Martírio. escrita por Sevenhj777


Capítulo 7
Por aqueles que caíram.




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A presença imponente de Morgarath por si só é motivo de arrepios. Ele exala uma aura pesada, e todo seu potencial destrutivo é estampado na máscara inexpressiva que esconde os dois olhos raivosos, que cintilam com a iris em um forte azul junto a uma pupila quase inteiramente rubra, no meio do preto absoluto da esclera. Existem poucos seres como ele, cuja existência por si só já é motivo de pedir por ajuda e mobilizar o máximo da força bélica disponível para eliminá-lo de vez ou neutralizá-lo.

 

Quem não temeria diante aquele homem? Todos parecem imensamente nervosos, até mesmo Aaron Adamik. O motivo para ele, entretanto, é outro. Ele parece disperso, hesitante. Mesmo devidamente protegido com o colete e com as armas empunhadas, começa a suar frio só em imaginar o que vai encontrar lá dentro. 

 

Joseph, por sua vez, canaliza sua atenção nos inúmeros comunicadores que carrega, e parece nervoso só pelo tempo que está perdendo conversando com seus superiores, cujas primeiras reações é sempre desacreditar. Dariusz Dombrowski segura firme no seu fuzil, andando de um lado para o outro com ansiedade; Anton Kalachnik está igualmente ansioso, mas não tem nem metade da determinação do companheiro veterano. 

 

A mão do Makarov tocou no ombro de Aaron, que parecia ter despertado de um transe após um breve espasmo. O rosto sempre tão inexpressivo de Joseph agora exala um misto de determinação e preocupação, e mesmo Adamik transpirando puro ódio por ele há alguns minutos atrás, conseguiu se solidarizar. A situação não está fácil para absolutamente ninguém. 

 

— Não hesite dessa vez. — O Makarov disse, o que arrancou um suspiro pesado de Aaron. Para Dariusz e Anton aquilo é quase um enigma, mas certamente aquela frase está relacionada a um passado que só os mais poderosos da hierarquia conhecem. 

 

O Adamik engoliu seco, destravou o rifle e assentiu positivamente com a cabeça, assumindo a liderança. Apesar das ruas estarem mais vazias do que antes – graças a chuva forte que agora desaba dos céus – ainda há muitos civis. Pouco importa agora, na verdade. A sutileza pode ser abandonada, a prioridade é evitar que o confronto saia de dentro do orfanato.

 

No interior do orfanato, inclusive, o clima tenso não mudou em nada. O mascarado continuou inerte, sem mover um único músculo, como se estivesse travado naquela posição. Sua macabra imponência é suficiente para, ao fundo, a pobre Heike vomitar devido a pressão que sua aura exala. Estar diante a uma figura daquelas é um desafio enorme, até mesmo para Alissa Portnova, que manteve o dedo no gatilho pronto para disparar. 

 

De repente, os minutos em silêncio foram compensados por uma velocidade grandiosa numa arrancada súbita por parte daquela criatura, que se moveu tão rápido que apenas um vulto negro pôde ser presenciado até pelos mais atentos. 

 

Numa reação rápida e preparada, a Portnova pressionou o gatilho com força e disparou incontáveis vezes contra o vulto preto durante sua trajetória. Por algum motivo, mesmo sabendo que acertou, o vampiro não expressou dor e sequer parou o que está fazendo, como se fosse invulnerável, invencível.

 

Uma adaga foi retirada do coldre do mascarado, que só parou de se mover quando empurrou a loira contra a parede com força, a fazendo ranger os dentes. Os olhos dela se arregalaram quando Morgarath empunhou a adaga, e com um movimento ligeiro, a cortou. 

 

Alissa Portnova sempre foi uma soldado excepcional, e não a toa escolhida a dedo para suceder Aaron Adamik, um dos homens mais eficazes dentro da Unidade de Extermínio. Quando o sangue começou a escorrer de seu corpo, os frágeis olhos azuis ficaram semicerrados, e a visão ligeiramente embaçada. 

 

À tua frente, a alucinação breve de sua mente exibiu um homem velho, com o rosto censurado pela vista embaçada. Ele se aproximou vagarosamente da menina, e com a boca próxima ao seu ouvido, disse:

 

— Levante. Precisamos acabar com tudo isso.

 

E de repente, a alucinação se desmanchou como poeira ao vento. Os lábios trêmulos da loira se abriram e buscou o máximo de oxigênio possível, fitando o mascarado enquanto um profundo corte se inicia em seu ombro e vai até o espaço entre seus seios, fazendo sangue jorrar. Com a pouca força que lhe restara, segurou o pulso do vampiro que ergue novamente a lâmina, iniciando um cabo de força que sabe que não tem como vencer. Morgarath ficou fazendo pressão, empurrando lentamente a lâmina em direção ao peito da garota, que mesmo sangrando, tentou resistir.

