Elvenore: A Revolução Das Marés escrita por Pandora Ventrue Black


Capítulo 33
Capítulo 31




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Na guerra tudo é justo

Dominic

Por mais que estivesse debaixo da água fria do chuveiro, meu corpo fervilhava como se estivesse pressionado contra um ferro quente, ao menos não seria a primeira vez que isso acontecia comigo de forma literal. Mas dessa vez, era diferente, o calor vinha de onde Kyanite havia me tocado: mãos, maxilar, bochechas…

Balanço a cabeça, ouvindo as gotas que escapavam do meu cabelo molhado se chocarem contra o mármore e o vidro do banheiro. Aquela noite ainda estava viva em minha mente, tão fresca quanto a água que atingia minha pele quente, naqueles poucos minutos Kyanite fez as milhares de barreiras, que eu mantinha em pé desde de meus primeiros anos de vida, cederem como se fossem feitas de gelatina.

Quem diria que Dominic Drogomir se acostumaria comigo…”, foi o que ela disse quando terminamos de nos beijar. Kyanite estava em meus braços, enroscada entre meu peito e a barreira estúpida de travesseiros que ela mesma propôs. Tão serena… Tranquila.

Sim, estou certa de que quero você, Dominic.”

Um tremor toma conta de meu corpo e repouso minhas mãos no mármore frio na minha frente. Ela me queria e eu a desejava mais do que conseguia expressar em palavras. A verdade era que quando começamos a crescer, eu deixei de ver Kyanite como a criança que era péssima em matemática, e sim como a elfa forte e sensual que era. Uma mulher tão determinada, que se quisesse podia destruir vilas. Muito bem treinada, uma guerreira, como o pai dela.

Tudo o que tinha em Draiko, Kyanite também tinha. A teimosia, a força, a cabeça dura. Mas é claro, diferentemente do barbudo do pai dela, Kyan era linda. Seus cabelos castanhos escuros, tão compridos que poderia penteá-los até meus braços cansarem, eram como uma cachoeira densa e sempre domada em uma trança. Seus olhos, de um verde denso e hipnotizante, são curiosos e astutos, aperfeiçoando suas feições élficas e guerreiras. Por mais que ela fosse mais alta do que todas as mulheres da corte, havia uma elegância toda vez que ela andava, principalmente quando cavalgava, mesmo veloz como um falcão e selvagem como um lobo das montanhas.

— Droga! — Um rosnado escapa de minha boca.

Não conseguia tirar ela na da minha cabeça e também não queria esquecê-la. Kyanite era a minha sanidade e minha perdição…

Fecho o registro com uma certa brutalidade e me enrolo na toalha, saindo do banheiro e entrando no quarto. Ainda podia sentir o gosto de seu beijo, tão doce que acabou por se tornar minha sobremesa preferida. Naquela noite ela poderia ter sido minha por completo, voltaria para o palácio e seriamos agraciados pelo meu pai, mesmo eu tendo fugido completamente de seu plano de apenas deixar Kyanite do nosso lado e não me apaixonar.

Entretanto, Skander estragou tudo, assim como arruinou meus planos com Aysel. Aquele verme gostava de atrapalhar a minha vida, mas agora eu tinha um motivo para matá-lo e o faria com prazer.

— Se pretendia ficar mais feio do que um porco todo sujo de lama, posso avisar ao rei que precisa de um dia de spa — A voz de meu valete percorre o cômodo, fazendo minha raiva crescer ainda mais.

— Cale a boca, Casper.

— Sempre tão educado — Ele murmurou piscando os olhos para mim, grunhi, me arrastando para a cômoda — É por isso que ninguém gosta de você, Dominic.

— Você gosta de mim — Tentei brincar, mas minha voz saiu fria.

— Eu te suporto porque sou seu valete. É diferente.

— Quando te salvei daquele casamento com a condessa Elyra você disse que era meu amigo, Casper — Encarei seus olhos castanhos e brincalhões.

— Aquilo foi um favor que nunca esquecerei, meu príncipe.

— Ah, credo — Vociferei, atirando minha roupa para ele — Pare com isso, homem. Não tem que fazer outra coisa, ou se tornou meu valete para encher o meu saco?

