Elvenore: A Revolução Das Marés escrita por Pandora Ventrue Black


Capítulo 2
Capítulo 01




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Barco em Chamas

 

 

Hoje não era como todos os outros dias na Floresta de Elfdale. Os raios de sol penetravam as nuvens do céu com maestria, iluminando o meu caminho, mas não havia nenhuma gota de felicidade a ser encontrada nessa parte da mata. A brisa fria, que mexe com os meus cabelos, força-me a encarar o caixão de madeira escura que carregava o corpo sem vida do meu pai.

A caixa havia sido colocada em um barco pequeno pelos homens da vila que, agora, tinha suas flechas ardentes apontadas para meu pai, apenas esperando o meu comando. Tudo havia sido organizado por conhecidos e amigos de Draiko, já que eu me encontrava em uma situação deplorável.

Não sou de me expor, prefiro sempre guardar meus sentimentos para mim, mas hoje permiti que deixasse meus companheiros me vissem chorar. Não estava dizendo o adeus eterno para uma pessoa qualquer, mas sim para meu pai, o líder da tribo élfica do norte, grande guerreiro e servidor da Alta Corte Real. Draiko era gentil e fiel, um pai exemplar mesmo depois da morte súbita de minha mãe. Mesmo tendo milhares de afazeres, ele nunca me abandonou.

Draiko me ensinou tudo o que sei e, para muitos, eu era o meu pai. Cópia e fotocópia. Não havia nada nele que não respingava em mim. O mesmo cabelo negro e cacheado, a mesma pele alva como a neve e o porte altivo e guerreiro, a única coisa que não compartilhávamos era a cor dos olhos; os dele eram castanhos, escuros e misteriosos como a terra, os meus, verdes como a grama, iguais os da minha falecida mãe.

Naquele momento, debaixo do sol morno, vestida com a antiga túnica de pele de meu pai, eu sentia que meu mundo estava prestes a desabar, minhas pernas estavam fracas e meu coração batia tão rápido que eu tinha certeza que todos os aldeões podiam ouvir. Pela primeira vez em dezenove anos, eu me sentia devastadoramente sozinha.

Meu olhar estava focado no barco decorado com rosas verdes, de um tom escuro e poderoso, uma espécie única que crescia apenas nessa área das montanhas, decorando com delicadeza e beleza o chão branco, uma mudança alegre na paisagem branca e monótona de Elfdale e eu, por conta da íris de meus olhos, carregava o seu nome: Kyanite.

Kyan para os outros elfos da vila.

Kya apenas para o meu pai…

— É com grande pesar que digo que Draiko Liadon não está mais entre nós — Minha voz sai severa e ferida, lutando contra o barulho da correnteza e alcançando os ouvidos de outros elfos com uma certa nota de tristeza — Sei o quanto meu pai significava para vocês. Um líder, um guerreiro e um companheiro, tudo isso em um homem só.

Respiro fundo, piscando rápido, contendo as minhas lágrimas.

— Hoje nós diremos adeus, mas não será para sempre — Minto, devia confortá-los, esse era o meu dever.

Balanço a cabeça positivamente para Novak, melhor amigo de meu pai, e ele, por sua vez, comanda os arqueiros. As flechas flamejantes cruzam o céu, atingindo o barco de Draiko, incendiando-o.

— O espírito de meu pai permanecerá em Elfdale, em cada plantação bem-sucedida, em cada comemoração e em cada momento de alegria. Draiko será hoje e para sempre, o grande líder de Elfdale e nada, nem ninguém poderá nos tirar isso.

— É aí que se engana, jovem elfa — Uma voz áspera e rouca ecoou pela floresta e pela vila, chegando até mim como um sussurro maligno — Elfdale não tem mais líder.

Sorrio, aquele homem iria me pagar.

— Não, Rei Evander… — Sibilo, girando meu calcanhar para encará-lo — Elfdale tem sim um líder — Meu olhos recaem sobre ele, vestido com sua armadura escura, poderoso e conquistador — Eu.