 

Alissa estava perdida. Estava. Quando o vampiro está prestes a executá-la, um disparo feroz atingi-lhe o abdômen com tanta agressividade que fora repelido, deixando a lâmina e a loira para trás. Sem forças, a Portnova cedeu às pernas trêmulas e ficou ajoelhada enquanto escorada na parede, ofegante. A vicê-capitã está perdendo muito sangue; aquele rápido corte foi fundo e forte o suficiente para rasgar um pedaço de seu colete, e certamente estaria morta caso não fizesse uso da proteção militar. Morgarath está além de qualquer coisa que enfrentou.

 

Um disparo de doze no abdômen é o suficiente para matar qualquer ser humano, e num vampiro convencional, no mínimo o limita muito. Morgarath não é normal. O mascarado ergueu o tronco vagarosamente, e sequer uma única gota de sangue escapou dos furos abertos no seu manto negro. 

 

Com a armaria já recarregada em mãos, Dmitri finalmente mostrou para que veio. Mesmo hesitante, o loiro não perdeu tempo em pressionar o gatilho mais uma vez, e um tiro no peito ganhou alguns segundos ao distrair a criatura vampiresca.

 

Um suspiro abafado escapou pela máscara, e Morgarath visivelmente está sem paciência. Os passos acelerados foram indo em direção à Dmitri, e teria o matado se uma segunda interrupção não surgisse: vindo de uma das laterais, Nail Kafka avançou contra ele com o próprio corpo, se jogando em cima do mascarado. Ambos caíram no cômodo onde Ulrich está tentando retomar a postura, e ficaram rolando no chão até Morgarath afastar Nail com um chute, tão forte que Kafka fora repelido contra o alto da parede e caiu sobre um dos inúmeros cadáveres infantis espalhados pela sala. 

 

Dmitri correu em direção a Alissa, abandonando o tom sarcástico e brincalhão que normalmente usa. A situação exige uma entonação mais séria. Com cuidado, abriu parte da roupa militar e pôde ver o estrago que um sútil corte de Morgarath fez em seu corpo, deixando a pele albina da garota suja com o sangue que também se espalha pelo colete. O corte é muito fundo, e a possibilidade de morte por hemorragia não pode ser descartada.

 

— Esquece... isso... — A voz da garota escapou com dificuldade, já com o pedaço de pano que tampava sua boca abaixado. Os olhos azuis, sem força, entre-olharam para o interior do cômodo, onde Morgarath está com Ulrich e Kafka. Ela aprendeu com Aaron a por os companheiros de esquadrão acima de si mesma, e não permitiria que lutassem sozinhos contra um inimigo daqueles. Também não queria ser um peso morto. — A droga. Me dê a droga... e vai ajudar eles. 

 

A tecnologia soviética está em crescimento, e até mesmo o espaço sideral virou parte da ambição humana. Não demorou para o estudo dos vampiros, seres até então incompreendidos, começar. Essa espécie põe em risco tudo que a humanidade pensou saber sobre biologia e até mesmo certas áreas da física, e é da natureza humana temer o que não entende. Todavia, o estudo dos fluidos e toxinas vampirescas abriram brecha para uma perigosa arma experimental; a densidade do fluído de seres vampíricos é tão poderosa que quanto maior o grau do vetor, mais as chances do corpo hospedeiro rejeitar e ceder. Baseado nesse conceito, um fluído reduzido em laboratório foi criado, e tem justamente o efeito adverso: é uma quantidade tão reduzida que o efeito é temporário, e a toxina é eliminada naturalmente pelo corpo, que a rejeita e a combate em algumas horas.

 

O efeito surge como um doping, e durante algum tempo, o humano sob efeito da substância ganha melhorias nos sentidos e nos atributos físicos, além da velocidade metabólica anormal. Obviamente a porção é pequena demais para se comparar a um vampiro real, mas é muito usada pela APS para evitar a morte iminente de soldados em risco de vida. Nada é um mar de rosas, e a organização não recusa a possibilidade de um soldado de fato se tornar um vampiro no processo, e quando isso acontece, nada te protege de ser morto como uma dessas criaturas. Além disso, degradação física e psicológica estão integradas ao pacote, e por isso a maioria sequer considera o uso da substância. Alissa quer se arriscar.

 

Dmitri abriu a maleta preta que trouxe consigo junto ao insumo de mantimentos, apanhando a ampola com o líquido amarelado dentro com uma mão e a seringa com a outra. Tremendo de nervosismo, sugou o líquido com a seringa e virou com cuidado o rosto de Alissa, hesitante.

 

— Alissa... você tem certeza? — Dmitri perguntou, engolindo seco. A ponta da seringa já está próxima ao pescoço da garota, que o cedeu de bom grado. O problema é que o próprio homem hesita em fazê-lo, justamente por estar ciente das possíveis consequências. 

