Race in Heels - Corrida em saltos escrita por badgalkel


Capítulo 22
Vingt-et-un




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28 de Agosto

Circuito de Ímola - Itália

Os carros passam em alta velocidade pela reta, sendo motivados pela empolgação do público na arquibancada.

Na primeira posição a usual pantera negra de Houston dominava, cortando o vento à 368 km/h. Ele estava significantemente distante do segundo colocado, este Alessandro Arthit que tomou a posição de Carlos Sánchez quando o mesmo precisou trocar os pneus gastos em uma parada no boxe.

Lá na faixa da décima segunda posição estava Eliza mirando o seu próximo alvo, Duncan Petrov da Alfa Toro à mando de John Toddy. Ela estava mais uma vez calculando uma forma de tirá-lo da corrida sem causar um acidente grave e que não deixasse óbvia a sua intenção.

Eles saem da curva fechada e acentuada Rivazza e seguem até a variante Bassa.

“Lizzie, Petrov 2.4 à frente. 2.4” – Andy informa, inconscientemente a ajudando em sua estratégia.

— Copiado.

“Haverá trafego na saída dos boxes. Modo 7 para ultrapassá-lo na Tamburello logo em seguida.”

— O que? – ela sopra sentindo seu coração se apertar.

Aquele fatídico desvio, que alguns anos atrás era projetado como a curva mais rápida do circuito, fora onde acontecera o acidente que custara a vida do seu ídolo Adalto Sampaio.

Ela havia sido restaurada e virara uma simples chicane, com o intuito de reduzir a velocidade daqueles que por ali passavam e evitar mais uma tragédia. Mas ainda estava ali e continuava a transcender um clima melancólico toda vez que alguém passava por ela.

Nas suas voltas anteriores Liza estava tão focada em Petrov que mal a notara, mas a citação de seu nome pelo engenheiro a abalara completamente.

Por todo o final de semana o clima nostálgico se estabeleceu, tamanha era a presença do nome Adalto Sampaio naquela cidade. Estátuas, homenagens e monumentos históricos levantados por ele e agraciados até hoje por fãs faziam Liza se esmorecer ao pensar na tragédia, que sentia na pele por sua primeira vez naquele circuito.

Ela não queria, por Deus, como não queria ter que acertar Petrov justo naquela curva. Mas eles estavam entrando nas voltas finais da corrida e as demais curvas eram triplamente mais perigosas e arriscadas para se tentar um acidente leve.

Ela não tinha escolha.

Com o peito ardendo em chamas ela acelera na saída da reta e ao invés do modo 7, aperta o 8.

Ela passa por dentro do primeiro desvio, suas rodas travam e o carro roda duas vezes na pista. Sua traseira atinge o carro da frente enquanto sua dianteira toca o carro que vinha logo atrás.

Sobe a terra das britas enquanto várias pedrinhas são lançadas contra o seu capacete, atinge suas mãos e o próprio carro. A Alfa Toro passa de raspão pelo muro e perde uma roda enquanto a McDraguen se choca com a Astro Martíni.

Merda!— ela grita irritada.

“Você está bem?”— Andy questiona preocupado.

— Sim. – ela afirma com dificuldade pelo bolo que crescia na garganta, à sua frente estava ironicamente o muro onde Sampaio havia batido. – Sinto muito, gente. Sinto muito mesmo. – ela funga – Entrei na curva com muita velocidade. Eu sou uma idiota.

“Tudo bem, Lizzie. Não se preocupe, essas coisas acontecem. Recuperamos na próxima corrida.” – o engenheiro diz, sempre compreensivo –  “O Safety car já foi acionado, pode sair do carro. O resgate já está indo.”

Ela solta a fivela de seu cinto e abre a viseira do seu capacete brutamente, passando as mãos nos olhos com força.

Estava triste, frustrava e com raiva.

