Suddenly You escrita por Little Alice


Capítulo 3
But I won’t cry for yesterday


Notas iniciais do capítulo

Oi, todo mundo! Como vocês estão?

Este capítulo é inspirado e tem como música tema “Ordinary World”, do Duran Duran. Vocês podem ouvir pelo link: https://youtu.be/FqIACCH20JU

Boa leitura :)



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But I won’t cry for yesterday
There’s an ordinary world
Somehow I have to find
And as I try to make my way
To the ordinary world
I will learn to survive
(Ordinary World ― Duran Duran)

Ted chegou cedo na manhã seguinte, logo após o café ― sua mãe fizera croissants e o pai, geleia caseira de morangos, o que transformou toda aquela experiência matinal em algo verdadeiramente admirável. Victoire estava arrumando a cama quando ouviu uma batida na porta do seu quarto. Ela acordara um pouco melhor naquele dia. Embora julgasse que, aos dezessete anos, certos exageros fossem perdoáveis, a garota pensou que seria melhor se recompor. Ou, pelo menos, tentar se recompor. Havia tantas coisas que precisava fazer naquele sábado: precisava terminar o mural para a feira beneficente, precisava responder uma lista de exercícios de álgebra e outra de biologia e precisava terminar de ler Oliver Twist para as aulas de literatura. Não poderia ficar se lamentando para sempre, poderia?

Uma nova batida ressoou.

― Pode entrar! ― gritou, enquanto ajeitava os travesseiros no lugar.

Ela achava que seria Louis, que novamente vinha lhe mostrar algum desenho que fizera dela. Fora acordada assim naquela manhã, com um menininho de quatro anos se jogando sobre sua cama, com um papel cheio de rabiscos nas mãos gordinhas. Louis gostava de desenhar Victoire como uma princesa ou uma ninfa da floresta, enquanto Dominique era sempre uma vampira ou uma motoqueira radical. Era engraçado se ver na perspectiva de uma criança, mesmo que não se sentisse tanto como uma princesa ou uma ninfa no momento. No entanto, não era Louis daquela vez. Victoire levou um susto ao ver Ted entrando, com sua jaqueta jeans cheia de bottons, sua camiseta do Nirvana, suas calças rasgadas e sua expressão brincalhona. Ele parecia especialmente bonito, pensou, ao ver os seus olhos âmbar faiscantes e os seus cabelos castanhos meio bagunçados. Victoire sentia falta do azul, mas, desde que entrara para a Universidade de Hogwarts, o amigo não usava o cabelo assim.  

― Ted? ― Ela colocou a última almofada na cama. ― O que está fazendo aqui?

― Sua irmã me ligou ontem à noite ― respondeu, avançando um pouco mais. Ótimo, Dominique não cumprira com sua promessa. Não pôde esperar até o dia de hoje. Victoire deveria ter previsto isso. ― Ela disse que você não estava se sentindo muito bem.

― E contou o motivo? ― perguntou, subitamente preocupada.

― Não ― Ted sorriu. ― Por quê? Eu não deveria saber?

O rapaz se sentou na cama dela, pegando um cubo mágico que estava sobre a mesa da cabeceira.

― Não… quero dizer, é coisa minha. Você nem se interessaria…

― Você não pode saber se não me contar. ― Victoire quis desfazer aquele sorrisinho de canto dele, porque de repente ele se tornara irresistível demais. Além do que era considerado normal. Céus, quando foi que ela se tornou tão hormonal assim? E justo por quem? Por seu melhor amigo, seu amigo de infância!

― Nah, eu já me sinto melhor. Não precisa se preocupar ― garantiu. Enquanto observava Ted brincar com o cubo mágico, ela se deu conta de algo muito preocupante: ainda estava com seus pijamas do Scooby-Doo. Provavelmente, também deveria estar com os cabelos desarrumados, com olheiras e sabe-se lá mais o quê! Em suma, um horror, enquanto Ted lhe parecia tão lindo. Era até mesmo injusto. 

