o acompanhamento de Jo. Levi não precisou implicar com eles - todo mundo fez isso por ele. Por fim, foi a vez da Viscondessa fazer seu solo com a harpa. Nesse momento, o senhor Holroyd, que se mantivera de pé até então, se aproximou e pegou o assento ao lado de Jo, no pequeno sofá onde o Visconde Berwick tinha a deixado.

Ele parecia relaxado ali. Até feliz. Provavelmente estar rodeado de amigos e família - principalmente aquela que parecia ter reencontrado após tanto tempo - tinha o animado.

— Então, — Jo disse, quando ele se sentou. — irmão do Duque de Kennard?

Ele lhe sorriu, parecendo um tanto sem graça.

— Parece que você descobriu meu segredo, senhorita Wright.

— Não vejo como conseguiria manter isso em segredo por tanto tempo, — Ophelia comentou. — mas acho que entendo porque gostaria de manter esse segredo em particular.

Levi recostou-se no sofá.

— Imagino que tenha ligado os pontos.

— Foi muito fácil, na verdade. — Jo respondeu, mas como não desejava constrangê-lo, sorriu. — O filho de um duque que desejou virar médico. Byron reconheceria aqui uma chance de narrar um grande drama.

— O erotismo excessivo à parte, espero.

Jo provavelmente deveria ter ficado constrangida com aquela piada, mas sua reação, na verdade, foi rir:

— Até onde sei.

O médico olhou-a com cautela:

— E quer saber mais?

— Só se quiser me contar. Não deve se sentir obrigado a me falar o que não deseja que eu saiba.

— Mesmo que sejamos amigos?

— E somos amigos?

Ophelia não tinha parado para pensar devidamente sobre isso, ainda. Ela não tinha muitos amigos, na verdade. E nenhum do sexo oposto, com exceção de Adam, naturalmente. Ela não se considerava próxima o bastante do Visconde Bedwyn para ser chamada de sua amiga - embora gostasse muito dele.

O médico ergueu as sobrancelhas e abriu aquele meio-sorriso metade astuto, metade amável.

— Só se quiser, senhorita Wright. — ele replicou. — Não deve se sentir obrigada a ser minha amiga se não desejar.

Ophelia queria ter um amigo? Sentia necessidade de ter um? Não, a pergunta mais importante era: Ela queria que o senhor Holroyd fosse seu amigo? Ele, que tinha dito que ela era uma companhia segura e, ainda assim, admitido que sentia-se tentado a seduzi-la?

— Não deveria. — Jo respondeu, voltando os olhos para a Viscondessa, que estava prestes a começar a tocar.

— Isso é um não? Ou um sim, regado com um pouco de orgulho e dignidade?

Ophelia deu risada. O médico sorriu de volta para ela.

— Considerarei a segunda opção. — disse. — Sou o quarto filho do Duque de Kennard. Ou melhor, eu fui. Hoje, sou irmão do atual Duque. O quarto filho de quatro. O mais irrelevante e, ainda assim, parte da prole. Indigno demais para deter um título, porém digno demais para me tornar um mero médico. Ou é assim que meu irmão pensa.

Jo franziu o cenho.

— E o resto da família concorda com ele? — perguntou, incrédula. — E quanto a seus outros irmãos?

— Ethan e Charles? — o médico indagou. — Não sei o que eles pensam, nunca me verbalizaram nada. Mas na verdade, não importa, senhorita Wright. Eles tem o dever de obedecer ao chefe da família, e esse chefe é George.

— Você ainda fala com ele? George, quero dizer. — Ophelia achava que sabia qual era a resposta, mas ainda nutria certa esperança de que estivesse errada.

— Nunca fomos próximos, eu e ele. — Levi não a respondeu, o que confirmou suas suspeitas. — Há uma diferença grande demais de idade entre nós. E George sempre foi... Bom, o futuro do Ducado de Kennard. Não quero que o enxergue como um vilão, senhorita Wright. George é o que é pois foi moldado a ser desse jeito. Meu pai faleceu quando ele tinha dezessete anos. Eu não passava de um bebê de colo, então. Mas ele já era o Duque de Kennard. E sempre foi.

— Quando se separaram?

— Quando fui para Edimburgo estudar. — médico disse. — Ele não quis financiar meus estudos, naturalmente, mas Lady Florence Haylock aceitou fazê-lo. Depois que me formei, fui convocado para a Península. Também foi Lady Florence quem me presenteou com uma casa, um singelo Chalé em Bath, depois que retornei de lá.

