Capítulo 23: Sacrifício

- Surpreso Sparrow? – Beckett exibia um sorriso triunfante face à cara abananada de Jack. Will também se manifestava surpreso e Alicia alternava o olhar estupefacto entre Beckett e Éris.

- Sinceramente? – Jack falou no seu tom habitual e Lara não pode deixar de sorrir por dentro. Jack tinha voltado a ser ele mesmo. – Não. Suspeitei sempre que nem o demo iria aguentar contigo lá em baixo!

Beckett soltou uma gargalhada. – De facto Jack, eu não cheguei a morrer. Depois da batalha fiquei ferido com bastante gravidade, quase moribundo. No hospital onde fui parar deram-me apenas alguns dias de vida.

- Então como é que conseguiu chegar até aqui? – Lara perguntou secamente levando com o olhar de chocolate negro em cima. Jack ficou surpreendido. Lara estava mais altiva, como se impusessem respeito e soubesse o que dizer.

- Fiz um pacto, claro. Éris andava atrás de alguém que a ajudasse a roubar a Fonte. Por incrível, no meu leito de morte, ela apareceu e me propôs a eternidade e a vingança certa desde que a ajudasse na sua própria vingança. Afinal, ambos fomos feridos naquela mesma batalha não é minha querida? – Beckett olhou para Éris. Esta tinha pousado o punhal e soltava faíscas dos olhos.

- Sim. – Disse em voz seca.

- Éris curou-me, embora ficasse sempre marcado. – Beckett deu um passo para a esquerda e tanto Jack como Will apontaram as armas. – Mas ser marcado faz parte da vida de quem anda nas andanças do mar, certo Sparrow?

Jack nada disse, mantendo-se imóvel.

- Seguindo, eu fui dado como morto pela Companhia. Ora, por um lado foi conveniente para o roubo da Fonte. – Beckett continuava com o mesmo ar irónico.

- A única maneira de fugir com a Fonte em segurança era viajar para o futuro. – Acrescentou Éris.

- Exacto. Éris tem o poder de transformar as pessoas. Ela própria se disfarçou para que pudesse caçar aquele rapazito que nos foi muito útil! – Beckett olhou em volta à procura de Thomas.

- Espere aí! Quer dizer que você era a escanzelada que namorava com o Thomas? – Alicia arregalou os olhos e chegou-se mais para Lara.

- Sim. Ela se apresentou como Lola e passou a controlar-me a partir daí. – Thomas apareceu das sombras acompanhado por Elizabeth, que apontava uma pistola na direcção de Éris.

- Claro que foi isso que permitiu que pusesse os olhos em vocês duas. Aí soube que seriam os iscos para trazer o alvo de Beckett ao futuro. – Éris sorriu. Afastou-se da mesa de pedra e Alicia alcançou Lara.

- Mas os deuses foram generosos! Imaginem, além de ti Jack Sparrow, ainda trouxeram o outro capitão do teu navio, miss Swan ex-Turner e claro, William Turner! – Beckett riu. – De uma só vez resolvem-se quatro problemas!

- Não me parece! – Alicia sorriu e piscou o olho a Lara. – Afinal somos seis contra dois!

Beckett olhou para Éris. Ao princípio ficaram sérios, mas depois desataram a rir.

- Ignorância. Uma das maiores características dos humanos! – Éris disse divertida. Com um simples gesto, atirou Thomas, Elizabeth e Will contra uma das paredes. – Mas vocês pensavam que faria isto sem ter a mínima segurança?

- Digamos que a tua guarda até é bastante eficiente, o problema é quando se descobre como mandá-los de novo para o inferno! – Exclamou Jack.

- Jack, não sei como Calipso pode simpatizar contigo. – Éris abanou a cabeça.

- É sinal que consegue ser mais inteligente que tu! – Jack sorriu de canto, deixando Éris bufando.

- BASTA! – Éris gritou e com um estalar de dedos do nada, dezenas de criaturas apareceram. – Vamos ver até onde conseguem resistir!

- Jack, gostava imenso de lutar contigo! De certeza que vais trocar um duelo de igual para igual para combater essas criaturinhas? – Beckett propôs.

- Não. Simplesmente sei respeitar diferenças de tamanho! – Jack sorriu ao comparar alturas.

