Elvenore: A Revolução Das Marés escrita por Pandora Ventrue Black


Capítulo 7
Capítulo 06




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A Eminente Catástrofe

 

Eu subia a escada circular de pedra atrás de Nicholas, que falava sem parar sobre as habilidades e talentos de Zya, sua tutora e agora a minha também. Aparentemente ela é uma maga, que por algum motivo se juntou ao corpo real do rei Evander. Ela deve ser louca por abandonar toda sua ideologia para servir um homem como ele.

— Bem-vindos, bem-vindos — Ela falou quando paramos em sua porta.

Era uma mulher alta, bem alta, de pele escura e brilhante. Estava de costas, por isso só fui capaz de enxergar seu cabelo escuro com mechas douradas preso em uma trança que parava perto do chão. Ela usava uma espécie de vestido, que mais parecia um conjunto de tecidos cinzas enrolados ao seu corpo como víboras.

— Entrem, não fiquem parados à porta — Falou, gesticulando para que andássemos — Estou terminando uma poção, Nick. Quero que teste e me diga o que é.

— Claro, Zya.

Nicholas se sentou em uma poltrona ao lado de um vitral fino e longo, parecia curioso, curvado e com sua mão apoiando seu queixo enquanto olhava Zya mexer com seus diversos frascos coloridos. Permaneci ali, no arco da porta. Com medo? Não sabia dizer, afinal, nunca havia encontrado um mago.

— Querida, está certa de que não quer se sentar? — Perguntou Zya, virando-se para mim.

Pude ver seu rosto quadrado, com o maxilar definido e um nariz empinado. Seus olhos eram dourados, mas não claro como o sol, e sim escuro como moedas velhas, estranho, mas extremamente bonito.

— Eu estou bem — Digo, assumindo uma postura quase que militar.

— Sabe, é muito parecida com Draiko, jovem Kyanite — Sua voz é encorpada, meio rouca e sensual — O mesmo cabelo e o nariz, mas seus olhos são verdes.

— Puxei da minha mãe — Expliquei, desconfortável, não queria falar de minha mãe, muito menos de meu pai. Draiko estaria vivo se não tivesse seguido tão cegamente o rei Evander.

— Ah! Eu não sabia que ele tinha uma esposa — Exclamou, entrando para Nicholas um cálice roxo — Quer dizer, sabia que tinha uma filha… Ele falava muito de você, Kyanite, mas nunca falou de sua mãe.

— Ela morreu quando eu era pequena — Suspirei, desviando o olhar.

Era difícil para mim falar sobre ela, pois não sabia nada sobre minha própria mãe. Não tinha nenhuma foto de seu rosto, nenhuma joia que pertencia a ela, nada. Ninguém da aldeia sabia muito sobre ela e meu pai muito menos, quando a perdeu imagino que tenha sido muito difícil de seguir em frente. A única coisa que tenho uma breve recordação são as músicas que cantava para mim quando era pequena, sua voz era doce e gentil, e com suas canções me colocava para dormir com facilidade.

— Eu sinto muito… — Zya soprou, apoiando-se de costas em sua mesa de madeira — Eu não sabia que…

— Não tem problema — Pisco meus olhos rapidamente, não queria chorar na frente dessa gente. Me sentia estúpida por ser tão facilmente abalada por minhas memórias, Evander estava certo quando me trouxe para o castelo da Alta Corte, eu seria uma líder patética — Não me lembro dela.

Zya balança a cabeça positivamente, escapando do assunto da forma mais sutil possível.

— O que eu fiz, Nick? — Perguntou, virando-se para seu pupilo.

— Com hortelã, tronco de wilsoth e mel… Estou certo? — Ele disse, cheirando mais uma vez a mistura e ela assentiu — Uma poção de cicatrização de menor poder. Não é para ser ingerido e sim passar no local ferido. Acelera, mas não tanto. Porém, serve como um bom anestésico.

— Brilhante! — Ela sorriu e pude ver que seus dois caninos não eram brancos e sim dourados, feitos de ouro.

— Aprenderei isso também? — Indago, caminhando para uma mesa cheia de cristais. Havia algo terrivelmente familiar em Zya e eu não sabia dizer o que era — Poções de cura e como usar cristais?

— Infelizmente não — Nicholas suspirou, devolvendo o cálice — Meu pai quer que conheça Elvenore, desde de sua história até as criaturas que aqui habitam.