Ophelia balançou a cabeça.

Agora ela compreendia bem: dois irmãos, distanciados pela diferença de idade e pelo título, que tinham ambições e opiniões muito distintas uma da outra. Um irmão mais novo sonhador, e um irmão mais velho severo e antiquado, que não só o tinha tentado privar de seu sonho, como em resposta a sua insistência, o tinha condenado ao ostracismo familiar.

O senhor Holroyd dissera que não desejava que Jo o pintasse como um vilão. Mas o Duque de Kennard fazia isso por si só, sem esforço algum da parte dela.

—... E desde então, não tem contato com seu irmão. Ou com o resto de sua família.

Levi encolheu-se ligeiramente. Não confirmou, porém não negou sua suposição. Aquilo foi o suficiente. Mas ainda havia algo que não se encaixava devidamente na mente de Jo; uma pulga que fora implantada pelas palavras do Marquês à caminho da sala de jantar.

— Qual o caso com a Duquesa e o Marquês? — não parecia ser somente a questão da imposição do Duque.

Mas, nesse momento, a Viscondessa começou sua pequena apresentação.

Se Ophelia tinha alguma chance de obter uma resposta, esta chance de esvaiu com o início da canção. De súbito a música inundou o salão, ondulou, cresceu e fez uma série de coisas estarrecedoras, impossíveis de descrever. E tudo criado por uma harpa e pelos dedos de uma mulher. Depois de um ou dois minutos, Ophelia olhou para o instrumento, para as cordas, para as mãos da mulher que tocava. Como era possível...

O aplauso ao final foi mais do que educado, e pediram que a Senhora Bewrick voltasse a tocar harpa antes de passar para o piano.

Quando ela colocou-se no assento diante das teclas, o senhor Holroyd levantou-se, e rumou até o Visconde Bedwyn, engatando numa conversa baixinha com ele e com sua acompanhante. Jo ficou sozinha no sofá e pior:

Ficou sem sua resposta.

 

Uma semana e meia depois, Casa Hartfield, 1812

 

A semana festiva de Francesca foi interrompida pelo - tão esperado - nascimento do bebê.

A prima de Isabella não tinha sofrido grandes complicações em seu parto e, para a alegria geral - em especial da nação Hartfield em peso - a criança se revelou como um menino. O herdeiro que Logan tanto tinha desejado. Fran o tinha nomeado Benedict, e nos dias que se seguiram, ele se tornou o centro não só de sua vida - mas como de toda vida da casa Hartfield.

A família Ortiz ficou por perto nos primeiros dias, mas acabou por partir em determinado ponto, julgando todos, com sensatez, de que os pais precisavam de um tempo a sós com seu pequeno e um com o outro. Isa, contudo, ficara, a pedido da própria Francesca. Ela se emocionara com o nascimento da criança, e ficara mais que feliz em acompanhar sua prima durante aqueles dias.

Ela se contentava em somente ficar a seu lado, brincando com o bebê, fazendo barulhinhos com a boca para entretê-lo, e dando suporte par Fran nas ocasiões em que ela era forçada - não havia palavra melhor para descrever o ato - a comer e a cuidar das próprias necessidades.

Parecia que sua prima estava bem disposta a passar o dia inteiro focada somente em seu filho, o que era uma iniciativa muito bonita, considerando que a maior parte das mães aristocratas preferiam entregar a criança às babás. Mas, ao mesmo tempo, como Logan apontara, não seria bonito caso esse excesso de disposição acabasse deixando-o viúvo. Uma pessoa precisava comer para sobreviver, afinal, e nem mesmo uma mãe era capaz de viver somente do amor que tinha pelo filho recém-nascido.

Embora tivesse ficado bastante entretida com a prima e seu mais novo sobrinho, Bella viu-se, em determinados momentos, sendo invadida por uma sensação avassaladora de tédio. De vazio. Era como se algo estivesse faltando em sua rotina, para que ela de fato estivesse completa. Ela levou alguns dias para notar do que se tratava - e, mesmo então, relutou em aceitar o fato.

Ela estava sentindo profundamente a ausência do Conde de Lannair, que tinha partido com os outros convidados.