― Droga! ― disparou. Ela o puxou pela mão, fazendo-o se levantar, e então começou a empurrá-lo pelas costas, em direção à porta. ― Você não pode me ver assim, de pijamas!

― Por que não? ― perguntou, inclinando a cabeça para trás e lançando um olhar duvidoso para Victoire. Ele parou, tornando a sua tarefa de empurrá-lo para fora mais difícil. ― Eu já te vi assim antes.

― Porque não! Porque agora você não pode mais me ver assim!

― Eu já te vi até pelada ― riu.

― Como é?! ― Victoire o soltou.

― Quando éramos bem pequenos ― explicou ― e vovó Dromeda nos dava banho de banheira juntos, com espuma e todos aqueles barquinhos e patinhos de borracha. Você não se lembra?

― Ah! ― Victoire começou a rir. ― Isso não conta, Ted. Agora vai, eu preciso me trocar.

― Aproveita e coloca uma roupa bem bonita porque nós vamos ao shopping ― piscou e se retirou por conta própria, fechando a porta atrás de si. Victoire não pensou em discutir sobre aquilo, não quando a cabeça de Ted já estava feita. Embora tivesse coisas para fazer, uma ida ao shopping não faria mal, faria? Ela nunca recusaria um passeio como aquele e, pensando bem, precisava mesmo comprar um ou outro conjuntinho. Além disso, não podia deixar de considerar: Ted, com toda sua política anticapitalista, odiava shoppings e grandes corporações, ainda assim, o amigo estava disposto a levar Victoire. Era por ela. Para que se animasse.

A garota tentou ser rápida, mas escolher uma roupa adequada nunca foi uma tarefa exatamente fácil para Victoire. Ela passou meia hora provando vestidos, conjuntinhos, blusas e mini saias. Não queria nada muito simples, mas nada muito elaborado. Por fim, encontrou um vestido tubinho bordô, que lhe agradou o suficiente. Ela se olhou no espelho, seus cabelos loiros e lisos lhe caiam pelas costas, suas bochechas estavam coradas e uma maquiagem leve e neutra destacavam o azul claro dos seus olhos. Para arrematar, colocou uma tiara, do mesmo tom do vestido. Agora sim. Ela se sentia perfeita para a ocasião e, por alguma razão irracional, desejou que Ted notasse isso, que a notasse.

Não se decepcionou.

― Você está bonita ― sussurrou ele, quando caminhavam em direção ao fusquinha dele. ― Mas também estava bonita só de pijamas.

Victoire sorriu, se permitindo momentaneamente ter um pouquinho de esperança. Entretanto, sabia que aquilo não era um flerte. Era só Ted sendo Ted, gentil como sempre. Ele dizia aquelas coisas o tempo todo, para todo mundo. Era o jeito dele. Parecia que o amigo tinha como missão de vida fazer os outros se sentirem únicos e especiais. Victoire entendia agora o que Dominique quis dizer. Entedia até porque Mabelle havia se apaixonado.

Os dois passaram aquele sábado inteiro no shopping, entre uma loja e outra. Primeiro, foram à loja de música. Victoire fez Ted ouvir os últimos álbuns das Spice Girls, da Madonna e dos Backstreet Boys. Ela se divertia com o semblante ultrajado dele, mas sabia que era puro fingimento, o amigo nem odiava as músicas tanto assim. Claro que ele tentou dar o troco nela. Ted a fez ouvir Nirvana, Pearl Jam e Oasis. Victoire não se importava realmente, porque gostava muito das bandas, porém também fazia caretas. Era só uma mania que os dois tinham, de se irritarem com seus gostos musicais tão diferente. Eles almoçaram burritos, Ted uma versão vegetariana, e depois tomaram sorvete. Victoire comprou um novo conjuntinho, um amarelo estampado, que pretendia usar na escola na segunda-feira, e em seguida assistiram ao novo filme do Steven Spielberg, o segundo da franquia Jurassic Park.