— Não sou idiota — Resmunguei, devolvendo uma pedra meio azul e meio verde para a mesinha.

— Não, não é — Zya sorriu mais uma vez, apontando para minha mão — Aquela pedra que escolheu se chama Água Marinha, é uma pedra preciosa formada pelas lágrimas das sereias… Cristais dizem muito sobre nós, sabia Kyanite? — Ela se aproxima de mim, pegando a pedra da mesa — Eles atraem a nossa energia… O que levou você a pegar essa pedra?

— E-Eu… — Não sabia o que responder. Dentro de mim um turbilhão de emoções ricocheteia contra todas as minhas células. Estava com raiva ao mesmo tempo que estava triste — Apenas a peguei.

— Intuitivamente?

— Não sei dizer…

— Só pela pedra que escolheu posso dizer que seu coração anda conturbado, imagino que suas emoções estejam meio desconexas e confusas, estou errada?

— Bem, não estou aqui porque quero — Soprei, incerta se deveria falar mais coisa perto de Nicholas — Meu lugar é em Elfdale e não no palácio da Alta Corte.

— Sente-se e vamos tomar um chá — Ela apontou para uma cadeira roxa escura — Nicholas, preciso de mais raízes negras e pó de cardamomo. Pode comprar para mim no Mercado de Pulgas?

— Se me queria fora de seus aposentos, Zya, é só falar — Nicholas sorri, acenando para mim — Não coma nada que ela te oferecer… Ela é péssima na cozinha.

— Nick! — Exclamou, cruzando os braços.

— Kyanite precisa estar bem para o almoço hoje — Falou tentando esconder um sorriso brincalhão que lutava para tomar conta de seu rosto.

Uma linha fina surge em meus lábios, talvez Nicholas fosse um bom aliado ou até mesmo um bom amigo para se ter. Ele se despede curvando-se para mim e dando um beijo na bochecha vermelha de raiva de Zya, partindo para buscar o que ela havia pedido.

— Às vezes esse menino merece uma palmadinha — Suspirou, me olhando nos olhos — Não acha?

— Ele não é tão ruim quanto Dominic — Deixo escapar, observando-a mexer com seu bule escuro, ervas e xícaras de porcelana.

— Dominic… Esse menino sempre me deu muito trabalho — Falou, ficando de costas para mim — Camomila ou rosa?

— Hum… Camomila — Respondo, encarando as minhas mãos, que estavam apoiadas em minhas pernas.

— O preferido do seu pai — Ela diz, servindo a pequena xícara — É incrível a semelhança entre vocês dois…

Agradeço a bebida quente, esperando ela se sentar na minha frente.

— Eu sinto muito pela sua perda, Kyanite — Zya repousa sua porcelana na mesa, esticando sua mão em minha direção — Meu coração está com você.

— Obrigada — Minha voz soa triste e, por um momento, eu senti o meu corpo gelar. Queria poder voltar para Elfdale e passar horas e horas observando a minha casa, tudo nela exalava a presença de Draiko, desde a fogueira torta mas funcional, até os armários entalhados com marcas de adagas.

Respirei fundo, controlando as minhas emoções e memórias, segurando com cuidado a mão macia e fria de Zya. Uma corrente elétrica voraz e fervente percorre o meu corpo, fazendo o meu coração pulsar como uma máquina descontrolada. Eu sentia que podia explodir a qualquer momento, como se minha pele fosse fogo puro e tudo dentro de mim fosse feito de gelo, uma luta constante e cruel.

Tudo ao meu redor começou a se mover de forma estranha, minha visão ficava turva aos poucos e se eu não tivesse me apoiando na cadeira com as minhas duas mãos eu tinha certeza de que cairia com tudo no chão, provavelmente atingindo o piso de pedra com a minha cabeça.

Algo revira dentro de mim, uma espécie de fera que estava dormente há muitos anos. Um fogo gélido e dominante percorre minhas veias no lugar do meu sangue, fazendo meu corpo enrijecer, como se estivesse virando uma estátua de gelo. Eu estava dividida, uma parte de mim dizia-me que eu estava prestes a morrer e a outra, e eu não sabia o quão dominante era ela, me alertava de tudo isso era terrivelmente familiar.