Eliza já não aguentava mais ter que submeter outros pilotos ao perigo por conta de um acordo sujo e seu coração se enchia de culpa. Já havia se passado três corridas e ela ainda não sabia como se livrar das chantagens de John.

Liza desconecta seu volante do painel, coloca na frontal do carro e salta para fora do cockpit.

Ao lado dos próprios carros estavam Petrov resmungando alto e Lance Spprol balançando a cabeça em negativa, ambos completamente frustrados.

Os socorristas logo se aproximam e os indicam a saída emergencial, por trás do guard rail enquanto vários agentes do perímetro providenciavam a limpeza dos destroços na pista.

Os três se encaminham até a saída de ombros baixos e desapontamento nítido na face.

Liza tira o capacete e a touca antes de se acomodar ao lado de Lance no carro de golfe que os levariam de volta às garagens.

— Sinto muito, gente. – ela diz passando as mãos por entre os cabelos, jogando-os para trás. – Isso foi uma grande merda. Eu perdi o controle e as rodas... Elas... – ela suspira nervosa – Me perdoem.

— Tem que tomar cuidado, Benedetti. – Petrov fala num sotaque puxado para o russo. O tom de repreensão. – Eu mal te vi na lateral e já estava nas britas. Você entrou na curva feito um raio.

Ela assente sentida.

— Ou foi feito um torpedo? – Lance declara, um ar de riso na face.

— Cala a boca. – Petrol fala, as sobrancelhas juntas em um semblante raivoso.

— Não entendi. – Liza diz e olha de um ao outro.

— Há alguns anos o Duncan fez a mesma coisa, se não me engano na largada do GP da China. – Lance explica enquanto o carro partia com eles. – Ele causou um acidente com o Weber e o Ricardo, comprometeu a corrida dos dois. No final da corrida o Seb nervoso foi tirar satisfação com o Duncan, dizendo que ele chegou feito um torpedo, que tinha que ter mais cuidado. – Lance ri – Foi o meme da temporada.

Liza segura o riso e olha para Petrov, que cede e ri fraco. O clima já está mais descontraído.

— Você nem estava na corrida. – o russo diz.

— O vídeo é um dos mais famosos e engraçados da internet. – Lance diz. – O Richarts te chama de torpedo até hoje por isso.

— Então é por isso?! – Liza diz com ar divertido.

Petrov se permiti rir abertamente.

O fato é que essas coisas acontecem, todo muito tem uma fase ruim. – Lance diz à Liza. – Não se condene. Logo isso passa.

Ele aperta o ombro da pilota em apoio e ela sorri fraco.

 Se ele realmente soubesse, ela pensa. E se sente ainda mais culpada por estarem sendo legais com ela.

— O lado bom de abandonar a corrida mais cedo é que posso voltar ao hotel e aproveitar a minha família. – Duncan diz com um sorriso terno no rosto. – A não ser que o chefe queira que eu repasse as técnicas de freio e aceleração depois desse acidente.

— A Ketlyn e sua filha estão aí? – Lance questiona.

— Sim, chegaram ontem. – ele assente – Ketlyn estava em Roma à trabalho e aproveitou para esticar até aqui.

Ketlyn Pessoa.

A filha do tricampeão mundial Nelson Pessoa. Ela era blogueira e colunista, estava em uma relação com Duncan há quatro anos e juntos eles tinham a adorável Charlotte.

Quando Liza viu Ketlyn de relance momentos antes de entrar no cockpit, ás margens dos boxes, soube no mesmo instante quem era. Ela tinha o mesmo formato de rosto, nariz e olhos do pai. Era inconfundivelmente uma cópia dele e, por ventura, também parecida com seu irmão mais novo. Afonso Pessoa.

Liza realmente torcia que ela não fosse tão sacana quanto o irmão, mas vista a admiração fervorosa que Duncan falava sobre a mulher ela deduzia com tranquilidade que aquele não era o caso. Afonso talvez fosse a única maçã podre da família.

Chegando à garagem ela é primeiramente abordada pelo pai, que estava presente no final de semana em apoio.

