Elvenore: A Revolução Das Marés escrita por Pandora Ventrue Black


Capítulo 3
Capítulo 02




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Animal Irracional

 

Não me demorei no banho, afinal havia sido descuidada o suficiente para esquecer de aquecer a água e, consequentemente, ser forçada a tomar uma ducha fria e rápida. Saí do pequeno banheiro, enrolada em um manto fino e quase transparente, me sentindo revigorada e um pouco mais calma.

Sinto minha pele aquecer no momento em que paro na frente de minha cama bagunçada.

— Dominic, o que diabos faz aqui? — Exclamei, irritada. Queria poder socá-lo até desconfigurar a sua cara de debochado.

— Vim me certificar pessoalmente de que não vai nos enganar — Falou, percorrendo meu corpo com o seu olhar frio — Nossa água estava quente e, pelo visto… — Ele apontou para os meus seios com um sorriso estúpido no rosto — A sua, não.

Cruzo os braços sobre meus seios, meus mamilos estavam eriçados por conta da água fria, sendo perceptível pelo robe fino que usava. Meu rosto arde de raiva e vergonha.

— Eu vou com vocês, se é isso que quer ouvir — Sibilei, minha voz saía como veneno — Agora, eu posso me vestir, ou vai atrapalhar até esse aspecto da minha vida?

— Sabe, se estivéssemos na Alta Corte, muitos espalhariam rumores de que está me querendo…

Minha boca pende, formando um “o”. Estava tão atônita que mal conseguia pensar em uma resposta. “Não seria tão ruim matá-lo agora”, pensei “O Rei Evander tem dois filhos, certamente pode perder um…”

— Até onde eu sei, é você que fica invadindo a minha casa — Retruquei atirando em sua direção a toalha que secava o meu cabelo — Seu pai não te ensinou bons modos? Ou a ideia de que príncipes são cavalheiros é só uma farsa?

— Minha mãe me ensinou bem… — Falou, pegando a toalha e se levantando da minha cama, parando perigosamente perto de mim. Talvez ele pudesse sentir a raiva queimar o meu corpo, pois um tom avermelhado assume suas maçãs do rosto — Eu que decidi não usar.

— Fora da minha casa, Dominic!

— Achei que gostasse da minha presença, Kyanite — Meu nome em sua boca parecia fel, uma maldição.

— Ninguém gosta de pisar em pregos…

Ele ri alto e depois me entrega a toalha.

— Cuidado com a sua boca, elfa, ou fará inimigos facilmente no palácio — Alertou se encaminhando até a porta — Não demore, estou cansado de esperar.

Espero ele sair para grunhir. Eu odiava aquele homem mais do que qualquer coisa.

— Como ele consegue ser tão idiota? — Exclamo, indo para a penteadeira — Sinceramente, ou lhe falta cérebro ou o ego dele é maior do que toda Elvenore!

Balanço a cabeça e respiro fundo, não podia deixar que ele influenciasse minhas emoções dessa forma. Visto-me, finalmente, com uma calça escura, uma manta clara, meio bege e meio branca, um corpete marrom que me servia como coldre e, além de ótimo para guardar armas, mantinha minha postura ereta por ter alças que abraçavam rigidamente o meu ombro. Era da minha mãe, Draiko me disse um dia e, desde então, não deixei de usá-lo. Em cima de tudo isso, coloquei uma capa comprida e quente, com o colarinho de pele de lobo negro, confortável o suficiente para sobreviver ao inverno de Elfdale.

Estava pronta ao mesmo tempo que não estava.

Saio pela porta, observando atentamente os olhos de todos ao meu redor. Alguns aldeões pareciam tristes, outros, me incentivaram com a cabeça. Novak estava parado perto da fogueira e me observava atentamente.

— Se esqueceu de apenas uma coisa — Disse, seu olhar era paterno, como se quisesse cuidar de mim — Seu cabelo não está trançado como deveria.

— Novak, você sabe muito bem que tranças nunca foram meu passatempo… — Brinquei, permitindo que ele tocasse em meu cabelo — Estava ocupada demais caçando e pescando.

— É verdade — Sua voz é mansa, como uma brisa de outono, serena — Uma trança central usando metade do cabelo para resiliência… Duas menores, emoldurando seu rosto, para sorte — Explicou tocando em minhas madeixas com carinho e cuidado — E, o mais importante, o enfeite de seu pai.

