Race in Heels - Corrida em saltos escrita por badgalkel


Capítulo 18
Dix-sept




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19 de Março

Circuito de Melbourne – Austrália

“Estamos finalmente de volta! É frio e triste o período das férias de inverno sem as corridas, não concorda Kurt?!” — diz o comentarista.

“Eu fico depressivo nesse período, Tim. Mas cá estamos ao começo do primeiro final de semana da corrida de estreia da temporada deste ano. A primeira de vinte e três corridas do calendário da Fórmula 1.”

“E o nosso querido elenco de pilotos de peso está neste exato momento subindo a bordo da carreata para o desfile no circuito e cumprimentar os fãs que tanto sentiram saudade. Será que a Lana consegue fisgar alguém ali no meio da muvuca? Lana, querida. É com você.”

No meio de dezenas de jornalistas e fotógrafos foi disposto um tapete vermelho no asfalto da saída da garagem até o ônibus panorâmico de dois andares na cor branca com o símbolo do campeonato estampado em sua lateral.

Pelo tapete passavam os pilotos caracterizados com os seus distintos trajes, cumprimentando os demais e concedendo rápidas entrevistas aos repórteres.

— Tim, estou aqui com a Eliza Benedetti. Grande novidade no grid desta temporada. – a mulher de cabelos encaracolados presos em um rabo de cavalo diz em frente à câmera ao lado da jovem pilota, para em seguida se direcionar à ela: - Eliza, é um imenso prazer te conhecer.

— O prazer é meu. – ela responde sorrindo e ajeitando seus óculos de sol no rosto.

Estava quente e a luz do sol escaldante de Melbourne refletia nas arquibancadas improvisadas, somado a proximidade com o lago Albert Park, amplificavam ainda mais a claridade e temperatura do lugar.

— Fala pra gente como é ser a única mulher no meio de tantos homens.

Antes que a jovem respondesse, Carlos Sánchez passa por trás dela e puxa rapidamente uma mecha de seu cabelo solto – fazendo com que sua cabeça tombasse num solavanco para trás. Logo ele corre na direção do ônibus, antes que ela lhe acertasse um tapa.

— É exatamente desse jeito. – ela volta para a frente da câmera rindo e massageando a cabeça teatralmente. – Brincadeiras entre os treinos e nas entrevistas, lutinhas, competição de flexão e queda de braço. Isso quando não começam a falar sobre pentelhos e bolas. – a entrevistadora gargalha – A testosterona transborda por aqui.

Ambas riem.

Garotos. – a jornalista atenua aos risos.

— Pois é.

— Você já se sente acolhida pelo grupo?! – a mulher questiona.

— Sim, de modo geral os garotos são legais e como eu sou meio moleca a gente acaba se dando bem. – ela dá de ombros – Além de que podemos dividir conhecimentos, tem grandes pilotos talentosos no grid que já participaram de pódios e ganharam corridas, e eu sou grata por ter a oportunidade de poder ouvir as suas experiências.

— Então, pode se dizer que tem uma boa relação com eles? – indaga sorridente.

— Com uma parte significativa do grupo sim, - ela passa os olhos rapidamente por Max, que está concedendo uma entrevista ao lado dela, e logo retorna ao rosto da mulher – mas tem alguns que ainda não tive muito contato.

— Ainda é começo de temporada, logo você se entrosa cem por cento. – a outra diz e Eliza assente. – Está ansiosa com a corrida de domingo?

— Claro. Mas acho que estou mais animada do que qualquer outra coisa. – Eliza sorri – Quero aproveitar cada treino, cada orientação e cada momento dessa oportunidade. Dar cem por cento de mim durante todo o final de semana.

— Estaremos torcendo por você. Eu particularmente estou ansiosa para te ver na pista.

— Obrigada!

— A família veio prestigiar a primeira corrida? – ela pergunta ao mirar os pais de Eliza vagando pela garagem de sua construtora. Foram facilmente identificados por estarem usando uma camisa que estampava o seu rosto.

A pilota ri.

— Sim, vieram. – ela assente. – Fizeram umas dez camisetas dessa e espalharam pela minha equipe. Até a minha empresária entrou na brincadeira.

— Eles estão orgulhosos. – a jornalista declara.

Liza mira os pais novamente e sorri abertamente.

— Sim, estão.