Agora, eles estavam ali, sentados um de frente para o outro, dividindo uma porção de batatas fritas e tomando milkshake, com a tarde quase morrendo lá fora. Felizes. Definitivamente felizes. Victoire se sentia outra. O amigo sempre teve essa capacidade sobre ela: de fazê-la se sentir leve e divertida. Ao lado dele, os problemas pareciam tão distantes, ainda que não estivessem de todo resolvidos. De repente, Victoire soube que não havia outra pessoa. Que sempre fora Ted. Bastava o amigo sorrir-lhe e o seu coração se aquecia com a força de mil sóis. Era mesmo uma pena que só tivesse percebido isso quando ele já não podia ser seu. Ainda que não se interessasse por Mabelle, ela jamais seria capaz de apunhalar a prima daquele modo.

― Então, você não vai mesmo me dizer porque estava triste? ― Ted perguntou, pegando uma batatinha e dando um chutezinho no pé de Victoire, por debaixo da mesa da praça de alimentação.

― Não é tão importante. ― Encolheu os ombros.

― Eu não vou saber te ajudar se não souber o que está te machucando.

― Já me ajudou ― sorriu. ― E juro, é bobeira. Drama adolescente.

Ted cruzou os braços e arqueou as sobrancelhas.

― É só que tudo está um pouco confuso no momento…

― O que está confuso?

― Você me acha mesmo egoísta?

― De novo essa questão? ― suspirou. ― Suponho que seja minha culpa, eu não deveria ter dito aquilo.

― Você só foi honesto e eu pedi para que fosse.

― Mas não fui claro o suficiente. Talvez eu não tenha me feito entender tão bem... Bom, às vezes, e preste atenção nisso, às vezes, você é egoísta. Você é autocentrada e tem um objetivo. Isso não é ruim. Não é um problema se colocar em primeiro lugar. Na verdade, acho admirável a sua determinação em correr atrás dos seus sonhos, em não deixar nada te deter. Só que, ao mesmo tempo, por pensar demais no futuro e em si mesma, você acaba não se dando conta do que está no seu presente e no que os outros, por vezes, estão sentindo. Mas não é sempre assim. Você é uma pessoa boa, que sabe amar e que realmente tenta ajudar quando é necessário, quando é importante. Não estou falando dessas suas novas aventuras casamenteiras, estou falando dos pequenos detalhes do dia a dia, que fazem com que os outros saibam que são amados. Você nunca deixou de estar comigo no dia… no dia em que os meus pais morreram. Sempre tentou me animar, com seus bolos esquisitos e de gosto questionável, suas músicas chicletes e sua companhia leve. Mabelle também me contou como a acolheu desde o primeiro minuto, como a fez se sentir parte da família Delacour. Não foi um momento fácil para ela, sabe? Mas você ajudou a torná-lo mais tranquilo. Então, pense em todas as vezes em que foi boa e não porque queria ser boa, mas porque isso faz parte de quem você é também. E é isso, você pode ser egocêntrica às vezes, pode ser mimada às vezes, talvez um pouquinho mais do que seria ideal, porém, isso não são as únicas coisas que te definem. Além disso, todos nós somos egoístas em algum ponto. Ninguém é realmente perfeito. Isso faz sentido?

― Hum…

― De verdade, Vic, eu te acho maravilhosa. Você ainda precisa crescer, é claro, assim como eu também preciso… ou qualquer outra pessoa da nossa idade, para ser honesto. Às vezes, me acho muito inseguro, queria ser mais assertivo, queria ter toda a determinação que você tem, mas… bem, isso são coisas que preciso trabalhar em mim. O primeiro passo para evoluir é reconhecer o problema, é o que vovó Dromeda sempre me diz. Não que seja fácil corrigir nossos erros, mas toda tentativa é válida.

― Você se acha inseguro? Você é tão descolado, Ted!