Ele me entrega uma mecha trançada com uma joia prateada que agarra a ponta do cabelo com firmeza.

— Novak… Achei que tinha junto com o barco…

— É o símbolo dos Liadon, Kyan, era de seu pai, agora é seu e, no futuro, de suas crianças — Falou, apertando o meu ombro com carinho.

Minha visão começa a ficar levemente turva, por conta dos olhos marejados.

— Obrigada — Sussurro me afastando de seu toque, estava na hora de ir, sabia disso pelo olhar lascivo que Rei Evander me lançou. Assobio alto, uma melodia etérea escapa de meus lábios, um chamado.

Era assim que elfos se comunicavam com os animais, por meio de chamados mágicos. Os elfos de Elfdale encontram um cavalo em específico ainda jovens, quando era criança me conectei com um potro malhado, branco e marrom: Rasdir, minha fiel égua. É um encontro de almas eterno, marcado por amor e lealdade.

Rasdir corria pela neve com velocidade, relinchando, com seus cabelos castanhos acompanhando a brisa. Tão linda que, por um momento, me esqueci de respirar. Ela se aproxima de mim e relincha, deixando seu rosto colado ao meu.

— Também senti sua falta, Rasdir — Falei, enroscando meus dedos em sua crina e montando.

— Vejo que finalmente está pronta — Rei Evander falou, calando tudo ao seu redor.

— Eu não usaria essas palavras — Arrisquei, passando pelos seus soldados, parando ao seu lado e de seu garanhão marrom — Mas, sim, estou pronta.

— Ótimo — Seu ânimo podia ser facilmente confundido com ódio.

Me inclinei para frente, fazendo um carinho rápido no focinho de Rasdir. Podia sentir que ela estava assustada, provavelmente por estar rodeada de cavalos treinados e por humanos. Seu corpo treme debaixo de mim, a égua relincha, pisoteando o chão.

— É melhor treiná-la, Kyanite — O Rei falou, estático como uma estátua de mármore e severo como uma tempestade de raios — Não quero que desonre o nome Dragomir.

— Não domesticamos nossos animais, Rei Evander — Tentei soar diplomática e tranquila, mas tinha certeza de que tinha falhado ao ver a expressão de reprovação de Novak — Nossos corcéis são selvagens porque nasceram na natureza e, se espere que eu dome Rasdir, sugiro que o faça sentado — Escuto Dominic grunhir e um sorriso vitorioso assume os meus lábios — Ela normalmente é dócil, Rei Evander, mas não está acostumada com cavalos tão… Disciplinados.

— Não quero desculpas, Kyanite — Falou, uma ordem e não um conselho — Eduque seu animal.

Rasdir relincha, sentia-se contrariada.

— É melhor irmos, não devemos perder a luz do sol — Brandou, avisando todos os seus soldados.

Novak assente.

Estava chegando ao fim.

Olho para trás, observando as casinhas de madeira da vila, cada uma com o seu charme e simplicidade. Suas janelas eram coloridas, algumas amarelas, outras azuis, as de minha casa eram vermelhas, mas não como sangue, escuro e nefasto, e sim alegre, como o por do sol. Analiso a fogueira no centro da aldeia, alta e imponente, queimando um fogo baixo, como se estivesse triste com a minha partida.

Meu olhar alcança o Rio Branco, suas águas corriam calmas e serenas, cristalinas. Não haveria nada no castelo de Evander que seria similar a Elfdale. Lá seria coberto pela sombra da ganância humana e exageros mundanos. Meu lar não era assim, era tranquilo e pacífico.

Vivemos como a natureza nos pede e agradecemos cada virada de estação. O frio, o vento, as flores e o calor eram sempre bem-vindos.

Sinto lágrimas quentes se formarem em meus olhos e, por orgulho, não deixaria nenhum humano me ver chorar, principalmente Dominic e Evander, seria humilhação demais.

Os olhos sutis e serenos de Novak encontram a tempestade do meu. Ele moveu os lábios formando a palavra “cinza”. Eu estava cinza, triste, meus olhos combinavam perfeitamente com o meu humor. Balanço a cabeça, precisava ser forte por Elfdale e todos os seus moradores. Precisava seguir em frente e me tornar uma boa líder.