Me engasgo com o ar, estava segurando minha respiração por todo esse tempo e, quando finalmente consigo inspirar, sou atingida por uma rajada quente de ar tropical, o sal e a areia penetram minhas narinas como ácido, corroendo desde a minha garganta até meus pulmões com uma ferocidade animal.

Tento gritar, clamar por ajuda, mas nada sai de meus lábios, apenas um gemido fraco de derrota. “O que diabos está acontecendo”, pensei sentindo meu corpo fraquejar. Precisei reunir forças que eu não sabia que existiam em mim para encostar minha cabeça na parte de trás da cadeira e então tudo girou.

Uma. Duas. Várias vezes.

— Milady? — A voz de Phyx ecoa pela minha cabeça, mas eu não sabia se estava longe de mim ou não.

Ela poderia muito bem estar na aldeia perto do palácio da Alta Corte, pois se eu voltasse minha atenção total para a minha audição, seria capaz de escutar os aldeões. Entretanto, ela poderia estar ao meu lado, parada a poucos centímetros de distância de mim e eu não saberia dizer. Meu sentido de localização estava estranhamente confuso, perdida em um cômodo de tamanho mediano e eu me sentia estupidamente fraca e frágil.

— Milady! — Ela exclamou e senti suas mãos ásperas e ágeis agarrarem os meus braços.

A força invernal que dominava o meu corpo se esvai como em um passe de mágica, evaporando pelos poros de minha pele e sumindo no ar quente da praia.

— Guardas! — Phyx gritou, seus dedos se movimentavam fazendo barulhos, estalos, para que eu olhasse para ela, mas tudo o que eu via era um borrão de preto e marrom.

— Zya… — O nome da maga escapa de meus lábios como um sussurro — Eu…

— Não fale, milady — Phyx pediu, colocando um manto úmido na minha testa — Zya está no chão, desmaiada, mas sem ferimentos — Sua voz é rígida e severa, dura demais para alguém como ela que provavelmente tinha minha idade e, sem sombra de dúvida, dura demais para o que eu imaginava para uma dríade, era quase que como se Dominic fosse uma ninfa.

Suas mãos experientes abrem meus olhos, examinado-os.

— Ela te deu algo para beber? — Perguntou, mas sua voz parecia uma canção de ninar, tão branda que eu poderia dormir…

— Sim… Mas não — Murmurei, tentando permanecer acordada, porém meu corpo lutava contra isso — Chá.

— Mas que droga, Zya! — Ela sibilou, fungando e tossindo — O que colocou nessa droga de chá?!

— Camo… Camomila…

— Sim, eu consigo sentir esse cheiro nauseante — Phyx rosnou — Nada a mais, milady?

Náusea. Isso! Essa era a minha resposta. Algo em mim se revirava e precisava sair e eu, estoicamente teimosa como sou, iria arrancá-lo de dentro de mim. Pensou em algo nojento, um bolo de minhocas e isso foi o suficiente para o café que tomei de manhã começar a se mover dentro de mim. Minha mente prende a face de Dominic no fundo do meu cérebro.

Insignificante.

Meu corpo é tomado pelo nojo e sou forçada a ficar sentada por mãos grandes e estupidamente quentes. Repouso minhas mãos na barriga, sentindo toda aquela sensação estranha se acumular em minha garganta e então…

— Ah, que porcaria! — Phyx sibilou enquanto eu vomitava — Uh, isso, milady… Coloque tudo para fora…

Minha garganta ardia e um gosto pútrido assumiu conta da minha boca, entretanto eu podia sentir minha mente se acalmar e meu corpo voltar ao estado de antes. Fungo e respiro fundo várias vezes, estava assustada demais para falar quaisquer coisas, mas não tão acovardada para deixar os outros me verem chorar.

Aquilo tinha sido, sem nem pensar duas vezes, a pior experiência da minha vida.

— Kyanite — Uma voz rouca me chama, o hálito quente toca com precisão o meu pescoço, fazendo meus pelos arrepiarem e meu corpo tremer.

— Água… — Peço num chiado, apertando minhas mãos contra as minhas coxas.

Eu estava em frangalhos.

— Kyanite — A voz me chama novamente, mas dessa vez mais baixo, como se estivesse ajoelhada ao meu lado.

A mão quente segura a minha com firmeza, me dando uma estabilidade que eu tão intensamente precisava. Tudo em mim voltava ao normal, primeiro minha pele, que não queimava mais, depois o interior de seu ser, que não era mais uma geleira. A minha mente veio logo em seguida, mais clara e serena. Phyx havia deixado um copo de água fria na minha outra mão, me fornecendo outra fonte de calmaria.