― Não me sinto assim na faculdade. Sei lá, é diferente em alguns aspectos… a gente parece… menor. As pessoas são tão inteligentes, conversam sobre assuntos tão sérios, gostam de coisas tão cabeça, e eu… não sou assim. Eu só quero assistir Scooby-Doo com você e Louis e ler histórias em quadrinhos. Eu tentei me encaixar, mas não deu muito certo, ainda me sinto um pouco deslocado, como se não tivesse encontrado meu lugar. Pode não parecer, Vic, mas eu me sinto inseguro com uma porção de coisas. Até voltei para a cor natural do meu cabelo, não queria parecer tão esquisito.

― Mas todo mundo não é esquisito na faculdade?

― Bom, sim, eu descobri isso depois ― riu.

― Eu gostava do seu cabelo azul. Se você se sente melhor com ele, deveria voltar. ― Victoire bebeu um pouco do seu milkshake e viu Ted sorrir. ― Também te acho a pessoa mais inteligente que conheço. Dane-se os babacas da faculdade, aposto que são todos uns insuportáveis. Tenho certeza que Dominique os odiaria, ela sempre odeia as pessoas certas.

― É por isso que prefiro a sua companhia.

― É mesmo?

― Eu sempre escolheria a sua companhia.

Ela sorriu de lado a lado e abaixou os olhos.

― Acho que te entendo, sabe? Sobre parecer menor. Desde que perdi aquele concurso, me sinto tão insignificante, como se tudo estivesse destinado a dar errado. Sinto que não sou tão boa assim. 

― Você é boa, Vic. E, mais importante do que isso, você só tem dezessete anos e o seu trabalho como artista ainda vai mudar, vai crescer. Haverá novas chances para você se provar. 

― Pablo Picasso participou da sua primeira exposição aos nove anos e Mozart criou a sua primeira composição aos cinco ― provocou. ― Não sei se idade diz algo sobre isso.

― Vic! ― riu. ― Você está se comparando a gênios, às exceções das exceções! E sabe de quem é a culpa disso?

― Do capitalismo? ― arriscou, porque o conhecia bem o suficiente.

― Sim, do capitalismo! ― Ted deu um tapa na mesa, agitado. ― É por causa desse sistema desigual que sentimos toda essa pressão sobre nós, todo esse mal-estar contemporâneo. Sentimos que precisamos ter sucesso e que temos que tê-lo antes dos trinta anos, porque tempo é dinheiro e tudo mais. Que precisamos nos destacar, porque, se não nos destacarmos, seremos uns fracassados. Só que a verdade que ninguém nos conta é que conquistar alguma coisa neste mundo louco e competitivo é difícil, e que é muito mais fácil você fazer parte da regra do que da exceção.

― Isso não está ajudando ― gargalhou Victoire.

― Não ajuda, mas ao menos podemos falar mal do capitalismo e da vida adulta.

― Eu nem entrei na vida adulta e já sinto que ela vai me esmagar.

― Ei, escuta! ― Ted colocou o dedo indicador sobre a própria boca e fez um movimento com a cabeça. Victoire parou e escutou, tocava Ordinary World, do Duran Duran. Era a música ambiente da praça de alimentação. ― Apropriado, não? Nós também vamos aprender a sobreviver neste mundo ordinário.

― Eu espero que sim! ― sorriu.

Eles ficaram em silêncio por um tempo, apenas ouvindo a canção que continuava a tocar, absorvendo-a aos pouquinhos. Depois que acabou, Victoire fitou Ted e disse, um pouco triste: 

― Mabelle gosta de você.

― É mesmo? ― Ele aparentou surpresa.

― Ela espera que você a convide para o baile beneficente.

― Hum... ― foi tudo o que Ted disse.

Victoire não sabia o que esperava como resposta, mas não era aquilo. Seu coração doía um pouquinho, de um jeito que nunca doeu.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que vocês acharam? Me digam nos comentários. Gostaram do meu Ted? Eu espero que sim, porque ele é basicamente a versão masculina de mim (mais ou menos).

Beijos e até a próxima :*



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