Liza não sabia se o fato era bom, por poder receber o consolo do pai de perto, ou ruim por ter que submetê-lo a assistir uma de suas piores performances da temporada.

— Você está bem? – ele pergunta com o semblante preocupado, automaticamente conferindo-a dos pés a cabeça procurando por algum sinal de lesões.

— Estou. – diz num sopro sem vida. - Sinto muito, pai.

Ei.— ele diz tomando-a em seus braços – Está tudo bem. Mesmo que quase tive um enfarto em te ver rodando justo na Tamburello, o importante é que está tudo bem.

Liza suspira emocionada.

— Obrigada. – ela sopra – Na verdade, por tudo.

— O que quer dizer? – ele pergunta, afastando-se para mirar o rosto da filha.

Liza estava exausta fisicamente e emocionalmente, constantemente tendo de lidar com diversos e confusos sentimentos além da constante pressão da variados lados. Por vezes perdia o controle sobre suas emoções facilmente, o que a deixava mais sensível. 

— Por, mesmo com a distância, sempre estar presente e estar ao meu lado. – ela sorri tristonha – Na alegria e na tristeza.

— Ser pai é muito mais que juras matrimoniais, querida. – ele acaricia seus cabelos – É ser pai, realmente. Nosso laço é mais forte que qualquer coisa. – Marcos olha diretamente em seus olhos – Eu nunca mais vou te deixar se sentir desamparada.

A pilota sorri verdadeiramente.

— E não é que esse terapeuta destravou a sua língua, mesmo?! – Lisa ri – Declarações explícitas, tô impressionada.

— Não enche o saco. – ele grunhe e eles riem bem humorados.

Zach se aproxima deles com o semblante tenso.

— Esse final de semana não foi dos melhores, hein?!

Ela balança a cabeça vagarosamente em desapontamento.

— Eu fui uma pata na pista, sinto muito por ter posto todo o esforço da equipe á perder, eu só... – ela suspira, interrompendo-se – Acho que não estou nos meus melhores dias.

— Bola para frente. – ele dá um tapinha em seu ombro – Vá descansar, foi uma corrida estressante. Na próxima nós pegamos eles. – ele ergue a mão fechada na sua direção e ela dá um soquinho sorrindo fraco.

— O Orlando, em que posição ele está? – ela questiona mirando as telas da mesa de transmissão interna.

— P4 e acho que o garoto sobe ao pódio hoje. – Zach diz contente. – Ele tá fazendo uma bela corrida.

— Está fazendo uma bela temporada. – ela corrige, orgulhosa. – Diga á ele que sinto muito não estar presente o pódio? Realmente preciso ir me deitar.

— Claro, ele vai entender. – Zach diz e a abraça rapidamente. – Até mais. Se cuida.

Junto de seu pai, Cris e Fábio, a pilota segue para o hotel, ignorando os jornalista e entrevistadores pelo caminho que pediam por uma declaração do que havia acontecido na corrida.

Todos haviam visto que ela tinha rodado e “perdido o controle” do carro, por que eles precisavam de tantas declarações?

Quando ela chega ao quarto nem se dá o trabalho de se desfazer do macacão ou tomar um banho, só se joga na cama suspirando exausta. Liza se encolhe por cima dos lençóis, agarra um travesseiro e fica com os olhos perdidos em um ponto qualquer das cortinas das janelas.

O trio que entra no quarto logo atrás se entreolha em silêncio antes da empresária esbravejar, já esgotada: - Tá legal, já chega.

Ela chama a atenção de Liza, que franze a testa e ergue-se na cama calmamente.

— Não aguento mais te ver assim. – a loira diz. – Toda reclusa, retraída, não fala com mais ninguém. Não abre a boca! – ela se aproxima da cama – Você perdeu a sua garra e vontade de competir, caramba. Como isso foi acontecer? – Cris agita as mãos no ar. – O seu tio tenta conversar com você e você desconversa, diz que está tudo bem quando claramente não está. Precisamos deixas as coisas às claras agora mesmo!

