Wicked Love. escrita por Beatriz


Capítulo 9
Capítulo 9: Kaname.




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Uma semana se tornou uma quantidade de tempo odiável para Kaname. Antes de Kaori e da ligação entre os dois, ele passava uma semana tranquilamente, sem muitas novidades, tendo que lidar apenas com seus amigos. Agora, ele passava uma semana se sentindo péssimo, ansioso e irritável. Ele sempre havia se orgulhado do fato de ser um homem razoável e controlado, mas agora ele perdia a cabeça por qualquer coisa e deixava aflorar seu lado mais obscuro.

Em partes isso tudo era culpa dele, e em partes era culpa de Kaori. Ela estava tornando tudo mais difícil do que deveria ser de fato e ele não sabia como lidar com ela. Por que ela simplesmente não se entregava a ele como deveria fazer? Ele não a transformaria em vampira. Ela poderia continuar sendo a humana que sempre foi, mas ao lado dele. Isso seria bem aceito pelo conselho? Não. Ele se importava? Também não.

No dia dos namorados, Kaname teve um dia péssimo. Ruka estava insuportável, tentando chamar a atenção dele de qualquer jeito, se mantendo tão próxima que chegava a sufocá-lo, puxando assunto sobre a decoração da escola para o evento que aconteceria mais tarde e dando indiretas de que queria aparecer na festa acompanhada dele. É claro que ele não iria com ela.

Kaname sempre gostou muito de Ruka, sempre a considerou uma amiga muito próxima assim como aos outros, mas ela queria algo que ele não poderia lhe dar nunca e as tentativas dela de conseguir isso o irritavam. Claro que isso era culpa dele. Se ele não lhe desse falsas esperanças quando estava se sentindo solitário ou com sede pelo sangue de Kaori, talvez ela parasse de tentar criar algo entre eles. Mas Kaname era egoísta, talvez seus pais, por ser filho único, o tenham mimado demais, talvez ele tenha puxado isso de seu tio Rido, mas o fato era que ele gostava de fazer certas coisas apenas para satisfazer a si próprio. Infelizmente algumas dessas coisas incluíam Ruka.

Além de Ruka, Kaname tinha que aguentar Ichijou também no seu pé, fazendo perguntas sobre a caçadora e perguntando como ele estava. Desde que Ichijou ficara sabendo da ligação do amigo com Kaori, ele andava tenso como nunca, esperando que a qualquer momento algum desastre pudesse acontecer. Kaname entendia a preocupação do loiro, mas não aguentava mais isso, principalmente porque não tinha como acontecer um desastre quando ele nem mesmo via Kaori (por escolha apenas dela). Ela só aparecia em seus pensamentos e apenas quando ele evocava alguma lembrança dela, pois a caçadora parecia uma pedra de gelo, sem qualquer sentimento que pudessem dar a ele uma visão de seu rosto. Ela era tão frustrante!

Kaname apenas conseguiu se livrar de Ruka e Ichijou quando foi informado de que seus pais estavam esperando por ele no portão da escola. Aquilo não chocou o vampiro, na verdade foi um alívio saber que ele sairia um pouco da escola e da companhia de seus amigos. Os pais de Kaname costumavam ir à academia visitá-lo de vez em quando. Apesar de tudo, eram bem presentes na vida do filho. Em seu quarto, Kaname vestiu uma calça, sapatos, uma blusa de botão e um casaco coringa escuro. O tempo estava frio o suficiente para ele precisar andar na rua como qualquer pessoa normal andaria.

Do lado de fora da academia, um carro sedan preto estava parado no portão de entrada. Ao se aproximar, o vidro da janela de trás do veículo foi abaixada e Kaname teve uma visão de seus pais ali dentro. Sua mãe sorriu ao vê-lo, genuinamente feliz com a presença do filho, e seu pai a acompanhou. Ele abriu a porta e entrou no carro, sentando ao lado de sua mãe. O veículo era quase uma limusine, porém um pouco menor. A mãe de Kaname, Juri Kuran, estava muito bonita, vestida como a mulher elegante e rica que ela era. O pai, Haruka Kuran, estava de terno escuro. Os dois estavam muito bem vestidos, como sempre.

 — Ah, meu querido!  — sua mãe disse, virando de frente para o filho e lhe envolvendo em um abraço. — Que bom que você aceitou nosso convite para almoçar — ela o soltou, mas deixou uma mão no rosto dele, acariciando sua bochecha. — Como você está?

— Estou bem, mãe — ele mentiu, segurando a mão de Juri e deixando um beijo nela.

A vampira sorriu e o pai se inclinou um pouco para frente para olhar para o filho. Kaname era muito parecido com ele, sendo a única diferença os cabelos: o de Kaname era mais comprido, chegando quase aos ombros, e o do pai era bem mais curto. Deixando de lado esse detalhe, os dois poderiam ser confundidos com irmãos gêmeos e não pai e filho.

— Falamos com Cordelia no caminho para cá, pedindo que ela o liberasse para sair com a gente, e só ouvimos coisas boas ao seu respeito, academicamente falando — Haruka disse, orgulhoso do filho.

— Sim, sim — Juri concordou, segurando a mão do filho em cima de sua perna. — Ela o elogiou muito. Ficamos muito orgulhosos. Mas, então, como estão as coisas por lá? E os seus amigos?

— Está tudo bem, mãe. Todos estão bem — Kaname forçou um sorriso para ela.

— Estão seguindo a dieta? O Hanabusa, digo — disse o pai.

