Race in Heels - Corrida em saltos escrita por badgalkel


Capítulo 21
Vingt




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Charlie chega ao apartamento no final de um dia cheio e cansativo repleto de entrevistas desgastantes, jornalistas inconvenientes, pressão de toda uma equipe, torcida da sua própria nação, celebridades soberbas, além de um treino livre fatigante.

Tudo o que ele precisava era de um banho quente para relaxar os músculos tensos, uma sessão de videogames com os colegas e uma boa noite de sono ao lado da namorada.

Contudo, antes de seguir com o seu plano para o descanso, ele segue apartamento adentro procurando por Liza, a quem pela primeira vez desde que a conhecera, faltara em um treino livre.

Ele havia mandado mensagens e até feito ligações durante toda a tarde, as quais não obtiveram retorno. E sua preocupação dobrou a intensidade quando Cris o informara que ela estava indisposta e pediu o resto do dia de folga para repouso.

Por tal razão ele corre diretamente ao próprio quarto, esperando encontra-la deitada na cama vestida com um pijama ou uma camisa dele, com compressas sob a testa ou olhos, imersa em um sono profundo. No entanto, o que encontra o deixa completamente confuso.

Liza estava sentada na cama de forma ereta, com o olhar perdido na vista da porta da varanda aberta e rosto inchado, principalmente na região dos olhos. No entanto, o que mais chamara a atenção do monegasco não fora o fato dela estar vestida com roupas casuais, calçada com tênis e ter a pequena bolsa pendurada no ombro, mas sim as malas completamente feitas aos pés da cama e os armários, os quais ele separara para que ela colocasse os pertences, vazios.

Ma belle... – ele a chama e ela parece se assustar momentaneamente com a presença do rapaz, de tão imersa em pensamentos que estava.

Ela olha na direção dele, mas não em seus olhos – fato que Charlie nota imediatamente.

— Está tudo bem? – ele questiona, aproximando-se em passos lentos. – Cris me contou sobre o seu mal estar. – a modo que ele se aproxima, os olhos dela fugiam para outra direção. – Me desculpe por não conseguir vir ver como estava antes, fiquei preso no Paddock...

— Tudo bem. – ela o interrompe com um sopro.

O monegasco olha as malas ao seu lado e volta sua atenção à ela com a testa franzida. As mãos de Liza estavam trêmulas, a perna cruzada balançava em um movimento frenético e automático, e seu lábio inferior estava com uma vermelhidão, indicando que ela havia-o maltratado com mordidas.

— Pode me dizer o que está acontecendo? – ele pede cuidadosamente.

Liza engole em seco, a saliva desce pela garganta de forma audível.

— Eu preciso de um tempo. – Charlie tem que se esforçar para ouvir a voz, de tão baixa que soou.

— Um tempo? – ele repete confuso, aproximando-se e parando em frente á ela. – Um tempo do quê?

A jovem respira fundo e ergue os olhos aos de Charlie, o semblante duro.

— De nós.

O monegasco franze ainda mais a testa, pensado ter ouvido errado.

— O que? – ele questiona completamente confuso. – Um tempo de nós?

Os olhos de Liza se desviam por um instante, instáveis, mas ela volta á encará-lo para dizer com firmeza: - Isso.

O quarto é tomado por um silêncio momentâneo, que logo é quebrado pela risada de Charlie.

— Isso é um tipo de brincadeira? – ele indaga aos risos, olhando ao redor pelo quarto. – Danny está aqui para filmar algum tipo de pegadinha?

No entanto, quando ele volta à fita-la percebe que era o único que ria. Seu sorriso desaparece no mesmo instante.

Ele a encara em dúvida.

— Um tempo de nós? – ele volta a perguntar, desta vez em tom cético. – O que isso quer dizer?

— Quer dizer que preciso de espaço. – ela diz. – De você.

— Por quê? – questiona incrédulo.

— Preciso de um tempo para mim mesma. – ela engole em seco, desviando os olhos dos dele. – Para me redescobrir, me reinventar, me readequar à... – ela se interrompe – Eu quero me concentrar nos meus objetivos e... Sinto que estou pisando em ovos com a nossa situação.

— Você não pode estar falando sério. – ele declara descontente. – Eliza, ainda hoje pela manhã você me disse que me amava e agora precisa de espaço?