Era estranho. Como o Conde vivia indo e voltando em sua memória enquanto os dias passavam. Supôs que a ausência se perpetuava pelo hábito. Nos últimos dias da pequena semana festiva de Francesca, antes do nascimento de Benedict, uma rotina tinha se criado entre eles: Sempre que descia para o café da manhã, Isabella o procruava na mesa e sempre o encontrava lá, com seu prato quase cheio, como se para indicar que chegara apenas um instante antes dela.

Todas as manhãs eles se demoravam ali. Isa dizia a si mesma que era porque não podiam participar das muitas atividades planejadas para o dia - embora, na verdade, o tornozelo dela tivesse melhorado bastante. E, mesmo que uma caminhada ainda estivesse fora de questão, não havia verdadeiro motivo para que ela não participasse dos jogos que leves que ocorriam on gramado.

A não ser, é claro, a promessa de Bella à Francesca. Eles se demoravam ali e Isa fingia sorver seu chá. Porque, se realmente bebesse o que fingia beber durante o tempo que ficava na mesa, seria forçada a interromper a conversa. Eles se demoravam ali e ninguém parecia notar. Hóspedes surgiam, pegavam comida no aparador, bebiam café e chá, e depois saíam. Às vezes alguém se juntava a conversa de Isabella e do Conde, às vezes não.

E quando inevitavelmente chegava a hora de os criados limparem a sala do café da manhã, o Conde se levantava e mencionava por acaso o lugar onde passaria a tarde repousando, ou lendo um livro.

Isabella nunca dizia que planejava se juntar a ele, mas sempre o fazia, de todo modo. E então ele resmungava sobre ela ter se tornado uma maldita sanguessuga, e os dois entravam em sua habitual troca de farpas e insultos.

Em certa ocasião, ele a tinha chamado pelo nome, sem perceber.

— O senhor me chamou de Isabella. —  ela apontara.

Ele parara.

— Sim. Desculpe-me. Foi um lapso.

— Não. — Isa apressara-se em dizer, atropelando as últimas palavras dele. — Tudo bem. Não me incomodou, acho.

— Acha?

— Sim. — disse ela. — Somos amigos agora, acho.

— Acha.

Ele abriu um sorriso zombeteiro. Isa lhe lançou um olhar sarcástico.

— Não conseguiu resistir, não é?

— Não. — murmurou ele. — Acho que não.

— Isso foi tão terrível que quase foi bom. — Bella zombou.

— E isso foi um insulto tão grande que quase me sinto elogiado.

De qualquer forma, não tardou até que esta ausência fosse sanada pois, num desses dias quaisquer em que Bella estava com Francesca e o pequeno Ben, a Casa Hartfield recebeu uma visita inesperada.

Isabella estava sozinha na sala de estar, então. Fran se recolhera ao berçário para poder amamentar o filho em paz, e a deixara temporariamente sozinha, com uma pequena horda de corgies - sua mãe os deixara lá a pedido de Fran, que adorada os bichinhos - como acompanhantes, além de uma bandeja de chá e biscoitos recém-saídos do forno para serem encarados. Isa estava bem feliz de ter de encarar aquele desafio em particular, na verdade, pois os biscoitos eram amanteigados, o seu tipo preferido.

Ela tinha um na boca quando bateram à porta.

— Lorde Griffith Shawcross, madame. — anunciou o mordomo, em tom meio dúbio, ao abrir a porta, mas o cavalheiro passou por ele antes que Isa pudesse decidir se era ou não adequado recebê-lo, ou, para ser mais exata, se ela se importava que fosse adequado ou não.

— Lorde Lannair. — Bella disse, quase num arquejo, depois de tentar mastigar desesperadamente o biscoito e engoli-lo. — Espero que tenha tido uma boa viagem de vinda.

Ela ficou ridiculamente contente ao vê-lo.

— Vim de carruagem. — respondeu ele, tomando conhecimento dos cães e de seus rabos frenéticos com um olhar de reprovação. — Boa tarde, senhorita Ortiz. Sua prima está indisposta? Sinto muito. Eu não teria...

— Ela foi ao berçário. — Bella contou. — Voltará logo.

Ele anuiu. E permaneceu ali, de pé, apoiado nas muletas.

— Ah! — Isa exclamou pondo-se de pé. — Sente-se, por favor. Fique à vontade. Quer chá? Também tenho biscoitos, ainda quentes.

Ele moveu-se até uma pequena poltrona azul de canto e sentou-se. Isa voltou a se sentar e ficaram se olhando.