— Bom, não vou tomar muito do seu tempo. – a mulher diz ao perceber boa parte dos pilotos se encaminhando ao ônibus. – Muito obrigada pela entrevista e boa sorte no domingo.

— Obrigada, foi um prazer.

Dito isso ela encontra-se com Orlando e caminha ao seu lado até o transporte. Chegando às escadas eles competem quem sobe primeiro até o segundo andar e chegam até lá aos risos.

— Tem que fazer mais treino de pernas, Noward. – ela caçoa e ele empurra seu ombro de leve encaminhando-se até os bancos laterais para se sentar.

Ela olha ao seu redor e vê Charlie apoiado no parapeito de ferro do ônibus mirando algo abaixo fixamente. Quando ela segue seu olhar percebe que ele está a mirar Marcos, seu próprio pai.

Liza olha ao seu redor novamente e, notando que ninguém estava com a atenção direcionada à ela, se aproxima do monegasco.

— Preocupado? – ela questiona num tom de voz baixo.

— Ele tem cara de bravo. – Charlie diz sem tirar os olhos do homem, que conversava com Zachary Bowl de semblante fechado.

— Isso não significa necessariamente que ele seja assim o tempo todo. – ela explica. – Ele deve estar checando a segurança do carro com o Zach, sabe, coisas de pai. – ela dá de ombro - Não se preocupe, ele nunca pegou no pé de nenhum namorado meu antes.

Charlie ainda não havia tido a oportunidade de conhecer o pai da namorada, além da falta de tempo devido aos dias atarefados eles também tinham que ser discretos perante qualquer interação. Então desde que o sogro havia chegado há um dia, ele não conseguira se apresentar e seu nervosismo crescia a cada encarada do mais velho sobre si. Porém, o rapaz vira-se para ela com um sorriso divertido no rosto.

— Já foram tantos namorados assim?

Mon amour, eu tive uma vida antes de conhecer você. – ela diz jogado o cabelo caído nos ombros para trás e em seguida ri, Charlie a acompanha. – Não que tenham sido relações relativamente boas, mas me moldaram até encontrar o cara certo. – ela estuda sua reação pelo canto do olhos – Ele é monegasco, bonitão, tem aquele ar de sedutor e os olhos dele são uma perdição. Conhece?

Charlie sorri alegre. Eliza sabia como melhorar o seu humor sem precisar se esforçar.

— Acho que já vi por aí, sim. – ele dá de ombros, entrando na brincadeira. – Soube que ele trabalha com carros, ele é tipo o que, um manobrista?

Ela gargalha espontânea, mas logo corta o riso quando é empurrada em um solavanco para frente, por um corpo que esbarrara nela e continua andando.

Liza se apoia no parapeito e olha para trás, vendo Max com as mãos postas às costas e olhar incoerentemente inocente.

— Faz de tudo para chamar minha atenção, não é Van-de-Mané? – ela diz, fazendo com que ele se voltasse à ela aos risos pelo trocadilho com seu sobrenome. – Supera, garoto.

— É só para te mostrar como vai ser quando eu te ultrapassar na pista no domingo. Se bem que – ele ri – não existe a probabilidade de um cenário onde você esteja à frente de mim.

— Encenou que vai me jogar no guard rail, tudo isso é insegurança? – ela ri debochada – Vamos ver o que os fiscais pensam a respeito disso. Você sabe das regras, não sabe? Ou preciso pedir que sua equipe repasse o livro de regulamentos com você de novo, só que desta vez, bem mais devagar? Para assim você assimilar melhor.

Max mostra o dedo do meio e sai andando aos risos até a frente do ônibus.

— Como esse cara é insuportável! – ela afirma entre dentes ao voltar para o lado de Charlie.

— Ele só está tentando te tirar do sério. – ele ri. – Imaturidade é o sobrenome dele.

— Tem alguma coisa que eu deva saber sobre como ele é em pista? – ela questiona.

— Max pode ser o que for, mas é justo e um ótimo condutor. Nunca faria nada para prejudicar aos outros e, acima de tudo, ele mesmo durante uma corrida. – Charlie revela. – Não é atoa que ficou em terceiro lugar na classificação geral do ano passado, o cara é liso e na maioria das vezes consegue driblar as confusões. Ele é bom e infelizmente sabe disso.

Liza revira os olhos teatralmente e eles riem.

