Elvenore: A Revolução Das Marés escrita por Pandora Ventrue Black


Capítulo 8
Capítulo 07




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/799801/chapter/8

Presa entre Fragmentos

 

Depois de longos minutos… Na verdade, eu tinha entrado na banheira branca e redonda quando a água estava quente, uma fumaça translúcida ainda escapava pela beirada desenhada da banheira, e agora a água estava fria, não gelada o suficiente para ser desconfortável, mas bem mais amena do que antes. Meu corpo estava encolhido, meu colo pressionado contra meus joelhos enquanto minhas mãos agarravam firmemente os meus tornozelos. Um pouco da magia ainda corria pelo meu sangue e ficar naquela posição me ajudava a pensar.

Minha mente passava e repassava os momentos com Zya, seu cômodo meio quadrado decorado com cadeiras e sofás escuros, suas mesas com livros, mapas, frascos, plantas e cristais, suas janelas feitas de vidros de diferentes cores, formando arabescos estranhos e seu bule. Ela não havia colocado nada diferente dentro dele, pois estava atenta ao que fazia. Zya colocou primeiro a camomila, dois saquinhos para ser exata, e depois a água quente, nada fora do ordinário.

Quando me entregou a bebida, não havia nenhum cheiro novo, apenas a fragrância serena do chá. E, acima de tudo isso, eu não havia provado o conteúdo da xícara, a porcelana colorida não tinha nem sequer chegado perto de meus lábios, eu tinha apenas… tocado a mão de Zya.

— Milady? — Phyx chama, me afastando de meus devaneios — Quer sair? A água já deve estar fria…

— Ah, hum, sim, Phyx — Murmurei, voltando a minha atenção para o banheiro, a observando, enquanto envolvia meu corpo com uma toalha felpuda — Posso lhe fazer uma pergunta?

— Claro, milady.

— Zya pode ter me drogado? — Soprei e por longos segundos o cômodo foi tomado por um silêncio ensurdecedor.

Sinto o vento frio da orla acariciar as minhas costas nuas, percebo que não havia passado minutos naquela banheira, e sim horas. Estava tão focada em entender o que aconteceu que perdi total noção do tempo. Phyx secou meus cabelos, ainda remoendo a pergunta dentro de si.

— Não, milady, não acho que Zya tenha te drogado — Falou, finalmente, enquanto escovava as minhas madeixas — Apesar dela ser adepta de magias não convencionais, ela não é uma má pessoa… Não seria capaz de machucar uma mosca.

— Então o que aconteceu? — Suspirei, sentindo meus ombros penderem para baixo, como samambaias sem vida.

— A magia dos magos funciona de forma diferente… Escreve o certo por linhas tortas — Falou, trançando meu cabelo — Ah, perdoe-me, esqueci… Como deseja suas tranças?

— Não se preocupe com isso, Phyx — Disse, pegando minhas mechas e colocando-as em meus ombros, fazendo em mim mesma uma trança robusta e desleixada. “Se Novak visse isso, sem sombra de dúvida, brigaria comigo”, pensei — Como a magia deles funciona?

— Magos não controlam o próprio poder — Phyx pega de dentro do guarda-roupa uma camisola de seda azul — São apenas um canal e, bem, o máximo que podem fazer é aprender a direcionar a magia, para que não aja de forma descontrolada…

— Quando estava vindo para cá, passamos pela Floresta de Galodonel… — Meu olhar encontra o amuleto de meu pai, ainda preso em meu pescoço — Encontramos com uma loba, uma jovem moça transformada em animal por um mago… Se eles servem como uma ponte que leva a magia até o nosso mundo, por que fazer algo ruim? Achei que a magia fosse boa e pura…

— Milady, magos não são nada além de humanos que possuem uma conexão forte com a magia antiga de nossas terras… Apesar de serem um canal para um poder benevolente, eles ainda podem fazer coisas ruins — Sua voz soa triste e, por uma fração de segundo, suas expressões faciais foram de indiferentes para preocupação, como se algo nela tivesse sido abalado — Há magos que servem o bem, como Zya, que está nesse castelo, servindo às Cortes a muitos anos e existem magos que usufruem da magia para seu próprio deleite.

— É estranho pensar que eles foram humanos um dia… Ou melhor, que ainda são humanos…

— Eu e você temos uma ideia muito fechada sobre o que são os mundanos — Ela sorriu, vestindo-me com a camisola — Podemos andar pela aldeia algum dia, milady, e terá uma visão bem diferente dos humanos depois desse passeio.

Assenti com a cabeça, uma fina linha se formava em meus lábios. Phyx, apesar de ser séria e sucinta, poderia ser uma ótima amiga.

— Eu adoraria — Me sento na poltrona mais perto da janela, observando o reflexo da lua brincar com a água do mar — Phyx, posso te pedir um favor?

— É claro, milady — Disse, recolhendo a toalha e a roupa suja do dia.

— Me chame de Kyan.

