Wicked Love. escrita por Beatriz


Capítulo 5
Capítulo 5: Kaori.




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No dia seguinte ao ataque de excitação que Kaori teve em seu quarto, como se de fato estivesse transando com alguém e não apenas dormindo tranquilamente, ela saiu para realizar suas obrigações como um zumbi: andava devagar, com passos arrastados, mal escutava quando falavam com ela, obrigando a pessoa a repetir mais de uma vez o que havia dito ou perguntado a ela, e quando finalmente escutava apenas grunhia alguma resposta monossilábica. A caçadora estava desligada desse jeito não porque quase não dormira (depois que a sensação de excitação passou, ela conseguiu adormecer novamente), mas porque o que aconteceu com ela a esgotara tanto mentalmente quanto fisicamente. Havia sido uma experiência quase dolorida.

Os caçadores, sejam eles estudantes ou os que já estavam formados e exercendo seus trabalhos, acordavam juntos às seis e meia da manhã, como se todos tivessem um relógio biológico que despertava exatamente no mesmo horário, e se reuniam no refeitório para tomar café da manhã. Apenas aqueles que trabalhavam no turno da noite tinham permissão para dormirem até mais tarde e Kaori tinha horários completamente malucos, mas naquele dia ela teria o turno da noite para trabalhar na segurança. Ela poderia ter usado isso como desculpa para dormir até mais tarde, mas precisava continuar suas aulas de esgrima. Ainda estava como professora substituta do antigo professor que agora havia se mudado de país para trabalhar em outra Academia de Caçadores. Kaori provavelmente ficaria no lugar dele até que fosse contratado um professor novo. Então, as responsabilidades dela falaram mais alto como sempre, mesmo ela podendo dormir até meio dia se quisesse, e, às seis e meia em ponto, ela já estava de pé junto com os outros.

No refeitório, ela se encontrou com seus amigos mais próximos, sendo um deles seu noivo: Zero e Sayori Wakaba, mais conhecida como Yori. Ela ignorou os dois por uns segundos, enquanto foi se servir do que quer que tivesse para eles comerem. Colocou na bandeja algumas torradas, ovos mexidos e dois pães pequenos e finalmente caminhou até os dois, sentando-se à mesa deles. Zero e Yori estavam conversando e pararam de falar quando ela chegou, não porque não queriam que ela escutasse a conversa, mas porque provavelmente repararam na expressão de morta que ela carregava no rosto.

Assim que Kaori desabou na cadeira, largando sua bandeja na sua frente, Yori deslizou uma xícara cheia de café por cima da mesa na direção dela, e a garota percebeu que simplesmente havia esquecido de pegar o café. Mas, para sua sorte, Yori sempre pegava duas xícaras para si, pois era viciada em café e só conseguia começar seu dia de uma forma boa depois de tomar pelo menos umas duas xícaras.

— Tudo bem com você? — Yori perguntou a Kaori, o que chamou a atenção de Zero e ele voltou sua atenção para a menina. — Você está estranha.

— Estou ótima — ela mentiu, evitando o olhar de Zero. Se ele olhasse em seus olhos saberia sem muito esforço que ela estava mentindo. — Só estou um pouco cansada.

— Noite difícil? — Zero perguntou, cético, aparentando não estar nem um pouco convencido com a resposta dela.

— Demorei a dormir — ela respondeu, colocando os ovos no pão e dando uma mordida.

Os três comeram enquanto Yori tagarelava sobre a injustiça que era ela ter que trabalhar no turno da noite enquanto outros caçadores bem específicos nunca ficavam com esse turno.

— É como se eles fosse queridinhos do diretor ou algo assim — ela disse, franzindo o cenho. — Os horários deles nunca coincidem com o turno da noite.

Kaori não estava ouvindo realmente o que a amiga falava e nem se importava muito; uma dor de cabeça havia se formado em suas têmporas e o barulho do refeitório apenas a intensificava mais. Ela fechou os olhos por alguns segundos e levou dos dedos até as têmporas, massageando ali. Quando abriu os olhos de novo, Zero a encarava com as sobrancelhas franzidas. Ele sabia que algo estava muito errado com ela. Kaori fez o possível para ignorar o olhar dele e o que ele estava insinuando.

— Vocês são o casal mais estranho dessa escola — Yori disse, chamando a atenção dos dois, que olharam para ela. A menina estava com o cotovelo apoiando na mesa, apontando a colher de mexer o café para os dois. — Vocês mal se tocam, mas vivem se encarando como se fossem se pegar a qualquer momento. Qual é? Vocês estão praticamente casando. Arrumem um quarto logo e parem com essa tensão sexual.

Kaori corou da cabeça aos pés com o comentário da amiga. Não havia tensão sexual nenhuma entre os dois, eles se encaram muito, era verdade, mas porque conseguiam se comunicar apenas por olhar. Os dois já se conheciam o suficiente para entender o que queriam dizer apenas pelo o olhar.

Zero havia parado de encará-la, provavelmente lembrando também da única vez em que transaram. Eles haviam perdido a virgindade juntos e juraram um ao outro que isso não aconteceria de novo, pois não queriam que a amizade acabasse prejudicada por causa de outros sentimentos. Eles transariam sim novamente, quando fosse estritamente necessário, depois do casamento deles. Porque era preciso ter filhos e dar continuidade ao clã deles e não porque se amavam loucamente como homem e mulher.

Kaori ergueu os olhos da mesa e observou o perfil de Zero, a boca franzida em uma linha. Ele não parecia com vergonha como ela, constrangido por ter sido mal interpretado. Pelo contrário, ele parecia... Resignado, como se concordasse com o que Yori havia dito. O coração de Kaori deu um pulo dentro de seu peito. A amizade deles sempre prevaleceria acima disso tudo. Era o que eles tinham prometido um ao outro. Não era?, ela pensou.

 — Cala a boca, Yori — Zero disse baixo, com aquela voz ameaçadora que ele adotava até quando não era sua intenção.