- Você é que sabe. Divirta-se, enquanto eu me entretenho a retalhar a sua querida amada e o seu herdeiro rafeiro! – No mesmo instante, Beckett tinha a espada de Jack encostada no seu pescoço. – Ora aí está! Um pirata é sempre um pirata, não é Jack?

- Qual é a diferença entre um pirata e um Lord da Companhia das Índias Orientais? – Jack perguntou sem tirar os olhos de Cutler Beckett.

- Ora. Essa é fácil. Vocês são simples vermes que povoam o mar. Nós somos os homens que fazemos a lei funcionar limpando-vos do mapa! – Beckett continuou sereno.

- Não Beckett. A diferença é que a maioria dos piratas são criminosos, bandidos, ladrões e tudo o que quiser chamar, mas no fundo ainda sabem o significado da palavra honra! – Jack empurrou mais a espada. – Coisa que não sabe o que é!

Beckett riu. Numa fracção de segundo empunhou a espada. Jack recuou mas não se mostrou surpreendido. Preferia um combate justo.

Quando as criaturas começaram a atacar, Lara desceu da mesa e refugiou-se debaixo desta juntamente com Alicia.

- Temos de sair daqui. – Alicia disse.

- Não sem eles. – Lara olhou de relance. Viu que Jack lutava com Beckett. Este podia ter um braço ferido, mas continuava a lutar bem.

- Lara, não sejas idiota. Pensa no teu filho. – Alicia arrepiou-se quando um dos flashes brancos passou rente ao seu braço.

- WILL, TIRAS-AS DAQUI! – o berro de Jack fez Lara abafar um gemido.

Alicia e Lara assustaram-se quando Will puxou as duas.

- Vocês não podem ficar aqui. O Holandês está ao largo. – Will desviou-se de uma das criaturas.

- Mas e vocês… - Lara tentou falar.

- Nós sabemos nos defender. – Will olhou para Elizabeth que acabava de cortar uma garganta.

- Nem penses. Não vos deixo aqui. – Elizabeth desviou o olhar.

- Eu levo-as. Sei de um atalho que vai dar directamente à praia. – Thomas aproximou-se. Alicia e Will olharam-no de lado, mas Lara confiava neste.

- Cuida-te! – Alicia deu um beijo em Will e puxou Lara. Lara não queria ir. Olhou para Jack. Este estava ocupado com Beckett mas ainda lhe lançou um sorriso. Lara retribuiu.

Os três saíram, correndo por um dos corredores estreitos. Thomas pegou numa tocha e apontou para umas escadas.

- Descendo vamos ter à vertente poente. A parte da floresta é bastante pequena, por isso chega-se à praia num instante. – Thomas desceu seguido de Alicia e Lara.

- Éris não estava na sala. – Lara disse quando chegaram ao final da escadaria e seguiram por outro corredor escuro. O chão continha água que misturado com alguma terra criava uma lama que dificultava o andar.

- Talvez tenha se acobardado. – Alicia disse.

- Não, ela vai voltar. Não iria desistir à última da hora. – Thomas confirmou.

Ninguém falou até chegarem à praia. Thomas ia na frente. Lara sentia uma angústia terrível em deixar Jack.

- Como é que eles descobriram a maneira de matar aqueles demónios? – Lara perguntou a Alicia.

- Na verdade fui eu. – Alicia olhou de relance para Lara que a olhava confusa. – Não sei como, consegui parar o tempo.

- Parar o tempo? – Lara arregalou os olhos.

- Sim. Afinal sou uma princesa atlante! – Alicia riu nervosa.

- Como? – Lara arregalou mais os olhos. – Como é que sabes sobre essa história?

- Éris contou-te alguma coisa?

- Sim. Que eu era uma princesa chamada Mayara e que tinha amaldiçoado a Fonte. – Lara abanou a cabeça. – Que o meu sangue quebraria a maldição. Uma treta.

- Não. A lenda é verdadeira. Hermes confirmou. – Alicia olhou para Lara.

- HERMES?

- Sim. Calipso enviou-o. Ele disse que nós somos a reencarnação de duas irmãs atlantes. Serena e Mayara.

Lara ficou de boca aberta. Tudo menos Alicia envolvida nesta história. Sem reparar chocou contra Thomas, não reparando que este se encontrava parado no caminho.

- Thomas o que é que se passa… - Lara olhou em frente e engoliu em seco. Éris estava especada na sua frente com um sorriso nos lábios.