Liza engole em seco e desce os olhos para as mãos em seu colo.

— Eu sei que tenho sido difícil...

— Não. Você não tem sido. – a loira a interrompe. – E esse é o problema. Eu gosto de quando você me dá trabalho, porque aí tenho coisa para fazer. Ficar te consolando eu não sei, não fui feita para dar tapinha nas costas e dizer que tudo vai ficar bem. Quero é te buscar às quatro da manhã em uma balada porque o Daniel te desafiou na tequila e brigar com você por isso. Quero te dar bronca porque ficou a madrugada inteira jogando videogame com o Orlando na noite antecedente à corrida. Quero ficar irritada porque não responde minhas mensagens e descobrir que você fugiu até um parque de diversão com o Charl... – ela se cala de súbito. Em seguida suspira pesado – Não me importo que me faça arrancar os cabelos da cabeça de novo, desde que esteja feliz.

Liza olha de Cris ao pai e dele à Fábio.

— Não olha para mim, eu concordo com ela. – o tio diz, cruzando os braços. – Tem errado manobras bestas por estar desconcentrada, dobrou a rotina de treinos novamente, seu corpo está tenso, só anda cabisbaixa desde que você e Charlie terminaram. – Fábio arqueia uma sobrancelha – E, aliás, nós nem sabemos realmente o porquê deste término repentino.

— O que? – o pai sopra.

— Terminaram, não. – Cris corrige. – Ele me disse que você terminou com ele de uma hora para a outra. – a loira se acomoda na cama aos pés da pilota – Liza, se for por conta da demora na clausula do contrato, estamos perto de encontrar uma brecha que acho que vai dar certo.

— Vocês terminaram? – Marcos se pronuncia surpreso.

— Já tem pouco mais de um mês. – Fábio informa em tom tristonho.

— Por que você não me contou? – o pai indaga para a filha boquiaberto.

Eliza pega um travesseiro e afunda o rosto nele, envergonhada, pouco antes de se jogar de costas de volta à cama.

— Eu realmente não quero falar sobre isso. – responde com a voz abafada.

— Charlie disse que ele simplesmente chegou em casa e ela já estava com as malas prontas para retornar ao hotel. – Cris conta e Liza tira o travesseiro do rosto instantaneamente, para em seguida se sentar ereta e encarar a empresária cética.

— Ele foi fofocar para você tudo o que aconteceu?

— Não. – Cris nega imediatamente. – Eu quem perguntei o que estava acontecendo, porque nem contar para nós que vocês não estavam mais juntos você contou.

Liza suspira pesadamente e passa a mão pelo rosto.

Ela não podia contar os seus motivos à ninguém, John já havia provado mais de uma vez que a vigiava todas as horas do dia. Ela não sabia como, mas ele era um homem de contatos e influente, Liza não duvidava que pudesse ter uma escuta no seu quarto naquele instante. Vivia em constante medo.

Quando percebe que os três estão olhando em sua direção esperando por uma declaração, ela fala a primeira coisa que passa pela sua cabeça: - Não era você que dizia que eu não podia me envolver com pilotos por que eles só queriam me fazer subir no troféu deles? Deveria estar feliz por eu ter saído dessa. – ela relembra a fala da empresária no começo da sua temporada na F2, tentando desviar do ponto principal.

O que aparentemente funciona perfeitamente.

Cris arqueia as sobrancelhas em surpresa, a própria havia se esquecido sobre aquele infeliz comentário e o quanto ela havia feito difícil a convivência dela e o monegasco no começo do namoro.

— Sobre isso... – ela suspira, cabisbaixa. Liza franze a testa, estranhando a reação da mulher. – Eu só falei porque foi um caso que aconteceu comigo mesma e não queria que se repetisse com você. Não deveria ter espelhado em você desta maneira, mas o fiz. Eu só queria te proteger. Mas fui errônea e por isso eu sinto muito.