Precisava ser forte e corajosa como o meu pai.

— Pai… — Um ruído fino e melancólico escapou de meus lábios.

Me sentia uma completa idiota por ter esquecido aquilo.

Seguro os cabelos de Rasdir e acelero, mesmo ouvindo as ordens do Rei Evander e de seu filho, eles desaprovam o meu comportamento, mas, naquele momento, eu não poderia ligar menos. Não podia esquecer aquilo, seria um pecado.

Avanço até a Casa das Armas, parando na lateral, analisando todas as aljavas que ficavam penduradas na madeira.

Ali estava a aljava de meu pai. Vermelha e cheia de flechas com pontas de penas negras dos corvos. O arco de madeira de freixo não estava longo. Desço do cavalo com agilidade, secando uma lágrima teimosa que escorria pelo meu rosto.

Agora estava definitivamente pronta para seguir com os planos de Evander.

Eu tinha o meu pai comigo.

Subo em Rasdir, com o arco e flecha presos em minhas costas. Movimento a égua para pare perfeitamente na entrada de Elfdale, bem abaixo do arco de madeira clara que mais parecia um emaranhado de raízes. Encaro a neve, esperando os homens de Evander aparecer, mas sou surpreendida pelo Rei, que foi o primeiro a me alcançar.

— Aonde pensa que está indo?

— Lugar algum. Estou para aqui, esperando vocês — Retruquei, arrumando a postura — Queria ver o quanto demoraria para me alcançar.

— Melhores seus modos, garota — Sibilou, parando bem perto de mim.

— Não deveria falar assim com uma elfa, Rei Evander — Sussurro, sem olhá-lo, observando a cavalaria se aproximar — Não sabe quando usamos nossa magia.

Escuto o couro da sela de seu cavalo ranger.

“Eu não serei domada como o seu filho, Vossa Majestade”, era o que eu queria falar.

— Vamos ficar parados aqui discutindo etiqueta ou iremos para o palácio?

Vejo seu maxilar enrijecer, se ele cerrasse mais um pouco a boca, era capaz de trincar um dente. Evander assobia e um soldado assume a dianteira do grupo, cavalgando a uma velocidade confortável.

“Adeus, Elfdale”, eu deveria dizer.

Mas não foi uma despedida, ela apenas um tempo.

Eu voltaria para a minha casa, custe o que custar.



Demoramos cerca de seis horas para passar com segurança pelo caminho frio e sinuoso da Floresta de Galodonel, tudo tinha que ser feito com cuidado, já que o lugar é perigoso, mesmo com tantos soldados reais. A mata era uma barreira entre o resto do mundo e Elfdale, sendo atravessada apenas pelo Rei Evander quando ele precisava da ajuda de meu pai. Nós, elfos, sabemos como contornar as árvores grossas e os riachos de água escura, nascemos na região e usamos a floresta como fonte primária de alimento.

— Deve se sentir em casa — Dominic falou, aproximando seu cavalo do meu.

— Não precisamos de conversinhas, Dominic — Retruco, sem tirar o meu foco do caminho — Achei que não precisava mais falar com você já que aceitei ir para Corte Real.

— Sempre cortando a diversão assim que ela começa, não é Kyan?

— Kyanite para você. Não me lembro de ter te dado tanta intimidade… — Minha voz soa rígida como um tronco de sequoia.

— Eu a vi nua, acho que isso já diz o bastante — Sua fala sai baixa o suficiente para que apenas eu o escutasse, mas era maliciosa e nociva.

Sinto meu rosto aquecer. Em primeiro lugar, ele não havia me visto nua, estava de robe. Segundo, Dominic invadiu minha casa, pela segunda vez em poucas horas, então não foi exatamente convidado para me ver.

— Está vermelha — Avisou, com um sorriso presunçoso no rosto — Cuidado, vou começar a achar que o rubor em suas bochechas significa outra coisa.

— Acredite em mim, Dominic, estou ardendo de raiva — Meu olhar encontra o dele, queria poder o derrubar do cavalo e o esquecer na floresta, para que os animais selvagens terminasse ele dolorosamente — Se pensa que posso sentir outra coisa por você, está se iludindo.