Ela suspira alto.

— As perspectivas mudam.

— Em menos de doze horas? – ele rebate instantaneamente. – O que realmente aconteceu? É por causa daquela regulamentação estúpida sobre vínculos extracontratuais que Nicolas falou?

Ela morde o lábio inferior, impaciente.

— Não. – ela diz.

— Então me fala o que está acontecendo porque eu simplesmente não consigo acreditar que isso não passa de uma brincadeira de mal gosto.

Liza se levanta da cama, ficando á poucos centímetros de distancia do monegasco e sobe os olhos até os dele para pronunciar com convicção as palavras que quebrariam o coração do rapaz: - Eu não acho que nós dois combinemos mais.

Dito isso ela desvia do corpo dele e caminha até as malas, ajeitando as alças das mesmas, mas para quando escuta a risada do monegasco.

Ele estava rindo.

Gargalhando.

No entanto quando ela vira-se para checa-lo percebe que são risadas de desespero.

— Eu não sei o que dizer. – ele admite às gargalhadas. – Nós... – ele suspira alto, retomando fôlego. – Falamos sobre passar por tudo isso juntos, sobre matrimônio, sobre ter uma casa para criar as crianças e todo um futuro para você vir me dizer que não acha que combinamos mais?

Ao final da pergunta o semblante de Charlie beirava ao choro, seu queixo tremia ferozmente.

Ela simplesmente não podia continuar à assistir aquilo.

— Foi precipitado. – ela diz e se arrepende no mesmo instante quando ele morde o lábio inferior para controlar a tremedeira que se intensifica.

— Precipitado. – ele repete descrente e desta vez é ele quem desvia os olhos, passando a mão pela região da testa por vezes seguidas.

— Charl... – ela diz com a voz falha, ele não a encara. – Eu... sinto muito.

— Por que disse aquelas coisas se não estava falando sério? – ele esbraveja com fúria, as veias das cordas vocais saltando no pescoço e assustando a mulher. – Eu me enganei tanto com você ao ponto de não enxergar que é esse tipo de pessoa que brinca com o sentimento das pessoas?

Liza se encolhe, abraçando o próprio corpo.

— Eu nunca quis que isso acontecesse...

— Então porque não colocou um ponto final quando teve a chance? – ele a interrompe, irritadiço. – Ou você veio à Mônaco para isso no final do ano e sentiu pena do pobre garoto apaixonado? – ela abre a boca, mas a fecha. – Foi exatamente isso, não foi? Meu Deus! – ele joga as mãos à cabeça.

— Não... – ela se reaproxima, mas estaca no chão quando ele a encara com olhos completamente magoados. – Charlie, não tem ideia do quanto isso tá acabando comigo. Mas... – ela funga, sequer percebera que o rosto já estava encharcado pelas lágrimas – eu não posso continuar com isso.

— Eu fiz alguma coisa errada? – ele questiona com a voz fanha.

— Não. – ela nega veemente. – Você não fez nada de errado.

Ele umedece os lábios com violência e dá os últimos passos que faltavam para estarem frente á frente novamente.

— Eliza. – ele chama a atenção para seus olhos úmidos. Quando eles entram em uma conexão, que era como uma estação à parte do universo feita somente para os dois, ele prensa os próprios lábios um no outro ao reconhecer a dor nos olhos dela. Um resquício de esperança brilha.

Charlie respira fundo, controlando os seus espasmos e pergunta com expectativa: – Quanto tempo você precisa?

— Eu não sei. – ela sopra.

Ma belle, posso ver que não quer isso tanto quanto eu. Se me der uma base, um mês, dois ou quatro, eu espero, mesmo não entendendo. – ele apela, pegando em suas mãos e colando suas testas. – Se precisa tanto disso te deixo ir se me disser que vai voltar.

Liza tem que inspirar e expirar por duas vezes seguidas para não desabar ao dizer: - Eu não sei se vou voltar.

Ela vê explicitamente a esperança dele ser atingida com uma facada nas costas. O monegasco engole em seco e dá um passo para trás, soltando a sua mão.

Ele passa as mãos pelo rosto e suspira alto, quando volta a olhar nos olhos da jovem diz aos sopros: - Je t’aime pour toute ma vie, não era? – seus olhos estão lacrimejando – O que mudou para você?