Um momento de choque corre por todos no quarto.

— Como é? – Fábio é quem indaga, incrédulo. – Quem foi o corajoso que ousou te paquerar?

Cris revira os olhos e lhe lança o dedo do medo. Quando ela se volta para a pilota, declara: - Quando eu gerenciava a carreira do June me envolvi com um dos adversários dele. Jean Verné, é aquele francês charmoso. Hoje compete na Fórmula E. – Liza coloca a mão sobre a boca, espantada – Eu me apaixonei perdidamente por ele, todo aquele ar de perigo e a adrenalina das corridas, os motores potentes e sensação de poder me deixou tão instigada que acabou me fazendo cega.

— Não acredito que você era uma Maria gasolina. – Fábio ri e Liza olha feio na sua direção. – O que? – ele questiona a sobrinha – É surpreendente saber que a Senhora certinha já meteu os pés pelas mãos pelo menos uma vez na vida.

— Cala a boca, Fábio. – desta vez é Marcos quem diz e o quarto fica em silêncio por um momento.

Cris continua: - Eu estava tão perturbada que não percebi que na verdade ele estava tentando atingir June através de mim.

Liza suspira sentida.

— Ele queria afetar a imagem do meu cliente, arrancar informações de mim para conseguir superar ele nas corridas e... Bom, ele me usou. Basicamente. – ela solta o ar preso – Por pouco ele não prejudicou June. E sabendo que inconscientemente eu quase permiti isso... Me culpo até hoje principalmente porque tinha o June como meu irmão. Ele era meu melhor amigo. – ela umedece os lábios, com os olhos melancólicos – Por isso sou tão rígida com você, mon cherri. Só não queria que se repetisse.

— Sinto muito Cris, eu não tinha ideia. – Liza diz pegando sua mão, finalmente compreendendo uma dúvida que havia sido abandonada com o passar do tempo: O porquê de Cris ter implicado tanto com Charlie.

A mulher sorri.

— A questão é que, sim: existem pilotos e chefes de equipes corruptos que tentam a todo instante e de todas as formas prejudicar os seus oponentes para vencer, ainda temos que ter cuidado com eles. Depois desse caso eu descobri inúmeros outros dentro dos campeonatos. – você não tem ideia quantos, Liza pensa Mas esse não é o caso aqui.

Eliza encolhe os ombros, cabisbaixa.

— Charlie nunca foi assim e eu percebi isso quando ele te protegeu com unhas e dentes dos meninos na Fórmula 2, se dispondo a depor e inúmeras outras coisas que ele fez por você. – Cris declara. – Dá pra notar do jeito que ele te olha o quando ele te ama, Lizzie.

A pilota engole em seco.

— E eu sei que você o ama da mesma forma e está sofrendo por este término. – a empresária continua. – Vocês dois estão.

Liza, mais do que ninguém, sabia o quando ambos estavam sofrendo.

Toda vez que estava na presença do monegasco eles tentavam se tratar com cordialidade devido ao trabalho e em respeito aos amigos, mas ela sabia que ele ainda estava extremamente magoado com ela. Seus olhos nunca mais tinham sido os mesmos.

E isso destruía pouco a pouco as forças que a motivavam a continuar com o que havia se submetido, até o dia que não restasse mais nada.

Quando este dia chegasse, ela sinceramente não saberia o que fazer.

Liza já havia considerado inúmeras vezes em simplesmente pular fora do campeonato, deixar que os homens e suas marionetes se engolissem no buraco imundo da corrupção. Afinal, sem ela Charlie ficaria bem – não teria razão de John prejudica-lo.

Mas a sua cabeça havia sido posta em uma grande vitrine de venda e quanto mais o público demonstrasse interesse e ofertassem lances, maior era o tempo que ela seria obrigada a continuar ali. O número de fã-clubes cresciam a cada dia, assim como as visualizações dos vídeos da sua construtora, produtos com seu nome vendendo rios de dinheiro, os ingressos e afins.