E agora? Pelo menos, na semana festiva de Francesca, havia um bom motivo pelo qual eles precisavam estar perto um do outro. E esse motivo era o principal gerador de seus diálogos - na verdade, de suas implicâncias. E haviam outras pessoas, além de atividades acontecendo, movimento e ruído. Ali, até os cães tinham se calado. Todos haviam se deitado diante das botas do Conde, como servos aguardando orientações.

— Você me disse, — Griffith falou, abruptamente. — da última vez que está cansada de regras, proibições e padrões empolados. Disse que queria viver, especificamente dançar. Já faz muito tempo que não dança? Onde estava? O que dançou? Quando foi? E com quem?

Isabella foi pega totalmente de surpresa pelo rumo da conversa. Aquele era o tipo de pergunta invasiva e impertinente que merecia uma resposta mordaz. Mas...

— Deus do céu. — ela pegou-se rindo. — Será que consigo lembrar de algo tão remoto? Ah, deixe-me ver. Quando foi? Houve alguns bailes na última temporada, mas não gostei deles.

Isa não gostara deles porque dançara com todos os homens do salão. Não que isso em si fosse um problema - mas ela dançara com todos os homens do salão, e nenhum deles parecia verdadeiramente interessado em nada que saísse de sua boca, a não ser que fosse sobre o clima ou os vestidos das outras convidadas.

Não, ela não definitivamente não gostara nada desses bailes.

— Minha última dança memorável foi em uma festa quando eu ainda morava na Espanha — recordou ela. — Era meu aniversário, e eu era apenas uma criança, mas eu rodei, rodei e rodei, com meu vestido rosa brilhante e meu cabelo trançado, apoiada nos pés dos meus irmãos e de braços dados com Francesca. Rodei tanto que o chão virou teto e o teto virou chão, até cair de exaustão.

Ela viu que o Conde a olhava com muita atenção quando virou o rosto. Ah, Deus, quando fora a última vez em que falara sobre sua casa para alguém? Em que deixara tão evidente a saudade que tinha dela?

Ele ergueu um pouco as sobrancelhas.

— Vestido rosa brilhante? Realmente?

Isabella acenou orgulhosamente, não se deixando abalar pela zombaria em seu tom de voz.

— De cetim cintilante.

Ele balançou a cabeça, desacreditado.

— Quando foi a última vez que você dançou? — Isa perguntou, por sua vez.

— Numa festa comunitária de Heybridge. — falou o Conde. — Valsei com a sobrinha vigário. Valsei pela primeira e única vez. A valsa era recente na época. Eu devia ter uns quinze anos.

 Hoje em dia, o Conde era jovem. Na última vez que dançara, não passava de um garoto.

— Havia algo entre você e a sobrinha do vigário? — Bella perguntou, embora essa soasse uma pergunta um tanto intrometida. Ela não conseguira se segurar, e esperou a rechação que viria em resposta a sua indiscrição.

Mas, ao invés disso, o Conde falou:

— Eu a conhecia desde criança, e todos pareciam concordar de que um dia casaríamos, embora ela me achasse aborrecedor acima de qualquer outra coisa.

— O que aconteceu?

— A guerra.

É claro.

— E com você? — O Conde indagou. — O que aconteceu para que fosse embora da Espanha, afinal?

Bella abriu um leve sorriso sofrido:

— O mesmo que você. Embora em circunstâncias diferentes. Eu nunca estive no campo de guerra. Não posso comparar nossos sofrimentos.

O Conde balançou a cabeça e resmungou:

— Besteira.

Isabella se lembrou do que ele tinha dito em sua última conversa; que nenhum sofrimento era comparável a outro. Ela concordava mas, ao mesmo tempo, era incapaz de sentir-se um pouco ingrata ao lamentar seus problemas quando estava na companhia do Conde, que vivenciara sofrimentos tão indizíveis.

Isa se aproximou da janela e se encolheu, de repente um tanto melancólica. Falar sobre a Espanha parecia apertar em seu peito a saudade que sentia. Talvez não da terra em si - ela passra muito pouco tempo lá, de todo modo. Mas da sensação de pertencimento, da sensação de lar. A liberdade de poder ser quem era, sem restrições ou limites.

Ela podia sentir os olhos do Conde sobre ela. A criada voltou com a bandeja e a colocou sobre uma mesa antes de se retirar. Bella virou o rosto para indicar que percebera sua chegada, embora não tenha se afastado imediatamente da janela.