Yori deu de ombro, não se deixando intimidar. Ela era alguns centímetros mais baixa que Kaori e milhares de centímetros mais baixa que Zero, mas sempre bateu de frente com o caçador como se fossem da mesma altura e ela pudesse quebrá-lo na porrada com a mesma facilidade que ele a quebraria caso tentasse. Os olhos castanhos claros da menina se concentraram em Zero, enquanto ela colocava uma mecha do cabelo cor de mel, que mal chegava a sua nuca, atrás da orelha e continuava falando.

— Não que eu me importe com a frieza de vocês um com o outro, é claro — ela disse. — Só estou falando porque vai ter aquele evento ridículo para os pares que já estão noivos. Tem que mostrar afeição e etc. Vocês vão ter que participar e vão fazer o que? Apenas encarar um ao outro? Tsc, tsc — ela balançou a cabeça de um lado para o outro, decepcionada. — Por falar nisso, quando o Kaito vai voltar? Espero que antes desse evento. Eu ia odiar ter que aparecer sozinha como uma viúva.

O evento que Yori estava falando era o Dia dos Casais, quase como um dia dos namorados e que acontecia realmente no dia dos namorados. Mas entre os caçadores, atualmente, quase não existiam namorados. Eles já eram designados aos seus parceiros de casamento desde o nascimento. Então, eles comemoravam esse dia mais como uma “renovação” do acordo de casamento – e também para aflorar sentimentos naqueles casais que não sentiam absolutamente nada um pelo o outro. Enfim, todos aqueles que já estavam noivos teriam que comparecer juntos com seus respectivos pares. Kaori com Zero, Yori com Kaito e assim sucessivamente.

Kaito Takamiya, noivo de Yori, era um caçador também que trabalhava fora da academia. Ele viajava pelos quatro cantos do mundo, visitando outras academias ao redor do mundo, estreitando laços com elas, recrutando novos caçadores para a própria academia. Ele passava mais tempo fora da academia que dentro e geralmente acabava não comparecendo em nenhum evento, o que obrigava Yori a aparecer sozinha, coisa que ela odiava.

— Ele volta amanhã — Zero respondeu, balançando seu celular na frente do rosto da menina. Uma mensagem de Kaito aparecia na tela e Yori tomou o aparelho da mão do menino como se fosse um copo de água no meio do deserto. Ela leu o conteúdo da mensagem e franziu o cenho.

— Ele manda uma mensagem para você e não para mim?! Que tipo de noivo de merda é esse que me deram? — com raiva, ela jogou o celular de volta para Zero.

— Com uma noiva como você, eu não me surpreendo com o fato dele preferir falar com outras pessoas — Zero disse, guardando o celular no bolso.

— Cala a boca — Yori se levantou, contrariada. — Vou ir para a aula e agradeceria se vocês não se atrasassem e não me deixassem sozinha — disse, se afastando da mesa e provavelmente esquecendo que Kaori tinha que dar aula e não compareceria a nenhuma outra coisa pelas próximas duas horas.

Depois que a menina se afastou, deixando um rastro de perfume cítrico para trás, Kaori e Zero terminaram o café da manhã em silêncio. Cada um absorto demais em seus próprios pensamentos para iniciar uma conversa em voz alta. Quando Kaori terminou, ela se despediu de Zero e caminhou apressadamente para fora do refeitório, pois não gostava de chegar depois dos alunos em suas aulas.

Mas ela não conseguiu chegar à sua sala de aula rapidamente como planeja, pois foi parada na metade do corredor e puxada para dentro de uma sala desativada que estava clara o suficiente para ela conseguir ver partículas de poeira rodopiando no ar.

Ao seu lado, ela ouviu a porta ser trancada com um clique e virou o rosto naquela direção apenas para ver que era Zero quem estava ali com ela. Kaori sabia que ele a seguiria quando saísse do refeitório, provavelmente querendo conversar com ela, mas esperava andar rápido o suficiente para que ele não a alcançasse. Pelo visto, não teve êxito.

— O que você está fazendo? — ela perguntou, baixinho, com medo que alguém ouvisse do lado de fora e acabasse pensando besteira.

— Precisamos conversar — ele respondeu, erguendo a cabeça e olhando no rosto dela.

— Sobre o que? — ela perguntou, tentando ganhar tempo.

— O que você tem? E não vem me dizer que é cansaço porque só a Yori mesmo para acreditar nessas suas mentiras.

Ele a encarava com o cenho franzido, o peito subindo e descendo com a sua respiração. Kaori observou o menino por alguns segundos: o rosto bonito, os olhos lilases, os cabelos brancos e a tatuagem do símbolo dos caçadores em seu pescoço. Zero era fiel aos caçadores no nível de ter realmente uma tatuagem sobre eles em seu corpo. Kaori observou tudo isso por um momento e pensou que ela era noiva daquele homem incrivelmente lindo e nem mesmo o tocava além do que a amizade permitia. Era noiva de um homem que estava ali, na frente dela, super preocupado com ela e nem mesmo o tratava como algo a mais que um amigo.

Ela engoliu em seco. Algo estava acontecendo com ela, era verdade. Algo que ela desconfiava que estava ligado àquele vampiro puro-sangue, Kaname Kuran. Algo que ele deve ter feito com ela no dia do acidente com aquele renegado. E ela não podia contar isso a Zero, pois ele provavelmente iria atrás do vampiro para saber o que ele havia feito e, dependendo do que fosse, tentaria matar Kaname. Ele poderia desencadear uma guerra e Kaori tinha pavor disso. Não permitiria que Zero se machucasse por sua causa.

— Você pode conversar comigo, Kaori — ele disse, quebrando o silêncio e segurando a mão dela.

 — Não é nada — ela sorriu, sem graça, observando as mãos deles juntas. — É só cansaço mesmo. Não tenho dormido direito.

— Tem certeza? — ele perguntou, ainda não muito convencido.

— Não se preocupe comigo, Zero. Não quero isso. Eu estou bem, de verdade.

Ele observou o rosto dela por um tempo e então, talvez se sentindo derrotado ou finalmente tendo acreditado nas palavras dela, ele cedeu e encostou os lábios na testa de Kaori. O movimento a pegou desprevenida, mas ela não se mexeu até que ele se afastasse. Quando o fez, Kaori percebeu que ela não é a única com preocupações rondando sua cabeça. Zero parece incomodado com algo também e isso a me preocupa.