Neste instante ela tem que se lembrar da ameaça do asqueroso presidente da Federação, no esforço do monegasco para chegar onde está, a sua busca pelo título de campeão mundial e no quanto ela amava-o.

E quem ama protege, ela ressalta a frase que se repetia em sua cabeça à cada instante durante aquela conversa dolorosa.

— Eu espero que um dia você possa entender. – ela diz, a voz quase falha.

— Ou você pode me explicar agora. – ele sugere, uma lágrima grossa escorre de seu olho.

Liza se aproxima e seca a lágrima antes que descesse pela bochecha de Charlie. Ele envolve a mão dela com a própria e sela os lábios em sua palma vagarosamente, de olhos fechados.

Eliza contém o instinto de jogar tudo ao alto e abraça-lo.

Quando ele volta a abrir os olhos e direciona-os à ela, ela sente algo se partindo dentro de si mesma pelo sofrimento palpável expresso por eles. Ela nunca vira aquele verde tão escuro. O amarelo que dava vida à eles havia sumido. E era tudo por sua culpa.

Liza recolhe a mão delicadamente e suspira pesadamente.

Sem ter mais nenhuma condição de ficar ali ela rapidamente recolhe as malas e sai do quarto, deixando Lacroix desacreditado para trás.

Quando ela chega ao final das escadas repara que os quatro amigos a encaram num misto de choque e confusão.

— O que está acontecendo? – Mike questiona preocupado. – Vocês...? – ele se interrompe visto o semblante arrasado da amiga.

Claro que eles tinham ouvido, ela pensa, já exausta pela ideia de ter que explicar algo.

— Eu estou indo para o hotel. – ela ignora os olhares indagatórios, respira fundo e atravessa a sala. – Não se preocupem, ficarei bem.

Os rapazes se entreolham enquanto ela caminha decididamente até a porta de saída.

— Vai com ela. – Daniel sopra à Orlando. – Ela obviamente não está nada bem.

O rapaz não pensa duas vezes e corre até o andar de cima para buscar alguns de seus pertences no quarto.

Enquanto isso Mike aproxima-se de Liza e impede que ela abra a porta.

Ei, - ele diz aos murmúrios para ela – o que foi?

Liza fixa o olhar na madeira branca da porta ao dizer: - Nada.

Seu rosto está molhado, vermelho e inchado. Ela sabia que estava mentindo na cara dura, mas não tinha condições de dizer algo a mais.

O rapaz procura por seus olhos e quando ela finalmente o encara ele entende que ela precisava de tempo. Assim ele a puxa delicadamente para um abraço e afaga a cabeça dela em seu ombro.

Eliza retribui o abraço do amigo, envolvendo-o pela cintura e aperta-o forte. Eles ficam por algum tempo abraçados e em silêncio, ninguém na sala se atreve a dizer uma palavra sequer.

Quando Orlando retorna com uma mochila nos ombros eles se separam e ela se despede dos demais com um aceno de cabeça.

— Mike, dá uma força pra ele por mim. – ela murmura na direção do amigo.

O rapaz assente lentamente com um sorriso tristonho no rosto e se afasta.

— Deixa eu te ajudar com isso. – Orlando diz ao pegar uma das malas dela e abre a porta. Juntos, os dois saem do apartamento.

Durante todo o caminho feito pelo táxi ambos pilotos permanecem em silêncio, Liza perdida em seus pensamentos enquanto Orlando tinha receio de falar ou fazer qualquer coisa. Ele notou que a jovem estava à beira de um descontrole e se o britânico dissesse um A, ela poderia desabar á chorar e ele não tinha muita experiência em lidar com mulheres chorando. Então preferiu, pela primeira vez, se calar.

Eles chegam ao hotel e são recebidos por dezenas de fotógrafos, fãs e jornalistas, e são auxiliados até a entrada pelos seguranças do próprio hotel. Durante o trajeto até o saguão de entrada Liza abaixa a cabeça e tenta ao máximo esconder o rosto dos flashes porque sabia que os registros daquelas fotos deixariam John mais que satisfeito.

Liza e Orlando agradecem aos seguranças e se encaminham à recepção. O rapaz fica encarregado de providenciar quartos enquanto ela se martirizava com a imagem de Charlie de olhos úmidos e completamente inconsolável em sua mente.

Porra, como doía.