— O clima está bem ruim. — comentou, querendo mudar de vez de asusnto. Se continuasse, suspeitava que seria incapaz de afastar a nuvem cinza que agora encobria seu coração. — Faz com que fiquemos gratos por estarmos dentro de casa com uma lareira acesa, não é mesmo?

— Não está ruim. — Lorde Lannair respondeu. Enquanto ela observava o lado de fora, ele se colocou de pé, com as muletas, e atravessou a sala penosamente até parar ao lado de Isabella. — Acima das nuvens, ali, não há nada além de sol e céu azul.

— Não um bom consolo, na verdade — disse Isa, dando risada enquanto olhava para cima. —, quando é impossível subir até lá para ver.

— Um balão de ar quente? — O Conde sugeriu.

— Ui! — ela estremeceu. — Teria chuva no caminho até as nuvens e depois neblina e umidade das próprias nuvens. Henrique um dia me disse que as nuvens são feitas de água, sabia?

— Não sabia. — Lorde Lannair respondeu. — Mas depois de passarmos delas, haveria a luz do sol, não haveria?

— Nós? Iríamos juntos, então?

— Ah, acho que sim. Nunca voei e não seria sua companhia que me convenceria do contrário, por mais desagradável que consiga ser, senhorita Ortiz. — ele retrucou, sem dó. — Além do mais, eu posso ter sido um soldado, mas não creio que conseguiria berrar “eu te avisei” alto o suficiente para a senhorita me ouvir daqui de baixo.

Isabella fez uma careta em resposta a provocação dele.

— Estaria frio, apesar do sol. O senhor nunca viu o topo das montanhas quando está quente na campina?

O Conde suspirou, como se estivesse passando pela mais dolorosa provação.

— Você insiste em ser pessimista. Levaríamos mantas e nos cobriríamos com elas.

— Juntos?

Isabella virou o rosto na direção do Conde. Seu rosto estava muito perto do dele.

— Sim. — ele respondeu, num tom mais baixo. — Juntos. Como no jardim.

Bella quase podia sentir no rosto a respiração dele. E o calor do seu corpo. Era uma sensação estranha, quase física; era como se houvesse um cordão invisível atado à costela dela, e o Conde o estivesse puxando. Estranhamente, percebeu que ele estava tentando animá-la - de um jeito muito estranho, insultando-a de desagradável mas ainda assim, parecia estar tentando.

— Para onde iríamos?

Ele abriu a boca para responder. Mas então fechou-a de novo. Pareceu pensativo, até que por disse, antes de recuar:

— Cartref.

Isabella piscou e se virou para vê-lo voltar a se sentar na poltrona.

— O que é... — a espanhola fez uma pausa antes de pronunciar lentamente: — Car... tref?

Lorde Lannair deixou as muletas de lado e, com as mãos, esticou uma das próprias pernas. Devia estar sentindo dor.

— Cartref. — ele pronunciou, devagar. — A ênfase é na primeira sílaba. O “r” em ambas as sílabas é ligeiramente enrolado. É a primeira palavra galesa que aprendi. Significa lar, em galês.

Isabella ouviu-o com atenção. E esperou que ele respondesse a pergunta estampada em seu rosto.

— É uma casa. — ele explicou. — Uma pequena mansão branca no litoral de Gales. Fica próxima a um vilarejo costeiro. O nome original foi dado pelo povo do vilarejo durante a vida do primeiro proprietário, pois a casa gerava emprego para quase todos os moradores do vilarejo, e o senhor tinha o hábito de mantê-la aberta a todos. Depois que ele morreu, isso mudou, assim como o nome da propriedade. Seu nome atual é Ty Gwyn, que significa literalmente “Casa Branca”.

— Muito pouco criativo.

O Conde deu uma risada sem graça.

— O Duque de Barclay não é o mais criativo dos homens.

Isabella quase deu um pequeno salto sob a menção daquele nome. Lembrou do Duque num dos saraus de que tinha comparecido. O de Lady Florence, talvez. Então o Conde o conhecia? Embora não soubesse exatamente qual era o objetivo daquela conversa, Bella perguntou:

— A casa é dele? Do Duque, quero dizer.

— Era. — Lorde Lannair respondeu. — Eu a comprei dele. A propriedade não estava ligada ao título, então não foi um grande problema para ele me vendê-la.

— Você é amigo do Duque?

O Conde se encolheu um pouco.

