Martírio. escrita por Sevenhj777


Capítulo 8
Velho amigo.




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Lá está Ulrich, estirado no chão enquanto o sangue que escapa de seu crânio forma uma poça no solo. Como um humano, inevitavelmente haverão sequelas, mas não é o suficiente para suprir o apetite de vingança de Morgarath. 

 

Ulrich assassinou crianças a sangue frio, e isso é algo que o mascarado não pode simplesmente ignorar. Sua ânsia é de torturá-lo, mas como está num campo de batalha, uma morte rápida é o máximo que pode dar a ele. 

 

O indicador já está no gatilho, o cano da arma já está apontado para o rosto do adolescente, que não tem condições de esquivar. Entretanto, curiosamente, o mascarado hesitou em disparar. 

 

O motivo não está atrelado à nenhum tipo de empatia, mas um sútil acender de seus instintos. Um som muito distante conseguiu ser captado pela sua audição apurada, e com as fortes iris azuis e pupilas escarlate, Morgarath deslizou os olhos até uma das janelas.

 

Um disparo rompeu o vidro da janela e acertou em cheio Morgarath, com uma precisão impressionante ao ponto do projétil entrar pelo buraco da máscara, de um dos olhos. Mesmo um vampiro daqueles pôde sentir a consciência se esvaindo num ritmo acelerado, e sem opção, caiu estirado no chão, ao lado de Ulrich. Muito sangue escapara com o tiro certeiro.

 

De um prédio levemente distante, a figura de um sniper com seu rifle de precisão em mãos. Com a certeza do acerto, o homem pôde mover um dos indicadores em direção à escuta, pressionada para confirmar logo após:

 

— Disparo bem sucedido.  

 

E com a confirmação, uma gama de homens invadiram o cômodo com armas de guerra e vestimentas de assalto. Finalmente, a divisão B recebeu o "sinal verde" que tanto esperavam, e puderam agir. Liderando-os, Bernhart Vlushken ilumina o cadáver de Morgarath com uma lanterna, observando-o atentamente. 

 

— Execução confirmada. Morgarath está morto. — O vicê-capitão do sétimo esquadrão confirmou no comunicador, abaixando o tecido que cobre-lhe a boca. O cavanhaque loiro foi exposto, e um longo suspiro escapou de seus lábios.  

 

A heterocromia chama atenção pelo contraste que o tom verde tem por cima do castanho, especialmente quando iluminado com aquela fraca luz azulada que escapa das lanternas dos soldados. Bernhart examina os inúmeros cadáveres com uma expressão de nojo, e quase disparou em Nail até reconhecer que aquele homem caído, na verdade, é um dos vampiros experimentais. 

 

— Alissa, você está aí?! — Ele indagou, em voz alta. Deu as costas para o cadáver vampírico enquanto seus homens lidam com as partes desinteressantes, que incluem extrair amostras da toxina e do DNA, para enfim queimarem o corpo. 

 

A loira surgiu cambaleando ao lado de Dmitri, com parte do uniforme entre-aberto, deixando amostra um pequeno pedaço da sua ferida. Ela está suando bastante, e o olho esquerdo detém de uma mancha negra na esclera, o que confirma o uso da droga. Bernhart não podia julgá-la, não vendo a intensidade daquele ferimento. 

 

— Você não deveria estar aqui. — Alissa disse, se apoiando numa das paredes. Ela parece desnorteada, talvez um dos efeitos da toxina que plantou no próprio corpo. — As crianças... você deixou fugir? 

 

A vicê-capitã não está sendo mal agradecida ou algo do tipo, mas cada divisão tem um papel a empenhar. Se a divisão B se locomoveu, então toda formação está comprometida.  

 

— Nem sinal delas. Provavelmente escaparam por um meio alternativo. Sabiam que estávamos lá, e agora, não é difícil dizer como. — Bernhart respondeu, voltando os olhos para Morgarath. — De qualquer forma, entre meia dúzia de crianças e um dos vampiros mais poderosos do século, eu fico com o mascarado. Temos nossas próprias prioridades.

 

Alissa não tem a frieza de Bernhart, mas entende perfeitamente o que é ter compromisso com a Associação de Pesquisa. Um suspiro fundo escapou dos lábios rosados da loira, talvez de alívio. Não importa o quanto olhe para aqueles cadáveres, ainda se parecem com crianças normais. Morgarath, entretanto, é como um demônio na Terra. Ele não parece com um humano, e muito menos digno de piedade – baseando-se em quantos precisaram morrer para ele estar ali.

 

Ulrich, estirado no canto, é atendido por alguns homens, que tentam estancar o sangramento com uma grossa faixa branca. Alissa está preocupada com o estado do amigo mas não sabe se vai conseguir encará-lo depois de tudo que viu.