— Aparentemente, não sou a única que está passando por algo — ela disse, caminhando até um sofá velho que estava encostado em uma das paredes. — O que você tem?

Zero sentou ao lado dela e foi direto ao ponto, como sempre. Ele nunca foi uma pessoa de perder tempo com rodeios.

— Há dias estou falando com Kaito — ele disse. Kaori franziu o cenho, concentrada nas palavras de Zero, Kaito não ficaria em contato com quem quer que fosse da academia se não tivesse algo sério para falar. — Ele está no Canadá, de fato vai voltar para cá amanhã, mas me disse que as coisas entre vampiros e caçadores por lá estão bem difíceis — ele olhou nos olhos de Kaori. — Os ânimos estão a flor da pele, eles não estão se entendendo e o tratado de paz talvez pare de surtir efeito sobre eles.

— Uma guerra pode ser iminente — Kaori completou, falando o pensamento de Zero em voz alta. Ele balança a cabeça, concordando.

— Os renegados também não estão ajudando, como sempre. Estão matando muitos caçadores e os caçadores estão usando isso como desculpa para culpar os vampiros — Zero continuou. — As coisas estão muito complicadas, Kaori. Não só na América, como em algumas partes da Europa também, segundo Kaito.

Kaori mordeu o lábio inferior, sentindo seu coração acelerar em seu peito.

— Talvez... Talvez devêssemos falar com Kaien, pedir permissão para viajarmos para esses lugares junto com Kaito, podemos tentar ajudar de algum jeito... — ele a interrompeu.

— Quando Kaito chegar, ele falará tudo com mais detalhes e nós, juntos de Kaien, vamos tentar tomar a melhor decisão.

Kaori balançou a cabeça, concordando com ele. Talvez fosse uma boa idéia eles irem até esses lugares, pois os caçadores costumam ouvir outros caçadores, principalmente o caçador do qual a família fundou o que hoje é a Academia de Caçadores. Esse caçador é Kaien Cross e a influência dele pode ser muito, mas muito importante nesse momento.

— Não temos um minuto de paz, né? — Kaori sorriu, triste.

Zero virou o rosto para ela e Kaori se surpreendeu com a aproximação deles dois. Não tinha reparado que haviam sentado tão próximos como estavam. Eles passaram alguns segundos se encarando, os olhos castanhos dela cravados nos olhos cor de ametista dele.

 

Antes que Kaori tivesse tempo de dizer algo ou se afastar, Zero a surpreendeu, encostando seus lábios aos dela. Seus olhos se arregalaram enquanto os deles estavam bem fechados; a respiração dela falhou, enquanto a dele estava bem tranquila. Tudo isso disse a Kaori que não foi impulso, ele realmente queria fazer isso.

Zero segurou o rosto dela, se aproximando mais da menina, e aprofundando o beijo. Ela amassou o tecido da manga do uniforme dele entre seus dedos, lutando contra o impulso de empurrá-lo para longe e o impulso de se entregar a ele. Todas aquelas sensações que vinha sentindo, a excitação, a vontade de ter um corpo contra o seu, tudo isso mexe com uma pessoa afinal de contas.

Os lábios de Zero se abriram sobre os dela, forçando sua língua dentro da boca de Kaori. Ela não demonstrou nenhuma resistência. Apesar de ter passado algum tempo desde que eles tinham se beijado pela última vez, Kaori ainda conhecia todos os segredos do beijo de Zero. Como ele era um pouco bruto, meio desajeitado, mas completamente ávido por ela, exatamente como sempre foi.

Zero se precipitou para cima de Kaori, fazendo-a se inclinar em cima do sofá até encostas suas costas no assento. O que eles estavam fazendo? O que Zero estava fazendo? Quando ele separou os lábios úmidos dos dela, percorreu o caminho até o pescoço da menina que estava livre para ele. Ela arquejou, sentindo os lábios dele ali, depositando beijos gentis. Como uma conversa séria havia evoluído para isso? Kaori mal conseguia formular um pensamento coerente em sua mente.

— Zero... — ela sussurrou, a voz rouca.

— Eu acho que Yori tem razão — ele disse, baixinho, erguendo o rosto para olhar nos olhos dela. — Estamos noivos e não nos tocamos, não nos beijamos, não transamos...

Direto como sempre. As intenções dele a fizeram perder o fôlego. As lembranças de quando eles foram para cama pela primeira vez invadiram a mente de Kaori antes que ela tivesse tempo de pará-las. O desejo que ela sentiu por Zero e o desejo que ele sentiu por ela naquela noite. Ela não queria sentir aquilo de novo? Zero a desejava naquela noite, depois dela e até agora nesse momento. Ela deveria mesmo recusá-lo? Afastá-lo como vinha fazendo desde aquela noite? Vamos conversar sobre isso, Kaori queria dizer, mas não conseguiu encontrar forças suficiente para afastá-lo. Lembrando de todas aquelas sensações esquisitas que vinha sentindo, ela sabia que não pararia o que ele começou.

— Acho que já está na hora de mudarmos isso, Kaori — os olhos dele estavam cravados nos dela. — Acho que já passou da hora, na verdade.

— Eu... — ela hesitou apenas por um segundo. Sabia que se falasse qualquer coisa, Zero a deixaria ir, ele nunca a forçaria a fazer algo que ela não quisesse, mas ela queria isso. Sentia em todas as células de seu corpo. — Eu sei.

Ela começou a abrir os botões da camisa social de Zero. Um de cada vez até o peito dele estar visível para ela. Ele estava mais definido desde a última vez em que ela o vira nu, há dois anos. O corpo de Kaori estremeceu e Zero sentiu. Ele se debruçou sobre ela, voltando a juntar os lábios dos dois, mas antes que qualquer coisa a mais pudesse acontecer, o sinal, anunciando o inicio das aulas, soou pelos corredores da academia e o casal pulou do sofá como se tivessem levado um choque de algo invisível.