— Você se acha tão superior…

— E sou — Rasdir relincha, concordando comigo — Não consegue ver?

— Não — Frio e calculado, como sempre — Se é tão superior assim, porque segue as ordens de meu pai?

— Esqueceu que ameaçou queimar Elfdale? — Sinto meu coração bater rápido, aquele homem me dava nos nervos — Eu não esqueci.

— Ah, aquilo…

— É… — Resmunguei, me arrumando em cima de Rasdir, estava começando a ficar cansada.

— Devemos montar um acampamento aqui — A voz de Evander ecoou, passando pelas folhagens até os meus ouvidos — Amanhã seguiremos até o palácio.

Os soldados assentem e começam a montar um acampamento improvisado. Com os pés no chão úmido da floresta, levo Rasdir e minhas coisas para um lugar mais afastado, não queria ficar perto de Dominic e Evander. A noite não demorou a cair e eu estava grata por conta disso, os homens do Rei estavam reunidos ao redor de uma fogueira pequena e agora tinham rostos, não era só mais cabeças usando um elmo com o emblema real.

Podia observar cabelos castanhos, loiros e ruivos. Lábios finos e outros mais grossos. Peles de todas as cores, com sardas e sem elas. Pessoas, humanos com sentimentos e desejos, talvez até com corações partidos. Eles possuíam algo que o Rei Evander jamais teria: humanidade.

Rasdir relincha, estava assustada, mas eu não sabia exatamente o porquê.

Respiro fundo e deixo meus sentidos analisarem tudo ao meu redor. Havia um barulho de folhas sendo pisadas e galhos sendo quebrados, mas não conseguia identificar de onde vinha, os soldados estavam rindo alto demais para que eu conseguisse localizar o perigo. Meu coração acelera, poderia ser qualquer coisa, desde de um mísero sapinho a criaturas mais perigosas, como ogros ou ninfas.

Um calafrio percorreu minha espinha. Ninfas, com sua beleza fatal, podiam seduzir qualquer homem a um destino cruel. São conhecidas por suas lindas faces e desejos macabros e adoravam brincar com o corpo inerte de um mundano e evitavam, felizmente, contato com os elfos.

Mas antes que eu pudesse pensar em qualquer tragédia, um ouvo triste e pesaroso me acorda de meus devaneios. Havia um logo cinza entre nós, ou melhor, na região onde os soldados fizeram o fogo. Me levanto rapidamente, pegando meu arco e flecha, indo na direção de nosso inimigo.

Era uma criatura imensa, muito maior do que um lobo comum. Meu olhar é captado pela criatura, as pequenas jóias de âmbar que carregava contava uma história cruel: uma jovem moça que se apaixonara por um mago e, infelizmente, não teve um final feliz. Era capaz de escutar meu coração partir, sua dor era minha agora.

Minha visão periférica capta os homens do rei armando-se, eles iam matá-la.

— Parem! — Ordenei levantando as mãos — Parem!

— No que está pensando, elfa? — Um soldado reclamou.

— Vai matar a gente essa coisa — Outro falou.

— Apenas calem a boca!

A loba choraminga, uivando logo em seguida. Sabia que ela estava aterrorizada, provavelmente procurando uma saída.

— Eu entendo você — Sussurrei, levantando a mecha de cabelo que cobria minhas orelhas pontiagudas — Eu sou uma elfa e posso te ajudar.

— Kyanite, o que está fazendo? — Dominic grunhi, segurando o meu punho com força — Essa coisa é perigosa…

— Ela não é uma coisa — Sibilei, encarando-o e, por uma fração de segundo, o vi vacilar. Seu olhar recai sobre mim com pena, ou seria medo? — Ela era uma jovem moça…

Me viro para o animal, me desvencilhando do toque quente e caloroso de Dominic. Levanto minha mão em sua direção no intuito de acalmá-la. Precisava guiar ele com segurança até a parte externa do acampamento.

— Confie em mim — Murmurei, ousando dar um passo em sua direção.

Movimento errado e obviamente mal pensado.

A loba rosna, mostrando seus dentes afiados e amarelos. Começava a entender que ela tinha perdido sua humanidade, não era mais uma jovem garota presa em um corpo animal. Era apenas uma criatura, movida por medo e desejo de sangue, seu passado estava definitivamente no passado, trancafiado dentro dela em um lugar que nunca seria encontrado ou novamente aberto.