— Pode-se dizer que sim. Sim, eu sou.

Algo clicou na memória de Bella:

— Então... Ele é o amigo que é um urso grande, feio e estúpido que finge não ter coração?

O Conde fez uma cara estranha... Então começou a rir. Ainda era uma visão bizarra, para Isabella. O riso chegou aos seus olhos, fazendo aquelas profundezas castanhas brilharem, e pelo mais espantoso e terrível momento ele se tornou quase bonito. Não, não; Sempre fora bonito. Quando sorria se tornava...

Atraente.

— Como diabos você se lembra disso? — ele perguntou, entre pausas de sua gargalhada.

Isa sorriu:

— Eu tenho uma excelente memória, senhor.

O Conde balançou a cabeça.

— É. É ele mesmo.

Isa sentou-se de novo no sofá onde antes estava e serviu o chá para ambos. Devia estar quase frio, àquela altura.

— Por que gostaria de ir para Cartref? — perguntou, enquanto derramava o chá nas xícaras.

— Ah, — Lorde Lannair disse, olhando ligeiramente para o lado. — nunca foi até Gales, Ortiz?

Bella balançou a cabeça, negando.

— É um lugar... Diferente. — Lorde Lannair falou. — As praias tem areia dourada, não cinza, e as pessoas adoram calor, mas não mais do que adoram cantar.

— Cantar? — Isa achou graça.

— Sim. — O Conde acenou. — Eles cantam em qualquer ocasião possível, inclusive enquanto falam. O sotaque galês é quase cantado. As pessoas sorriem mais lá, e não tem medo de parecerem tolas ou indelicadas. E elas dançam. O tempo todo.

— Gales não parece ser parte da Inglaterra. — Bella achou que isso fazia com que o lugar parecesse incrível. Ela ficou animada só pela descrição dada pelo Conde. — Ah, por que não vive lá? Por que escolheu a Escócia ao invés de Cartref?

O rosto do Conde ficou soturno novamente. Foi como se o sol que tivesse se entremeado entre as nuvens tivesse se recolhido de novo para dentro delas.

— Ora, — foi o que respondeu, com um humor seco. — acho que é de concordância geral que minha personalidade... Como foi que você descreveu naquela noite no jardim...? Imbecil, estragaria o clima de Gales.

Isa notou que a ironia árida seria tudo o que conseguiria dele naquele momento. Após um momento, no entanto, o Conde pigarreou e disse:

— Contudo, — começou. — a casa precisa ser visitada, suponho. Ela precisa ter um propósito para ser mantida.

Bella levou um minuto para compreender aonde ele queria chegar. Quando se apercebeu, estava pulando para fora do sofá, sorrindo abertamente, feito uma tonta:

— Poderíamos visitá-la? Poderíamos mesmo? — Isa começou a bater palminhas, empolgada demais para se segurar. — Ah, Griffith! Isso seria incrível! Isso seria...!

Ela quase já era capaz de se imaginar lá. Com a areia quente entre os dedos, e o sol sobre a cabeça. Lá, Bella só andaria descalça, e faria questão de ir à igreja todos os domingos - como deveria ser cantar ao lado dos galeses? Ela ouvira falar que todos os galeses tinham um dom musical notável. Será que o vilarejo costumava promover pequenas festas populares? Isa adoraria participar de uma, e dançar, dançar e...

Percebeu, de repente, que estava sonhando com algo que se quer lhe pertencia. Ou a qualquer familiar ou relativo próximo. Cartref e sua praia pertenciam ao Conde de Lannair que era, para todos os fins, praticamente um desconhecido.

E ela o tinha chamado de Griffith. Teria ele notado?

— Griffith? — é claro que ele tinha notado.

Bella pigarreou, de repente um tanto envergonhada pelo seu rompante:

— Me perdoe, senhor. Esse foi um pedido indelicado. Eu nunca devia ter dito nada do gênero, eu...

O Conde se encolhera um pouco diante de seu salto. Mas agora já parecia ter se recomposto o suficiente para dizer:

— Pode me chamar pelo nome, Isabella. Eu a chamei antes, não? E os Hartfield podem visitá-la, se for seu desejo. Um gesto de agradecimento por sua hospitalidade durante estes dias. Foi isso que vim oferecê-los, na verdade. Este é o verdadeiro objetivo de minha visita. Além de conferir o estado de Lady Hartfield, naturalmente.

Isabella mordeu o lábio inferior:

—... E eu?