— Vai começar! – a voz animada de Daniel soa atrás de Liza e quando ela se vira vê ele saltitar.

Em instantes o ônibus é ligado e dá partida, dando início a sua volta no circuito. Música de batida alegre tocava nos autofalantes do ônibus enquanto os pilotos acenavam ao público emocionado pela volta dos heróis do seu esporte favorito.

Os pilotos sorriam, agradeciam e posavam para fotos, no caso de Daniel pegavam o microfone do apresentador da Moon Sports, canal oficial da Fórmula 1, e daria inicio à um coro gritando o seu próprio nome.

Daniel era australiano e era bem entrosado com o público do próprio país, notava-se pela quantidade de faixas e banners com seu rosto e nome. No meio da multidão de rostos do piloto, Liza conseguiu notar algumas faixas com o seu próprio nome. Uma em específico dizia: “Benedetti! Obrigada por representar todas nós!” e a jovem não evita o sorriso.

Era sobre aquilo.

E sobre a responsabilidade de se cumprir com um dever.

Se Eliza cruzasse a faixa quadriculada em posição da zona de pontuação se tornaria a primeira mulher a contabilizar mais que meio ponto no campeonato. Ela mudaria a história e estava pronta para isso.

 

(...)

21 de Março

“Após conseguir uma magnífica sétima posição no grid logo na sua estreia, Eliza Benedetti larga ao lado do finlandês Walter Korhonen, que teve uma escapada no meio do treino classificatório de ontem que causou alguns danos no carro”. – o comentarista informa.

“Ele não teve sorte. Já ela não começou nada mal, não é Tim?” — o outro diz.

“Nada mal, mesmo. Ainda mais para uma novata.”

Liza aperta os dedos ao redor do volante, através da viseira seus olhos estão em uma conexão intensa com os faróis de largada da corrida, ainda completamente apagados.

A pista está no cotidiano pandemônio, com pessoas correndo de um lado ao outro para finalizar os últimos ajustes nos vinte carros posicionados em suas marcas.

“Checagem de rádio, Lizzie.” – ela ouve a voz de Andy soar no seu ouvido e sorri por um instante ao se recordar de René.

— Checando rádio. 1,2,3. – ela pronuncia.

“Rádio O.K.”

A despedida da Pruma havia sido conturbada e incrivelmente rápida, em um dia ela era da equipe e no outro a McDraguen aparecia com uma proposta aos seus representantes. Não fora surpresa quando tanto René quanto Angél a apoiaram nessa transição. Eles sabiam que Liza não teria maiores chances na F2 depois do ocorrido e por isso a deixaram livre para o novo contrato.

Apesar de ter se enturmado bem com sua nova equipe, não conseguia evitar sentir saudade daquela que fora a sua casa, seu primeiro verdadeiro lar no mundo automobilístico. Mas, como Zach havia lhe dito, McDraguen era agora a sua moradia segura e ela estava pronta para depositar a sua confiança neles.

Na primeira corrida de um campeonato com uma escuderia nova é quando o piloto sente verdadeiramente o seu papel na equipe e como ele será posicionado em sua tarefa. Muitos são os chefes de equipe que pedem para um de seus pilotos deixem que o parceiro assuma a liderança por questões de favoritismo consequentes aos seus investidores e patrocinadores individuais. Em outras palavras, a quem lhes trazia mais dinheiro.

Ela realmente esperava que na McDraguen não trabalhasse desta forma e até já tinha procurado se informar a forma de trabalho deles. Não estava preocupada só por não ter um número grande de patrocinadores como o colega, mas também relutante em confiar plenamente devido ao fato de ter sido traída no passado tanto por amigos como por funcionários corrompidos de sua própria equipe, estes que ela sequer procurou saber os nomes.

Liza só queria que sua primeira impressão do trabalho em equipe fosse concebida o quanto antes para acabar de vez com aquela desconfiança e focar só no seu desempenho. Odiava ocupar sua cabeça com zilhões de queixas, pois elas a desconcentravam.

— “Aberta a volta de apresentação.” – Andy a informa pelo rádio e ela sobe os olhos a tempo de ver os carros à sua frente um a um largarem, os técnicos já haviam se retirado da pista.

Ela avança com o carro e limpa a mente.

Seu mundo agora era voltado para aquele momento, com aqueles carros, naquela pista.