 

Se aproximando do corpo de Morgarath, um dos homens finalmente começou a tirar sua teatral máscara. Bernhart suou frio só em pensar no que pode ter atrás daquela figura cruel e sombria. É difícil não imaginar que a máscara esconde um rosto demoníaco e distorcido, baseando-se em suas atitudes e aura.

 

Perceberam que estavam errados assim que a máscara foi afastada da cabeça de Morgarath, mas não tiveram tempo para registrar o que viram. Como se estivesse ressuscitando, o vampiro inclinou o tronco e avançou em direção ao soldado que antes buscou retirar a peça, refletindo o corpo dele com um forte tapa capaz de o projetar para um dos lados. 

 

Toos ergueram suas armarias, mas não puderam disparar quando Bernhart se tornou a próxima vítima e entrou na área de disparo. Puxando o fuzil dele pela bandoleira, Morgarath foi esperto em usá-lo como escudo, e num movimento ofensivo, expôs as enormes presas e mordeu a boca dele. Resultado? Parte dos lábios de Bernhart foi puxado e rasgado, deixando exposto os dentes enquanto sangue transborda daquele ponto. 

 

O fuzil do vicê-capitão foi roubado quando a bandoleira se rompeu tamanha a força do vampiro, e ele próprio foi refletido contra a parede ainda com vida. Os soldados abriram fogo, mas Morgarath foi ágil em avançar individualmente contra cada um deles, efetuando disparos precisos com uma das mãos enquanto esfaqueia homens com a outra, utilizando facas arremessavéis que tirou de um dos corpos.

 

Morgarath não é simplesmente forte, ele é ágil, treinado, e perfeito em quase todos os sentidos. Sua ameaça não pode ser subestimada, e por isso que Joseph chamou por reforços mesmo ciente de que ele poderia ser executado previamente. Todo cuidado é pouco diante tamanha ameaça.

 

Até onde se tem registro, na atualidade, só existe um único ser que representa mais ameaça do que ele.

 

Nail se reergueu, vendo todo caos que se instaurou em poucos segundos que esteve tentando recobrar a consciência. Mesmo sangrando e cansado, os olhos azuis voltaram ao tom fervoroso quando viu o mascarado avançando contra os médicos que estavam tratando de Ulrich. Os dentes se cerraram e as presas receberam contraste pelo volume e o tom ameaçador.

 

Ele saltou em direção a Morgarath, mesmo ciente de que não tem chances contra o mascarado. No final, é um dos poucos que consegue fazer alguma coisa. Kafka cerrou os punhos e desferiu um potente soco contra o rosto do antes mascarado, com uma potência grande o suficiente para fazê-lo repelir contra a parede. 

 

Naquela posição, o rosto de Morgarath ficou explicito, pelo menos para Kafka, que ficou o pressionando contra a parede com a pouca força que tinha. Morgarath é loiro, tem um rosto fino e muito sangue seco escapando da boca e do grande buraco que se abriu no lugar do olho esquerdo, feito justamente pelo projétil do rifle de precisão outrora. Gostaria de ter registrado mais detalhes, mas foi incapaz.

 

O cano da arma que Morgarath roubou de Bernhart ficou contra o abdômen de Nail, e bastou um pressionar forte para uma sequência de incontáveis disparos atingir-lhe à queima roupa. Por natureza, Morgarath já é absurdamente superior a Kafka, mas a desvantagem só aumenta graças a "dieta" que o vampiro experimental tem que seguir para ficar dentro da "margem de controle" da APS. Assim, os tiros obtiveram resultados mortais: Nail vomitou sangue e perdeu a pouca força que lhe restara, lutando apenas para ficar de pé. Morgarath agiu.

 

Sem nada para o pressionar contra a parede, o loiro cerrou os punhos e deixou uma fumaça branca escapar dos seus lábios, fruto do frio intenso. Kafka, mesmo sem forças, cerrou os punhos como se estivesse tentando resistir. Mas não tem chances.

 

— Não há nada que eu odeie mais do que pessoas como você. É fraco, e por não ter força, se aliou a seu pior inimigo. Você me dá nojo. — A voz rouca de Morgarath escapou na medida que os passos largos dele fizeram Kafka tentar recuar, mesmo que sem nenhum tipo de sucesso.

 

Um soco atingiu lateralmente o rosto de Nail, que só não caiu porque o próprio loiro o segurou. Com mais potência, outro soco, seguido de outro, e mais outro. Uma sequência de espancamento incessante continuou ali, até que o inimigo tivesse a mandíbula deslocada por pura força bruta. 