A única parte que realmente fazia-a se sentir melhor era o número progressista de pilotas femininas que surgiam nas categorias base. Algumas delas já eram conhecidas e tinham carreiras mais longas que a da própria Eliza, mas a imagem delas estava finalmente sendo posta em evidência. Como de igual para igual, não como mulheres gostosas que davam sorte de estarem ali.

Eliza esperava, sendo muito otimista, que quando elas chegassem à Formula 1 fossem uma massa tão forte a ponto de deixar os homens de mãos atadas e não conseguirem persuadirem ao controle de resultados. Isso sim ela queria ver.

No entanto, enquanto esse futuro promissor não chega, ela ainda se via na situação degradante.

Ao perceber que o trio ainda a encarava, Liza respira fundo e pronuncia decidida: - Isso não vale de mais nada agora. Acabou e acho que não tem mais volta. Parem de insistir nisso.

Desgastada ela se levanta da cama e sai do quarto, deixando-os para trás num clima amargurado.

Ela decide finalmente tomar um banho e aproveitar da banheira disposta na suíte, das quais raramente usufruía pelo pouco tempo que passava no hotel devido aos compromissos no Paddock.

A banheira grande com jatos de hidromassagem e alta tecnologia parecia mais uma nave espacial e prometia completo relaxamento muscular e mental. No entanto, após ficar cerca de vinte minutos cozinhando na própria sujeira Liza decide sair. Não suportava ficar tanto tempo inerte.

Ao retornar ao quarto percebe-se este vazio.

O trio já não estava mais lá e ela suspira, os pensamentos que tanto evitara ter durante o banho devido a recente conversa ganhando cada vez mais espaço na sua cabeça.

Admitia que havia consideravelmente se afastado dos amigos, mas só porque queria dar o espaço que Charlie precisava para ter o amparo que precisava vindo deles. Ela não queria se intrometer, sequer dificultar as coisas ainda mais. Assim, simplesmente se retirava da jogada.

Liza sabia que as pessoas ao seu redor estavam preocupadas com o seu bem estar e com a sua felicidade, e não poderia os culpar por isso. Mas já estava cansada de ouvir que ela tinha feito a pior burrada de sua vida ao terminar com Charlie. Ela já sabia disso, obrigada. De nada.

Liza termina de se vestir e prende os cabelos soltos em um rabo de cavalo com o elástico que estava em seu pulso, para se direcionar ao elevador no final do corredor do seu andar.

Para onde iria ela não tinha ideia, mas precisava dirigir para relaxar e eliminar o excesso de pensamentos variados que tinha na cabeça.

Reestabelecer a sua convicção e forças. Sim, era o que precisava.

Eliza sabia que na garagem do hotel havia alguns carros que as construtoras disponibilizavam para locomoções rápidas e privadas pela cidade, havia descoberto quando pedira à Andy para passar a madrugada treinando no simulador no Paddock antes da corrida na Bélgica. No dia em questão ela não estava conseguindo dormir novamente, insônia era apenas mais um dos sintomas que ela adquirira pela constante pressão psicológica.

Os carros não eram máquinas potentes e que roncavam com os motores, mas já ajudava.

Ela desce até o subsolo de paredes brancas e chão vernizado na cor cinza, e sai procurando por entre os carros, a modo de identificar quais eram os específicos da McDraguen. O que se mostrou ser uma tarefa difícil, pois os carros das agencias de locação local eram todos iguais.

Ela nunca havia usado essa assistência sozinha até então e não sabia como funcionava, mas não tinha mais nada para fazer então vagou pelo estacionamento tranquilamente até que desse sorte de encontra-los.

Ao entrar em uma das fileiras ela escuta alguns barulhos abafados, gemidos reprimidos e franze a testa, estranhando.

Duas vagas depois da onde estava ela flagra um casal no meio de uma sessão de amassos e grunhe de surpresa.