Engulo em seco. Mesmo ela sendo um lobo selvagem, eu estava disposta a ajudá-la, não queria presenciar nenhuma carnificina desnecessária.

— Todos para trás! — Falei, incerta de como o animal reagiria.

— Kyan… — Ele me chamou e, pela primeira vez desde que o conheci, ele estava realmente preocupado — Você tem certeza?

“Não, é claro que não!”, pensei “Achei que poderia ajudá-la, mas é apenas uma besta agora… Não sobrou nada humano dentro dela”. Estava com medo, meu coração palpitava contra meu peito, tornando o ar pesado demais para respirar.

— Tenho certeza de que… — Tentei mentir, mas era impossível. — Confio nas minhas habilidades.

Ele assentiu, movimentando-se com leveza e cuidado para trás de mim.

— Eu posso te tirar daqui — Falei, voltando toda a minha atenção para o animal — Confie em mim.

Um rosnado irritado escapa de sua boca enquanto suas garras de cravam na terra da floresta. Ela avançava em minha direção aos poucos, eu só não sabia se isso era um sinal de confiança ou se estava apenas se preparando para me atacar. A ambiguidade corroía os meus ossos.

Lentamente movimento minha cabeça, apontando para a saída, dobrando meus joelhos para que ela não me encare como uma ameaça e sim como um aliado.

— É por ali — Queria que tivesse soado tranquilo e sereno, mas o tremor em minha fala era óbvio — A saída é por ali…

— Kyan — Dominic grunhiu atrás de mim, ele estava pronto para matar o animal assim que eu lhe desse o comando.

— Eu sei que pode não estar me entendendo… — Pronuncie, encarando-a — Posso ver o que aconteceu com você e… — Ela rosna, ficando perigosamente perto de mim. Podia sentir seu hálito quente e férrico; o animal iria me atacar — Por favor.

Eu devia parecer uma louca, pedindo favores a um animal selvagem. Talvez eu realmente estivesse louca… 

Seu olhar recai sobre mim, como se estivesse analisando cada pedaço de mim, qual seria mais gostoso de comer cru, qual parte é mais macia e quais dos meus ossos seriam mais fáceis de quebrar. Minha respiração vacila, um chiado fino escapa de meus lábios. Tinha certeza de que meu olhos estavam azuis-escuros de medo, trazendo à tona o que estava sentindo.

Antes que ela pudesse avançar para me matar com voracidade, eu fecho os olhos. Me sentia ridiculamente despreparada, mas estava petrificada de medo.

Um uivo raivoso sai de sua boca, mas antes que ela pudesse atacar, estraçalhar minha carne com suas unhas, algo a atinge, fazendo-a chorar, um barulho agudo e doloroso, como o de um cachorro ferido. Sinto as mãos de Dominic agarrarem os meus braços e me atirando no chão, forçando-me a rolar para evitar maiores danos ao meu corpo.

Paro de joelhos no chão, não muito longe de minha aljava, mas não distante o suficiente da luta. Podia ver o animal atacando Dominic e seus guardas com agilidade e destreza, parecia que era treinado. Suas garras, curvas e sujas, se moviam com velocidade, investindo sabiamente quando necessário e, quando atacava, acertava com maestria a pele frágil de um de seus inimigos.

Respiro fundo, não podia ser tão fraca, afinal, fui eu que a deixei no acampamento.

Estico meus braços para pegar o arco e algumas flechas.

Meu coração batia tão rapidamente que meu equilíbrio com a arma havia sido prejudicado, mas todo o nervosismo e terror passou quando vi o príncipe ser atingido pelas unhas compridas da loba. Ela havia acertado em seu peito, rasgando o manto bege que ele usava de camisa, deixando um rastro feio e ensanguentado.

Dominic grunhi e cai sentado no chão.

Eu estava, naquele momento, respirando veneno. Meu corpo trava, era como se estivesse se movimentando sozinho. Ergo o arco e miro perfeitamente na cabeça do animal, atirando logo em seguida. A flecha de ponta de prata atravessa o crânio da loba em segundos.

Seu corpo peludo pende para o lado, caindo em um baque surdo e pesado.

— Dominic — Chamei, acelerando em sua direção.