Com o rabo de cavalo todo bagunçado e a respiração descompassada, Kaori tentou se recompor enquanto Zero abotoava a camisa novamente. Ela arregalou os olhos, finalmente se dando conta de que eles estavam perto de transar em uma sala abandonada, no meio da academia, correndo o risco de serem visto por alguém. Que diabos ela estava pensando? Os dois se encararam depois de alguns segundos e Kaori sentiu seu rosto esquentar. Como ela iria olhar para a cara dele depois disso?

— Kaori — ele começou, mas ela o interrompeu.

— Precisamos ir, Zero, antes que a gente acabe arrumando algum problema.

Ela não tinha cabeça para começar uma conversa sobre a relação deles agora, precisava de um tempo para processar tudo e conseguir colocar em palavras. Ele entendeu, daria o tempo que ela quisesse e não a pressionaria. Quando ela estivesse pronta, eles conversariam, Zero tinha certeza.  

Assim que eles voltaram minimamente ao normal, os dois se afastaram e caminharam em silêncio até a porta que Kaori abriu e se precipitou para fora.

Ali no corredor, ela tomou um susto. Estaria tudo vazio se não fosse por Luke que estava passando e parou no momento em que Kaori abriu a porta. Os dois se encararam e logo os olhos dele se deslocaram do rosto de Kaori para quem estava atrás dela. Quando os olhos dele encontraram Zero saindo da sala, Kaori reconheceu o entendimento no rosto do menino e sentiu vontade de se enterrar de vergonha. Imperceptivelmente Luke colocou uma mão para trás da si, mão essa que estava segurando algo vermelho. Kaori percebeu o movimento, mas não se prendeu nisso.

— Nos vemos mais tarde — Zero disse a ela, segurando seus dedos antes de sair andando pelo corredor, parecendo nem notar a presença de Luke ali em frente a eles.

Como sempre, Zero estava alheio a tudo o que estava se passando entre Kaori e Luke. E mesmo que entendesse, Zero era o tipo de pessoa que não se constrangia fácil e não dava satisfação ou explicações da sua vida para ninguém. Ele simplesmente olharia para Luke e sairia andando para longe, exatamente como havia acabado de fazer, deixando a situação constrangedora para Kaori caso ela não o acompanhasse.

— O que você está fazendo aqui? O sinal já tocou — ela disse ao menino, tentando manter a pose de professora séria.

— Eu... — Luke corou. Ele nunca “zoaria” Kaori de qualquer forma que fosse, pois a respeitava muito. — Vim pegar um suco. De beterraba — ele sorriu, nervoso. — Acordei tarde e perdi o café da manhã, mas já estou indo para a sala — ele fez uma mensura, parecendo ansioso para sair da presença dela.

— Espere — Kaori disse, antes que ele tivesse tempo de sair andando. Os dois se encararam. — Tem um pouco de suco em você. Bem aqui — ela apontou para o canto da própria boca. O menino limpou aquele cantinho rapidamente com as costas da mão e saiu correndo. 

Kaori respirou fundo, sentindo seu coração dando pulos. Se o sinal não tivesse tocado, se eles tivessem transado, se Luke ainda assim tivesse passado ali e escutasse algo... Poderia ter acontecido um desastre. Ela soltou o ar devagar pela boca e, antes de se afastar dali, ela percebeu alguns pingos escuros no chão, provavelmente do suco de Luke. Ela não deu muita importância e seguiu o mesmo caminho que o menino até a sala de aula, mas se tivesse parado para sentir o cheiro daqueles pingos teria percebido que não era suco como ele havia dito, mas sim sangue.

— x —

O dia passou em uma lentidão que aborreceu um pouco Kaori. Ela deu duas horas de aula de esgrima para Luke e sua turma e a todo momento ela olhava para além dos muros da academia, lembrando da luta que teve com o renegado e tentando evocar lembranças de quando Kaname Kuran a encontrou ali, mas ela não conseguia se lembrar de absolutamente nada. Frustrada, ela levou a mão à barriga, onde havia se machucado. A pele ali estava lisa e macia como sempre foi, mas Kaori sabia que isso não era normal. Ela não devia estar lisa e macia, devia estar morta. Ela estremeceu diante do pensamento e tentou se concentrar na aula antes que alguém se machucasse.

Após as duas horas, Kaori foi para suas aulas. Ela não encontrou Zero e nem Yori em nenhuma delas, o que a fez agradecer mentalmente, pois não queria ter que encará-los, principalmente Zero. Assim que o relógio marcou 18:00 horas, as aulas foram encerradas e Kaori tinha que se preparar para o seu turno da noite, onde iria trabalhar na segurança. Ela foi para o quarto, tomou um banho e voltou a vestir o seu uniforme branco, característico dos caçadores.

Ela estava fechando a porta do quarto quando foi acometida novamente por aquela sensação de excitação que a atordoa tanto ao ponto dela ter que se encostar a parede para não ir ao chão.

A sensação começou entre suas pernas e foi subindo até seu peito, como se ela estivesse entrando em combustão por dentro. Sem saber o que fazer, Kaori entrou novamente no quarto e se trancou ali, deslizando até o chão e abraçando as pernas, na tentativa de fazer essa sensação passar. Ela fechou os olhos, respirando com dificuldade, e acabou vendo o rosto de Kaname em sua mente. De alguma forma, ela sabia, tinha certeza, que essa sensação horrível tinha haver com ele.

Kaori começou a sentir uma raiva enorme crescendo em seu peito. Quem ele pensava que era para fazer isso com ela? Quem deu esse direito a ele? Após algum tempo, a sensação passou do mesmo jeito que apareceu: subitamente. Ela levantou do chão, tremendo e tentou se recompor. Já chega, disse a si mesma. Ela colocaria um fim nisso quando o sol nascesse.

De manhã seria o melhor momento para encontrar com Kaname, pois ele estaria dormindo e estaria vulnerável. Mesmo sem cabeça nenhuma para pensar em trabalho, ela foi ocupar seu posto e ficou ali, tremendo de raiva, até o sol começar a nascer. Não falou com ninguém e ficou sozinha esse tempo todo, não queria que alguma pessoa atrapalhasse seus planos.