— Não me faça rir, criança — Retrucou sério, saindo de cima de seu cavalo marrom — Não tem a idade nem o conhecimento para tal posto.

— Sou inteligente o suficiente. Meu pai me treinou bem — Afirmo repousando minhas mãos na cintura, onde estava as minhas duas adagas — Talvez se não tivesse matá-lo, Rei Evander, eu teria aprendido mais coisas, mas sim, estou apta.

— Não fui eu quem o matou, Kyanite — Rosnou, segurando a ponta de sua espada, presa ao seu quadril; longa e reluzente — Você sabe muito bem quem foi…

— Se está tentando colocar a culpa em nós, Evander, saiba que está ameaçando a pessoa errada…

— Não estou presumindo nada, elfa. Quem está tomando meu território é da sua família e… — Não o permito terminar.

— Os Drows não são Elfos, meu rei — Alertei, dando um passo em sua direção. Se eu não controlasse a minha raiva era capaz de saltar em sua jugular — Somos criaturas brandas e eles, saqueadores e mercenários de primeira. — Meu olhar é lascivo, sabia disso por conta de sua reação: o rei havia fechado por completo sua mão na espada — Você, como um exemplo de humano, foi ganancioso demais e mexeu com as pessoas erradas.

— Não me insulte, garotinha e nem espalhe mentiras!

— Apenas estou dizendo a verdade — Sorri, cruzando os braços, sabia que deveria temê-lo mas, naquele momento, eu gostaria de rir — Elfos não conseguem mentir.

— Mas são ótimos com meias verdades — Seu filho, Dominic, acusou, descendo de seu cavalo negro como a noite — Ou estou enganado?

Sua voz é sarcástica e afiada como uma lâmina, poderia cortar se não mantivesse a postura correta. Seus cabelos pretos estavam levemente bagunçados, provavelmente por conta de sua jornada até Elfdale, mas ainda era intimidador, assim como seu pai. Vestia-se com uma armadura mais leve e confortável, não tão autoritário quanto Evander Dragomir, se é que existe alguém com a personalidade do Rei.

— Não sou tão boa com farsas quanto você — Digo e sinto minhas palavras atingi-lo. Dominic cerrou o maxilar e deu dois passos em minha direção.

— Pelo menos eu tenho conhecimento o suficiente para liderar um povo — Riu, fuzilando-me com o olhar.

— Seu pai não foi assassinado que nem o meu — Minha voz sai fria, indiferente e me assusto com o meu próprio tom. Avanço mais três passos em sua direção, ficando a centímetros de distância de seu rosto.

Podia sentir o cheiro de seu hálito, alcoólico. Seu perfume invadiu minhas narinas como veneno, verbena e orvalho, uma mistura que me dava ânsia. Se vomitasse em seus pés, eu cometeria um crime terrível e, consequentemente, levaria uma punição severa. Porém, adoraria ver sua face de desgosto e nojo.

Maldito é aquele homem.

— Tem mais tempo com ele do que eu jamais terei.

— Então afirma que é incapaz de liderar os elfos de Elfdale — Seu sorriso era de alguém vitorioso, o que era verdade. Ele sabia manipular suas falas como eu nunca seria capaz de fazer — Adoro nossas discussões acaloradas — Dominic aproxima seu nariz do meu, se eu me movimentasse um pouco, poderia encostá-lo.

— Eu odeio você — Sibilo baixo, para que apenas ele seja capaz de ouvir.

— O sentimento é recíproco — Sua voz soa rouca e impotente.

Não houve palavras mais verdadeiras. Eu e Dominic nos conhecemos ainda crianças, meu pai servia ao Rei Evander, em troca de armas e objetos que só humanos tinham: ouro e pedras preciosas, itens essenciais para sobreviver em Elvenore. Nunca nos demos bem, ele sempre foi uma criança hostil e mimada, pronta para atacar com seus socos dolorosos e palavras nocivas como veneno de cobra.