De onde estava ela conseguia ver nitidamente o outro carro laranja da sua escuderia deslizar pelo asfalto à sua frente. Orlando estava numa concorrida quinta posição e fez por merecer nas classificações, Liza havia ficado impressionada.

Mais a frente ela vê o vermelho da Findspot de Charlie em quarto, a outra de Carlos em terceiro, seguido do azul da Rang Blue de Vandemanen em segundo e a pantera negra de Houston em primeiro.

Ela não podia se ludibriar, tinha que manter os pés firmes no chão.

Todos os seus adversários eram bons e tinham carros tão potentes quanto o seu, se não melhores. Liza não podia ter a ilusão de achar que conseguiria vencer a corrida de primeira, como conseguir um pódio em sua estreia. Ela não estava mais na Fórmula 2.

Por isso traçou a sua melhor estratégia diante de sua situação, teria que estudar o modo de direção dos seus colegas e como a competição seguiria com o decorrer do tempo.

— Andy, vamos de plano B. – ela comunica.

— “Muito apropriado, Lizzie.” – ele responde.

Os carros voltam a se posicionar no grid, a gritaria dos fãs de repente fica abafada pela ansiedade.

— “Trinta segundos.”

Eliza respira fundo, sentindo cada vibração do motor de seu carro. Apesar de diferente do carro que ela correra durante todo um ano, a McDraguen aos poucos se tornara a extensão de seu próprio corpo.

Como ela havia feito a regulagem interina de acordo com as suas requisições a partir de um carro completamente novo, era como se aquele fosse o seu bebê e ela se sentia conectada com cada mínima parte daquela máquina.

A primeira luz do farol de largada se ascende.

“Cinco segundos.” – Andy informa.

 A palpitação do seu coração segue a sequência de luzes. Duas, três, quatro, cinco.

E então, todas se apagam.

“É dada a largada a corrida da Austrália, primeira da temporada da Fórmula 1 e vemos Houston manter o primeiro lugar muito bem.” – o comentarista fala.

“O Manen está tentando uma entrada, mas, oh, Carlos Sánchez aproveita o espaço e toma a sua posição.”

“O Korhonen não fez uma largada boa, caiu para décimo.”

“Noward está disputando pelo quarto lugar com o Lacroix. Eles vão para a primeira curva.”

“Tim, a maioria dos pilotos estão com pneus macios, somente Petrov e Russo com pneus médios.”

“E parece que não foi uma boa escolha. – o comentarista debocha – Já são formadas as posições na reta com Houston em primeiro, Sánchez em segundo, Vandemanen em terceiro, Noward em quarto, Lacroix em quinto e, oh meu deus, a outra McDraguen está em sexto!”

“Foi uma boa largada da Benedetti, Kurt. Boa largada!”

“Ela tem que se atentar ao Arthit que está logo atrás dela.”

“Ela não precisa se preocupar com ele porque Arthit está dando espaço ao Richarts, logo ele cai de posição se continuar assim.”

“Na sequência está Rodríguez, Korhonen, Ricardo, Schmidt, Spprol, Weber, González, Petrov, Tvald, Russo, Gregov, Giovinazzi e Marcus”.

“Vamos ver se no decorrer da corrida eles mantêm essas posições, este circuito é médio rápido com uma sucessão de curvas estreitas e poucas retas. Não é muito propício a ultrapassagens.”

“Mas uma corrida em Melbourne é sempre interessante, com desistências, disputas acirradas e os estreantes estão mostrando que vieram para deixar a sua marca.”

           

(...)

— Quinta posição, dez pontos acumulados. Nada mal para uma novata.

— Eu sei que você está tentando reduzir a minha conquista, mas eu não poderia me importar menos com a sua opinião. Eu estou radiante e nem a sua ranzinzes vai mudar isso. – Eliza diz à Max, que está a sua frente na fila de pesagem após a corrida. – E você só está a dois pontos à frente de mim, a propósito. – ela o recorda da quarta posição em que ele finalizou.

— Lacroix e Noward deram sorte, tinha pressão do óleo no meu motor. Atrapalhou a potência. – o rapaz resmunga.

— Claro. - ela diz irônica – Mas eles quem estão no pódio, não é?

Manen respira fundo e se afasta dela, dada a sua vez ele se aproxima da mesa.