Assim que começou a amanhecer, Kaori deixou seu posto e voltou ao seu quarto apenas para deixar sua espada. Impulsionada por uma força invisível, ela começou a caminhar até o portão de saída e entrada da academia, esgueirando-se por ali antes que alguém a visse. Em sua mente ela sabia que tinha que tirar essa história a limpo nessa noite ou nunca mais teria paz.

Kaori estava levando apenas uma adaga consigo. Sua intenção não era ir até Kaname para matá-lo, mas para saber a verdade e, se fosse preciso, obrigá-lo a parar com o que quer que estivesse fazendo. Quanto mais o sol subia no céu mais clara a floresta se tornava, mas Kaori não sentia medo e nem nada parecido. A raiva que sentia a impulsionava cada vez para perto dos vampiros.

Ao chegar ao portão enorme da Academia dos Vampiros, Kaori parou por alguns segundos, sentindo seu coração um pouco acelerado. Agora que estava ali na frente não fazia a menor ideia de como faria para entrar na escola e encontrar Kaname. Ele poderia estar em qualquer lugar, até mesmo na aula. Ela invadiria uma sala de aula? Claro que não. Mas o sol já estava ficando alto no céu, com muita sorte as aulas dos vampiros já deveriam ter acabado.  

Haviam dois vampiros fazendo a guarda do portão da escola, o que fez Kaori ter que se esconder atrás de uma coluna. Os dois estavam parados como duas estátuas, mas estavam conversando sobre algo que Kaori não prestou atenção e nem fez questão de prestar. Os dois eram bem altos e sustentavam uma expressão de raiva nos rostos pálidos. O que estava de frente para Kaori olhou em sua direção em algum momento e não a viu, mas ela conseguiu enxergar o vermelho nos olhos dele. Ela estremeceu e cerrou os punhos, tentando se manter firme.

Alguns minutos depois, ela se perguntou como faria para entrar se eles não arredassem o pé dali. Já estava pensando em algum plano quando uma mulher, também usando uniforme de guarda, apareceu e disse algo para eles, provavelmente avisou que era para eles trocarem de turnos. Os três se distanciaram do portão e Kaori calculou que tinha pouquíssimo tempo até outros dois vampiros aparecerem para ocuparem os lugares dos primeiros. Sentindo-se ridícula, ela escalou o portão, tomando cuidado para não fazer muito barulho e não cair. Quando ela pulou e aterrissou no chão, suspirou aliviada por não ter quebrado nenhum osso. Sem perder tempo, Kaori começou a correr.

Para a sorte dela, não havia ninguém do lado de fora, apenas alguns guardas que a faziam encontrar os esconderijos mais inusitados para não ser vista. Com o sol nascendo, ela imaginou que Kaname estaria no dormitório a essa hora. Sem saber como, mas sentindo dentro de si, ela seguiu na direção de um arco que sustentava uma lua de ferro. Mais além do arco havia um prédio tão moderno quanto a escola, mas que Kaori, de alguma forma, sabia ser onde os vampiros dormiam. Ela atravessou o arco, sentindo um vento frio soprar em seu rosto. Pela primeira vez, sentiu um pouco de medo. Estava no território deles agora, onde havia não apenas Kaname, mas vários outros puros sangue, e ela estava armada apenas com uma adaga. O quão idiota ela tinha que ser para entrar em uma escola de vampiros portando apenas uma faca?

Quando ela chegou próximo do prédio, viu que haviam dois. Felizmente, eles tinham placas em cima da porta que diziam “feminino” e “masculino”. Ela entrou no masculino sem hesitar e se sentiu como um ratinho preso em uma ratoeira. Do lado de dentro, o dormitório dos vampiros era completamente diferente do dormitório dos caçadores. Imponente e cheio de coisas que apenas pessoas com muito dinheiro poderiam comprar. Kaori se sentiu intimidada só de estar ali dentro, mas não deixou que isso a atrapalhasse.

Estava tudo quieto ali dentro e, tão silenciosa quanto a morte, ela subiu as escadas, chegando ao andar onde deveriam começar os quartos. Kaori entrou no corredor e seguiu em frente, parando com os corações aos pulos a cada barulho que escutava. Em algum momento, ela resolveu seguir pela sacada, não queria correr o risco de ser vista ali dentro.

Kaori saiu por uma janela e a fechou atrás de si sem fazer qualquer ruído. Ela continuou andando, rezando para que nenhum guarda olhasse para cima. Passou por vários quartos até parar em frente a uma janela enorme, toda de vidro. Algo dentro do cômodo chamou a sua atenção e ela parou para olhar. Em cima de uma mesa, virado para a janela e consequentemente para  Kaori, havia um porta retrato. Ela reconheceu o rosto de Kaname na foto, parecia um pouco mais novo, mas ainda era o mesmo rosto, e ele estava acompanhado de um homem e uma mulher, os dois muito parecidos com ele, provavelmente seus pais, mas poderia muito bem serem irmãos. Ela imaginou que esse fosse o quarto de Kaname e não hesitou em entrar.

Abrindo uma fresta na janela, deslizou para dentro e se surpreendeu quando viu que era um escritório e não um quarto. E que estava vazio. Praguejando, ela se virou para sair, mas parou quando escutou a maçaneta da porta girando. Com o coração aos pulos, Kaori se escondeu atrás da cortina cor de vinho que chegava ao chão e ficou tão imóvel ali quanto uma estatua. Ela não viu quem entrou, mas sentiu a presença de Kaname como se ele fosse uma parte dela voltando para si. Ela levou uma mão a boca na tentativa de não fazer nenhum barulho, prendeu até mesmo a respiração, e escutou enquanto ele andava pela sala e arrastava a cadeira que estava próxima da mesa para se sentar.