A dieta a qual ele se referia era a alimentação baseada em sangue de animais que Kaname e os amigos tinham. O pai perguntou especificamente sobre Aidou porque todos sabiam que o vampiro tendia a ser um pouco rebelde e fazer besteira, mas tudo estava indo bem. Nenhum incidente havia acontecido e todos estavam se comportando. Pelo menos sobre isso Kaname não teria que mentir para ele. Ele balançou a cabeça para a pergunta do pai, concordando.

— Estão todos seguindo da melhor forma — Kaname relatou.

— Ótimo — o pai se recostou, satisfeito, e continuou lendo as noticiais no jornal online da Transilvânia em seu celular.

A mãe de Kaname começou a falar as novidades na família, tagarelando feliz, pulando de um tópico a outro sem prestar atenção se o filho estava acompanhando ou não, o que para Kaname era ótimo, pois sua mente começou a vagar para outro lugar, para bem longe do carro. Para uma certa caçadora, onde quer que ela estivesse.

Olhando as árvores passando como um borrão pela janela do carro, ele se perguntou o que seus pais diriam se ele falasse que estava ligado a uma humana. Os dois sempre foram muito próximos e compreensíveis com Kaname, mas o que ele havia feito excedia todo o limite da compreensão e ele imaginava que seus pais não aceitariam isso muito bem, para dizer o mínimo.

Quando eles chegaram ao restaurante, Kaname estava silencioso como a morte, mas felizmente sua mãe falava o suficiente por ele e pelo seu pai. Os três se acomodaram em uma mesa e fizeram um pedido. Os pais de Kaname, apesar de serem vampiros, gostavam bastante de comida humana e, às vezes, sempre saiam para comer alguma coisa, porém nunca esquecendo de acrescentar algumas doses de sangue. Hoje em dia os restaurantes humanos serviam comida humana e sangue de animais para os vampiros. Sangue humano não era bem aceito então os vampiros que iam a restaurantes humanos tinham que se contentar com sangue de animais. Para Kaname e sua família isso não era problema algum.

— Você está muito quieto, Kaname — Juri segurou a mão do filho por cima da mesa. Ele ergueu a cabeça, saindo de seus pensamentos, e encarou os olhos calorosos da vampira. — Tem certeza de que está tudo bem com você?

— Sim — ele respondeu. — Só estou pensando na festa que terá mais tarde na escola. Dia dos namorados.

— Ah! — Juri juntou suas duas mãos, soltando a do filho. — É claro! Como pude esquecer? Com quem você vai? Alguma namorada que ainda não tenha nos apresentado?

Kaname pensou em Ruka e em sua incansável busca pelo amor dele e pensou em Kaori e no fato dela nem querer ficar perto dele. Tirando essas duas, ele não tinha mais contato carnal com nenhuma mulher. Haviam Seiren e Rima, mas as duas sempre mantiveram uma distância respeitosa dele e ele delas.

— Não há nenhuma namorada — Kaname disse.

— Namorado? — o pai perguntou, encarando-o.

Não haviam preconceitos de qualquer tipo entre os vampiros, eles podiam namorar, casar e se envolver com quem bem entendesse, fosse homem ou mulher. Ninguém seria julgado por sua orientação sexual. A única coisa que era desaprovada era o relacionamento entre humanos e vampiros. Um grande exemplo foi a comoção enorme que o relacionamento de Elizabeth e Karlheinz Sakamaki gerou na época em que foi assumido. Contudo,  Karlheinz era o rei, ele poderia ter quem quisesse. O que era bem diferente de Kaname.

— Nem namorados também, pai — ele respondeu, encarando o pai. — E eu não me sinto atraído por homens.

— Bom, não custava nada perguntar, certo?! — o pai deu de ombros.

— Fico imaginando quando você se casar — a mãe disse com um ar sonhador. — Meus netinhos vão ser as coisinhas mais lindas do mundo, tenho certeza. Você não tem ninguém em mente, filho? Alguma vampira? Talvez aquela menina, Ruka, ela sempre pareceu uma menina tão boa para você, desde que eram crianças.

— Ainda não pensei muito nisso — ele disse, sem querer dizer para a mãe que nunca se casaria com Ruka. — Quando eu decidir, vocês serão os primeiros a ficarem sabendo.

— Ótimo! — a mãe disse, alegre. — Mas leve a menina para nos visitar o quanto antes. Quero começar a ser amiga da minha nora antes mesmo do casamento!

 Ele forçou um sorriso e balançou a cabeça, concordando. Quando um vampiro tinha uma ligação com alguém, geralmente tendiam a ficar com essa pessoa para o resto de sua vida imortal, romanticamente falando. Kaname se perguntou qual seria a reação de seus pais caso ele levasse Kaori para conhecê-los. 

— Ouvimos dizer que a filha de Karlheinz está na academia — Haruka comentou enquanto o garçom servia a comida. 

— Ah, sim — Kaname respondeu, sem muita vontade. Não ficava muito animado em falar sobre Maya. — Ela começou a estudar lá um dia desses. 

— Como ela está? — Juri perguntou, realmente curiosa. 

De todos os vampiros que Kaname conhecia, sua mãe era a mais sociável e gentil. Ela realmente se interessava por todo mundo e sempre tentava ver o lado bom de todos, até mesmo dos Sakamaki. Quando havia algum evento em que os Kuran e os Sakamaki se encontravam, ela era toda atenção e sorrisos para com eles. Sempre gostou muito de todos, principalmente de Elizabeth.