A pele de seu peito estava dilacerada, sangrando em cinco vias diferentes. Seu sangue pingava, manchando sua camisa e, por eu tentar estancar o ferimento, minhas mãos. O príncipe reclama, mas eu decidi o ignorar, boas palavras nunca escapavam de sua boca quando estava furioso.

— O que achou que… — Gemeu de dor, jogando a cabeça para trás — Ia conseguir com um animal irracional?

— E-Eu… Gaguejei, pegando um pano aleatório para pressionar sua ferida — Já disse que elfos conseguem se comunicar com os animais!

— Então fez um péssimo trabalho!

— Estava tentando tirá-la daqui em segurança — Vociferei, apertando o ferimento para ver se conseguia calá-lo — É tão difícil para você entender que atitudes boas existem?

— Não acredito em bons atos, Kyanite! — Rosnou, agarrando com as mãos a grama debaixo de si — Há sempre uma finalidade para qualquer ação e… Ah, pode parar com isso? Quer me matar?!

— Não! — Gritei, me segurando para não socá-lo — Quer dizer, já quis sim matar você. Muitas vezes para ser sincera, mas agora não é a sua hora — Balancei a cabeça, observando seu sangue manchar mais um punhado de tecido — Se for para você morrer, que seja pelas minhas mãos!

— Ah, que gentil da sua parte! — Sibilou, fuzilando-me com o olhar, seus olhos de um azul tão escuro que poderiam ser pretos.

— Nunca achei que um elogio a minha pessoa fosse escapar de sua boca, Dominic.

— Humanos podem mentir — Avisou, seus olhos pareciam nublados, mas eu não saberia dizer se era de raiva ou medo — Mas nesse caso é sarcasmo. Se fosse tão inteligente quanto diz ser, deveria ter entendido.

— Não deveria me insultar quando sou eu quem está evitando que sangre até a morte!

— Duvido que esteja tão ruim assim, dei-me ver e… Ah! — Sua voz soa rouca e severa, como se odiasse a si mesmo por sentir dor. Seu tronco se curva, ele realmente estava afim de ver sua ferida — Viu? Não está tão ruim assim…

— Então é cego — Retruquei, analisando o machucado. A loba não havia deixado uma ferida tão profunda, mas, ainda assim, Dominic precisaria de pontos e de repouso para que cicatrize bem o machucado — Rei Evander? — O chamei, incerta de como ele responderia — Precisamos chegar ao palácio logo e…

— Não temos pressa alguma, Kyanite — Soou despreocupado, como se seu filho não estivesse sangrando em minhas mãos — Dominic, precisa mesmo que aceleremos o passo da viagem?

Volto o meu olhar para o príncipe, seu maxilar estava tão trincado que eu tinha certeza que ele podia torcer sua mandíbula a qualquer momento. Dominic respirava com dificuldade, controlando cada inspiração para que seu peito não inflasse muito, lhe causando maiores dores.

— Eu estou bem — Lascivo e cortante, ele não estava bem, era óbvio, mas a dor que está sentindo agora seria muito mais fácil de lidar do que entrar no caminho de seu pai.

— Que ótimo — Sorriu, mas não era de alegria, era como uma fera comemorando a captura de sua presa — Tirem a pele do animal e usem a carne para uma refeição. Estarei em minha cabana.

Curto e ditatorial, era assim que o Rei se comunicava.

— Não precisava mentir — Falei, mas, em poucos segundos, me arrependi de ter aberto a boca.

Dominic agarra a minha mão, apertando-a com tanta força que precisei morder a minha língua para não gemer de dor.

— Não consegue calar a boca, não é?

— Dominic…

— Quieta! — Sua ordem saiu como um rosnado e rapidamente ele se levantou, com dificuldade, sem tirar seus olhos de mim, as pérolas negras que carregava no olhar pareciam falhar, fracas demais para desviar — Me deixe em paz!

Ele se afasta de mim, pisando tão forte no chão que podia ter certeza de que a terra estava tremendo. Esse era Dominic em sua mais pura forma. Uma boneca, uma marionete manipulada por seu pai, sem chances de expressar o que realmente sentia, sem a possibilidade de ser quem realmente era. Algo em mim partiu, por um momento, por um infeliz e inapropriado segundo, eu senti pena dele.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado.



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