Lorde Lannair ergueu as sobrancelhas:

— Você...?

Isabella o odiou por forçá-la a fazer aquele pedido diretamente:

— Eu poderia ir junto?

O Conde a olhou languidamente:

—  Suponho, Isabella, que não poderia impedir sua prima de levá-la junto, se ela desejasse. O que eu faria? A atropelaria com minha cadeira de rodas? Ainda assim, poderiam carregá-la até lá, se estivessem tão dispostos a isso. E suspeito que estariam, considerando como sua família é unida.

Isabella soltou um gritinho de animação.

— Ah, Griffith! Obrigada! Obrigada mesmo! — antes de calcular devidamente o que estava fazendo, Isa aproximou-se e envolveu o Conde num abraço. O corpo dele se retraiu de imediato, e ele recuou, quase se fundindo ao encosto da cadeira. Então Bella se afastou, tão horrorizada consigo mesma quanto o Conde provavelmente estava, com a mesma velocidade com que tinha se aproximado. — Oh, céus, me desculpe, eu...

Mas antes que o Conde pudesse respondê-la, Francesca retornou, com um pequeno embrulho no colo. Felizmente, as atenções voltaram-se imediatamente ao bebê. Alheia ao que estivera acontecendo enquanto ela estava fora, Fran sorriu para eles e disse:

— Ah, o céu clareou um pouco, finalmente. Que tal uma caminhada?

— Temo que eu deva partir logo, Lady Hartfield. — Lorde Lannair respondeu, evidentemente ansioso para ir.

— Ah, milorde, — Francesca disse, parecendo legitimamente decepcionada. — isso é uma pena. Então talvez possa mostrá-lo o lado de fora enquanto o levamos até sua carruagem? Por favor, não recuse, eu refiz o jardim recentemente, e adoro me gabar dele para meus convidados.

Isabella olhou a prima, desconfiada. Mas, se notou isso, o Conde limitou-se a encolher os ombros e dizer:

— É claro, madame. Pode ser.

Assim, os três seguiram em direção ao pequeno jardim que Francesca desenhara na Casa Hartfield. Haviam poucos arvoredos, mas muitas flores, em compensação. O Conde seguiu em suas muletas, por uma estradinha de terra batida que circulava em torno do jardim. As muletas reagiam melhor à terra do que as rodas da cadeira fariam, mas não deixavam de ser um pequeno desafio a ser vencido.

Francesca amarrara o pequeno Benedict ao redor de seu tronco com um longo lenço que o mantinha atado firme, confortável e aquecido. Isso a poupava de ter que apoiá-lo com seus braços - o que poupava muita dor e cansaço, ela garantira.

— Nutria a esperança de que ficasse para tomar um café conosco, milorde. — Fran comentou.

— Meus planos foram para uma visita, breve, madame. De modo algum desejo incomodá-los. — O Conde retribuiu.

— Ah, mas não incomoda, — Fran disse. — é sempre bom revê-lo. Me faz lembrar da última grande semana gloriosa de minha vida. — então ela abaixou a cabeça, olhando o filho ternamente: — Embora eu esteja sendo injusta com o pequeno Ben; sua existência é gloriosa por si só, para mim. E certamente será uma aventura.

 — Vim fazer um convite para Hartfield. — o Conde comentou. Então fez uma careta: — Um convite entre cavalheiros, embora eu não esteja sendo muito cavalheiro no momento. Duas damas e dois braços ocupados demais para serem oferecidos.

Isabella olhou-o com estranheza. Quando queria, o Conde realmente conseguia ser encantador, a seu próprio modo brusco. Era possível que ele fosse assim com todos, menos com ela? Ah, mas isso seria um disparate sem precedentes!

Francesca riu.

— Não sei como uma criança que ainda não completou um mês pode pesar uma tonelada, — disse ela. — mas é exatamente o que Benedict pesa. Aqui está, meu senhor, pode se redimir carregando-o um pouco. Eu e Isabella podemos nos apoiar no braço uma da outra.

Lorde Lannair pareceu alarmado de um jeito quase cômico. Francesca desatou o nó que prendia Ben a seu peito, e o refez ao redor do peito do Conde - sem dar escolha a ele. O Conde parecia estar tentado a largar as muletas para segurar o embrulho, de tão apavorado de deixá-lo cair que estava.