Após a sua checagem Liza sai da garagem da FIA e segue até a da sua construtora, agradecendo aos elogios feitos por colegas e funcionários que cruzavam o seu caminho. Chegando lá ela corre até o pai que está de braços abertos e salta para dentro de seu abraço.

— Parabéns, campeã. Você conseguiu. – ele diz vibrando de felicidade. – A primeira e única mulher à somar dez pontos em uma corrida da Fórmula 1, foi um espetáculo!

— Você gostou? – ela indaga ao se afastar dele, era a primeira corrida ao vivo que o pai acompanhava.

— Foi emocionante. – ele assente, para em seguida dizer com a mão sob o peito. – Até demais. Acho que descobri que sou cardíaco.

Ela ri.

— É tudo muito diferente estando aqui, a televisão não transmite toda a essência disso. – ele explica.

— Isso quer dizer que vai me acompanhar em mais corridas este ano? – ela questiona com olhos pedintes.

— O escritório sobrevive sem mim por um final de semana ou outro.

— É isso aí! – ela diz e bate na mão do pai ao alto.

 - Foi incrível, querida. – Patrícia se aproxima e abraça a filha rapidamente. – Um espetáculo de curvas acentuadas, como diz o Zach. Minha bebê é uma recordista!

Apesar de muito aquecer o ego ferido de Eliza, os elogios da mãe pareciam forçosos. Ela sabia que a matriarca ainda estava se acostumando com tudo aquilo e não queria demonstrar o seu medo fervoroso da filha nas pistas. Mas Lisa já ficava contente por ver que ela estava tentando e, por isso, se forçava também a tentar abrir mais o seu coração para acolhe-la de vez

Ela se vira para o chefe depois de dispersar os pensamentos.

— P5 e P3, hein?! – ela diz sorrindo – O Lando foi absolutamente talentoso!

— Eu sabia que vocês não me decepcionariam. – o homem sorri orgulhoso. – Vamos, vai começar o pódio.

A equipe segue para o lado de fora, posicionando-se bem em frente ao palco para celebrar o êxito nesta corrida. Eles vibravam e gritavam de emoção, principalmente quando o piloto entra no palco radiante.

Tanto Orlando quanto a equipe haviam agido de forma apropriada e estratégica, Liza havia gostado e muito do modo que trabalhavam em benefício igual á ambos pilotos. E o resultado de todo o seu esforço estava diante de seus olhos e em sua própria posição na classificação.

Ela sentia que os dias de glória estavam se aproximando cada vez mais e não poderia estar mais satisfeita com o seu trabalho e performance dos que estavam ao seu redor. Também não evitava sentir orgulho do namorado que também subia ao pódio aquele dia.

Quando se dá a chuva de champanhe ela vibra pelos três, satisfeitíssima com o resultado daquela corrida. Houston, Lacroix e Noward. Justíssimo.

Os fogos de artificio, gritos dos fãs e agitação das equipes intensificavam ainda mais toda a comoção. Foi uma bela corrida de estreia e eles iriam celebrar isso com louvor.

Mais tarde, depois de já tomada banho e vestida apropriadamente, ela segue na companhia dos pais até o melhor restaurante da região, que fazia jus à a reputação da Austrália de capital gastronômica.

Melbourne é rodeada por uma diversidade única que vai de regiões vinícolas às zonas costeiras, onde os visitantes podem desfrutar de produtos locais, vinícolas boutique, cervejarias artesanais, food trails, eventos de qualidade e hotelaria receptiva, o ambiente propício e agradável para um jantar para um pai conhecer o namorado da filha.

Liza até pensou em recusar o convite de Charlie, devido ao crescente número de paparazzi e fãs que pareciam os reconhecer em qualquer lugar. No entanto, como Cris havia tomado as devidas providências para que o encontro fosse discreto – em uma parte reservada do restaurante – onde eles pudessem ter privacidade, ela aceitou.

A pilota admirava como a relação da empresária com o próprio namorado haviam mudado da água para o vinho. Cris era um pouco introvertida quando o assunto eram seus próprios sentimentos, mas Liza sabia que essa mudança ocorreu devido ao modo como ela viu Charlie defende-la e tentar protege-la, mesmo que ela mesma havia demorado a reconhecer suas ações.

Contudo, graças a ela eles estavam os quatro sentados em uma mesa requintada num restaurante agradável, conversando e rindo enquanto desfrutavam os melhores vinhos dos melhores carvalhos do mundo. Viva a Austrália!