Alguns segundos se passaram até que ela tivesse coragem de puxar a cortina para o lado e espiar. Ele estava sentado de costas para ela, provavelmente se preparando para escrever algo, mas ela o reconheceu. Nem precisava virar de frente para ela para que Kaori soubesse que de fato era Kaname ali. A raiva que ela sentiu no caminho até a Academia dos Vampiros tomou conta dela de novo e, sem perder tempo, deixou seu esconderijo atrás da cortina. Ela passou um braço pela cadeira, encostando a adaga no pescoço do vampiro.

 — Kaori... — ele começou a falar, dizendo o nome dela como se já estivesse a esperando ali.

Isso desnorteou um pouco a caçadora e ela teve que reunir todas as forças que possuía para se concentrar no que viera fazer. Apertando mais a lâmina contra o pescoço frio do vampiro, ela cerrou os dentes.

— Se você se mexer, eu arranco a sua cabeça — ela disse, soando tão ameaçadora quanto queria.

Ela não sabia qual seria a reação do vampiro e nem sabia o que fazer a partir dali, mas não esperava o que aconteceu. Kaname não demonstrou resistência, ele soltou o ar pelo nariz e um sorrisinho apareceu no canto de seus lábios. Isso irritou Kaori profundamente. Ele deveria sentir medo. Ela odiava ser subestimada.

Ela acabou se distraindo um pouco, tirando os olhos do vampiro e, quando virou de novo para ele, se surpreendeu ao ver que o rosto do vampiro estava mais virado para ela, os olhos dele olhando diretamente nos dela.

Os olhos de Kaname brilhavam, vermelhos, e o medo que Kaori sentiu foi de gelar sua alma. Por um momento, ela se arrependeu profundamente de ter colocado os pés naquele lugar. Kaori afastou o rosto de perto do dele, sem tirar a faca do pescoço do vampiro, e ele ficou imóvel nessa posição, ainda olhando para o rosto dela. Kaname parecia um cadáver: frio, pálido e imóvel. O peito dele não subia e descia com a respiração e Kaori, pela primeira vez, se perguntou se vampiros sentiam necessidade de respirar. A mão de Kaori começou a tremer e ela não se sentia mais tão confiante quanto tinha se sentido quando o ameaçou. Ela sentiu uma vontade urgente de se afastar daquele homem.

— Sua mão não está firme — ele disse por fim, quebrando o silêncio.

Kaori gelou da cabeça aos pés, sem conseguir processar tudo o que estava acontecendo. Ela apenas saiu do “transe” em que se encontrava, talvez por causa do medo, quando sentiu a pele fria de Kaname encostando na sua. A mão dele envolveu a dela, segurando-a de forma bem firme e empurrando mais a lâmina contra o próprio pescoço.

— Se você quiser mesmo arrancar a cabeça de um vampiro — ele girou de frente para ela na cadeira, a pegando de surpresa e sem soltar sua mão. Kaname puxou Kaori para si, encaixando-a entre suas pernas. —, você não pode tremer em hipótese alguma.

O corpo inteiro de Kaori tremia de pânico e ela não conseguia formular nenhum pensamento minimamente coerente em sua mente.  Ela não conseguia desviar os olhos dos dele e não conseguia se soltar de sua mão também, o que a fez se sentir patética. Odiava o fato dos vampiros serem bem mais fortes que ela.

— Mas — Kaname continuou. —, se você não estiver em condições de arrancar a minha cabeça, como disse — ele desceu a mão dela até o próprio peito, apontando a faço para seu coração. —, você pode colocar a adaga aqui. O que me diz? Mais fácil, não é?

Ela estava próxima demais dele e todo seu plano de intimidá-lo estava indo por água abaixo. Ela estava com medo, vulnerável e perto demais. Precisava de espaço, precisava pensar e respirar um pouco e ele não estava dando nada disso a ela. Era quase como se estivesse fazendo de propósito, pois ele sabia que se a deixasse fragilizada ela não teria como revidar.

Com esse pensamento em mente, Kaori tentou retomar o controle do próprio corpo, segurou com força o cabo da adaga e puxou bruscamente sua mão da mão dele. É claro que ela não conseguiu se soltar, mas isso serviu para mostrar a Kaname que ela não era tão passiva assim.

— Me solta! — ela disse, alto o suficiente para acordar todo o dormitório masculino. — Me solta agora ou eu juro que vou...

Ela se calou quando percebeu a mão dele descendo um pouco na sua até seus dedos tocarem em seu pulso. Sem tirar os olhos dos dela, ele apertou o pulso dela com o dedo indicador e o médio. 

— Sua pulsação está acelerada — ele disse, ignorando absolutamente tudo o que ela havia dito. — Assustei você, caçadora?

Com a outra mão, Kaname tirou a adaga da mão de Kaori e, para a surpresa dela, a puxou ainda mais na sua direção, parando o pulso dela a centímetros de sua boca, que estava entreaberta. Com a mão livre, ela se apoiou no braço da cadeira dele e colocou um joelho no espaço que havia entre as pernas dele para evitar que caísse em cima do vampiro e, com o rosto tão próximo do de Kaname, ela teve um vislumbre das presas dele. O coração de Kaori estava quase saindo por sua garganta, ele ia mordê-la, ela tinha certeza.

Sentia a respiração de Kaname contra a sua pele e isso a arrepiou e não foi por medo. Seu corpo não estava mais reagindo do jeito que ela esperava. A posição em que eles estavam: ela entre as pernas dele, um joelho apoiado na cadeira, o pulso perto da boca dele... Era quase como se ela quisesse que ele a mordesse. Ela não estava com medo, estava com... Desejo.

Para a surpresa dela, ele encostou o pulso de Kaori no próprio rosto, fechando os olhos. O nariz dele estava encostado no pulso dela e era quase como se ele estivesse cheirando a pele de Kaori – ou o sangue dela. Ele ficou assim por um tempo, completamente imóvel, e Kaori observou o rosto dele, percebendo o quanto era ainda mais bonito de perto.

Ele não tinha nenhuma falha, os cabelos eram bem escuros e desciam pelo pescoço, as sobrancelhas eram muito bem desenhadas, nem muito finas e nem muito grossas, os lábios pareciam muito macios e extremamente convidativos, a blusa que ele estava usando não estava completamente abotoada e Kaori teve um vislumbre do peito dele. Ela quase perdeu o fôlego com a vontade que sentiu de terminar de abrir os botões. O que estava acontecendo com ela, afinal de contas? Kaori desviou o olhar do rosto dele, trincando o maxilar e sentindo raiva de si mesma.