 

Talvez Nail não merecesse tudo aquilo, mas Morgarath sente repulsa demais por seres como ele, e não pretende parar. Kafka cuspiu alguns dos próprios dentes no chão junto a muito sangue, já com o rosto desfigurado graças aos socos.

 

Morgarath sufocou o garoto com uma das mãos, e com a outra, enfiou os dedos nas feridas que abriu com os disparos, por dentro do colete. Nail gritou de dor, e os que sobraram só podiam observar, limitados demais para iniciarem fogo. 

 

Num golpe final, Kafka fora repelido contra a parede, caindo uma segunda vez em cima dos corpos das crianças que Ulrich matou. Morgarath curvou o tronco e apanhou a própria máscara largada no chão, agora com um dos buracos maior graças ao tiro violento que recebera. Respirando fundo, recolocou a máscara e voltou ao tom sombrio e misterioso que exalava outrora.  

 

— Sinta o cheiro das crianças que seus amigos mataram, e se convença de que você é diferente, mesmo que não seja. Eles não se importam com uma marionete como você, e está prestes a descobrir isso da pior maneira. — Morgarath continuou seu discurso de ódio, vendo Nail se afogar no próprio sangue. Novamente ele se curvou, dessa vez, para apanhar a adaga que usara para esfaquear Alissa.

 

O tronco ficou ereto mais uma vez, e os joelhos se cerraram. O mascarado estalou o próprio pescoço, e numa última investida, avançou em Nail para finalizá-lo de uma vez.

 

Mas, surpreendentemente, foi refutado pelo próprio discurso. Vindo detrás, um fino cabo de aço avançou pelo dispositivo que o traje militar carrega, similar a um tipo de arpão e usado especificamente para escalar estruturas. O objeto se fincou contra as costas de Morgarath com violência, vindo do dispositivo cilíndrico que Alissa carrega. 

 

A vicê-capitã está disposta a morrer pelos seus aliados, como dito antes. Mesmo que Nail seja um vampiro, ainda sim, ela vai ajudá-lo. Mesmo que esteja tremendo diante a presença de Morgarath, ela cerrou os dentes e exibiu a mancha negra em um dos olhos, que parece crescer de acordo com sua adrenalina. 

 

— VAI! — Ela gritou para alguém, ordenando.

 

Se arrastando no chão, Bernhart não foi derrotado por tão pouco. Mesmo com o rosto deformado pela mordida que recebera, ele foi capaz de tirar sua pistola do coldre, e com coragem, roubar a atenção de Morgarath.

 

Uma sequência de disparos escapou do cano da armaria, quase todos mirando no rosto. Morgarath foi obrigado a mudar o seu alvo quando os projéteis começaram a destruir vagarosamente sua máscara, mesmo que a maioria não chegue a atravessar sua pele. Bufando, ele começou a correr em direção a Bernhart, já com a adaga em mãos.

 

Alissa pode tomar quantas drogas quiser, nunca vai chegar aos pés de Morgarath em força física. Quando ele começou a correr, por estar presa a ele graças ao arpão, ela foi arrastada junto a sua corrida pelo chão. Grunhindo com tamanha força física que está impondo em si mesma para tentar contê-lo, a loira fixou os pés contra uma das inúmeras colunas espalhadas pelo cômodo e achou o alicerce necessário para resistir. Dessa forma, Morgarath foi impedido há tempo, e ficou paralisado naquela posição graças ao esforço da soldado de duas estrelas.

 

Por alguns segundos, o mascarado foi obrigado a ficar inerte, e aquela brecha foi necessária para os poucos soldados que restaram. Tiros começaram a vir de todos os lados, todas direções. Dessa vez a resistência de Morgarath foi posta em jogo, já sangrando incessantemente por todos danos que recebera. Sua resistência é incrível, mas deve ter um limite, um limite que está muito próximo de ser batido.

 

Uma forte luz veio da janela quebrada pelo disparo, logo a que convenientemente está ao lado do mascarado. De fora, um dos holofotes carregados pela luz do sol fora posicionado numa angulação perfeita para pegar ele desprevenido. Finalmente, uma chance digna de pará-lo. 

 

Dmitri foi o responsável pelo último golpe, engolindo o próprio medo para se aproximar com a doze em mãos. Um disparo forte estilhaçou todo o lado esquerdo da máscara de Morgarath, assim como metade do seu rosto foi deformado imediatamente pela gravidade do disparo. 

 

Aquela massa de carne exposta, que em qualquer um seria um atestado de óbito, foi o suficiente para pelo menos a luz entrar em contato direto com o vampiro. Pele primeira vez ele gritou de dor, sentindo a própria carne sendo queimada por aquela sensação angustiante. 

