Primeiro amor escrita por Bruninhazinha


Capítulo 5
Primeiro presente


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente. Vim aqui nas notas iniciais só para deixar bem claro aqui que eu não morri PAOSKPASKOASKP ainda estou viva. Dei uma sumida porque estou super ocupada com umas coisas da faculdade.
Espero que gostem do capítulo.
Boa leitura!



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Aquela era mais uma madrugada insone, cheia de pesadelos. O abajur estava aceso, iluminando parcialmente o quarto, e o relógio de cabeceira marcava duas e quarenta e cinco da manhã. No centro do cômodo, Ravena flutuava a centímetros do chão com os olhos fechados.

— Azarath, Metrion, Zinthos. — havia perdido as contas de quantas vezes repetiu o mantra. Uma centena, talvez. As palavras, porém, mesmo que soassem familiares e trouxessem conforto, não apaziguavam aquela sensação.

A sensação do vazio. 

Embora o coração pulsasse e o calor cobrisse a pele, nada a movia nem mesmo uma energia ou emoção. O corpo parecia uma casca oca, a deriva, como se não passasse de um monte de nada. Desistindo de meditar, se sentou no beiral da cama e fechou os olhos. 

Isso sempre acontecia, todos os anos, nessa mesmíssima data. 

Quinze de agosto. Seu aniversário. 

Odiava essa época. Apática, todos os anos colocava a culpa do mal humor nas festas que os amigos insistiam em organizar ou na quantidade de abraços excessivos que lhe davam. E, não, não estava sendo franca. Acontece que culpar os outros ou determinada situação é sempre mais fácil que encarar a verdade. A verdade dói, machuca. 

E a verdade é que Ravena não era nada grata por existir. 

Por muito tempo, o mero fato de ser quem era foi uma ameaça real para as pessoas. Por vezes, viu o medo nos olhos dos Titãs. Medo de que perdesse o controle das emoções. Medo de que a raiva tomasse conta de seu coração. Ela era perigosa. Se qualquer um da equipe sentisse raiva, a pessoa no máximo gritaria mais que o necessário. Já Ravena com raiva? Coisas explodiam. Pessoas explodiam. No sentido mais literal que isso possa soar. 

E, apesar da derrota de Trigon, dos seus poderes estarem longe da influência maligna do pai, ainda se martirizava por tudo o que aconteceu.

Nada que envolvesse sua existência era motivo para comemorar. 

Suspirou pesadamente, jogando-se de costas no colchão, os olhos fixos no teto do quarto. Desejou, como nunca, que esse dia passasse.

E ainda não era nem três da manhã. 

Ela revirou na cama por um tempo, esperando que o sono surgisse; foi inútil. Sem muitas opções, chutou as cobertas para longe, dando-se por vencida, e se teletransportou para a sala de TV imaginando que assistir um filme talvez fosse uma boa ideia. Precisava manter a mente entretida.  

A sala estaria completamente escura se não fosse pela tela de plasma ligada. A empata optou por um DVD qualquer - um romance bobo que Koriand'r gostava. Assim que afundou a bunda entre as almofadas, porém, o inesperado aconteceu. 

E coloca inesperado nisso. 

Algo a empurrou em meio a um miado alto e estrangulado. Rachel levantou em um pulo, assustada, só para se deparar com um gato — isso mesmo, um gato — completamente verde fitando-a com cara de poucos amigos. 

— Céus, Garfield, quer me matar do coração? — colocou a mão na altura do peito, em clara surpresa, o coração martelando com força. — O que faz aqui?

A resposta foi um miado. Ela não resistiu ao impulso de cruzar os braços, indignada. 

— Você sabe que não consigo entender. 

O gato, claramente, não deu a menor importância ao fato. Deu três voltas ao redor do mesmo lugar e deitou de barriga para cima, com as orelhas de pé, movendo as patinhas para o alto como se quisesse agarrar algo.

Foi a cena mais adorável do mundo. Ela, contudo, conhecia-o suficientemente bem para saber o que pretendia com isso. 

Muito ardiloso. 

— Não. Pode esquecer. 

O som que veio a seguir foi alto e cheio de protesto. Ele continuou miando daquele jeito irritante, tentando vencê-la pelo cansaço, o rabo felpudo balançando para lá e para cá, até que Ravena se rendeu. 

Era isso ou acordar a Torre inteira com aquele barulho infernal. 

— Que ódio. — sentou-se no sofá com o bichano aninhado nos braços. Ele aconchegou a cabeça em seu ombro, causando nela um calorzinho irritante no peito. Teve que se segurar muito para não suspirar com tamanha fofura. Coçou atrás da orelha dele, escutando-o ronronar. —  Ok, você é mesmo uma gracinha. Quero te apertar e abraçar para sempre. 