Em poucos minutos Orlando volta com dois cartões e eles se direcionam aos elevadores. Chegando ao andar indicado o britânico a acompanha até seu quarto e a ajuda com as malas quando o carregador chega com elas de prontidão.

Liza se senta sobre a cama bem arrumada e limpa, e passa a mão pelo edredom macio enquanto Orlando acompanhava a saída do homem depois que feito o seu trabalho. Sem sequer tirar os sapatos ela se deita na cama encolhida e abraça um dos travesseiros fofos, com olhos vagos e vazios.

Orlando volta a se aproximar cauteloso e para de frente á cama, observando-a respirar lentamente.

— Acho que você não vai querer falar sobre isso agora. – ele deduz.

Ela não responde, sequer vira os olhos em sua direção ou muda de posição na cama. Ele só sabe que ela está viva pelo sobe e desce ritmado em seu peito.

— Eu estarei no quarto do lado, se precisar de mim. – ele diz apontando simbolicamente para trás. – É só mandar uma mensagem que eu venho correndo...

— Não. – ela diz de súbito, encarando-o com os olhos marejados. – Por favor, só... Não me deixe sozinha agora.

Orlando sente seu peito ser espremido, esmurrado e encarcerado. Ele era um rapaz emotivo e empático, principalmente quando envolvia as pessoas com quem se importava. Por isso faz assentir.

Ele tira seus tênis e se deita no lado livre da cama, por cima de todo o acolchoado. O britânico ajeita um dos travesseiros e deita de costas, com as mãos cruzadas sobre a barriga, completamente reto.

Depois de uns instantes em silêncio Liza ri fraco.

Orlando vira a cabeça em sua direção.

— O que?

— Pra quem dorme todo torto nos tatames, você está muito certinho na cama.

O rapaz ri e estica os braços para trás da cabeça.

— Eu não quero invadir o seu espaço, pelo menos até pegar no sono pesado. – ele dá de ombros – Depois disso pode ser que você leve alguns chutes, mãozada na cara ou acorde na beirada da cama.

Ela ri fraco.

— Sério, ainda fico impressionada como consegue dormir em qualquer lugar e em qualquer posição. – ela diz devido aos famosos e incomuns cochilos do parceiro.

— Uma vez fiz uma viagem com meus pais de Bistrol à Dublin em um trailer. Percorremos a costa do Reino Unido para aproveitar as praias, depois pegamos a balsa e fomos visitar uns familiares. – ele conta – A viagem durou uma semana e cada dia eu dormia em uma parte diferente do trailer. Dormi até sentado no vaso, no banheiro. – Liza gargalha – O balanço desses carros me deixam com sono.

— O que não te deixa com sono? – ela indaga ainda aos risos.

— É uma pergunta interessante.

Liza cessa o riso aos poucos.

— Seus pais ainda estão querendo se mudar para Dublin? – ela se recorda da preocupação que o colega havia comentado em algum momento.

Orlando faz um careta ao dizer: - Sim, dizem que agora que eu já estou grande e saí de casa querem voltar às raízes. Estão só esperando encontrar a casa certa.

— São quantas horas de lá até Woking? – cidade onde tinha a sede da escuderia McDraguen e ambos residiam.

— De sete à oito horas de carro e não tem viagens diretas de avião até lá, então leva cerca de cinco horas com escalas. – ele diz dado de ombros. – Vai ser difícil não ter eles á menos de uma hora de distância. Mesmo que eu more sozinho eles sempre estavam por perto.

— Me lembro quando me mudei para a Itália por causa da Pruma. – ela sorri com a lembrança. – Foi difícil os primeiros meses sem meus pais, principalmente meu pai. Nós somos muito ligados, assistíamos futebol juntos, íamos a bares e praticávamos algumas atividades. – ela suspira – O que me distraiu mesmo foram os treinos e a equipe da Pruma, eles me acolheram tão bem. Com certeza teria ficado depressiva se não fosse por eles.

— Eu e Carlos ficávamos o tempo todo juntos quando ele morava em Woking. – Orlando revela – Tipo Batman e Robin, um sempre estava no mesmo lugar que o outro.

Liza sorri.