— Está bem, eu acho — ele respondeu. — Não somos muito próximos.

— Ela é uma menina adorável — a mãe comentou. — Um pouco fora da linha, mas adorável. Gostaria de vê-la de novo, tenho certeza que está se tornando uma mulher tão bonita quanto a mãe — ela fez uma pausa por alguns segundos, como se uma ideia tivesse surgido em sua mente, e depois continuou. — Você nunca pensou nela como uma possível esposa para você, filho?

Kaname quase se engasgou com o sangue que estava tomando. Ele e Maya casados era tão impossível quanto o ele casado com Ruka. Não tinha a menor chance disso acontecer a não ser que as famílias arranjassem um casamento entre eles. Kaname esperava que essa ideia não estivesse passando pela mente fértil de sua mãe. 

— Sem chance — ele disse, por fim. — Somos muito diferentes. Nunca íamos dar certo.

— Ah, ela é uma moça tão bonita… — a mãe dele disse, pensativa. — Pense nos meus netos, por favor.

— Nossos netos podem esperar um pouquinho, querida — Haruka disse, socorrendo o filho daquela conversa. — Vamos comer antes que esfrie.

Haruka sorriu para a esposa, abraçando-a de lado e dando um beijo em seu rosto. Ela riu, se encolheu um pouco, mais aceitou o beijo de boa vontade. Kaname sorriu diante da demonstração de afeto entre os pais. Ele sempre foram assim um com o outro e até mesmo com Kaname. Ele nunca pensou muito em casamento, mas sabia que queria algo como o que os pais tinham.

O almoço transcorreu normalmente. Os três conversaram um pouco sobre tudo, desde coisas banais à política, passando por tudo o que estava acontecendo entre vampiros, renegados, humanos e caçadores. Aquele era um tópico de bastante preocupação entre seus pais, Kaname percebeu. Sendo eles grandes defensores dos vampiros se alimentarem apenas de sangue animal, o fato dos vampiros estarem se alimentando de humanos e os matando era impensável. Eles estavam com medo de que isso pudesse desencadear uma guerra de proporções épicas e eles ainda se lembravam da última.

Em algum momento daquela tarde, Kaname sentiu algo estranho, que não entendeu imediatamente. Até começar a se sentir excitado. Sua face ficou corada, sua respiração ofegante e o meio de suas pernas começou a dar sinal de vida. Sem entender o que estava acontecendo, ele pediu licença aos pais e foi até o banheiro masculino, se trancando ali dentro sem pensar que outros homens poderiam querer entrar também.

Kaname se apoiou na pia e jogou um pouco de água no rosto, tentando aliviar aquela sensação, mas ela apenas se intensificou. Então ele teve vislumbres do rosto de Kaori diante de seus olhos: rosto corado, respiração ofegante, arrepios e... Ela estava transando?! O rosto de Kaori sumiu e ele encarou o próprio reflexo no espelho, sentindo uma sensação muito ruim ameaçar dominá-lo. Ela estava transando, disso não havia dúvidas. Mas com quem poderia ser? Ele fechou os olhos, buscando na ligação que eles tinham uma resposta. Por um segundo apenas, ele conseguiu visualizar pelos olhos dela o segundo ocupante da cama em que Kaori estava. Era aquele caçador de cabelos brancos, Zero Kiryu. Antes que pudesse impedir a si mesmo, Kaname socou o vidro a sua frente, fazendo rachaduras irradiarem por todo o vidro a partir da marca de seu punho que havia ficado no centro.

— Então você finalmente resolveu sentir alguma coisa, Kaori — ele disse, entre dentes. — E com outro.

Quando ele saiu do banheiro, mal conseguiu organizar os pensamentos em sua mente. Ele sentia uma raiva terrível direcionada diretamente a Kaori. Era totalmente hipócrita de sua parte sentir isso, pois ele havia feito o mesmo com ela. Mas Kaori não estava tentando chamar sua atenção como ele havia feito, ela estava transando com Zero porque queria, porque gostava dele. Kaname acabou dando de contra com um homem quando estava chegando próximo de sua mesa e  provavelmente teria se envolvido em uma briga se não tivesse lançado um olhar com seus olhos vermelhos para o homem que o fez recuar mais rápido que um gato assustado.

Sentado à mesa, Kaname havia perdido todo o apetite e aquela sensação maldita que Kaori estava proporcionando a ele não passava. Ele tentou se concentrar em tomar o sangue que havia em sua taça como vinho, mas ele sentia suas mãos tremendo de raiva e teve que abaixar a taça várias vezes antes de levá-la aos lábios com o mínimo de segurança para que o vidro não quebrasse entre seus dedos.

Quando Kaoriu gozou, Kaname já era apenas mandíbula trincada e punhos cerrados. Ele nem mesmo escutava mais o que seus pais diziam, só pensava em encontrar Kaori e confrontá-la sobre aquilo tudo. A ligação entre os dois faziam Kaname sentir como se Kaori fosse sua propriedade e ela devia sentir o mesmo em relação a ele, mas ainda não havia aprendido a entender os próprios sentimentos ou teria ido atrás dele logo depois que ele transou com Ruka para chamar sua atenção. Kaname estava se sentindo traído ainda que eles não tivessem nada um com o outro. E ele não era um homem de dar segundas chances.

— Perdão mãe, pai — ele disse, chamando a atenção de Juri e Haruka. —, mas preciso resolver algumas coisas na academia — ele se levantou. — Obrigado pelo almoço.