Odiava Dominic mais do qualquer coisa.

— Você vai voltar conosco para a Alta Corte — O Rei falou, fazendo o chão sob meus pés tremer.

Por um longo minuto eu senti meu mundo partir, a presença de Dominic não me irritava, a Guarda Real era insignificante e o Rei Evander era apenas um boneco de papel. Tudo aquilo não fazia sentido.

— Vossa Realeza, não pode fazer isso — Novak, grande amigo de meu pai, se pronunciou, tocando o meu ombro e me acordando de meus devaneios — Kyanite é uma elfa, meu Rei, deve ficar em Elfdale até ter idade e sabedoria para liderar.

— Há alguém aqui que é contra a minha fala? — Ele perguntou, fazendo sua voz ecoar pelo descampado; era uma ordem e não uma pergunta.

Ninguém ousou se pronunciar, seria loucura ir contra o Rei. Elfdale tinha exatas sete famílias élficas, totalizando um pouco mais de trezentas pessoas enquanto o Rei tinha milhares de pessoas em seu exército. Contrariá-lo era escrever o seu próprio atestado de óbito.

Entretanto, eu não temia a morte.

— Então terá que me arrastar pelos cabelos se quiser me tirar de Elfed — Exclamei, sentindo a mão quente e áspera de Dominic envolver o meu pescoço com firmeza.

Não demorou muito para que minha mãe direita agarrasse com força a adaga e posicionasse perfeitamente a ponta da lâmina em sua jugular, fazendo uma fina linha de sangue escorrer, trilhando o caminho da ferida até sua clavícula.

— Eu teria um prazer imenso em fazê-lo — Soprou com um sorriso malicioso no rosto.

— Pare, Dominic — Seu pai alertou e, como um cachorro bem treinado, ele obedeceu, pigarreando e soltando o meu pescoço, assumindo uma postura militar — Não é uma questão de escolha, Kyanite.

— Eu não vou — Respiro fundo e o encaro — Não sou uma boneca!

— Meu Rei, o que acha de passar a noite aqui e conversaremos mais sobre o assunto? — Novak sugere, ficando entre Evander e eu — Acalmar os nervos, não é Kyan?

— Não… — Sussurrei, passando a mão pelo pescoço, analisando o comportamento de Dominic, etéreo e silencioso, provavelmente analisando o melhor momento para me atacar.

— Minha ordem é final e imutável, Novak — O Rei diz, acenando para os seus homens, ainda montados em seus cavalos — Mas aceito a oferta. Não seria seguro retornar para a Alta Corte de noite…

— Novak… — O chamei baixinho, irritada — O que pensa que está fazendo?

— Sendo responsável, Kyan — Sua voz soa severa e eu sabia muito bem o que significava: precisava calar a boca e seguir suas ordens.

 

A noite não demorou muito para chegar, mas com o Rei Evander em Elfdale, tudo tinha que ser feito com mais cuidado e maior pompa, ocupando o tempo dos outros elfos e forçando-o a trabalhar dobrado, tudo precisava estar perfeito para receber a Alta Corte Real.

O funeral de meu pai foi esquecido pelos aldeões, afinal, a realeza estava entre nós, mas permaneci nas bordas do Rio Branco, observando o barco flamejante de meu pai atravessar as águas cristalinas enquanto eu era abraçada pela brisa fria e familiar. Sabia que ele não estava entre nós, porém, parada ali, observando o fogo lutar contra seu inimigo, senti a presença de Draiko. Seu colar com o formato do emblema de Elfdale (um tronco de uma árvore cujas raízes e galhos formavam um círculo emaranhado ao seu redor) fazia com que eu me sentisse ao seu lado.

Era bom ter todos afastados de mim, podia pensar. Talvez seria ideal fugir, me refugiar com os anões das cadeias de montanhas de Elderdragon, não é tão longe da aldeia, talvez quatro dias a pé até a entrada da minha mais perto de nós. A distância não era o problema, eu teria que lidar com a falta de compaixão deles o que, por si só, é um grande desafio. Talvez eu devesse matar o Rei Evander e Dominic aqui e mudar o povo para mais perto do Mar do Oeste, já que os humanos não tinham coragem de atravessar o Bosque da Magia.