— Viu? Não foi tão ruim. – ela diz logo após os pais pedirem licença e saírem para irem até a lojinha ao lado do restaurante, que vendia toda bugiganga turística possível.

— Eu estava nervoso à toa. – ele confessa – Cris é mil vezes mais assustadora do que seu pai.

Liza ri ao dizer: - Não discordo.

Charlie passa o braço por cima do ombro da jovem, apoiando no encosto da cadeira e suspira extasiado.

— Estou feliz que esteja aqui. – ele admite com o rosto próximo ao dela. – Por um instante pensei que seria estranho competir com minha namorada, mas é tão natural como a gente se comporta com profissionalismo na pista.

Ela assente.

— Temos que continuar esquecendo quem são as pessoas dentro dos carros, focar no propósito dali.

— Sendo assim, o motor da McDraguen se saiu muito bem hoje. – ele diz selando um beijo leve na bochecha macia dela.

— E eu estou tão orgulhosa do motor da Findspot que poderia rodar com ele a noite toda. – ela responde conferindo se as cortinas do espaço VIP estavam fechadas. Havia uma pequena fresta de abertura, mas não seria um obstáculo para que ela encostasse seus lábios aos dele rapidamente.

— E não sou eu quem vou te deixar passando vontade. – ele sorri esperto.

— Vou deixar a porta do quarto destrancada em torno do horário de sempre. – ela ri, se afastando minimamente.

— E eu vou estar lá como sempre.

O jantar é finalizado depois que é servida a sobremesa e os pais de Eliza retornam. Eles a desfrutam rapidamente e partem separadamente, para mais tarde aquela mesma noite ser fechada com chave de ouro na movimentação escaldante de dois corpos sob os lençóis do hotel.

 

(...)

21 de Maio

Circuito de Baku – Azerbaijão

— Quantos anos você tem mesmo? – Houston pergunta à Liza na mesa da coletiva de imprensa, em frente à diversos jornalistas que filmavam cada movimento deles, antes do primeiro treino livre do final de semana.

Estavam também na mesma fileira Jorge, Daniel e Pierre Gregov.

— Vinte e três. – a pilota responde.

— Vinte e três anos, mulher e está na sexta posição de vinte na tabela classificatória depois de cinco corridas do campeonato mais importante do automobilismo. – Luís diz impressionado. Ele olha diretamente para uma das câmeras direcionadas à si para dizer vagarosamente e com veemência: - Chupa machistas.

O ambiente é saudado com uma salva de palmas e uma leva de risadas.

Em seguida o próximo jornalista se levanta para a sua pergunta: - Eliza, nós temos acompanhado o seu bom vínculo com os seus colegas de trabalho. A última declaração de Houston comprova isso. – a pilota assente sorrindo – Muitos fã clubes declaram um afeto seu por alguns deles e que possa existir uma proximidade, de conotação romântica, com um em específico. Charlie Lacroix, de quem estamos falando. – o coração da pilota erra uma batida.

— Vocês têm tido bastante contato desde o ano passado. – o jornalista sorri de forma maléfica – Pode nos confirmar se isto é real? Vocês estão namorando?

Liza suspira disfarçadamente. Ela desvia os olhos do jornalista aos seus colegas ao seu lado e se volta ao homem engravatado para sorrir descontraidamente.

— Os fãs criam cada coisa. – ela declara – Eu já vi, como eles falam mesmo? Shipp?!— ela questiona à Jorge, que assente – Já vi shipp meu com Charlie, com Lando, com Danny, com Houston, até com Mike e Carlos, que tem namoradas. Chegam a ser absurdas algumas teorias.

— Obviamente eu sou o mais atraente dos concorrentes. – Daniel interfere, causando risadas. – Os outros não teriam chance contra esse rosto de modelo e pique de jogador.

Orlando ri alto da fileira acima deles.

— Você é o próprio Adam Sandler da Fórmula 1, não sei se eu conseguiria lidar com tamanho legado. – ela diz encarando Daniel, que ri junto aos demais, e volta aos espectadores – Mas, não é porque tenho uma amizade próxima com esses homens que vire algo de conotação romântica. O que, homens e mulheres não podem ser apenas bons amigos?