— Você precisa ir agora? — Juri olhou para ele parecendo triste. — É algo sobre seus estudos, meu bem?

— É... — ele hesitou. Sentia muita vontade de compartilhar tudo aquilo com os pais, mas esse não era nem o lugar e nem a hora certa. — Sim. São coisas de estudo, nada muito importe, mas que eu não posso adiar mais.

— É melhor deixá-lo ir, Juri, os estudos dele são importantes — seu pai disse, segurando a esposa pela cintura.

— Tudo bem, dá próxima vez talvez você possa convidar Ichijou e Senri para vir conosco — ela disse. Kaname concordou.

Mesmo triste, ela concordou. Kaname abraçou a mãe, dando um beijo em sua bochecha, e depois abraçou o pai, despedindo-se deles. A mãe ainda ofereceu uma carona de volta, mas Kaname recusou, dizendo que o ar frio faria bem a ele na caminhada até a academia. Então saiu do restaurante, deixando os pais para trás, e caminhou até a floresta, onde seguiu, inconscientemente, até a Academia dos Caçadores. Kaname parou no portão e teve um vislumbre de todos os alunos para lá e para cá, ocupados com os preparativos da sua própria festa do dia dos namorados.

Ele nunca conseguiria entrar ali sem ser visto, havia gente demais em todos os lugares e, apesar de estar com uma vontade enorme de confrontar Kaori, ele não queria criar confusão com outros caçadores. Então, foi embora contra sua vontade e, de volta a Academia dos Vampiros, foi imediatamente abordado por Ichijou que escolheu um péssimo momento para bombardeá-lo com perguntas. Rispidamente, Kaname mandou que ele fosse embora e tentou se trancar em seu escritório, mas o loiro era teimoso e, apesar de ter recebido uma porta batida em sua cara, ele não arredou o pé e invadiu o escritório.

— Que diabos aconteceu com você nesse restaurante? — Ichijou perguntou, fechando a porta com força atrás de si. Ele também estava de saco cheio das atitudes de Kaname.

— Não é da sua conta. Sai daqui — o outro respondeu, ríspido.

— Não vou sair, Kaname — o loiro disse, cerrando os punhos.

Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, Kaname atravessou a sala, encostando o antebraço no pescoço de Ichijou e empurrou o loiro contra a parede do escritório. Ichijou se surpreendeu com o ataque, mas não mudou de ideia quanto a continuar ali até Kaname dizer o que estava acontecendo. De alguma forma, ele sabia que Kaname estava assim por causa daquela caçadora e da ligação entre os dois e isso era perigoso.

— Mandei você sair, Ichijou! — Kaname disse, ameaçador.

— E eu respeitaria com prazer — o loiro disse com um pouco de dificuldade. —, se você não estivesse colocando a si próprio em perigo por causa daquela humana.

Kaname largou Ichijou bruscamente e o loiro levou uma mão ao pescoço que ficou um pouco vermelho por causa da agressão, mas logo voltou ao normal. Os olhos verdes de Ichijou observavam Kaname com atenção e a expressão no rosto do vampiro puro-sangue só deixou mais claro ainda que ele tinha completa razão sobre Kaori. Ichijou odiava estar certo quanto a isso.

— Você não tem nada a ver com isso — Kaname disse, virando de costas para o amigo.

— É claro que tenho — o outro se aproximou, colocando uma mão no ombro de Kaname. — Você acha que eu não percebo o que está acontecendo com você? As mudanças de humor, a inquietação, isso sem falar na sede que você deve estar sentindo pelo sangue daquela garota — ele deu a volta em Kaname e ficou de frente para ele. — Eu sei que você gosta de lidar com tudo sozinho e guardar tudo para si, mas se você ceder, se tomar o sangue daquela menina...

— Eu sei o que pode acontecer, você não precisa ficar me lembrando.

Desde que nascera, Kaname sempre tivera um relação complicada com o sangue humano. Seus pais sempre o criaram com sangue de animal, mas, quando era menor, um pré-adolescente, acabou tomando o sangue humano e se descontrolou. Acabou causando um massacre em sua cidade, além de ter feito uma outra coisa ainda pior da qual ele não se orgulhava nem um pouco. Esse episódio marcou tanto Kaname e seus pais que eles resolveram que o menino nunca mais tomaria sangue humano mesmo que isso significasse que suas habilidades como vampiro perderiam uma força considerável. Ele havia ficado com tanto medo de si mesmo que concordou com essa decisão sem hesitar. Agora ele estava correndo o risco de tomar o sangue de Kaori e se descontrolar de novo, por isso Ichijou se preocupava tanto.

— Sim, você sabe, mas às vezes parece que esquece! — Ichijou franziu o cenho. — A cada dia você chega mais perto de fazer uma besteira e não sou apenas eu que estou percebendo isso, os outros também estão, mas eles não sabem que toda essa sua mudança é por causa de uma ligação de sangue com uma humana.

— O que você queria que eu fizesse, Ichijou? A deixasse morrer naquele dia? — Kaname cerrou os dentes, contendo a vontade de avançar novamente no amigo.

— Seria o mais sensato a se fazer! Que merda você tinha na cabeça, afinal?!

De todos os vampiros que Kaname conhecia, Ichijou era o mais educado, um verdadeiro cavalheiro em todos os sentidos da palavra. Ele nunca falava palavrão e quando falava todos sabiam que ele estava no limite de sua raiva, depois disso ele poderia ficar bem assustador. Mas Kaname não tinha medo do loiro, ele era o puro-sangue ali afinal, não se deixaria ser intimidado.