- Pensando em escapar? – Éris perguntou.

- O Holandês Voador está do outro lado. Se nos fizer alguma coisa, ela manda este pedaço de terra pelos ares. – Alicia ameaçou.

- Oh, que medo! – Éris colocou as mãos na face como se tivesse apanhado um susto. – Chega de brincadeira. Tu vens comigo. – Disse apontando o longo dedo fino em direcção a Lara.

- Você não me pode fazer mal. – Lara defendeu. – Disse que os deuses não podem matar crianças e mulheres grávidas!

- É verdade. Mas não pretendo ser eu a matar-te. – Éris começou a ficar impaciente. – Beckett ofereceu-se. Assim que ele se livrar do Sparrow, o que é uma pena na minha opinião. Um capitão daqueles era capaz de animar os meus serões aborrecidos!

Lara sentiu o seu rosto ruborizar de raiva. Mais uma vez, uma raiva inexplicável subiu à sua garganta.

- Vai ter que passar por mim, antes de tocar na Lara ou na Alicia. – Thomas colocou-se na frente.

- Por Hades, nunca ninguém te disse que és um chato de primeira? Além de seres muito mau na cama. – Éris riu alto deixando Thomas com vontade de se enfiar num buraco quando sentiu os olhos de Alicia e Lara pregados em si. – Chega. – Éris ficou séria e atirou Thomas contra uma pedra.

- Não! – Lara exclamou.

- Pensando bem, só o teu sangue é que é preciso. – Éris colocou um dedo no queixo. – Tanto faz que vás morta ou não. E adivinha, eu não costumo seguir o código divino!

Os olhos de Éris ficaram subitamente brancos e o seu cabelo começou a ondular como se uma corrente de ar o tivesse trespassado.

O que se passou foi tão rápido que Lara não teve tempo de processar quando tudo acabou. Éris tinha tentado matá-la e Alicia interpôs-se. Foi aí que Lara percebeu que Éris não a tinha atingido, mas sim a Alicia que jazia na areia.

-NÃOOO! – Lara sentiu um sufoco na garganta. Queria falar mas era como se com um travesseiro a tentassem sufocar. Correu para Alicia assim como Thomas, que entretanto se tinha recomposto.

- Alicia acorda. Pelo amor de Deus, acorda! – Lara abanava esta enquanto Thomas media o pulso de Alicia.

-Ups, princesa errada! – Éris sorriu.

Lara olhou para Éris. Nesse momento tudo ficou negro. Não se lembrava mais de quem era, não se lembrava mais do seu filho ou de Jack. Tudo o que sentia era raiva, ódio e uma sensação de bomba prestes a explodir.

O sorriso de Éris começou a desvanecer quando Lara se levantou. Por algum motivo, o seu instinto dizia para fugir. Não. Uma deusa não pode fugir. Ninguém consegue derrotar Éris. Muito menos uma mortal.

- Leva-a daqui. – Lara ordenou para Thomas.

Uma corrente de lembranças assolou a sua cabeça. Memórias que não pertenciam a esta vida. Memórias que a fizeram gritar o mais que pode.

Flashback

- Esta guerra acaba aqui. – Essa era única certeza que tinha. Não queria matar Árias, apenas fazê-lo pagar pelo que fez e devolver a paz ao seu povo.

- Tem razão, princesa. – Árias retirou a espada. – Que os seus desejos sejam cumpridos.

Mayara sentiu algo passar à sua frente. O golpe que deveria ser para si, atingiu Serena. Mayara sabia que Serena faria algo estúpido para a proteger. Faria o mesmo. Mas nunca pensou que a sua irmã aparecesse agora. Serena caiu espalhando uma poça de sangue pelo chão mármore do palácio.

- Ups, irmã errada! – Árias riu.

Mayara olhou para si. Os seus olhos viraram fogo fazendo Árias recuar.

- A partir deste dia, todos aqueles que beberem desta maldita Fonte da Juventude ficarão em pedra até ao fim dos tempos. – Mayara pegou na taça dourada e derramou o líquido.

Árias correu numa tentativa infrutífera de apanhar o líquido azul vivo.

- Não o matas? – Um dos fiéis guardas de Mayara perguntou.

- Os deuses encarregar-se-ão disso. – Disse virando costas e desabando num choro sobre o corpo sem vida da irmã.

Continua…