— Vim aqui para conversar — ela disse,  com dificuldade, puxando o braço mais uma vez.

Kaname abriu os olhos e virou o rosto para ela, vendo que a menina estava mais que incomodada com tudo o que estava acontecendo. Apesar da vontade que ele sentia de tê-la em seus braços, não passaria dos limites. Ainda não. Ele a soltou e Kaori se afastou bruscamente dele, cambaleando para trás.

Ao se ver solta, Kaori não gostou da sensação da sua pele não está mais em contato com a dele, mas se afastou mesmo assim, mantendo uma distância segura. Ela segurou o pulso contra o próprio peito, tentando controlar o tremor dentro de si. Kaname ficou de pé e, pela primeira vez, ela reparou no quanto ele era alto, mais alto até que Zero. Erguendo um pouco a cabeça para olhá-lo, os olhos dos dois se encontraram. Os olhos de Kaname estavam com a coloração normal: castanho escuro. Kaori se sentiu deslocada ali, longe dele, mas não se atreveu a mover um músculo sequer.

— Quer conversar sobre o que, caçadora? — ele perguntou, sério. Também não gostava nem um pouco de estar distante dela, ainda mais por livre e espontânea vontade dela mesma. Kaname queria que ela o desejasse e já estava impaciente por isso.

— Quero respostas — ela disse, retomando a firmeza em suas palavras e em seu corpo. — O que você fez comigo naquela floresta? Eu tenho sentido coisas... — ele observou as bochechas dela adquirirem um tom de rosa. — Estranhas. E eu tenho certeza que têm haver com você! — os olhos dela o encaravam cheios de raiva. — Que diabo você fez comigo naquele dia? Eu sei que eu devia ter morrido, mas estou aqui. O que aconteceu?

Ele ficou observando ela por um tempo, pensando no quanto deveria dizer e no quanto deveria guardar para si. É claro que ela merecia saber toda a verdade, mas ele não queria que isso a levasse para longe dele.

— Salvei sua vida — ele disse, por fim. — Não está satisfeita?

— Como você fez isso?! — ela praticamente gritou.

Ele se aproximou dela em uma fração de segundos, tapando a boca dela com sua mão. Os olhos dela se arregalaram pela surpresa e pelo fato dele estar extremamente perto de novo. Não era seguro, ela sabia, que eles ficassem tão perto assim um do outro.

— Se você continuar gritando, vai acordar os outros — ele disse, baixinho, olhando nos olhos dela.

Ela franziu o cenho e se afastou dele como se ele tivesse alguma doença contagiosa.

— Eu quero que você me diga a verdade — ela disse, mais baixo agora. — Independente de qual seja.

Naquele momento, Kaname sabia que não conseguiria esconder nada dela nem se quisesse. Ele passou por ela e se sentou em um sofá vermelho que estava atrás de Kaori. Apoiou o cotovelo no braço do sofá e a encarou.

— É verdade que você ia morrer naquele dia — ele disse, finalmente, e ela sentiu um arrepio percorrer seu corpo. — O ferimento na sua barriga era muito sério, mas eu não podia deixar você morrer. Por dois motivos. O primeiro: um caçador estava se aproximando, aquele tal de Zero. Se ele me visse próximo do seu corpo, pensaria que eu a havia matado e, se isso acontecesse, talvez uma guerra começasse. E o segundo: eu simplesmente não quis deixar você morrer. Então, antes que Zero chegasse até nós dois, eu me ajoelhei ao seu lado e lhe dei o meu sangue. Você deve saber que sangue de vampiros puro sangue cura qualquer coisa, não é? Pois então. Você se curou rapidamente, Zero chegou e eu a coloquei nos braços dele.

Kaori mal podia acreditar nos próprios ouvidos. Ela tinha tomado sangue de um vampiro? E não de qualquer vampiro, mas de um puro sangue! Uma tontura ameaçou levá-la ao chão, mas ela se apoiou na mesa em que Kaname estava escrevendo minutos atrás e ficou ali, tentando processar todas aquelas informações.

— Tudo bem — ela disse por fim, recuperando a postura. Kaname ainda a encarava. —, mas isso não explica as sensações esquisitas que ando sentindo e porque eu fico tendo vislumbres do seu rosto. O que mais você fez?

Kaname se levantou e caminhou calmamente até ela. Kaori usou todas as forças que tinha para não se afastar. Ele ficou a alguns centímetros de distância dela, mas perto o suficiente para ela ter que levantar a cabeça para continuar olhando no rosto do vampiro. Os olhos dele estavam sombrios, uma sombra havia caído sobre eles. Kaori deveria temer pela própria vida, mas ela não sentiu medo. Quando os olhos dos dois se encontraram, os dele ficaram vermelhos brilhantes, como uma pedra de rubi. Eram os olhos lindos, Kaori pensou, mas mortais.

— Quando um vampiro dá seu sangue para um humano — ele disse baixinho, parecendo com dificuldade. Ele deu um passo a mais para frente e ela foi para trás, tentando manter um pouco de distância. — Quando isso acontece, Kaori — ele continuou, ainda indo para frente, fazendo-a ir para trás novamente até que ela batesse contra uma parede e ele a prendesse ali. — Os dois ficam ligados. Nós chamamos de ligação de sangue. Eu posso sentir o que você sente e você pode sentir o que eu sinto. Se nos concentrarmos bem — ele apoiou um braço na parede e começou a aproximar o rosto do dela. Kaname parecia em algum tipo de transe, seus olhos nem piscavam. —, podemos ter vislumbres um do outro, podemos saber onde o outro está e o que está fazendo — ele engoliu em seco, passando o rosto para o pescoço dela. —Desde que eu dei meu sangue a você — ele encostou a ponta no nariz no pescoço dela e Kaori arquejou. —, venho fazendo coisas das quais não me orgulho muito para chamar sua atenção. Porque eu queria que você viesse até mim. E você veio, então eu não me arrependo.