“Não… Meu pai odiaria isso”, penso, bufando.

Acho que realmente não tenho escapatória.

— Ah, pai… O que faria se estivesse no meu lugar? — Murmuro, sentindo as lágrimas escorrerem pela lateral do meu rosto.

— Você sabe como ele era leal ao Rei Evander, não sabe, Kyan? — A voz de Novak se aproxima de mim, gentil e doce como sempre — Acho que Draiko iria junto com o Rei.

— Mas… Meu lugar é aqui, em Elfdale, Novak — Retruquei enxugando rapidamente as lágrimas, ninguém mais me veria chorar — Desde pequena fui ensinada a comandar esse lugar.

— Kyan, ainda é nova demais para se tornar líder…

— Eu sei… Ainda faltam seis anos… — Suspirei, encarando-o — Mas não há ninguém para me substituir.

— Os anciões tomarão conta de Elfdale até retornar para cá — Ele explicou, sentando-se ao meu lado — Sei que não é o que quer, mas…

— Não tirarei o pé dessa aldeia, Novak — Sabia muito bem que estava sendo idiota ao negar o pedido do Rei, mas Elfdale é o meu lar, meu presente e meu futuro — Eu sou uma Liadon, meu destino é governar essas terras. Tenha uma boa noite, Novak.

— Kyan…

— Boa noite, Novak — Vocifero, me afastando dele, sendo consumida, célula por célula, por raiva em sua mais pura forma — Amanhã farei questão de dispensar a Alta Corte e espero ter seu apoio.

— Farei o que é certo por Elfdale, Kyanite — Respondeu, duro e áspero — Mesmo que isso vá contra seus interesses.

— Serei eu contra o mundo, então? — Resmungo, ainda de costas para ele.

Se eu me virasse, Novak seria capaz de ver os meus olhos mudando de cor, uma característica élfica que, se não bem manipulada, permitiria que todos entendessem as nossas emoções. Eu tinha certeza de que meus olhos estariam num tom de vermelho-escuro, mesmo estando ardendo de raiva, meu coração parecia partir de tristeza.

Estava sozinha.

— Que assim seja…

 

Estou deitada em minha cama, entre um estado de sono profundo e estar perfeitamente acordada. Minha mente me mostrava memórias, dias de pesca nos verões amenos em Elfdale com meu pai, viagens a cavalo com Novak para trocar pedras preciosas, canções ao redor da fogueira toda vez que a primavera ultrapassa a cadeia de montanhas de Elderdragon.

Nesses momentos percebo a necessidade de apreciar cada segundo de minha vida. Deveria ter cantado mais, nadado mais no Rio Branco, observado mais os caminhos que pegava ao lado de meu pai pela Floresta de Galodonel. Havia tanta coisa que eu queria fazer com Daiko: pescar mais um pouco, ouvir suas histórias, dominar com maestria o arco e flecha como ele, aprender a lutar com espadas e, acima de tudo, poder passar mais tempo ao seu lado.

Mas antes que eu pudesse ser acolhida pelo calor das lembranças de minha infância, sinto um objeto pontiagudo e frio encostar na pele de minha garganta. Abro os olhos rapidamente e tento alcançar a adaga debaixo de meu travesseiro, porém, meu braço é segurado por uma mão áspera e estupidamente quente.

Eu sabia exatamente quem estava em cima de mim, me ameaçando com a faca.

— O que quer Dominic? — Minha voz soa cruel e raivosa.

— Apenas devolvendo seus favores, Kyanite — Ele sussurra pressionando um pouco mais sua faca de caça contra o meu pescoço, ferindo-o — Não a vi no jantar hoje…

— Quem bom — Sorrio. Meus olhos se acostumam com a escuridão e posso finalmente ver seu rosto. Esguio, másculo e altivo. Nojento — Não queria ver a sua cara.