Liza vê alguns jornalistas da primeira fileira de cadeiras assentirem em concordância.

— Ao invés de me perguntar com quem eu possa estar me relacionando, me pergunte sobre os meus números, fale de como eu tenho progredido nas posições do grid, do fato de quase ter alcançado meu primeiro pódio do campeonato na última corrida, da mesma forma que vocês fazem com os garotos. – ela diz encarando o jornalista que já não tinha mais o sorriso na face – Não é por isso que estamos todos aqui? Qual a diferença entre eu e eles?

— É isso aí. – Jorge concorda e ergue a mão no alto para Liza bater. – Não fazemos descriminação de gênero por aqui. Próxima pergunta.

Daniel ao lado de Liza esconde o sorriso involuntário que se abre com a mão, que tapa à boca. Quando o próximo jornalista desfere sua pergunta à outro piloto, ele sussurra na direção da amiga: - Jantado com sucesso.

Eliza controla o riso e sorri disfarçadamente diante das câmeras. A cumplicidade com colegas de trabalho nunca fora tão forte e ela estava feliz por isto.

Finalizada a coletiva ela e Orlando são direcionados à uma entrevista à parte, com um apresentador de um programa local.

Enquanto caminham até área da pista em frente às garagens, onde a entrevista seria gravada, Cris aproxima-se de Liza para falar aos sussurros: - Quase tive um infarto com aquela pergunta, ragazza.

— Nem me fale. – ela arregala os olhos para intensificar a expressão. – Ainda bem que os meninos ajudaram.

— Você levou numa boa, acho que eles sequer desconfiaram da possibilidade de ser verdade. – a loira diz. – Temos tomado tanto cuidado, o máximo que os fãs têm são as interações de vocês nas conferências e algumas nos bastidores, mas eu sempre reviso tudo e não tem nada de chamativo que indique que existe algo. Essa galera jovem tem uma imaginação muito fértil.

— Pois é, por isso é sempre bom ter cuidado. – ela concorda pouco antes delas pararem em frente ao apresentador. – Olá, tudo bem? – Liza estende a mão ao senhor de cabelos grisalhos e sorriso gentil.

Eles se sentam nas cadeiras de almofadado laranja dispostas em frente às câmeras.

— Você realmente me acha medroso? – Orlando a pergunta logo após a entrevista ser dada como encerrada e eles estarem caminhando lado a lado em direção ao anfiteatro, onde eram realizadas as reuniões da FIA com as equipes.

— Claro que não. – ela nega com a cabeça veemente – Você pilota um carro que corre mais de 300 km/h e pisa fundo no acelerador sem hesitar. Tem toda uma bravura nisso.

— Tem razão. – ele assente confiante. – Não é o medo de insetos voadores, altura, andar de montanha russa ou no banco do passageiro, e meu medo incondicional de palhaços que me faz ser um medroso. – o rosto do rapaz vai se contorcendo em frustração a modo que as questões surgiam em sua mente.

Liza segura o riso encarando o rosto do parceiro.

— Eu sou um medroso! – ele admite rindo e a pilota o acompanhada. – Como se fala isso em português?

Bundão. – ela diz e ele gargalha.

Eu sou um bundão. – ele fala em um português mal pronunciado e Liza ri alto.

Orlando se apoia em seu ombro e coloca a mão sobre a barriga, aos gargalhos. A pilota tapa a boca, para abafar a risada, mas é quase impossível. Os momentos com o parceiros eram sempre assim. As dores de barriga de esforço pelo riso eram inevitáveis.

— Você está chorando? – ela pergunta com a voz falha ao ver ele limpar os cantos dos olhos, seu rosto vermelho.

— Não estou chorado, você que está. ele diz aos risos – Parece que eu falei que tenho grandes “balls”(bolas). Tem certeza que não é isso que quer dizer?

Liza ri forte.

— Claro que não. Isso seria “eu sou sacudo”— ela diz em português e Orlando ri ainda mais.

Eu sou sacudo.— ele repete com o último agudo de voz que lhe resta e eles voltam a rir.

— Isso na verdade foi ótimo! – ela declara sorridente.

Orlando sempre tentava aprender palavras novas da cultura da parceira, ela soube que foi a mesma coisa no espanhol de Carlos visto o dicionário variado de xingamentos que Orlando conhecia na língua.

Ela se divertia tanto com ele.