Fran deu o braço à Bella, enquanto Lorde Lannair olhava o bebê:

— Pois bem, meu rapaz, — disse ele. — quando as damas não querem nada conosco, nós, homens, unimos forças e falamos sobre cavalos e corridas ou lutas de boxe e... Ora, coisas interessantes. Sim, você pode muito bem abrir esse seus olhos... Azuis como de sua mamãe, posso ver. Vamos nos dar ao luxo de ter uma conversa franca, nós dois, e seria falta de educação cochilar no meio. Ou babar em meu casaco.

Francesca voltou a rir, encantada. Com toda certeza nada era tão tocante quanto ver um homem segurando um bebê e falando com ele de verdade. Mesmo quando não era seu filho e quando segurá-lo não tinha sido sua escolha. Era provável que ele preferisse estar em qualquer outro lugar que não ali, naquele momento.

Mais tarde, quando o Conde partiu, Francesca e Isa o acompanharam até a carruagem e Fran tentou fazê-lo prometer que voltaria para outra visita. Ele não garantiu que viria, mas também não negou.

— Bem, — começou Isaac, quando Griffith sentou-se dentro da carruagem. — essa foi a tarde mais desanimada da minha vida. Pensei que morreria de tédio aqui dentro.

O valete ficara aguardando o patrão dentro da carruagem durante toda a visita. Grifo dissera a ele que não tinha necessidade para isso, mas Isaac apontara, categoricamente, que caso suas pernas decidissem parar de funcionar, o ideal seria ter alguém experiente por perto para carregá-lo de volta para casa. E ele duvidava que Lady Hartfield e a Senhorita Ortiz teriam tido a capacidade para um feito tão dramático.

Dissera isso num tom de reclamação austera, naturalmente.

E embora odiasse ter de admitir isto, aquele era um risco a ser considerado. Suas pernas estavam rígidas e doloridas, no momento. A caminhada no jardim tinha sido talvez um pouco ousada demais, com todos seus desníveis e declives. Sem dizer uma palavra mais, Isaac ofereceu-lhe um odre de couro que trouxera.

Griffith o destampou e, antes mesmo de beber, já sabia do que se tratava.

Conhaque.

Havia medicamentos para aliviar a dor, mas o unguento receitado por Levi fedia a carniça e Griffith detestava usar láudano, pois sua mente ficava embotada. Só lhe restava o álcool. Uma ou duas taças de conhaque pareciam relaxar o músculo e suprimir a dor, mas ele raramente se permitia beber demais. Nas raras vezes em que cedera à tentação, passara semanas repreendendo a si mesmo. Haviam coisas que deviam ser sentidas.

Chegara a criar alguns métodos para medir a própria força de vontade. Tornara-se uma questão de honra resistir até o anoitecer usando apenas a determinação para enfrentar a dor. Isaac não era o maior apreciador desta teoria pois, de acordo com ele, ela lhe gerava o dobro do trabalho.

— Sua tarde foi melhor que a minha, espero. — o valete disse, voltando a se recostar no banco coberto.

— Lady Hartfield me perguntou se eu voltaria a visitá-los. Disse que eu poderia ir.

— Poderia ir? — perguntou ele. — Mas você acha que irá?

Griffith deu de ombros. Então recordou a paixão inesperada com que Isabella de Ortiz falara sobre dançar.

— Você pediu desculpas? — perguntou Isaac.

Grifo fez uma careta.

— Não. Por que eu pediria?

O valete deu de ombros.

— Você sabe, por ser um completo e absoluto imbecil.

— Acredito que às vezes você se esquece que sou eu quem pago seu salário, Isaac.

— Acredite, — Isaac disse, com veemência. — eu me recordo disso todos os dias. Como acha que o suportei todo este tempo?

Griffith estalou a língua e pôs-se a olhar pela janela. Após um momento, disse:

— Ela quer dançar.

— O quê? — Isaac virou a cabeça, a testa franzida.

— Ela quer dançar, Isaac. Eu também. Eu quero dançar.

O valete inclinou a cabeça ligeiramente para o lado.

— Com certeza pode-se arranjar algum baile para você ir, embora até onde sei, você deteste este tipo de evento. De todo modo, duvido que você seja capaz de dançar mesmo as mais lentas das melodias, meu amigo. Você se movimenta bem com suas muletas. Mas dançar? Acho mais sensato que deixe isso de lado, e se concentre no que pode fazer.

Ah, Isaac e sua mente literal. Griffith não tentou explicar.


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