 

Ele cerrou os dentes uma última vez, e finalmente mostrou a que veio. Ele puxou o cabo que Alissa fixou em suas costas com uma das mãos, utilizando de toda sua força. Como resultado, o braço da loira torceu e ela foi arrastada com brutalidade pelo chão. Nada estava o segurando agora.

 

Alissa conseguiu um feito inacreditável: executou a estratégia que feriu um dos mais poderosos da Europa. Mas, como dito, alguém daquele nível é considerado simplesmente invencível. Não é a toa que o número de baixas durante o verdadeiro Expurgo, há um século, foi muito similar ao número de baixas de uma guerra. 

 

Livre e se afastando da luz, Morgarath avançou contra Dmitri. O pobre coitado tentou disparar, mas não conseguiu há tempo. A lâmina do mascarado atingiu-lhe o estômago não uma, mas seis vezes. Enquanto era esfaqueado, Dmitri não conseguiu esboçar nada. Tudo que restou foram os gritos de Alissa quebrando o silêncio enquanto o loiro cospe sangue e finalmente cai no chão. Não há condições alguma dele sobreviver.

 

A próxima vítima está clara, e ficou ainda mais quando Morgarath deu largos passos em direção a Alissa, que tanto lhe enfureceu. Bernhart tentou impedi-lo, mas tudo que tinha era uma pistola com poucas balas, e não precisou de mais que um empurrão para ser refletido para longe.  

 

A loira está com um braço quebrado, com um corte profundo e psicologicamente abalada. Ela tentou erguer o fuzil mesmo assim, mas foi impedida quando o homem simplesmente pisou em seu pulso.

 

Lhe resta pouco tempo, e reconhece isso. Novamente está cara a cara com a morte, e não há nada a ser feito. Bom, não por parte dela.

 

Surgindo da escadaria, Joseph Makarov finalmente deu as caras, disposto a mostrar a diferença nas habilidades de um capitão para um soldado convencional. Uma série de disparos foi efetuada, e alguns atingiram as costas do mascarado, que talvez só esteja vivo pelos reflexos; ele se refletiu para a traseira de uma das colunas, abandonando sua vítima.

 

Todavia, ele não esperava dar de cara com um segundo capitão, Aaron Adamik. O soldado chegou a disparar com o revólver, mas Morgarath agiu rápido e fincou sua adaga contra o braço de aço, que pelos danos, acabou largando a arma. Em simultâneo, com o braço livre, Aaron agarrou o que restou da máscara do vampiro, a puxando enquanto ele recua, abandonando a lâmina na prótese metálica que o capitão carrega.

 

Com o rosto descoberto em plena iluminação, ambos ficaram em silêncio por longos segundos, se encarando enquanto Joseph tenta socorrer os feridos ao fundo. Aaron ficou paralisado por bastante tempo, fitando, ao fundo, Joseph desesperadamente tentando impedir a morte iminente de Dmitri Patrushev. Também ao fundo, Alissa Portnova simplesmente não consegue se levantar, e Nail Kafka está completamente desfigurado. 

 

Aaron cerrou os punhos e rangeu os dentes em fúria. Veias começaram a surgir pelo pescoço e testa, enquanto no olho direito, uma mancha negra começa a se espalhar. Se lembrou de todos companheiros que teve que enterrar, da promessa que fez ao velho Portnova, e a culpa que cai em seus ombros até os dias de hoje.

 

Afinal, se Morgarath está vivo, é culpa dele. É responsabilidade de Aaron, seu maior fracasso em vida. 

 

— Eu... vou te matar...

 

Ele afirmou, tremendo de raiva. 

 

O rosto nostálgico de Morgarath finalmente está exposto na claridade, revelando cada detalhe de sua face. Aparenta ter parado de envelhecer durante a adolescência, na passagem para a vida adulta, com fios de cabelo loiros que descem até a altura de seu queixo. O olho direito brilha naquela mistura de preto, vermelho e azul, enquanto o esquerdo está reduzido a uma nojenta massa de carne, fruto de uma regeneração que se desenvolve lentamente. Também do lado esquerdo, estilhaços da bala que recebera de Dmitri, com toda a pele em carne viva naquele lado. 

 

Mesmo com as deformações que aos poucos se recuperam pelo fator de cura, é impossível para Aaron se esquecer daquele rosto. Afinal, foi com aquele homem que passou o pior dia de sua vida, quando encontraram o último dos Heulen. 

 

— Já faz algum tempo, Aaron. Você está horrível. — E mesmo destruído fisicamente, Aurélien Caillat não largou o tom provocante e sarcástico, mas pelo menos abandonou o velho sotaque francês.


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