Entre ela e Mike as coisas eram mais formais e grande parte do assunto de suas conversas eram sobre as corridas, quando não falavam de tópicos mais sérios. Claro que ela adorava o ex-parceiro e sempre seria grata pelo seu apoio. Eles continuavam a conversar por entre as brechas de compromissos e mesmo que não fosse a mesma coisa ela nunca deixaria de nutrir profundo carinho por ele.

No entanto com Orlando ela se sentia mais a vontade porque o rapaz agia descontraidamente, era espontâneo, curioso em uma medida aceitável e criativo.

Eles haviam feito vínculos divertidos como dormir nos tatames dispostos no Paddock da McDraguen entre uma entrevista ou outra durante os finais de semana de corrida; Compartilhar a playlist do celular que, aliás, Lando adorou as batidas de funk e do forró universitário brasileiro; Se divertiam competindo nos jogos que a McDraguen fazia-os disputar para gravar os vídeos que eram postados no canal da construtora para o marketing, incluindo jenga, atirar dardos, batalha naval, adivinhar comidas pelo gosto, etc; Ele havia a ensinado aperfeiçoar os dotes em jogar videogames e ela já havia-o obrigado a fazer a sobrancelha além da limpeza de pele, entre outros.

Mesmo que o rapaz fosse somente um ano mais novo, Liza tratava-o de maneira protetora como um irmão caçula que ela nunca teve. A relação dos dois já era aclamada pelo público antes da metade da temporada e entre eles as coisas não poderiam ser mais perfeitas, se comparada à típica rivalidade histórica entre parceiros de equipe através dos anos no automobilismo.

Chegando ao anfiteatro eles se direcionam às cadeiras na fileira em que alguns dos membros de sua equipe já estavam acomodados. Orlando passa na frente da jovem e senta-se na cadeira que ela tinha a intenção de ocupar.

Bebezão.— ela diz em português ao se sentar a próxima cadeira.

— O que isso quer dizer?  - ele a questiona e Liza somente ri.

Em seguida os membros da FIA dão inicio ao discurso que era feito todo o final de semana das corridas. Eles repassavam o modo que os ficais agiam durante o evento, a segurança requerida ao piloto, espectadores e aos demais envolvidos no dia, a necessidade de inspeção do carro e piloto, assim como do circuito e todo o detalhamento sobre como estaria o tempo e temperatura da pista no dia da corrida.

— Acho que ele tem isso gravado em arquivo e reproduz de uma forma que a gente não perceba. – Charlie, que estava na fileira atrás de Liza murmura se aproximando de seu ouvido. – Não é possível que o discurso não mude uma palavra sequer.

Ela e Orlando riem baixo.

— Mais uma coisa. – Nicolas, o supervisor geral dos fiscais e filho do presidente da FIA diz. – Gostaríamos de relembrar um ponto fundamental no nosso regimento interno de legislações referente ao comportamento social dos pilotos.

— Agora sim uma coisa nova. – Charlie sopra, voltando às costas ao encosto da própria cadeira e cruzando os braços.

— É incoerente qualquer tipo de vínculo entre membros de equipes adversárias, seja ele meramente afetivo, conjugal-oficial, ou não. – Nicolas declara e encara Liza diretamente, que engole em seco. – Conforme acordado em contrato diretamente com as suas escuderias, qualquer tipo de formação de vínculos extracontratuais acarreta punições à todos os envolvidos. Tento isso como regimento interno e código de ética da nossa Federação, esperamos que seja comprido de acordo.

Liza vê alguns rostos se direcionarem à ela, que ri fraco de incredulidade.

Quando a atenção dos demais é voltada à Nicolas ela sopra à Charlie disfarçadamente: - Satisfeito com o último paragrafo acrescentado ao discurso?

— Nem um pouco. – ele responde rouco.


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Notas finais do capítulo

Glossário

[Shippar] trata-se do ato de torcer pelo relacionamento amoroso de alguém, normalmente personagens de filmes, seriados, desenhos animados, histórias em quadrinhos, mangás e etc. Shippar é uma expressão criada a partir da palavra inglesa relationship, que significa "relacionamento", em português.

[Adam Sandler] é um famoso comediante norte-americano.

[Paddock] é a edificação encontrada nos circuitos de automobilismo para abrigar o pessoal das equipes, veículos, oficiais de prova e convidados.



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