Capítulo 1: Regresso a casa

Lara piscou os olhos tentando habituar-se à luz. Sentiu que estava deitada sobre algo macio e abriu finalmente os olhos. A claridade provinha de uma janela e iluminava todo o aposento. Olhou em volta e o seu olhar fixou-se num grande poster pregado à parede: Will Turner, ou melhor, Orlando Bloom.

Lara suspirou e sentou-se na cama. Tinha voltado ao seu quarto de férias, à sua casa emprestada. Viu que a cama de Alicia estava vazia e teve um sobressalto." Será que ela foi parar a outro sítio?", pensou aterrorizada. Mas o ranger de uma porta a abrir fez Lara se voltar para a entrada da casa de banho, que ficava dentro do quarto. A resposta à sua pergunta estava pregada à sua frente.

- Bem-vinda a casa, amiga! – Alicia apareceu na soleira da porta com os olhos vermelhos, fazendo com que ambas se olhassem e um silêncio envolve-se o quarto.

Alicia caminhou e sentou-se na cama olhando para o exterior da janela. Não era preciso adivinhar o que se tinha passado. Alicia tinha estado a chorar como uma fonte.

- Alicia… - Lara falou baixo mas a amiga interrompeu-a.

- Será que nunca mais o vou ver? – Alicia voltou-se para Lara e esta adivinhou nova crise de choro.

- Nem por um minuto deixas de pensar no Will?

- E tu deixas de pensar no Jack? – Alicia endureceu o olhar.

Lara não respondeu e olhou para o relógio. Eram 8:30 da manhã. Não sabia dizer a que horas acordou no século XVIII, mas o que é certo é que tinha a sensação que o tempo não passara ali.

- Nós tínhamos de voltar. – Lara falou pausadamente. – E além do mais temos a bússola. – Lara tirou a bússola debaixo dos lençóis.

Um bater na porta fez as duas raparigas saltarem das camas.

- Lara, Alicia! Já se levantaram? É hora da praia! – A voz de Mrs. Stevens fez Lara sorrir de orelha a orelha.

Abriu a porta de rompante deixando Mrs. Stevens ainda com a mão fechada no ar.

- Mãe! – Lara abraçou-a. – Que saudades! Pensei que nunca mais te ia ver!

Mrs. Stevens não compreendeu aquela reacção e olhou para Alicia. Esta última sorriu e fez um gesto indicando que Lara não estava boa da cabeça.

- Eu bem disse que festas em parques de campismo não fazem bem. Ainda por cima o teu pai só vos foi buscar depois da hora! – Mrs. Stevens abanou a cabeça.

Lara separou-se da mãe e fitou-a confusa.

- Festa? – Perguntou.

- Sim. Não me digam que não se lembram? Foram à festa, vieram e quando cá chegaram deitaram-se logo! – Mrs. Stevens olhava para a filha e começava a desconfiar que Lara tivesse sido abduzida por um óvni.

- Oh… isso! – Lara fez um sorriso amarelo.

- Nós vínhamos muito cansadas e adormecemos logo. De certeza que a Lara teve qualquer sonho e ainda pensa que não acordou! – Alicia riu tentando disfarçar a situação.

- Sei… - Mrs. Stevens olhou desconfiada. – O pequeno-almoço está na mesa. Se quiserem ir para a praia arranjem-se. Têm duas semanas para fazer o que quiserem!

Mrs. Stevens retirou-se deixando as duas sozinhas.

- Quer dizer que não passou tempo nenhum? – Lara estava parada. – Estivemos lá meses e aqui não passou nem um segundo?

Alicia não respondeu. Mantinha-se ocupada a pensar num assunto que a preocupava.

- Lara, e se não fomos para lado nenhum? – Alicia olhou para a amiga com cara de pânico.

- Como assim?

- Sei lá. Se calhar sonhamos e não se passou nada de especial! – Alicia queria muito acreditar queo que dizia era mentira.

- Não pode ser. Foi real demais. E além do mais temos a bússola! – Lara apontou para a mesinha de cabeceira onde esta se encontrava.

- Mas isso não prova nada. Deram-te a bússola e trouxeste-a. Se calhar é uma bugiganga! – Exclamou Alicia.

- Eu não te estou a conhecer Alicia Grant! – Lara começava a ficar exaltada. – Logo tu que não duvidaste quando lá chegamos! Acreditaste sempre!