Não conseguiu prestar atenção no filme, entretida demais em dar carinho ao gato verde, tão rendida aos encantos dele que nem protestou quando ele deitou em sua barriga, fazendo dela uma espécie de travesseiro. Evidentemente, Garfield amou a situação; só se metamorfoseou de volta uma hora depois, sem aviso prévio.

Nem é necessário dizer que essa foi uma péssima ideia.

Ravena, sobressaltada com a transformação repentina do bichano em um homem de quase dois metros, lhe deu um belo de um chute na barriga. 

— Ei! — exclamou com careta de dor, e não era para menos. O chute foi tão forte que o derrubou no chão. — Precisa dessa agressividade toda?

— Ninguém mandou se transformar em cima de mim. — observou-o rir enquanto revirava os olhos. 

— Só está brava porque admitiu me achar um fofo.  

— Sua forma de gato é fofa, não você.  

— Vou fingir que acredito. — mostrou a língua.

Ela riu dele, quase se esquecendo do que a levara até a sala.

Quase.

O sorriso morreu aos poucos, tornando-se nada mais que uma expressão séria.

É óbvio que Mutano notou. Apoiou no sofá, observando a feição delicada. Estavam próximos, ela deitada de costas e ele de joelhos no chão, com o rosto a centímetros do seu. Não resistiu ao impulso de afastar os fios escuros que teimavam que cair sobre os olhos ametistas.

— Como você está? — perguntou, meio que já sabendo a resposta. A empata sempre ficava mal nessa data; passou o dia anterior isolada de todos, trancada no quarto. Só não foi atrás dela antes porque entendia que precisava daquele tempo sozinha. 

— Eu estou bem. 

— Você pode mentir melhor que isso, Rae. 

— O que faz acordado essa hora? 

— Não adianta fugir do assunto. — sorriu de canto. — Mas, respondendo a sua pergunta, fiquei preocupado com você. Tão preocupado que nem consegui pregar os olhos. 

— Mentiroso. 

— Tá, tudo bem. Dormi até meio dia ontem, então estou sem sono. — observou-a menear a cabeça, sorrindo. — Mas a parte em que fiquei preocupado não é mentira. 

— Aham. — debochou. — Por que estava na forma de gato?

— O pelo é quentinho. — deu de ombros. — Sua vez de responder. 

Ela deixou um suspiro pesado escapar, desviando o olhar. 

— Francamente, não sei se estou bem. — colocou as mãos atrás da nuca, fazendo delas uma espécie de travesseiro. — Não sei o que sentir, o que pensar. A única coisa que, de fato, sei é que ainda odeio meu aniversário. 

— Pelos motivos errados e por completa paranoia, suponho. 

— Talvez. Mas não são tão errados assim. — exprimiu, mal-humorada, e o empurrou só para se sentar. Garfield continuou na mesma posição, ainda de joelhos sobre o tapete felpudo, tentando decifrar a expressão no rosto dela. — Você não entenderia.

— Tente.

Encarou-o longamente, sentindo-se terrivelmente acuada por aqueles olhos lindos, verdes e tempestuosos. Não gostava de tocar no assunto. Colocar aquilo para fora só tornava tudo real. 

— Meu nascimento, — comprimiu os lábios um contra o outro. — minha mera existência, o fato de eu ser semidemônio, nada disso é um motivo a ser comemorado, Gar.

A sombra da compreensão e incredulidade apossou-se do rapaz, como se não acreditasse no que estava escutando.

— Certo, não justifica me sentir dessa forma depois de tudo o que vocês fizeram por mim — continuou, vendo que ele não diria nada. —, mas, mesmo com a derrota de Trigon, não consigo me livrar da sensação de que vou acabar estragando tudo. É difícil se livrar desse sentimento quando se passa a vida inteira tendo que lidar com ele. 

Garfield moveu-se rapidamente, sentando-se ao lado dela no sofá e passou o braço pelos ombros miúdos. Roth, felizmente, não o afastou.

— Você é muito dura consigo mesma.

— É. Eu sei.

— E achar que sua existência não é importante é estupidez.

— Sei disso também.

— Por acaso também sabe que está se martirizando atoa? Ah, nem precisa responder. — fez uma pausa dramática. — Você sabe. 

Ravena rolou os olhos, embora sorrisse, pensando que, mesmo que Mutano fosse péssimo em reconfortar, a intensão era genuína. Isso que importava. Ficou tão imersa o observando, admirando o jeitinho atrapalhado, que perdeu o fio da meada da conversa. Já não sabia mais do que ele estava falando. Ainda assim, vê-lo ali, esforçando-se tanto para organizar as ideias era meio... Engraçado. 