Kaname desviou o olhar do amigo e andou até sua cadeira, sentando-se nela. Ichijou se aproximou, encarando o vampiro. Ele queria segurar Kaname, sacudi-lo, abrir sua cabeça e enfiar ali dentro o fato de que continuar com essa ligação idiota era uma sentença de morte. Ele precisava quebrar aquilo mesmo que a caçadora acabasse morrendo. Por que ele estava tão irredutível em fazer isso, Ichijou não sabia dizer. Kaname nunca se compadeceu de humanos apesar de não tomar o sangue deles. Nunca quis se misturar com nenhum, apenas não queria causar guerras. O que Kaori tinha de tão especial, afinal?

— O que aconteceu com você enquanto estava com seus pais? — Ichijou perguntou.

— Eu senti... — Kaname não olhou para o amigo. — Ela estava transando com o outro.

— A ligação permitiu que você sentisse isso — Kaname balançou a cabeça, concordando. — E você ficou com raiva porque sentiu ciúmes — Ichijou concluiu. — Sabe, Kaname, isso é uma merda em tantos níveis que eu não saberia nem definir. Ela não é porra nenhuma sua, sabe. Ela é só uma humana irrelevante que teve a sorte de ser encontrada por você e...

— Ela é minha! — Kaname se ergueu da cadeira, batendo os punhos em sua mesa. Seus olhos brilhavam em um vermelho intenso. Suas presas estavam visíveis.  — Eu mato você se insinuar o contrário.

Por um momento, Ichijou ficou chocado demais para responder qualquer coisa. Ele nunca havia visto Kaname desse jeito e por uma humana ainda por cima. Um sentimento de raiva pura ameaçou preencher o peito de Ichijou, sendo toda essa raiva voltada para a caçadora. Não era culpa dela Kaname ter se colocado nessa situação, claro, mas ela era o motivo dele estar se colocando em tanto risco. O puro-sangue era como um irmão para Ichijou, seu amigo mais próximo, seu líder, e ele faria qualquer coisa pelo vampiro até mesmo protegê-lo de seus próprias decisões erradas. O pensamento de que matar a caçadora seria fácil, considerando todas as mortes de humanos que estavam ocorrendo, passou pela mente de Ichijou e se alojou em um cantinho de seu consciente.

— Ela está noiva, você sabia disso? — a voz de Ichijou estava uma oitava mais baixa e seus punhos tremiam de raiva. — Mesmo que toda essa loucura entre vocês dê certo, mesmo que, por um milagre, o conselho aceite vocês dois, mesmo que ela aceite você, ela está noiva. E, não sei se você sabe, mas o casamento entre os caçadores é algo quase sagrado. Ela não vai abrir mão do outro humano por você.

— Noiva? — Kaname repetiu a única parte que havia se prendido em sua mente. Sua raiva havia amainado um pouco.

— Sim, Kaname. Noiva. Ela vai casar com Zero Kyriu, outro caçador. Ela vai ter filhos com ele e vai viver a vidinha humana dela até morrer. Percebe agora? — Ichijou se aproximou um pouco mais. — Você precisa quebrar essa ligação. Não existe qualquer coisa para vocês dois.

Kaname desabou em sua cadeira, se sentindo subitamente muito cansado. Ele girou a cadeira, ficando de costas para o amigo e pensou que queria que ele sumisse junto do noivo de Kaori. A palavra “noiva” deixava um gosto amargo na mente de Kaname e ele sentiu ainda mais raiva disso. Quem aquele tal de Zero pensava que era para tirar Kaori dele?, ele pensou, esquecendo que era ele quem estava tentando tirar Kaori de Zero e do possível futuro que ela teria com ele.  

 — Saia daqui — ele disse mais uma vez para Ichijou. — Não quero ouvir mais nada.

— Pelo menos pense no que eu disse.

Então o loiro obedeceu e saiu, deixando Kaname sozinho com seus pensamentos, o que não foi, nem de longe, uma boa ideia, pois ele apenas alimentou a decisão de ir atrás de Kaori para fazê-la entender que não havia conselho, noivo ou o que quer que fosse que o faria se afastar. Ele sentiu raiva mais uma vez dela por nem se quer cogitar a ideia de terminar esse relacionamento fracassado com o outro humano e ainda ir para a cama com ele quando ela sabia que Kaname poderia sentir tudo o que ela sentiria.

As coisas desandaram ainda mais quando Kaname e o grupo dele encontraram com Kaori próximo da sala de Cordelia. Ele havia se encontrado com os amigos ali por acaso e pararam para conversar sobre algumas coisas quando todos foram surpreendidos pela caçadora que surgiu como uma aparição no fim do corredor. O coração de Kaname travou em seu peito quando seu olhar encontrou o dela, não por estar feliz em vê-la, mas por medo de que seus amigos percebessem algo sobre a ligação.

Aparentemente nenhum deles percebeu. Ichijou tentou ser gentil, levando-a para fora, mas ela demonstrou sua repulsa em andar com um vampiro afastando-o dela bruscamente, como se ele fosse lhe passar alguma doença contagiosa. Aquilo mexeu com Kaname e ele lembrou de quando ela saiu correndo de seu escritório no dia em que ele havia revelado toda a verdade para ela. Ela se sentia assim em relação a ele?