Observo minha dama de companhia travar, havia um sorriso em seu rosto, mas algo nela resistia à mudança, talvez servisse ao rei a tanto tempo, que não me chamar por “milady” seria um hábito difícil de engolir.

— Como quiser, Kyan — Sua voz soa feliz, como a de uma jovem que acabara de receber uma boa notícia — Já que pediu tanta coisa hoje, posso ousar lhe dizer algo, Kyan?

— Pode me falar o que quiser e quando quiser, Phyx.

— Seus olhos são lindos — Falou, se aproximando de mim — Nunca vi esse tom tão vivo e festivo de verde.

Agradeço com um sorriso no rosto.

— São da minha mãe…

— Uma elfa? — Perguntou, voltando aos seus afazeres aparentemente intermináveis no meu quarto.

— Hum… — “Eu não sei”, minha mente exclamou “Eu… Bem, acho que sim. Ela era da aldeia, eu acho…” — Sim…

— Porque não está certa da sua resposta?

— Minha mãe morreu quando eu ainda era muito nova…

— Ah, sinto muito, Kyan — Ela pareceu murchar — É por isso que não deve me dar tanta liberdade para abrir a boca…

— Não tem problema — Minha voz soou diplomática e falar com Phyx sobre minha mãe pareceu estranhamente confortável.

— Sinto muito…

— Não há nenhum motivo para se desculpar, Phyx — Disse, afundando na poltrona macia.

Ela deu um sorriso amarelo e voltou com seus afazeres, deixando um silêncio sereno tomar conta do local. Eu podia escutar as ondas se chocarem contra a areia, produzindo uma sinfonia calma e tropical, que embalava os meus pensamentos.

Minha mãe…

Um rosto muito vago se formava em minha mente. Cabelos castanhos claros e rebeldes, uma espécie de liso revoltado. Curto, parando um pouco abaixo da altura das orelhas. Sua face era estóica, maçãs do rosto alta e maxilar marcado, com um queixo levemente redondo. Olhos verdes como a grama, quase cintilantes, uma mistura de verde-água com verde-musgo… Talvez um de seus olhos fosse claro e o outro escuro… Ou um era verde e o outro marrom.

A imagem desaparece, esvaindo-se com a brisa.

Toda vez que tentava pensar em minha mãe, isso acontecia. Algum detalhe me escapava e tudo sumia.

— Quer que eu busque o jantar, Kyan? — Phyx perguntou, parada à porta.

— Sim, por favor — Respondi, encarando o horizonte de água infinita.

A dama de companhia partiu, me deixando sozinha com meus pensamentos. Ainda não conseguia afastar a sensação da magia de Zya se espalhando pelo meu corpo, o frio correndo livre pelas minhas veias, uma espécie de bola incandescente que tentava estourar dentro de mim e o calor que percorria a minha pele como lava. Aquilo tudo era assustador, mas algo me dizia que eu não deveria ter vomitado, que tudo aquilo devia ter continuado.

Me levanto da cadeira e vou até a varanda, me apoiando na grade fria de pedra branca. Dali eu podia ver o mar com clareza, as ondas e a lua. Algumas embarcações ainda navegavam, podia ver suas velas balançando com o vento, enquanto outras estavam atracadas no porto na aldeia. Me pego pensando se algum dia o meu pai já entrou em um navio…

Draiko costumava fazer tudo a cavalo, sempre dizia que era mais fácil e seguro confiar em algo da natureza do que em alguma coisa criada pelas mãos humanas. Um sorriso triste surge em meus lábios, sentia tanta falta dele que era impossível mensurar. Ele sempre foi meu confidente, meu amigo, meu treinador, meu tutor e meu pai, tudo em um homem só, não tê-lo ao meu lado parecia ser um desafio impossível.

Entretanto, precisava ser forte, aprender tudo o que puder durante minha estadia aqui na Alta Corte para poder liderar Elfdale e fazer jus ao sobrenome Liadon. Mas sobreviver a realeza humana se provava a cada dia uma tortura… Primeiro, Dominic, aquele homem que servia como exemplo de como não se portar, presunçoso, egoísta e sádico, treinado por seu pai para ser um líder pragmático e racional. Ele e o rei Evander seriam meus maiores problemas…

Respirando a brisa morna, eu me permito pensar em algo além da Alta Corte, minha mente me levava para Elfdale, sua paisagem branca e etérea. Hoje todos os elfos estariam ao redor da grande fogueira, como todas as outras noites, aproveitando um caldo quente e jogando conversa fora. Meu coração aperta com saudade, o medalhão que carregava em meu peito esquenta e, por um momento, eu senti como se estivesse com Novak, deliciando-me com uma sopa de ervilhas enquanto ele me conta histórias élficas.

Eu estava decidida a retornar ao meu lar o mais rápido possível, mesmo que isso incluísse passar mais tempo com Zya, Dominic e Evander. Não existia um eu longe de Elfdale e fui ensinada desde muito nova para governar a minha aldeia e nenhum humano seria capaz de me impedir.