— Beba, milady. Vai ajudar…

Assenti e tomei água. O líquido cristalino, a aquela altura, era como mel, denso, doce e perfeito. Uma bebida divina que colocava tudo em ordem. Estava finalmente estabilizada, meu corpo era meu e não de uma magia insana.

— Sente-se melhor, Kyanite? — A voz familiar pergunta e eu balanço a cabeça positivamente.

— Muito melhor — Murmurei, virando-me para encarar o dono da voz.

Engulo em seco, me desvencilhando do seu toque.

— Dominic!

— Não fique tão surpresa! Quando uma dama de companhia grita por socorro, eu não vou ficar parado — Disse, sua voz retornou ao tom indiferente de sempre, mas seu olhar, de um azul vibrante e hipnotizante, estava diferente. Preocupado? — No que se enfiou?

— Eu… — Sinto meu corpo aquecer de raiva — Como deveria saber? — Exclamo, fuzilando-o com o olhar — A maga louca não é minha!

— Ela não é minha! Zya pode fazer o que bem quiser… Não sou seu dono!— Rosnou, seu olhar, outrora desconcertado, agora parecia me devorar — Trabalha para o meu pai e serve à coroa…

— Eu não poderia me importar menos — Ladro, interrompendo-o e cerrando meu maxilar tão forte que tinha certeza de que havia trincado um dente.

Aquele homem fazia um fogo ardente e descontrolado queimar dentro de mim. Ele é diabolicamente bonito, com seu cabelo negro, maxilar marcado e feições guerreiras, mas era presunçoso, rude e um completo idiota.

— Estou cansado de andar por aí salvando a sua vida — Sibilou, seus olhos castanhos pareciam um terremoto, escuros e catastróficos — Aprenda a se comportar, Kyanite.

— Salvando a minha vida? — Minha voz saiu como um guinchado e minha boca estava aberta, se não estivesse tão chocada poderia ter o socado — Em primeiro lugar, a única coisa que fez por mim, Dominic, foi me arrastar para um lugar que eu não queria ir! — Ele permanece indiferente, rígido e inexpressivo — E segundo, até onde eu sei fui eu que matei aquela maldita loba na floresta e que ajudou com a ferida!

— Eu só fui atacado por que você, Kyanite, quis racionalizar com um animal!

— Ela não era um animal! — Gritei, fechando minhas mãos em punhos. “Eu vou socá-lo”, pensei — Era humana, como você, Dominic, mas se engraçou com um mago, como a Zya, e se deu muito mal!

— Aquela coisa já não era humana a muito tempo…

— E se fosse você? — Ousei, precisando reunir toda a minha falta de paciência para não acabar com ele ali e agora — Acorrentado a um destino que não escolheu e sendo forçado a viver como um animal?

O cômodo foi invadido por um silêncio sepulcral, algo em mim dizia que Dominic era capaz de ouvir o meu coração bater em um ritmo acelerado. Ele me olhava de cima a baixo, procurando um ponto fraco, coçando a própria mente a procura de uma resposta, mas nada. Ficou em silêncio, ali na minha frente, com os braços musculosos e rígidos cruzados sobre seu peitoral. Magoado? Impossível, Dominic Dragomir não tem sentimentos!

“Ele nem deve saber o que são emoções…”, pensei.

— Cuidado com a sua boca, Kyanite — Ele disse, cortando o silêncio com sua língua afiada — Você não sabe com quem está lidando…

— É uma ameaça? — Arqueei a sobrancelha, me aproximando dele, ficando a perigosos centímetros de distância dele.

— Um aviso — Sua voz soou tão rouca que fez meus ossos tremerem.

E com isso ele partiu, sem me olhar, pisando fundo, me deixando no cômodo com Zya, desmaiada em seu tapete verde-escuro e macia, e com Phyx, parada ao meu lado, segurando o copo com água.

— Não consigo decidir se é idiota ou muito corajosa por rebater Dominic — Falou, repousando suas mãos na cintura — Acho que vou ficar com idiota…

Sorrio, sentindo todos os meus músculos arderem.

— Podemos voltar para o meu quarto? — Pergunto, olhando-a nos olhos — Preciso de uma soneca de três dias.

— Claro, milady.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!



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