- Mas acabou tão depressa… - Alicia encolheu os ombros.

- Então como é que explicas o colar que tens ao pescoço? – Lara apontou com a cabeça e Alicia passou os dedos pela figura do colar.

- É, talvez tenhas razão.

As raparigas arrumaram-se e desceram para tomar o pequeno-almoço. Para variar, Lara abraçou Mr. Stevens efusivamente deixando este sem perceber nada de nada.

- Então? – Mr. Stevens pousou o jornal e fitou as duas raparigas.

- Então o quê? – Perguntou Lara barrando uma tosta com geleia.

- Arranjaram algum namorado lá? – Perguntou o pai com naturalidade.

Alicia engasgou-se com o café, Lara deixou cair a tosta e Mrs. Stevens partiu a caneca do sumo ao deixá-la cair.

- O QUÊ? – Perguntaram as três mulheres ao mesmo tempo.

- Qual é a surpresa? Elas já são adultas, podem namorar com quem quiserem! – Mr. Stevens estava atónito com a reacção da mulher.

- Mas elas… - Mrs. Stevens gaguejou.

- Vá lá Maggie! Não sejas tão cautelosa. Como eram os rapazes do parque? – Mr. Stevens sorriu para a filha e para Alicia e ambas se entreolharam.

- Ah… não havia ninguém interessante. – Lara deu uma trinca na tosta e sacou o jornal disfarçando.

- Bem, ia jurar que ambas estavam apaixonadas por alguém! – Mr. Stevens levou com o olhar fulminante da mulher.

- Porquê? – Perguntaram as jovens ao mesmo tempo.

- Vê-se nas vossas caras! – O homem sorriu.

- Ah ah ah! – Lara riu sarcasticamente. – Quando me apaixonar são os primeiros a saber, prometo!

- A sério? Pensei que ias esperar tanto, que só te casarias com Davy Jones! – Mr. Stevens riu alto e deixou Lara e Alicia de cara à banda.

Decidiram não ir à praia mas passear pelo picadeiro.

- Isto só pode ser a gozar! – Lara caminhava a passos largos sendo difícil para Alicia acompanhá-la. – Já viste o que o meu pai perguntou? Parece que sabia de tudo!

- Só se alguma fada lhe dissesse algo! – Alicia alcançou Lara. – Onde vamos?

- Tentar achar o homem que me deu isto. – Lara mostrou a bússola. – É a melhor maneira de provar que isto é verdadeiro.

- Podemos tentar voltar… - propôs Alicia, mas Lara fez que não ouviu.

Chegaram a uma zona de barraquinhas artesanais e Lara procurou pela mesma da "noite anterior". Achou e ambas espreitaram lá para dentro. Não tinha ninguém.

- Se calhar sonhaste com o homem! – Alicia sorriu mas o olhar de Lara disse tudo. Alicia mirou as peças de bijutaria.

- O que desejam as meninas? – Uma voz suave fez as duas darem um salto. À sua frente estava o mesmo idoso de quem Lara tinha ganho a bússola.

- Nós… viemos por causa disto. – Lara mostrou a bússola. – O senhor deu-me esta bússola à meses… quer dizer ontem à noite.

- Nós queríamos saber se ela funciona mesmo! – Completou Alicia.

O homem fitou-as. À luz do dia a sua aparência era mais visível. Era baixo e atarracado. Aparentava ter entre 60 e 70 anos. O cabelo e a barba eram totalmente brancos.

- Digam-me vocês se ela funcionou mesmo! – O homem sorriu, deixando-as confusas.

- Nós descobrimos que esta bússola é muito antiga. – Explicou Lara.

- A sério? E descobriram tudo num dia? – O homem aparentava um ar misterioso.

Virou costas e caminhou para dentro da loja. Fez sinal para que o seguissem.

- Essa bússola foi-me dada pelo meu avô. Na altura era um miúdo e pensei que só servisse para indicar o norte. – O homem passou a mão por um espanta espíritos, fazendo-o entoar o típico som delicado. No mesmo gesto, ficou visível uma enorme cicatriz que possuía na mão e se prolongava pelo braço. Lara ficou estática. Lembrou-se das cicatrizes que Jack tinha espalhadas pelo corpo. Já Alicia arrepiou-se e teve uma sensação estranha. – Como estava a dizer, o meu avô deu-ma e contou-me a história da bússola.