Quando Kaori finalmente foi embora com seu diretor, Kaname foi novamente para seu escritório, decidido a não ir para a festa de dia dos namorados, pois não tinha cabeça para isso naquele momento. Ele precisava de um tempo, mas é claro que não foi isso que teve. Senri bateu na porta um momento depois e entrou sem que Kaname permitisse isso. Os dois primos se encararam enquanto Senri fechava a porta atrás de si e se aproximava de Kaname, sentando-se bem à vontade no sofá da sala.

Os dois nunca tiveram uma relação muito próxima apesar de serem da mesma família, mas convivam em paz e se consideravam amigos. Senri era um garoto quieto e leal, o que Kaname considerava mais importante. O ruivo colocou as mãos atrás da cabeça e recostou-se no sofá, olhando para o teto.

— Quem era aquela humana? — ele perguntou, sem rodeios.

Kaname trincou o maxilar. Não queria contar sobre Kaori para os outros não apenas para esconder a ligação, mas também porque não queria dividi-la com mais ninguém. Mas ele não podia fugir da pergunta do primo sem levantar alguma suspeita contra si ou contra Kaori.

— É uma caçadora, como você percebeu pelo uniforme dela — Kaname respondeu. — Ela me guiou pela escola dela quando fui lá com Cordelia.

— Mas há mais alguma coisa, não há? — o ruivo perguntou, virando o rosto para olhar para Kaname.

O coração de Kaname errou uma batida, mas ele não demonstrou seu incômodo. Senri era um vampiro muito detalhista, ele percebia coisas que ninguém mais percebia e provavelmente perceberia a relação entre Kaname e Kaori se o puro-sangue não se controlasse o suficiente para esconder dele.

— O que você quer dizer? — Kaname perguntou.

— Não sei — o outro vampiro deu de ombros. — São tempos estranhos, onde coisas estranhas estão acontecendo, e talvez eu esteja vendo algo onde não tem. Mas você ficou tão incomodado com a presença dela que achei estranho.

— Fiquei incomodado porque é perigoso um humano andando sozinho pela Academia dos Vampiros — Kaname se justificou.

— Pode ser, mas não foi isso que pareceu — Senri se levantou e enfiou as mãos nos bolsos da calça do uniforme. — Você anda muito estranho ultimamente, Kaname. Se eu não te conhecesse bem, diria que é algo relacionado àquela caçadora que está te incomodando.

— Eu nem a conheço — o puro-sangue disse, lançando um olhar sombrio para o primo.

— Sim, claro — Senri suspirou, indo até a porta. — Enfim, vejo você na festa.

O ruivo saiu e, quando seus passos sumiram no corredor, Kaname se levantou e virou sua mesa de cabeça para baixo, espalhando o conteúdo dela pelo chão. Ele conteve um grito de raiva, pois não queria chamar ainda mais atenção para si, mas seu corpo tremia violentamente. Ele sabia que precisaria tomar muito cuidado agora, pois quando Senri ficava com algo na cabeça ele não descansava enquanto não descobrisse o que queria. Indiretamente, ele poderia colocar a vida de Kaori em risco.

Quando anoiteceu e a festa de dia dos namorados começou, Ruka bateu na porta do escritório, perguntando se ele iria para festa. Kaname não respondeu, pois não estava mais no escritório, ele estava na torre mais alta da escola que parecia uma torre de sino de uma igreja, porém sem o sino. Ele estava do outro lado do parapeito, em pé na beirada, observando com seus olhos de rubi a lua subindo no céu. Se fosse um ser humano, provavelmente teria se desequilibrado e caído, mas ele não corria esse risco.

Mesmo naquela distância, ele conseguia ver a Academia dos Caçadores. Ele viu Kaori saindo de seu dormitório e seguindo para sua festa com Zero. A expressão no rosto de Kaname endureceu ainda mais ao ver a expressão de alegria que havia estampada no rosto dela e a felicidade que o casal compartilhava por estarem juntos. Zero passou o braço pela cintura dela enquanto eles caminhavam e Kaname queria reparar no quanto ela estava linda naquele vestido, mas só conseguia pensar que ele queria o que eles dois tinham. Ele queria aquela felicidade, queria aquele relacionamento, queria aquela intimidade. Queria sentir o coração acelerado no peito porque ela iria aparecer linda na sua frente em um vestido cor creme, queria ver o rosto dela corar porque ele havia feito um elogio, ele queria segurar na cintura dela e andar com ela mostrando a todos que ela pertencia a ele. Ele queria ser humano.

Uma lágrima solitária escorreu de um dos olhos de Kaname, deslizando transparente pela bochecha fria do vampiro. Ele amava seus pais, é claro, mas se ressentia por ter nascido condenado a viver como um vampiro. A lágrima pingou do queixo de Kaname, afundando no chão assim como seu coração afundava em seu peito. Apesar de ter tido pais muito bons, eles não haviam ensinado Kaname a lidar com seus próprios sentimentos, o que o levou a fazer uma besteira nessa noite do dia dos namorados.

Ele pulou da torre, caindo em pé no chão sem qualquer arranhão. Ignorando a festa que acontecia na escola, Kaname se esgueirou pelo portão de saída e saiu caminhando na direção da Academia dos Caçadores. A noite estava tranquila na floresta, nenhum renegado vagava por ali e o clima estava menos frio. Seria uma noite perfeita se a mente de Kaname não estivesse uma confusão. Ele atravessou a floresta em tempo recorde e, uma vez na frente dos portões da Academia dos Caçadores, não hesitou em entrar. Tão invisível quanto as sombras que a escola projetava, ele andou até um coreto, onde ficou escondido.