— Faz parte do meu trabalho te irritar — Ele sorriu, arrumando as roupas na cama — Péssima escolha para a reunião, a propósito… — Reviro os olhos, respirando fundo para não socá-lo — Pegue a camisa de linho branca e o colete e vestes azuis. O rei vai gostar.

— Para o inferno com o que o rei gosta — Esbravejei, vasculhando a cômoda mais uma vez.

— Nossa, alguém aqui acordou de mal humor! — Casper continuou me irritando e infelizmente não tive como escapar de sua matraca — Acho que isso é saudade de um certo alguém…

— Casper — Um aviso, ele não ousaria continuar falando…

Quem eu estou querendo enganar, ele nunca fecharia a boca.

— Sei que está sem sua namoradinha, mas isso não significa que pode sair com esse seu uniforme brega e monótono — Continuou, me ignorando e mexendo nas minhas gavetas — Se Kyanite estivesse aqui usaria algo mais bonito, não é? Toda vez que se vestia, me perguntava o que mulheres gostam…

— Eu te dou o dia de folga se calar a boca — Tentei, me sentando na poltrona, minha toalha molhava o estofado.

— Eu sou seu amigo, não vou deixar que passe vergonha.

— Achei que não fosse meu amigo — Retruquei, olhando pela fresta entre as cortinas.

— É claro que sou seu amigo, seu idiota. Só eu que aguento essa sua cara nobremente amassada de filhote perdido e sua personalidade de anão — Reclamou, jogando as roupas que escolheu na cama — Vista-se e não demore.

— É a minha mãe ou meu amigo?

— Um pouco dos dois — Sorriu, apontando para a roupa que tinha escolhido — E se comportar, te dou um presente de aniversário adiantado.

— Fora — Pedi, revirando os olhos.

— Como quiser, majestade — Ronronou, havia um tom de jocosidade em seus olhos, o que me fez sorrir brevemente.

Finalmente sozinho analisei a roupa escolhida por ele. Expiro, tão cansado que mal pude acreditar no que ele tinha escolhido. Era um terno vermelho-escuro que eu raramente usava (Lê-se: ganhei de presente da minha mãe e nunca usei por ser, bem, colorido demais). Simplesmente atiro a roupa na cômoda e pego o que normalmente usava quando Kyanite estava perto, uma camisa de linho branca, um terno preto e meus sapatos de montaria da mesma cor.

— Porque tem um valete se nem usa o que eu separo? — Casper choramingou quando saí do quarto.

— Você era meu amigo antes de ser meu valete, lembra?

O som do silêncio dele era minha música preferida.

— Ah, que saber? Você é um idiota — Vociferou, vasculhando seu bolso.

— Já me chamou de coisas bem piores — Falei, indiferente.

— Toma e desapareça — Atirou na minha direção o lenço de Kyanite, o tecido verde e macio que ela deixou comigo antes de desaparecer com Skander.

A flanela queima em minha mão e sinto meu coração despencar até meu estômago. Eu iria tê-la de novo, nem que me matasse no processo.

— Obrigado — Minha voz é cortante e determinada e acelero a passos rápido em direção ao salão de reunião.

✵ ✵ ♔ ✵ ✵

 

Sou o primeiro a chegar, o salão oval estava tão vazio que pude escutar o meu próprio coração bater alto. A fita verde de Kyanite queimava no bolso da calça, um eterno lembrete de que ela não estava aqui, ao meu lado. Um lembrete de que, a essa altura, ela já deve saber o que realmente se passava por essas paredes, todas as farsas cuidadosamente planejadas pelo meu pai, onde eu e Nicholas tínhamos papéis de peso que precisavam ser executados com precisão.

Eu havia falhado.

Kyanite havia me encantado de uma forma tão arrebatadora que poderia ser considerada estúpida. Minha função era mantê-la na linha, mas eu não tira coragem, ou melhor, não queria domar a sua natureza selvagem. Ela era assim, solta e livre, como uma andorinha, sua beleza emana de seu espírito de corcel indomável.

Me jogo na primeira cadeira e cerro os olhos. Se ela já estivesse com Ciana, saberia de tudo. Absolutamente tudo. Isso me fez suspirar, pois eu sabia o que ela sentiria quando sua própria mãe lhe contasse o que realmente aconteceu no dia em que Draiko foi morto. Kyanite nos odiaria até os ossos e pensar nisso fazia meu coração partir como nunca antes.

