Primeiro amor escrita por Bruninhazinha


Capítulo 3
Primeiro pedido




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Aquele era um dia sem nuvens e as árvores erguiam-se em todo seu esplendor, como se conseguissem tocar o céu. Ciborgue estacionou o T-Car em um canto qualquer do bosque, retirando a chave da ignição. Ao fazer isso, o rádio parou de tocar, sons de cintos de segurança destravados ecoaram e os titãs saíram do automóvel.

Mutano observou os arredores, inspirando o ar fresco daquele fim de tarde. Fazia tanto tempo que não saía de casa que considerou estranho ver algo que não fosse o mar batendo contra as pedras da baía ou a barulhenta Jump City, pequena e longínqua, pelas janelas da Torre.

Uma paz desconcertante pairava sobre eles. Uma paz da qual a muito tempo não desfrutava.

Mais cedo, pela manhã, todos ficaram chocados quando Robin anunciou que tirariam o dia para acampar. O líder nunca permitiu que nenhum deles tivesse férias, então o comunicado os pegou de surpresa. “Não faz mal descansarmos um pouco. Os policiais nos enviarão um alerta caso ocorra algum problema na cidade”, foi a justificativa de Richard, que tentava manter a pose séria, cheia de dignidade, mas todos sabiam que ele só era pamonha demais para recusar os pedidos de Estelar, que insistiu tanto em acampar que o rapaz não teve outra alternativa a não ser aceitar.  

Ninguém reclamou, claro.  

Exceto Ravena.

A empata não gostava da vida ao ar livre, quem dirá ficar fora do quarto, longe de seus preciosos livros.

— Francamente, essa é a ideia mais estúpida do mundo. —  Ravena resmungou ao sair do carro, olhando diretamente para a figura esverdeada. Bateu a porta com uma força além da necessária, só para mostrar todo o descontentamento que sentia.

— É um feriado importante em Tamaran, lembra? — desviou olhos verdes para Estelar, que retirava, com ajuda de Robin e Ciborgue, a churrasqueira e as barracas do porta-malas. — Ela só quer comemorar. 

Rae o fitou longamente, cheia de descrença.

— Não estamos em Tamaran.

— Robin não liga para isso.  

— A opinião do Robin é inválida, já que ele é um tremendo de um bundão quando se trata da Estelar. — Garfield riu, pensando que a moça estava certa. — Faz absolutamente tudo o que ela quer. Se ela pedir para ele pular de um penhasco, ele pula, sem questionar.  

— Deixe de ser rabugenta. — sorriu, cheio de charme não proposital, mostrando os caninos pontiagudos. Não era de se admirar que fizesse tanto sucesso com as mulheres. Acredite, esse pensamento não melhorou o humor de Ravena. — Apenas relaxe. Vai ser legal.

— Tenho minhas dúvidas. — deu um tapa no próprio braço, tentando matar um mosquito. — Não poderíamos comemorar esse feriado de uma forma mais, sei lá, normal?

— Rae, estamos falando da Kori. — essa única frase bastou para fazer todo sentido do mundo. — Se tem uma coisa que ela nunca será é normal. Na verdade, ninguém nesse grupo é normal. O mais normal é o Cib e ele é metade robô

Ela meneou a cabeça, suspirando pesado, dando-se por vencida. Estava tão irritada que nem notou os olhos de Garfield sobre si, admirados. Ninguém poderia culpá-lo por isso. Era raro vê-la vestindo algo que não fosse o uniforme; hoje optou por shorts e uma blusa de alças, que revelava muito mais pele que o rapaz estava acostumado a ver.

Simplesmente linda.

Ele ficou lá, feito um idiota, contemplando-a de cima a baixo. Quando ela – finalmente – percebeu, ficou vermelha feito um pimentão.

Foi patético.

— Ei, vocês dois! — Ciborgue berrou, carregando nos braços uma caixa enorme. — Deixem de namorinho e venham ajudar!

Claro que só foi uma provocação idiota para deixá-los com raiva – o lance que tinham ainda era segredo –, mesmo assim, as bochechas dele esquentaram. Ravena, por outro lado, ignorou o comentário do amigo e se encaminhou até o porta-malas, de onde tirou uma caixa de isopor grande. Não protestou quando o metamorfo correu para ajudá-la, para que não segurasse todo o peso sozinha. Levaram o objeto para perto da churrasqueira, colocaram no chão e ajudaram a descarregar o restante das coisas.  

Passaram as horas seguintes organizando tudo. Acenderam a churrasqueira a gás e Estelar fez uma fogueira razoavelmente grande, disparando a energia esverdeada com as mãos.  