— Você... — a respiração dele em seu pescoço estava desconcentrando Kaori mais do que ela queria. Ela percebeu que ele estava tremendo e ela fechou os olhos, sentindo o cheiro dele. — Você estava transando com alguém e eu senti a excitação que você sentiu por causa dessa tal ligação. Ok, entendi. Mas não foi só isso.  Eu senti outra coisa, algo mais profundo, quase visceral. O que é isso?

Kaname teve que usar todo seu auto controle para não afundar suas presas no pescoço de Kaori. Ele estava mais que pronto para isso. Parecia um viciado que não sentia o gosto da droga há muito tempo e ela estava próximo. Ele sabia que ela deixaria se ele começasse, sabia que ela se entregaria a ele. Era isso que a ligação fazia, afinal. Ela era dele agora e ele podia tomar qualquer coisa dela, principalmente seu sangue, se assim ele quisesse. Mas ele se controlou. Só faria isso se ela quisesse. Porém, nada disso o impediu de afastar a gola do uniforme dela e passar a língua pelo pescoço de Kaori, onde a veia estava pulsando. 

Ao sentir a língua de Kaname em seu pescoço, Koari deixou um arquejo escapar de sua boca e ela teve que segurar no ombro dele para que suas pernas não acabassem cedendo.  A língua dele na pele dela, a proximidade de seus corpos, o toque dela nele, tudo isso serviu para Kaori sentir aquela sensação de novo. Seu corpo começou a ficar quente e sedento. Agora ela tinha certeza de que estava assim por causa de Kaname, não tinha mais como negar. O que quer que ele quisesse fazer com ela, Kaori queria que ele fosse em frente e fizesse.

— Essa outra coisa que você sente — a voz dele estava tão baixa que se eles não estivessem tão próximos ela não teria escutado. —, é o seu corpo pedindo para eu tomar o seu sangue. Assim como eu fico sedento pelo seu sangue, você também fica pelas minhas presas, Kaori.

— Tem algum jeito de quebrar essa ligação? — ela perguntou em um sussurro.

Kaname hesitou em responder. Ela queria quebrar a ligação com ele? Era impensável. Ele não queria isso e ela não teria coragem para fazer, não é? Um misto de emoções tomou conta dele. Seu lado mais sombrio, o lado em que o vampiro tomava conta, falava mais alto, querendo que ele a mandasse calar a boca e tomasse logo o sangue dela. Era isso que ele estava querendo todo esse tempo, afinal. Teve que se contentar com o sangue de Ruka, outra vampira, quando tinha uma humana aos seus pés, pronta para se tornar uma escrava de sangue.

Esse pensamento o enojou. Ele nunca faria de Kaori uma escrava de sangue, ela não merecia isso. Seu lado humano então se sobrepôs ao vampiro e ele tomou a decisão de falar para ela tudo o que era seu direito saber.  

— Você teria que se ligar a outro vampiro — ele disse, erguendo o rosto e a encarando com seus olhos vermelhos. Estavam tão próximos que seus narizes quase se tocavam. — Isso poderia matá-la, mas se desse certo, estaria livre de mim.

— Porém presa a outro vampiro.

Ele balançou a cabeça, concordando. Kaori encostou a cabeça na parede, se sentindo derrotada. A fita que prendia seu cabelo desamarrou e seus cabelos caíram soltos por suas costas. Kaname queria poder parar o tempo nesse momento, com os cabelos dela caindo por suas costas e ela entre seus braços. Seria um momento que ele reviveria pelo rosto de sua vida imortal. Os olhos dele voltaram a ficar castanhos e os dois ficaram se encarando como se fossem apenas duas pessoas normais.

— Como a gente lida com tudo isso? — ela perguntou, por fim.

— Não lidamos — ele respondeu, segurando o rosto dela com uma mão. — Ou você se entrega a mim e eu a você ou vai ser doloroso continuar tentando resistir. É assim que as coisas são.

Enquanto ele falava, o olhar de Kaori recaiu sobre a boca de Kaname, onde ela pode ver as presas dele novamente por trás de seus lábios. Ela nunca tinha visto as presas de um vampiro tão de perto, pelo menos não de um vampiro que não estava tentando matá-la. Antes que ela tivesse tempo de pensar se o que ia fazer era uma boa ideia ou não, ela levou o indicador até os lábios do vampiros. Ele abriu um pouco a boca e ela tocou em uma de suas presas. Era tão afiada que ela poderia cortar o dedo, mas não fez nada tão imprudente. Ela queria realmente sentir as presas dele em sua pele. Seu sangue praticamente clamava por ele dentro de seu corpo, mas se ela cedesse, se ela deixasse que essa vontade fosse mais forte que ela, o que sobraria depois? Ela ainda seria ela mesma? Mais uma vez, Kaori sentiu medo.

— Preciso ir — ela disse, se desvencilhando dos braços dele.

— Kaori — ele segurou o braço dela, fazendo-a virar de frente para ele.

— Me solta — ela diz novamente. — Por favor.

A dor no rosto de Kaname era perceptível, mas Kaori não prestou atenção nisso. Ela apenas deu as costas para o vampiro e caminhou até a porta por onde o vampiro entrou. Ela sairia dali como se fosse uma vampira saindo para ir às aulas, sem se preocupar se alguém a veria ou não. Ela pouco se importava agora se alguém tentasse matá-la. Kaori segurou a maçaneta da porta, mas antes de gira a mesma para abrir, ela parou.

— Kaname — ela chamou e se virou para olhar para ele. O vampiro ergueu o rosto para ela, esperançoso de que ela fosse ficar mais um pouco. —, obrigada. Por ter salvado a minha vida.

Assim que ela saiu do escritório e fechou a porta atrás de si, começou a correr como se sua vida dependesse disso. Correu para longe daquele lugar claustrofóbico e para longe de Kaname o mais rápido que conseguia. Quando ela passou pelo portão da Academia dos Vampiros, lágrimas começaram a rolar por suas bochechas.  


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