— O que há? — Um sorriso maliciosamente ridículo assume seu rosto enquanto a lâmina é movida para a minha bochecha, ficando perigosamente próxima de meu olho — Achei que ia gostar de ser retirada dessa vila primitiva… A comida aqui é horrível.

— Só porque não matamos animais para nos encher de carne e vinho de péssima qualidade? — Brinco, tentando me soltar, mas, infelizmente, o príncipe era mais forte do que eu — Não precisamos nos empanturrar de comida exageradamente temperada…

— Insulta-nos com tanta elegância que às vezes parece um elogio…

— Se toma minhas falas como elogio, saiba que está sendo um tolo — Retruco movimentando-me com destreza para me afastar de seu toque e de sua arma — O que quer, Dominic?

— Quero que aceite o que meu pai lhe ofereceu — Falou, sentando-se na minha cama como se fosse dono — Ou mandarei meus homens atirarem fogo nessa aldeia miserável.

Sua fala é doce e educada, soava diplomático apesar de sua ameaça. Meu coração acelera, enquanto o observo. Rígido e severo, uma estátua malfeita de seu pai, um animal à espera de ordens de seu dono.

— Por que devo acreditar no que fala? — Digo, sentando-me desconfortavelmente à sua frente — Seu pai lhe mandou?

— Não, mas acho que ele ficará feliz se, quando acordar, tiver a notícia que você aceitou sua proposta.

— Não pode mandar em mim, Dominic — Afirmei, pegando discretamente a adaga e assumindo uma posição de ataque.

— Mas posso mandar em meus homens e, acredite em mim, quando eu der sinal, em poucos minutos não sobrará mais nada de Elfdale… — Ele sorri, guardando sua arma.

— Pode mentir…

— Quer descobrir se estou mentindo ou não?

Cerro o maxilar. Odiava negociar com humanos, sempre tão esquivos e mentirosos.

— Não tem saída, Kyanite — Disse, levantando-se e analisando-me de cima a baixo, procurando algum sinal de fraqueza — Irá conosco, querendo ou não. Pode fazer isso da forma fácil, ou… — Sua boca fecha, deixando apenas um assobio passar. Vejo uma luz meio vermelha e meio amarela passar pela minha casa. Fogo — Da forma difícil.

Meu peito aperta.

Dominic não estava mentindo.

— O que escolhe, Kyanite?

— Eu… — Pigarreei, fechando minhas mãos em punhos tão apertados que minhas unhas cravaram em minha pele, fazendo um pouco de sangue escorrer até o lençol — Eu aceito.

— Eu aceito,… ? — Gesticulou, sorrindo para mim.

“Eu vou matá-lo”, pensei.

— Eu aceito, Vossa Majestade — Sibilo, quase cuspindo as duas últimas palavras.

— Ah, isso é música para meus ouvidos — Cantou, ainda carregando o estúpido sorriso em seu rosto — Quem diria… Finalmente consegui domar Kyanite Liadon e…

Não o deixo terminar.

Com a raiva fervilhando dentro de mim, atiro minha adaga, que atravessa o cômodo com agilidade, emitindo um ruído mínimo. Mesmo estando escuro, mirei perfeitamente, fazendo a lâmina cortar superficialmente a parte superior de sua orelha e sendo barrada pela parede de madeira do meu quarto.

O escuto grunhir e enrijecer o corpo.

— Não sou um animal para ser domado…

— Ah, Kyanite, não sabe com quem está se metendo… — Sua voz é ácida, corrosiva.

— E você? Sabe?

O quarto é tomado por um silêncio raivoso, podia ouvir as paredes de madeira de carvalho estremecerem.

— Esteja pronta, Kyanite — Sussurrou, tirando a minha arma de onde estava presa — E nem pense em brincar conosco.