Fofo e engraçado, por que não levava o menor jeito com as palavras.

— ... então, nada do que aconteceu é culpa sua, Rae, e... Você está rindo? — soou com uma nota acusatória. Ela piscou sequencialmente, pega com a boca na botija. — Estou abrindo meu coração, tentando te consolar, e você está rindo

— Desculpa. — falou entre uma risadinha nasal, esforçando-se para se manter séria.

Não deu certo. Ela só riu mais.

— Pela Mãe Natureza! — inclinou para trás, para enxergar o rosto dela melhor, o nariz torcido em uma expressão zangada. — Por acaso sou uma piada? 

— Ah, não fique chateado. — repuxou os lábios em um sorriso sem dentes, tentando conter a gargalhada do semblante indignado dele. — Continua. Está funcionando.

— Mesmo? — arqueou uma sobrancelha verde, descrente. 

— Lógico. Você conseguiu a proeza de me fazer rir no meu aniversário, tem noção disso? 

— Apesar de ninguém aqui levar a sério o que eu digo, — a voz saiu em um murmúrio aborrecido, mesmo que os olhos brilhassem de um jeito suave. Parte disso por saber que a moça estava com a razão em relação a fazê-la rir. — o que estou querendo dizer é que você é a melhor coisa que aconteceu na minha vida, Rae. Não só na minha, aliás. Pense em todas as pessoas que você salvou, em cada família, em tudo o que fez até hoje. Então, não diga que sua existência não é um motivo de comemoração. 

Ela apertou os lábios, comovida, e desviou o olhar para um canto qualquer. 

— É, acho você tem razão.

— Claro que tenho.

— E eu admito que mandou muito bem nas últimas palavras.  

— Mandei mesmo, não é? — sorriu, convencido, parecendo um pavão querendo se exibir. — Acho que estou ficando bom nisso de dar conselhos.

— Ok, não precisa exagerar.

Sorriram.

Talvez fosse um dom dele, talvez fosse apenas o jeito descontraído. Não dava para saber, ao certo. Mas essa conversa, todo esse clima leve fez com que Ravena se sentisse melhor. Em outra época, jamais teria confidenciado sobre o que a incomodava a uma pessoa, mesmo para os amigos. Garfield, porém, tornou-se seu porto-seguro. Seu refúgio nos dias ruins. Havia entre eles aquele laço de confiança, aquela fagulha que acendia seus melhores lados, como se fossem feitos para estarem juntos. Como se só funcionassem assim. 

— Agora que concordamos em comemorar seu aniversário... — passou a mão pela cabeleira verde, parecendo muitíssimo satisfeito.  

— Nunca concordei com isso. — retorquiu, sendo prontamente ignorada. 

—... tenho um presente para te dar.

Ela piscou uma, duas, três vezes, sem acreditar no que tinha acabado de escutar.

— Não precisava.

— Tarde demais. — retirou do bolso do pijama uma caixinha. O som do filme ainda ressoava na sala, contudo, estavam tão imersos naquela bolha que nem se lembraram da TV ligada. — Pretendia te entregar isso pela manhã, mas como já estamos aqui... — colocou a caixa aveludada nas mãos dela. Ravena abriu a tampa e arregalou os olhos para a pulseira de prata, com entalhes em esmeralda. — Era da minha mãe.

Ainda em choque, abriu e fechou a boca. As palavras, porém, recusavam-se a sair.

— Não posso aceitar isso, Gar. — foi tudo o que conseguiu formular, empurrando a caixinha na direção dele. O metamorfo, porém, não fez nada além de menear a cabeça, recusando-se a aceita-la de volta.  — É importante para você.

— E é por isso que estou te dando. Por favor, aceite

Ravena fitou a pulseira longamente, percebendo que as esmeraldas eram da exata cor dos olhos dele. Não soube dizer se foi o tom delicado ou o olhar suplicante que a levou a tomar tal decisão. O fato é que concordou com a cabeça, sendo bombardeada pelo sorriso eufórico do rapaz.

Ele lhe ajudou a colocar a pequena corrente no braço, muito contente em perceber que não poderia ter dado um presente melhor. A joia, delicada e discreta, combinava com a pele pálida.

— Feliz aniversário, Rae. 

Em outros tempos Ravena teria retrucado com aspereza. Não suportava a ideia de alguém a felicitando por algo do qual não se sentia digna. Agora, porém, a data e todos os sentimentos ruins que a acompanhava já não pesava nos ombros. Deixou de incomodar.

— Obrigada. — e inclinou-se para selar seus lábios.

Foi a primeira vez que se sentiu feliz por esse dia. Por mais um ano. Afinal, significava mais uma oportunidade de estar ao lado dele. 


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