Ah Meu Deus, me desculpem. – ela diz envergonhada, tentando desviar os olhos para qualquer outra direção.

No entanto quando o casal se desgruda e ela vê quem de fato eram as duas pessoas, seu queixo cai.

Eita porra.

Os dois tentam se recompor, ajeitando as roupas amassadas e os cabelos desgrenhados, mas já era tarde demais.

Liza arqueia uma sobrancelha e balança a cabeça em desaprovação.

Sem nada dizer ela parte dali.

— Benedetti! – ela escuta Max chama-la, mas sequer olha para trás. Continua o seu caminho ignorando o barulho abafado das passadas apressadas que a seguiam.

— Benedetti! – ele diz novamente e alcança o seu braço, fazendo-a virar de frente á ele. – Não diga nada, por favor.

A jovem arqueia ainda mais as sobrancelhas e ri desacreditada.

Max ainda vestia o macacão que costumeiramente usava nas provas, o que significava que ele não havia se demorado muito no autódromo depois do final da corrida ou sequer passado em seu quarto de hotel para se trocar.

Ele estava inquieto e tinha pressa, não para menos.

Afinal, eles não podiam ser pegos.

— Dizer o que? – ela questiona cruzando os braços, crítica – Que você está ficando com a mulher do seu amigo? Por que eu faria isso? – Liza sorri – Ah, será que é porque você abriu essa sua boca imunda e fez a minha vida miserável?

Ela se recordava muito bem das palavras que o holandês despejara á ela antes de dar com a língua nos dentes sobre ela e Charlie. E uma delas, a que mais havia lhe tocado, era hipocrisia.

Quem era ele para chama-la de hipócrita?

Liza estava furiosa. Pior que isso, decepcionada.

Ela tinha tido muito tempo sozinha para pensar e dentre as variadas questões que refletira estava a que Max Vandemanen pudesse ser um homem de princípios e que tinha sim agido conforme a regularidade ao delatá-los. O que, apesar de não ter sido nada benéfico à ela, não deixava de ser uma atitude admirável.

Lutar pela clareza e honestidade.

Mas a pouca empatia que havia sentido por ele havia se difundido á um criterioso e intenso nojo.

— Eu sinceramente sinto muito. – ele diz olhando-a nos olhos. – Não sei a providência que eles tomaram com vocês, mas não deve ter sido a mais agradável. Vocês estão péssimos e por isso eu me arrependo, de verdade.

Ela ri sem humor.

— Se arrepende agora que eu te flagrei. – ela ruge entre dentes. – Você é um dissimulado, Max. Farsante. – cospe com toda a raiva carregada em palavras – Realmente pensei que você fosse melhor que isso. Mas me enganou direitinho. – ela umedece os lábios secos – É melhor que eu em fingir ser um bom moço.

— Eliza...

— Sério, com tanta mulher no mundo você vai pegar logo a mulher do Petrov? O único cara aqui que mais te suporta no campeonato?

— Aconteceu...

— Eu não quero saber das suas razões, das razões dela, como que vocês revezam ou enganam o cara. – o interrompe novamente. – Vocês me enojam. – ela o encara de cima à baixo para então falar: – Você é podre, Max.

Dito isso sai Liza andado, deixando o rapaz desconcertado para trás sem mais reações.


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Notas finais do capítulo

Curiosidades

Existe um monumento dedicado ao piloto Ayrton Senna que encontra-se dentro do Parco delle Acque Minerali desde 26 de abril de 1997. Criado pelo artista Stefano Pierotti, fica bem perto da curva Tamburello, onde aconteceu o acidente que tirou a vida do tricampeão mundial no dia 1º de maio de 1994. O local se tornou um ponto de peregrinação, onde fãs do mundo todo vão prestar homenagem e deixam fotografias, mensagens e fotos.

FONTE: https://www.meionorte.com/blogs/culturaeturismo/tres-lugares-provam-o-quanto-a-italia-e-fa-de-ayrton-senna-333149



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