— Apenas um idiota encararia uma ameaça como uma brincadeira…

Seu olhar é frio e calculado, e, por uma fração de segundo, consegui imaginar o que se passava em sua cabeça.

Ele queria me matar.

“O sentimento é recíproco”, penso.

— Se eu fosse você, manteria a boca fechada na Alta Corte Real — Sibilou, alcançando a porta — Não gostamos de brincadeiras…

 

Depois da visita indesejada de Dominic, eu não consegui fechar os olhos, passei o resto da noite em claro, observando de todas as janelas de minha casa uma tocha ou qualquer foco de fogo que não fosse a fogueira no centro da vila. Minha mente só pensava que se eu me distraísse com algo tão trivial quanto o sono, minha aldeia queimaria pela minha teimosia.

Quando o sol surgiu no céu, refletindo contra a neve eterna de Elfdale, foi quando meu corpo conseguiu descansar. Me atirei em uma cadeira macia na frente da lareira e me permiti fechar os olhos. Eu não poderia negar o pedido do Rei, não havia muita escolha senão aceitar. Minhas únicas chances eram de noite, enquanto todos dormiam, mas temia que, assim que saísse de minha casa, um dos homens de Dominic daria o sinal e minha aldeia rapidamente seria consumida pelo fogo.

— Bom dia — A voz de Novak ecoa pela casa, mas permaneço de olhos fechados; estava cansada demais para abri-los — Parece que alguém não dormiu bem essa noite.

— Tive uma visita indesejada — Resmunguei, respirando fundo — Dominic veio aqui me ameaçar.

— Kyan! — Ele exclamou, aproximando-se da minha cadeira — Ele fez algo com você? Te machucou?

— Acho que ele que saiu na pior, Novak — Sorri, apontando para o buraco feito na parede pela minha adaga.

— O que você fez? — Os cabelos negros de Novak se mechem, abro os meus olhos e vejo ele prendendo seus cachos em um rabo de cavalo. Sua pele negra reluzia a luz da lareira e seus olhos me observavam com cuidado, escuros e gentis.

— Ele disse que havia me domado — Falei, arrumando minha postura — E se arrependeu.

— Cuidado com seu temperamento, mocinha — Alertou, afagando a minha cabeça — O Rei te espera, está na fogueira…

— Novak… Desculpa por ontem — Sussurrei, sem conseguir encará-lo — Estava com raiva e…

— Todos nós conhecemos o seu temperamento, Kyan — Disse, sorrindo, mas sabia que aquilo era um aviso. “Todos nós sabemos que você é volátil, Kyan”, era isso o que queria dizer — Está tudo bem.

Assenti, levantando-me apressadamente da cadeira. Me sentia envergonhada, talvez não fosse boa o suficiente para liderar Elfdale.

— Eu… — Pigarreei, cruzando os braços — Eu vou me arrumar e logo estarei no centro.

— Não demore, ele parece meio apressado.

— Rei Evander está aqui porque quis. Ninguém o chamou — Falo, revirando os olhos — E no fim, parece que ele precisa de mim, senão não teria lançado tantas ameaças — Encaro o elfo negro em minha frente que sorria disfarçadamente — O farei esperar o tempo que eu achar necessário.

— Você se parece muito com o seu pai, sabia? — Uma risada rápida escapa de seus lábios — Tão estoicamente teimosa.

— Vou aceitar isso como um elogio.

— Vá, se arrume. Precisa de um bom banho.

— Por que sempre que me elogia, há sempre um insulto depois? — Pergunto, repousando minhas mãos na cintura.

— Não quero que seja mimada — Falou, sério — Uma líder não deve ser mimada, principalmente por um velho como eu.

— Você não é velho — Minha voz soa alegre, brincalhona e me assusto com isso — Só não é mais tão novo…

— Jamais vai conseguir elogiar alguém, não é mesmo?

— Nós elfos, Novak, não podemos mentir.

Ele ri alto e assente, saindo da casa logo em seguida.

Se eu fosse para a Alta Corte Real, eu precisava de um plano urgentemente.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.



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