Terminaram tudo no início da noite. A lua brilhava em todo seu esplendor, entre as estrelas, e a fogueira foi acesa por puro simbolismo, já que estava um calor dos infernos. Não bastando, local era cheio de pernilongos. Rachel tentou se livrar deles com repelente, porém, foi um trabalho inútil. Pareciam ter um especial apresso por seu sangue. 

Ciborgue acabou encarregando-se da churrasqueira. Assava a carne e o tofu todo feliz, cantarolando de um jeito animado, usando por cima dos calções um avental velho e florido. Próximos a fogueira, lado a lado, Robin e Estelar cochichavam sobre algo, cheios de risadinhas, muito perto do outro, como o casalzinho apaixonado que eram.

Ao menos, nenhum dos dois fazia questão de esconder como se gostavam.

Ravena balançou a cabeça para afastar os pensamentos e voltou os olhos para a fogueira, apertando com força o galho que segurava. Na pontinha dele, havia um pedaço de marshmallow tostado. Levou-o a boca, em meio a um suspiro, agradecendo por ter outro tronco longe da bolha de amor que envolvia a amiga alienígena e o líder da equipe. 

De soslaio, observou uma silhueta masculina se aproximar com passos animados. Mutano se jogou ao lado dela, empurrando com o dele, seu quadril, em um toque muito íntimo.

— Trouxe cerveja. Quer? — ofereceu uma latinha, solícito.

Ravena, porém, o encarou como se acabasse de receber uma bofetada.

— Você sabe que eu não bebo.

Garfield deu de ombros.

— E você não sabe o que está perdendo. — abriu a lata em um clack, que ressoou por cima do crepitar da fogueira.  

— Prefiro continuar na ignorância. Meu fígado agradece.

— Experimenta. — esticou a lata para ela. — Vai que você gosta.

Ela encarou a lata cheia de dúvidas, mas aceitou mesmo assim.

Deu o primeiro gole.

E quase cuspiu tudo na cara dele.

— Ok, é horrível. — devolveu-a, o nariz torcido. — Tem gosto de xixi.

Ele arqueou as sobrancelhas, risonho.

— E como sabe qual é o gosto de xixi?

— Não sei, só estou supondo.

Ficaram em silencio, admirando a fogueira balançar para os lados, em um ritmo sensual. A voz de Ciborgue ressoava uma música da Lady Gaga, desafinadíssima, e o cheiro de churrasco pairava sobre eles.

— Tenho que montar as barracas. — Garfield cortou o silencio antes de amassar a garrafa (agora vazia), depois a fitou de soslaio, sem muito assunto. — Pode me ajudar?

— Claro.

Os dois se levantaram e andaram calmamente até as barracas, postas mais distantes do calor da fogueira por motivos óbvios – é sempre bom evitar incêndios. Ravena não tinha muita noção do que fazer, mas seguiu as instruções do rapaz e meia hora depois as barracas estavam todas erguidas e enfileiradas.

Sentaram-se, então, na grama orvalhada, escondidos na penumbra, observando, bem distantes de todos, o desenrolar da cena – Estelar repousando a cabeça no ombro de Robin, que a escutava tagarelar com um sorriso brincando nos lábios. Depois Ciborgue, levando carne para os dois, rindo com eles de alguma piada boba.

— Onde aprendeu a montar barracas? — ela questionou, de repente, quando o silencio começava a pesar. Abraçou as próprias pernas, a cabeça repousada nos joelhos.

— Não sei ao certo. — respondeu.  — Acho que com meus pais, quando estávamos na África. Não tenho muitas lembranças dessa época. Mas com certeza foi antes de... bom, você sabe.

Antes de ser infectado pela sakutia. Antes de adquirir aqueles poderes de metamorfose. Antes de se transformar em um garoto completamente verde.

Ela entendeu o que ele quis dizer.

Antes. Quando tudo na vida dele, aparentemente, era mais fácil.

— Você tem muitas lembranças dos seus pais? — fitou os próprios pés, depois levantou os olhos para um ponto qualquer a frente.

— Não muitas. — encarou o céu estrelado. — E acho que é melhor assim. Sem lembranças, sem sofrimento.

— Você tem razão. — suspirou. — Sinto muito por eles.  

— Não sinta. Dava para ser pior.

Ela arqueou uma das sobrancelhas, fitando-o com incredulidade. Ele apenas sorriu.

— Bom, qualquer coisa é melhor que ter um pai demônio interdimensional destruidor de mundos.