— Não sei como vai ser agora sem ele e meus pais. – ele limpa a garganta, tentando disfarçar o incômodo. – Por viajar muito, não tenho muito contato com os meus antigos amigos e o pessoal da equipe já é mais velho, tem suas famílias e dificilmente saímos juntos. Por isso que eu passo a maior parte das folgas no videogame e fazendo twitch para os fãs. Meu canal já tem mais de setecentos milhões de seguidores.

— Isso é impressionante, mas: Ei.— ela diz ofendida – Se esqueceu de que eu moro em Woking agora? – ela sorri – Não tivemos muitas oportunidades de sair por conta dos treinos antes de começar a temporada, mas com certeza vamos sair juntos. Você só precisa me apresentar o lugar, tudo o que conheço é o interior do meu apê e o Centro da McDraguen.

Orlando sorri abertamente.

— A cidade em si não é muito agitada, tem muita área verde e de lazer. - ele informa – Mas estamos à uma hora de Londres.

— A capital da magia.

— Jurava que você ia falar da rainha. – ele ri.

— Não, o nome Londres só me faz lembrar de uma coisa. – ela sorri e os olhos do rapaz brilham em expectativa – Harry Potter.

Aeeee! – ele celebra erguendo as mãos – Finalmente vou ter alguém para ir nos estúdios da Warner e ter uma experiência. Eu já fui várias vezes, mas o Carlos acabava com o clima porque acha bobo.

Que Orlando era um grande fã do Universo de Magia ninguém poderia negar, ele era o típico adolescente que se ludibriava com a ficção e fantasias. Talvez fosse esse o motivo para ser tão criativo e espontâneo.

E talvez fosse melhor viver na fantasia de vez em quando para encarar a dura realidade do mundo real.

— Seremos tipo Harry e Hermione. – ele diz.

— O que é muito melhor que Batman e Robin. – ela declara e eles riem.

Liza sorri e encara o rosto do amigo afetuosamente.

— Obrigada, Lando boy. – ela sopra.

— Obrigado você, sis.— ele diz e pouco tempo depois eles são vencidos pelo sono, dormindo por cima do edredom mesmo e com a luz acessa.

O coração de Liza estava completamente em frangalhos, mas a esperança que poderia se sentir nem que for um pouco melhor com Orlando e os demais amigos lhe dão forças.

Ao menos conseguira tirar uma coisa boa no meio de tanta sujeira.

(...)

“Estamos na metade da corrida em Monte Carlo, famoso circuito de Mônaco e a situação não parece estar nem um pouco agradável para Charlie Lacroix.” — o comentarista narra.

“É, Damien, o nosso monegasco nunca esteve mais desatento.” – o outro concorda.

“Espaços absurdos, vácuos para os oponentes, além de ter travado as rodas por umas cinco vezes na curva antecedente ao túnel. Ele não fez uma boa escolha com os pneus.”

“Ele só não está pior que o Sérgio Pérez. Depois daquele toque da Benedetti na sua roda traseira parece que perdeu completamente a aerodinâmica. Caiu quatro posições e está fora da área de pontuação.”

“O toque está passando por investigação pelos fiscais da FIA e ela pode perder alguns pontos aí.”

           

No final da corrida, já na garagem de pesagem, Liza procura pelo mexicano entre os rostos suados e cansados dos pilotos. Ela o encontra na terceira fila e se direciona até o homem.

— Gonzáles. – ela lhe chama a atenção. – Sinto muito pelo toque na traseira. A pista estava úmida na primeira curva e o carro acabou patinando demais.

— Está tudo bem, Benedetti. – ele sorri gentilmente. – Ainda consegui recuperar algumas posições no final. Essas coisas acontecem. É corrida, afinal.

Eliza assente com um sorriso fraco e volta ao seu lugar na fila.

Após a sessão de pesagem ela segue à sala social, onde eram dispostos petiscos, bebidas, toalhas e diversos outros aparatos para os pilotos pudessem se recompor e esfriar o corpo antes de retornar ao hotel.

A jovem prende o cabelo em um coque frouxo e pega uma toalha para colocar sobre o pescoço suado. Quando segue para a mesa onde estavam dispostas garrafas de água acaba esbarrando em Charlie.

— Desculpe. – ela diz contida e rapidamente desvia de seu corpo para pegar uma das garrafas.

Dois dias haviam se passado e ela sentia como se a sua ferida estivesse completamente exposta e tão dolorida que deixava-a em completa agonia. Tentava ignorá-la, mas tudo se tornava mais difícil ao vê-lo frequentemente e em um estado miserável.