 

—...Sim. — Ela respondeu após um silêncio angustiante. Portnova sabe que pode ser a única salvação de seus companheiros, visto que ninguém ali tem sequer chances contra Morgarath (ainda mais com Ulrich instável).

 

Por fim, Alissa fechou os olhos e recolheu os lábios, sentindo a ponta fria da seringa invadindo o seu pescoço. A toxina foi liberada, e dali em diante, só restara aos dois esperarem pacientemente os efeitos, orando para nenhuma consequência despertar no corpo da mulher.

 

No interior do cômodo, Morgarath se levantou vagarosamente. Pareceu incrédulo, com os olhos azuis fixos na pilha de corpos banhados em sangue, contra a parede. Esteve ciente do súbito ataque ao orfanato de alguma forma, mas certamente não preveu algo daquele calibre. Inúmeras crianças mortas, sem dó nem piedade... aquilo estava fora da imaginação até mesmo dos mais pessimistas. O misterioso mascarado sabe muito bem sobre os protocolos da agência, então por que diabos viriam com intenção de matar, quando podem interrogar ou tornar mão de obra escrava? Muitas perguntas, zero resposta.

 

A respiração por baixo da máscara de Morgarath foi ficando mais pesada, intensa. Os punhos cerraram, e o pescoço foi virando sutilmente para trás. 

 

Se levantando vagarosamente, Ulrich ainda tem a metralhadora que usou para executar aquele monte de crianças em mãos. Ainda parece levemente abatido, suando frio e com um olhar disperso, mas reconhece que precisa lutar. Morgarath não teve dúvidas ali mesmo, Ulrich é o assassino, e aquilo foi o suficiente para ficar sedento por vingança.

 

Sem nenhum tipo de arma – talvez pelo fato de ser um vampiro e ainda um novato –, Kafka avançou com os punhos cerrados em direção a Morgarath. Sem dificuldade, o mais velho se virou numa velocidade anormal, segurando-o pelo pulso.

 

Foi uma série de golpes bem aplicados em pontos sensíveis, que deixam explícito que o misterioso mascarado é muito além de só alguém poderoso. Ele torceu o pulso de Kafka e já pegou embalo para virar o antebraço junto; moveu o joelho para cima e atingiu o cotovelo dele, fazendo o estridente som do osso do antebraço quebrando bem na articulação soar por toda sala. Sem largar o braço quebrado, Morgarath girou e levou o homem consigo, aproveitando o desequilíbrio iminente para afundar a cabeça dele contra o chão. A máscara e as lupas de Nail se desmancharam com o grau do impacto, restando a ele o rosto completamente ensaguentado pela força aplicada, com dentes quebrados, olhos inchados e a cara deformada.

 

Morgarath largou Nail ali, agonizando no chão em condições que qualquer humano já teria cedido. Seu braço está tão inutilizado que pode sentir os ossos fragmentados, com uma torção sobre-humana que alguns graus para um dos lados seria o suficiente para arrancar o membro de vez. 

 

O mascarado voltou a fitar Ulrich, que mesmo disperso, não hesitou um único instante em apertar o gatilho e disparar cegamente contra o vulto negro que avançou em sua direção. Mais uma vez, Morgarath aguentou todos tiros contra o próprio tronco e não se importou, prosseguindo cegamente contra Ulrich até finalmente alcançá-lo. 

 

— V O C Ê . . .

 

A rouca e abafada voz de Morgarath foi capaz de fazer até mesmo Ulrich suar frio diante aquela presença. O mascarado não enrolou, apanhou o soldado pelo colarinho e o projetou com tanto agressividade contra a parede que o concreto rachou.

 

Ulrich caiu, completamente destruído contra o chão, em cima de uma das poças de sangue que ajudou a criar. Com os lábios trêmulos, tentou alcançar fracassadamente a metralhadora, impedido quando o vampiro esmagou sua mão com a sola do pé.

 

O garoto está pagando por cada criança que ceifou naquele fatídico dia. Morgarath, sem pena, segurou novamente o garoto e o projetou contra a parede, visivelmente já instável. Numa terceira tentativa, Morgarath deu um chute tão bem colocado que o de uma estrela cuspiu sangue e foi repelido contra a parede que caiu com o choque do corpo, o que o fez desabar no cômodo vizinho.

 

É, o normal seria um humano já estar morto depois de tudo aquilo. Uma poça de sangue começou a se formar embaixo de Ulrich, saindo de sua cabeça. No entanto, Morgarath ainda pode ouvir sua fraca respiração, o que torna inviável o seu descanso. Quer matar Ulrich, imediatamente. 

 

Dando as costas por alguns instantes, apanhou a metralhadora no chão e voltou a atenção ao soldado desacordado. Ele levantou a arma já com a mão no gatilho, e fez questão de mirar na cabeça de Ulrich. 

 

Tudo ficou silencioso abruptamente, pelo menos até um som agudo invadir aquele cômodo, um som de tiro.


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