O coreto era longe o suficiente da festa que estava acontecendo, onde os caçadores estavam aglomerados se divertindo. Ele viu quando Kaori se apoiou em uma janela e ficou observando o jardim. Ele sabia que ela viria até ele, pois sentiu quando ela percebeu sua presença e tinha certeza que ela seguiria o caminho certo até encontrá-lo.

Quando ela chegou, Kaname se surpreendeu com os sentimentos que ele podia sentir vindos dela. Ela estava assustada e aborrecida por ele estar ali. Isso só o enfureceu ainda mais, pois confirmava que Ichijou tinha razão. Ela não o aceitaria. Ele perguntou se ela estava com medo, ela perguntou o que ele estava fazendo ali, disse que ele não deveria estar ali e o mandou embora. Kaname rebateu com uma provocação, dizendo para ela mandar o namorado dela vir tirar ele.

Quando ela perguntou o que ele queria, o chamando pelo nome, com uma voz ríspida, o lado visceral do vampiro tomou conta dele. Ele não queria que Ichijou estivesse certo, mas Kaori insistia em demonstrar que ele estava. Aquela brincadeirinha de bela e a fera era uma besteira que Kaname havia criado na própria cabeça, imaginando que ele poderia extrair algum tipo de felicidade dali. Ele estava errado. Mais uma vez se enganara, mais uma vez se deixara ludibriar pelos próprios sentimentos. Por dentro, ele se sentia a mesma criança que se apaixonou e se deixou enganar por uma vampira puro-sangue que apenas o usou e no fim o descartou como um lixo. Kaori não era como aquela mulher, ele dizia a si mesmo, mas ele havia criado toda uma situação para que ela fosse. Aquilo era culpa dele. Não se vai contra o destino e ele tentou lutar contra ele quando a salvou da morte.

Sem pensar direito, Kaname falou palavras que o vento não carregou para longe rápido o suficiente para que Kaori não as escutasse, que nunca seriam apagadas, que o transformou em um monstro aos olhos de Kaori e revelou sua verdadeira natureza. Pois não importava o quanto ele brincava de de tentar ser humano, ele sempre seria um demônio.

Kaname afundou as presas no pescoço de Kaori e ela conteve um grito no fundo da garganta porque não queria chamar atenção para eles; porque ela sabia que Kaname seria atacado se outros caçadores chegassem ali e ela não queria isso. Mas ele nunca ficou sabendo desse gesto por parte dela.

Ela aguentou como uma pária a dor da mordida, aqueles dentes tirando seu sangue de si e o veneno de um vampiro adentrando em suas veias. Ela segurou o casaco de Kaname com força entre os dedos, puxando o tecido com tanta força que se ela fosse uma vampira teria rasgado. Seus olhos se encheram de lágrimas quando a lua foi coberta por uma nuvem espessa e eles mergulharam na escuridão.

Kaname havia se esquecido o gosto do sangue humano. Há anos ele não colocava nem uma gota na boca e agora o sangue de Kaori deslizava com rapidez para sua boca, descendo por sua garganta. Ele a segurou com força contra si, da mesma forma que ela o segurava, e continuou tomando dela. Um pouco escorreu pelo canto de sua boca, mas ele não parou mesmo que isso significasse que ele poderia acabar se sujando e chamando a atenção de outros vampiros para o sangue humano em sua roupa. Kaname fechou os olhos, envolvendo a cintura de Kaori com seu braço como ele havia imaginado fazer. O tecido do vestido dela deslizou por sua mão e ela estremeceu em seus braços, silenciosa.

Kaname não percebeu quando a mão dela afrouxou a pegada em seu casaco, não percebeu quando ela perdeu o equilíbrio das pernas e quase desmaiou nos braços dele. Mas ele percebeu quando o coração dela desacelerou e cada batida parecia uma sentença de morte. Ele abriu os olhos abruptamente, percebendo que se ele continuasse ela morreria bem ali em seus braços. Com muita dificuldade, ele se afastou do pescoço dela. As presas saíram da pele de garota, deixando a marca de dois buraquinhos bem feitos ali, por onde escorreu um pouco de sangue. Kaname passou a língua pelo sangue que escorria para limpar, mas também para provar mais um pouco do sangue dela. Os dois estavam tremendo como se estivessem em meio a uma nevasca sem qualquer roupa apropriada.

O vampiro se afastou um pouco e a lua voltou a ficar visível no céu, iluminando o lugar onde eles estavam. Os olhos dos dois se encontraram e os de Kaori estavam um pouco opacos, sem o brilho costumeiro. Kaname havia tomado demais dela, quase ultrapassando o limite do seguro. Ele havia passado por cima da vontade dela mais uma vez, havia a violado de uma forma irremediável. Ela nunca o perdoaria e ele se odiava agora por isso. Qualquer que tenha sido as esperanças que havia depositado naquela humana, ele havia acabado de destroçá-la.

Mesmo fraca, quando percebeu que Kaname havia parado de tomar seu sangue, Kaori se afastou com um empurrão que pareceu mais um tapinha, mas que serviu para afastar o vampiro dela. Kaname limpou a boca com as costas da mão e mal conseguia olhá-la nos olhos. Kaori estava tão chocada com o que havia acontecido que não conseguiu formular nem um frase para quebrar o silêncio, ela apenas cambaleou para longe dele e se apoiou no parapeito do coreto, sentindo o pescoço latejar onde fora mordida e as lágrimas escorrerem por seu rosto.