- E qual é a história? – Perguntou Lara.

- Nada de especial, menina. Apenas que pertenceu ao meu trisavô. Ao que consta ele comprou-a na época da febre do ouro. Disseram-lhe que ela realizava os desejos e transportava a pessoa para o local do desejo. – O homem coçou a cabeça. – É claro que nem a bússola funcionou, nem o meu trisavô ficou rico!

- Quer dizer que não acredita que ela funcione? – Perguntou Alicia.

- Então porque carga de água me deu a bússola? – Perguntou desta vez Lara.

- Não ligo muito a coisas de família. E a bússola não funciona nem normalmente nem magicamente.

Alicia riu de forma sarcástica. Não acreditava naquela versão. Alguma coisa aquele homem escondia.

- Mas claro que pode funcionar com outras pessoas. – Disse o homem, deixando as moças sem perceber. – Dizem que os desejos verdadeiros vêm do fundo do coração. Talvez fosse por isso que não funcionasse com o meu trisavô. O que ele desejava era enriquecer, ou seja, pura ganância.

- E vai dizer que teve a bússola na sua mão esse tempo todo e não tentou nenhuma vez? – Alicia semicerrou os olhos como se esperasse uma confissão, o que deixou Lara incomodada.

- Simplesmente nunca acreditei, como já disse. – o homem virou costas novamente. – Vi a sua amiga bastante triste e pensei que uma ténue esperança de mudar as coisas resolvesse os seus problemas. Mas não respondeu à primeira pergunta: a bússola funciona?

Lara engoliu em seco e olhou para Alicia.

- Não. "Nem magicamente, nem normalmente". Mas como lhe acho graça por ser igual à do Capitão Jack Sparrow, fico com ela! – Lara sorriu e abriu a bússola olhando-a orgulhosamente. E foi nesta mesma olhadela mais atenta que Lara ficou branca como a cal e engoliu em seco.

- Obrigado pelas informações! Nós vamos indo. – Alicia empurrou Lara para fora da loja e o homem apenas fez uma vénia.

Sentadas numa lanchonete, Lara e Alicia permaneciam em silêncio. Lara continuava a rebolar a bússola e murmurando vezes sem contas desejos. Não acreditava no que estava a acontecer.

- Eu não confio naquele homem. – Disse Alicia.

- Porquê? – Lara perguntou rispidamente.

- Sei lá. Primeiro não gostei daquele jeito misterioso, depois aquela cicatriz e finalmente acho que tem uma voz extremamente jovem para a idade que tem! – Alicia brincava com a carta dos gelados.

- Tu desconfias até de um gafanhoto. – Lara continuava absorta. Alicia apenas botou a língua de fora.

- Bom dia! O que é que as jovens vão pedir? – o garçon interrompeu os pensamentos das raparigas.

- Eu quero um cone com gelado de menta e de baunilha! – Alicia sorriu, fazendo o garçon anotar o pedido.

- E a menina? – Perguntou a Lara.

- Uma taça com quatro bolas de gelado e mais um milkshake de morango. – Pediu.

O garçon recolheu-se e Alicia ficou com a cara no chão.

- Tu viste o que pediste? – Perguntou atónita.

- Vi, porquê?

- Lara, tu pediste um mega gelado! – Alicia continuava de boca aberta.

Mais atónita ficou quando viu Lara derrubar o gelado e o milkshake em poucos minutos.

- Tu não estás bem! – Alicia abanou a cabeça. Lara só comia pequenos gelados, por isso a cena era bastante desconcertante.

- Caramba, Alicia! Estou nervosa! Não posso comer o que quero? – Lara estava realmente chateada.

- Estás nervosa porquê? – Alicia lambia a colher.

Lara colocou as mãos na cara antes de responder.

- Porque… - Lara olhou para Alicia. - … esta não é a bússola do tempo e sim a bússola do Jack.

Alicia quase não teve tempo de pensar. Distraíram-se com a confusão que a mulher atrás de si fez. Usava um grande chapéu e óculos de sol. Só virão que era de pele escura, mas mais nenhum detalhe ficou registado. No momento que Lara falou, a mulher levantou-se tão depressa, que derrubou cadeiras e mesas, mas não olhou para trás, correndo sem destino.

- Doida! – Exclamou Alicia.

Continua…