Ravena quase engasgou com uma gargalhada.

Ótimo, agora ela era a piada.

— É. Não posso discordar disso. 

— Mas, de qualquer forma, não estou infeliz com os meus poderes. — disse, pensativo. — Sei que as coisas seriam bem diferentes se aquele maldito macaco verde não tivesse me mordido, mas... não consigo lamentar.

Ela piscou uma, duas, três vezes, atordoada. Sempre achou que Mutano visse os próprios poderes como um peso, uma pedra no sapato, e não o culparia por isso caso fosse verdade. Afinal, ele perdeu os pais, ficou sozinho por muitos anos e não teve a mais fácil das vidas. 

Aparentemente, havia se enganado. Ele era mesmo muito mais forte do que imaginou. 

— Só consigo pensar que sem esses poderes jamais teria entrado para a equipe ou feito amigos que me entendessem tão bem. — continuou, a expressão contemplativa. — Também não poderia ajudar as pessoas. Claro que existem outros meios de ajudar, mas, certamente, eu seria bem diferente. Provavelmente uma versão pior de mim mesmo. Além disso, não teria te conhecido. — a olhou longamente, suspirando. —  Penso que as coisas acontecem por algum motivo, por algum propósito maior. E acho que estou exatamente onde devia estar, com você do meu lado.  

Ela não respondeu – não conseguia. As palavras fugiram, como se tivesse desaprendido a falar.

As barracas tremularam logo atrás deles, envolta pela energia cinética de seus poderes, mas ela acalmou a respiração e tentou controlar-se antes que os outro notassem como estava abalada.

Garfield, porém, soube como contornar o clima pesado. Ele riu, mesmo que a situação não fosse adequada, e deu uma cotovelada no braço dela.

— Que surpresa... — sorriu largamente entre uma risadinha debochada. — Consegui deixar a poderosa Ravena sem palavras? — Ela lhe deu um tapa no braço – um bem forte –, com uma expressão emburrada. — Que grande feito. Pena que não posso me gabar disso para os outros.

— Ah, cale a boca!

Ele riu mais. Ela apertou os lábios, recusando-se a rir com ele, mas não conseguiu – foi mais forte que ela. 

— Sabe o que eu acho? — continuou, assim que as risadas cessaram, dando-se conta de algo.

— Ser empata não significa que eu saiba ler pensamentos. — alfinetou, cruzando os braços.  

Muito engraçadinha. — mostrou a língua e continuou falando, não antes de coçar a nuca, todo tímido. Foi meio estranho vê-lo assim, sem jeito. Ela arqueou uma das sobrancelhas, cheia de curiosidade. — Acho que está passando da hora de você ir a um encontro comigo.

Ravena não o respondeu. Ficou quieta, mirando-o por um bom tempo, com aquela expressão indiferente de sempre.

Algo que, evidentemente, o incomodou.

— O que foi?

— Nada. — desviou as ametistas, em seguida deu de ombros. — Só achei que nunca fosse pedir.

— Isso é um sim?

Mais um dar de ombros.

O sorriso misterioso, porém, pairava nos lábios dela.

— Quem sabe.

— Se você não responder direito juro que desmaio aqui, agora, de nervoso.

— Para eu responder direito — cruzou as pernas, mudando para uma posição de lótus, de frente para ele, os orbes brilhando em divertimento. — você tem que pedir direito.

O rosto dele se iluminou. Então, virou-se de frente para ela, sentado sobre as pernas, e fez uma reverencia exagerada, levantando a mão direita da moça até os lábios.

— Ó, poderosa, maravilhosa, esplendorosa, formidável e inigualável Ravena. — ela rolou os olhos, embora fizesse força para não rir. Lançou uma olhadela rápida para a fogueira, só para se certificar que ninguém presenciava aquela cena patética. Felizmente, Estelar, Robin e Ciborgue mantinham-se muito ocupados, conversando e comendo, para sentir falta dos dois. — Você aceita ir a um encontro comigo?

— Muito exagerado.

— Qual é, foi perfeito! — rebateu, soltando a mão dela, antes de fitá-la longamente, a expressão mudando de risonha para séria. — É sério, Rae. Você quer ir a um encontro comigo?

Ravena respirou profundamente, fingindo pensar.

Mas a verdade é que não precisava.

A resposta estava na ponta da língua. 

— Claro que sim. Achou mesmo que eu fosse recusar? 

Mutano, então, abriu um daqueles sorrisos genuínos, um que fez o coração dela falhar uma batida. 


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