Atrás dela, Kaname estava com vergonha de si mesmo, mas o sangue dela pairava no ar, com um aroma que o chamava, exigindo que ele tomasse mais, mas ele usou toda a força que encontrou dentro de si para não atacá-la mais uma vez.

— O seu pescoço... — ele disse por fim, quebrando o silêncio. Kaori estremeceu ao ouvir a voz dele. — O meu sangue pode fazer desaparecer as marcas.

— Fique longe de mim — Kaori disse, rapidamente, abraçando a si mesma. — Eu não quero mais nada que venha de você.

— Kaori... — ele deu alguns passos na direção dela, mas antes que pudesse tocar em sua mão, ela se afastou bem rápido, quase tropeçando nos próprios pés.

— Já disse para você ficar longe de mim! — ela disse alto o suficiente para ele travar no mesmo lugar. Os olhos dela, apesar da raiva, estavam cheios de lágrimas. — Talvez eu não seja páreo para um puro-sangue, mas se você encostar em mim de novo eu juro que vou morrer tentando te matar.

Aquelas palavras foram como uma facada no coração de Kaname, mas ele aguentou da melhor forma que pôde. Kaori deu as costas para o vampiro e, com dificuldade, desceu do coreto e começou a se afastar. Kaname sabia que se ela chegasse a festa com dois furos no pescoço a caixa de pandora seria aberta. Poderiam acabar descobrindo sobre eles dois, sobre a ligação, e ela poderia acabar ficando em perigo. E ele não estaria lá para protegê-la. Então ele ignorou o que ela disse, mordeu o próprio pulso, tomando pouco de seu sangue, mantendo-o em sua boca, e foi até Kaori, segurando o braço dela antes que ela se afastasse mais. Ele a puxou para si mais gentilmente que da primeira vez, segurou o rosto dela antes que ela abrisse a boca para protestar e a beijou, passando o sangue que estava em sua boca para a dela.

Enquanto ela engolia o sangue dele e as marcas das presas dele em seu pescoço sumiam gradualmente, Kaori e Kaname tiveram seu primeiro beijo. O gosto do sangue dele era metálico e nada bom, como qualquer sangue para um ser humano, mas ela tomou mesmo assim, sem ter alternativa. Assim como havia acontecido com ele, um pouco de sangue escorreu pelo canto da boca dela que foi limpo pelo polegar do vampiro.

Quando o sangue acabou e as marcas nela haviam sumido, eles deveriam ter se afastado. Ela seguiria seu caminho e ele seguiria o dele. Mas ele não se afastou e ela também não, talvez por estar fraca demais para isso ou talvez por (ela nunca admitiria isso) simplesmente não querer. As mãos dele desceram para o quadril dela, subindo para a cintura um pouco depois. Inconscientemente, enquanto a língua dele deslizava sobre a dela, as mãos de Kaori subiram para a nuca dele.

Apesar de ser uns bons centímetros mais alto que ela, isso não foi incômodo algum. Eles se encaixavam perfeitamente. O corpo dela encostou ao dele e Kaname sentiu o coração dela batendo contra seu peito. Estava bem acelerado, como se ela estivesse muito nervosa com o que estava acontecendo. Não vou machucar você, ele queria dizer. Não de novo, mas não se afastou então apenas disse em seus pensamentos e rezou para que ela entendesse isso através dos lábios dele.

Kaori se ergueu um pouco na ponta dos pés, tentando intensificar mais um beijo que não podia mais ser intensificado. Ela havia lutado contra tudo o que estava sentindo por Kaname durante dias e isso estava acabando com ela. Estava quase a enlouquecendo. Ela queria sentir raiva dele pelo o que ele fez, mas ela também queria fazer parte dele como fazia agora. Ela não queria admitir isso, mas queria tudo dele: seu toque, seus braços ao redor dela, seus lábios e suas presas em seu corpo. E ela chorou por isso, por Zero, por tudo o que estava perdendo ao se entregar daquele jeito àquele vampiro. Zero nunca a perdoaria, mas ela não queria voltar atrás.

Ela não queria se afastar dele, pois teria que manter o pouco de dignidade que ainda lhe restava e ir embora depois que o beijo acabasse, mas a falta de ar se fez presente e, diferente dele, ela tinha a necessidade de respirar. Com muita dificuldade, ela se afastou. Voltou a sua altura normal e não ergueu o rosto para olhar nos olhos dele. Depois disso tudo, ela não conseguiria encará-lo. Para sua surpresa, porém, Kaname a abraçou, encostando o rosto dela em seu peito. Ela não retribuiu o abraço, mas ele não precisava disso. Escondendo o rosto nos fios de cabelo do topo da cabeça de Kaori, ele respirou seu cheiro por alguns segundos e seu coração sangrou quando ela se afastou, lhe dando as costas e seguindo seu caminho para longe dele sem olhar para trás.

Ele a observou até que ela sumisse por entre as árvores e seus passos não pudessem mais ser ouvidos. Ele não sabia se voltaria a vê-la, se ela tentaria quebrar a ligação, mas ele sabia que, apesar da raiva que ela devia estar sentindo dele, Kaori também sentia algo a mais. Talvez a mesma coisa que ele sentia em relação a ela. Se fosse tão forte quanto o que ele sentia, Kaname sabia que essa não seria a última vez em que eles estariam juntos. E ele esperaria por ela, independente do tempo que demorasse.


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