Ela escuta uma risada sem humor à suas costas.

— Vai ser assim agora, nós mal vamos nos falar? – ela identifica a voz do monegasco questionar.

Liza respira fundo, gira nos calcanhares vagarosamente e precisa colher o resto de coragem espalhado pelo seu corpo para erguer os olhos até seu rosto.

— Desculpe. – ela diz novamente. – Sinto muito pela corrida.

— É, foi uma droga. – ele dá de ombros, o semblante visivelmente chateado.

Liza se encolhe.

— Não se preocupe, não culpo você. – ele diz. – A culpa é minha por não ter me concentrado o suficiente.

Ela engole em seco e abaixa os olhos para a garrafinha em suas mãos, já que não tinha muito que falar. Já que não podia consolá-lo.

— É isso mesmo o que você quer? – ele indaga depois de um tempo.

— Charl...

— Lizzie. – ele a interrompe, a voz dura – Por favor, olha para mim.

Ela suspira e encara os amáveis olhos verdes.

— Eu fiquei repassando todos os momentos dos últimos dias na minha cabeça, me perguntando o que pode ter acontecido e... – ele solta o ar que estava preso – eu sinceramente não sei. Eu fiquei muito grudento, ou te pressionei em alguma coisa? Se tiver acontecido algo do tipo e eu não percebi, por favor me fala porque...

— Charlie. – ela o interrompe docemente, pegando em sua mão. – Você não fez nada de errado. Por favor, tira isso da sua cabeça.

— Mas então, o que? – ele questiona – Você simplesmente se cansou de mim?

— Não. – ela nega veemente e ele espera por uma resposta. – Só entenda que eu precisei fazer isso. Eu tive que. – por mais que não quisesse, ela pensa – E espero que possamos continuar amigos por que...

— Amigos? – ele ri sarcástico e solta a mão dela – Tá brincando, né?

Ela umedece os lábios, a boca estava seca.

— Prefere que nos tratemos como estranhos a aceitar ser meu amigo? – ela indaga magoada.

— Me fala Eliza, como vou ser amigo de alguém que não me fala a verdade? – ele indaga. – Eu não consigo ser amigo de quem eu não confio. E agora eu não tenho um pingo de confiança em você.

A esse ponto todos os olhos na sala estão direcionados á eles.

— Não pode levar em consideração tudo pelo o que já passados juntos? – ela indaga aos murmúrios, para que só ele ouvisse.

— Se você não levou em consideração, por que eu deveria? – ele rebate. – Esse tipo de atitude faz eu me perguntar se eu realmente conheço você. – ele passa a mão no rosto fadigado – E pensar que cheguei a acreditar que você era a única pessoa que nunca seria capaz de me machucar. É uma mentirosa.

Dito isso ele sai, deixando-a sozinha na frente daquela plateia.

Liza contém o choro que ameaça a vir, tomando um pouco da água da garrada em suas mãos tremulas.

Ele tinha razão, ela pensa. Ela não poderia culpa-lo por um segundo sequer. Liza quem havia causado toda aquela mágoa, e as palavras cortantes de Charlie eram as consequências. Ainda assim ela não se arrepende da sua decisão, iria protegê-lo mesmo que ele nunca soubesse, principalmente pelo fato do que John faz para controlar o campeonato.

Elimine o seu adversário. – dizia no papel que os seguranças dele entregaram á ela com uma foto de Sérgio González – Custe o que custar.

Liza abraça o próprio corpo. Ela tinha medo do que aquele homem era capaz.

Quando a pilota se recompõe e se volta para a saída, vê Max encará-la do canto da sala.

Ela não saberia dizer o que estava descrito no semblante do holandês, mas não era satisfação. Ainda assim não consegue deixar de sentir aversão por ele ser um dos responsáveis pela sua ruína, e sai em passadas pesadas da sala antes que perdesse a razão e começasse a deslanchar xingamentos contra ele.

Ela já havia se exposto o suficiente por um dia.


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Notas finais do capítulo

Glossário

A Twitch TV é uma das maiores plataformas de streaming de jogos do mundo. O serviço, disponível para web via site e em apps conta com lives e canais de pro players famosos com vídeos ao vivo.



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