Eu precisava fazer alguma coisa, mas o que?

— Bom dia, majestade — Uma voz masculina e rouca ecoa pelo cômodo me afastando de meus devaneios.

— Bom dia, general — Respondi, como se tivesse percebido a sua presença — Alguma notícia de Acqua?

— Nenhuma mudança, majestade — Nox respondeu, sentando-se na minha frente, tomando seu lugar costumeira na mesa de orvalho oval — Navios saíram dos portos para fazer negócios com outras ilhas e já enviamos embarcações para os lugares no intuito de notificá-los de que se continuarem fazendo aliança com os inimigos… Bem, você sabe.

Bufo, arrumando a postura.

Precisava agir e o mais rápido possível.

Aos poucos os outros homens entraram no cômodo, cada um tomando seu lugar na mesa. General Nox se sentava do lado esquerdo de meu pai e eu na segunda cadeira ao lado direito.

— Bom dia, companheiros — O rei falou, sentado-se na ponta.

Meu pai parecia ainda mais furioso do que quando atraquei em Guenivere, sem Kyanite e com homens, incluindo eu, feridos. Havia uma nebulosa sombra de fúria que tomava conta da reunião, quase intocável, mas percebida por todos os presentes. Pela sua postura, tão rígida quanto o tronco de uma árvore, eu sabia que ele destilaria seu ódio na mesa.

— Não vou me demorar, pois sei o quanto estão ocupados, principalmente você, General Nox — Meu pai acenou com a cabeça, ainda sem me olhar — Creio que grande parte de vocês, meus homens, notaram uma cadeira vazia nessa reunião.

Eu certamente tinha notado, pois era a cadeira ao meu lado. Ela pertencia a uma pessoa dissimulada e multifacetada, durante o dia era um grande manipulador, tinha o rei de Elvenore em suas mãos e de noite era uma ovelha em apuros, se fazia de excluído a procura de seguidores.

— Meu filho Nicholas não vai se juntar a essa reunião — Engoli em seco, meu irmão nunca faltava — Depois da miserável missão de Dominic, Kyanite foi praticamente entregue a nossa inimiga — Meu nome era como veneno na boca de Evander, para ele era doloroso dizer as outras pessoas que eu era uma de suas crias, principalmente quando precisava unir todas suas forças para dizer que eu era o herdeiro do trono.

Nós dois sabíamos que essa era uma grande mentira.

— Não temos nossa vantagem, eu sei, mas não precisam se preocupar — Continuou, olhando para todos na mesa, menos para mim — Nicholas veio me procurar durante a noite, avisou que tinha um plano. Não entrou em detalhes, mas nos deixou avisados de que logo entraria em contato — Cerro o maxilar, precisava acalmar o meu coração e pensar.

Eu sabia que, de uma forma ou de outra, eu tinha que ajudar Kyanite, tinha que encontrá-la. Havia algo dentro de mim que ardia e dessa vez não era o seu lenço, era o meu coração. Ele batia de forma desregular, mas não me enfraquecia, na verdade, me deixava mais forte. E como meu pai costuma dizer…

No amor e…

— Na guerra tudo é justo — Pronunciei, fazendo todos os olhares se voltarem para mim — Ficarei atento a qualquer sinal, meu rei — Minha voz é fria e indiferente — Qualquer coisa que vier daquela ilha passará por mim e irá direto para você, meu senhor —Kyanite, me espere, por favor.”, pedi mentalmente — É o mínimo que posso fazer em tempos tão incertos.

Me levanto e me curvo perante Evander, que ainda permanecia em silêncio. Minha espinha doía, mas não era uma dor muscular, e sim espiritual. Fazia anos que eu não compactuava com os ideais de meu pai e quando Kyanite veio morar conosco, eu tive certeza de que não queria uma vida de mentiras e farsas.

— Fique no posto de Guenivere — Falou, finalmente — Atento a tudo.

Uma ordem e não um conselho, como sempre.

— Não o decepcionarei, meu rei — Ergui o tronco e girei os calcanhares, avançando para o lado de fora do salão, sentindo seu olhar queimar o meu pescoço.

Nunca pensei que faria o que estava prestes a fazer e sabia muito bem que se fosse pego sofreria mais do que algumas chicotadas, mas ela valia a pena.


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