No dia seguinte eu acordei disposta a conseguir respostas, antes do sol raiar eu já estava vestida e caminhava pelo castelo até a torre da maga. Estava à sua porta, minhas mãos estavam suadas por conta do nervosismo, mas a minha indignação era mais forte. Não bati, apenas abri a porta e entrei.

Vazio.

Ela não estava ali, era como se tivesse desaparecido. Todos seus frascos, potes, seu caldeirão de estanho, suas cadeiras, mesas e almofadas pareciam intactas, no mesmo lugar. Sua mesa de cristais estava estranhamente idêntica ao dia anterior, suas pedras rosas, roxas, azuis, negras, laranjas e vermelhas permaneciam em seu lugar, formando um arco-íris de formatos diferentes, exceto… A Água Marinha.

A pedra que me chamou não estava em nenhum lugar naquele cômodo.

Engulo em seco.

Evander seria capaz de matá-la? 

Não… Eu estava presumindo muita coisa, me colocando em uma posição de importância quando eu sabia muito bem que todos ali me achavam insignificante, ele não mataria uma maga por mim.

Suspiro e desço a escada espiral de pedra, pensando em que lugar ela poderia estar. “Se eu fosse uma maga, onde me enfiaria depois do dia de ontem?”, pensei, caminhando pelos corredores sem fim do castelo. Meu estômago roncava, mas eu não conseguia me importar, precisava encontrar a Zya para entender o que diabos ela fez comigo.

— Uma moeda por seus pensamentos? — Uma voz ecoa pelos meus ossos, me afastando bruscamente de meus pensamentos — Parece muito infeliz, Kyanite.

— Ah, rainha Evangeline! — Soprei, sentindo meu coração acelerar.

Ela estava parada perto de uma janela alta e longa, sentada na frente de um grande piano que parecia ser feito de estrelas. Ele cintilava um brilho branco, provavelmente feito de marfim puro, uma obra de arte que apenas seria encontrada nas grandes salas decoradas dos castelos da realeza.A rainha usava um vestido de corte reto bege, com rendas delicadas na região do busto e uma manta clara que lhe cobria os braços, finos colares de prata pendia em seu pescoço bronzeado.

— Desculpe se atrapalhei você…

— Não atrapalhou — Sorriu, apontando para um sofá ao seu lado — Nem havia começado a tocar, Kyanite… Quer se juntar a mim?

— Não, rainha Evangeline, eu apenas estragaria o seu momento de paz — Falei, andando até ela, sem me sentar, apenas parando perto da janela para observar o mar — Não sei tocar nenhum instrumento, piano muito menos.

— Presumo que nunca chegou perto de um — Sua voz é diplomática, doce e gentil — Parece muito feliz ao ver um piano como esse.

— A cor, foi isso que me deixou surpresa — Meu olhar estava voltado para o oceano, o castelo ficava em uma encosta e isso permitia que eu pudesse enxergar uma longa extensão de água e, também, muitos navios que navegavam por ali — Parece ser feito de marfim…

— Não, na verdade é incrustado de opals — Ela começa a tocar uma melodia romântica, ritmada e serena, seus dedos flutuavam pelas teclas com destreza e perfeição — Um presente dos anões.

— Não sabia que faziam peças tão finas.

— Foi um presente de casamento — Um sorriso fino se formou em seus lábios e um brilho invadiu seu olhar, enquanto sua cabeça balançava suavemente com a melodia que ocupava o cômodo — A música também, mas foi composta por ninfas… Acho que as habilidades do povo da montanha de Elderdragon se estende apenas para confecções com metal e pedras preciosas… 

— É estranho pensar em anões compondo melodias, cantando e dançando ao redor de um piano — Comentei, com um sorriso tímido se formando em meu rosto. Escuto uma risada baixa escapar dos lábios carnudos de Evangeline, fazendo com que eu voltasse o meu olhar para ela.

— Está certa — Falou, parando de tocar e apoiando suas mãos em suas coxas — Quer dar um passeio pelo quintal? Receio que hoje passará o dia comigo…

— Ah, bem, eu estava à procura de Zya… — Soprei, me afastando do arco da janela em que estava apoiada.

— Ela não está no castelo — Sua voz soou ríspida e severa, um alerta de que eu deveria permanecer calada — Saiu para comprar artefatos para seu estoque e…

— Poderia me dizer onde? — A interrompi, mantendo minha postura rígida. Eu encontraria Zya hoje e ponto final.

— Eu sei o que aconteceu ontem, Kyanite, e peço perdão pelo comportamento de nossa maga, mas…

— As lojas ficam na aldeia? — Insisti.

— Escute-me bem, Kyanite, Zya não está no castelo e não volta tão cedo, logo sugiro que permaneça aqui — Sua voz é serena mas seus olhos estavam nebulosos, como uma tempestade marrom — Venha, me siga até os jardins.

Revirei os olhos enquanto ela caminhava pela sala. Mordo o interior de meu lábio e a sigo, planejando como escaparia do castelo até a aldeia. Eu tinha perguntas para Zya e queria as respostas hoje, nem um minuto a mais.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Elvenore: A Revolução Das Marés" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.