Elvenore: A Revolução Das Marés escrita por Pandora Ventrue Black


Capítulo 25
Capítulo 23


Notas iniciais do capítulo

*Warning*: Pode conter descrições gráficas de machucados, se você for sensível a isso, por favor, pule esse capítulo. Sua saúde vem em primeiro lugar. Nos encontramos no próximo!



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Perdida na Imensidão

Uma dor escaldante e poderosa atravessa a minha cabeça como um raio, forte e avassalador. Era como se tivesse segurando o peso do mundo com a testa. Sentia que podia gritar, mas meu corpo estava tão fraco que mal conseguia mover um músculo. Não conseguia nem abrir os olhos, a enxaqueca era tão intensa que minha visão ficou comprometida, cheia de buracos pretos e falhas turvas. Sentia minha boca seca e salgada, como se tivesse passado sal puro nos lábios e minha garganta estava tão dolorida que quando um chiado escapou, mal reconheci a minha voz.

Sentia que tivesse sido atropelada por cem cavalos.

Sabia que não estava no castelo e muito menos no Sirena Vermelha, pois estava deitada em uma cama que parecia ter sido feita com folhar molhadas ou panos úmidos, nem um pouco confortável e muito dura. Minha visão não iria me ajudar, então decido voltar toda a minha atenção para tudo o que escutava.

O som das ondas se chocando contra a orla era calmo, uma melodia tranquila e tropical, enquanto um pouco acima de mim o mar batia contra um paredão de pedras, pois o som era bruto e feroz, quase como um rosnado de uma fera faminta. Era bom saber que estava perto do oceano, a água salgada me trazia uma espécie de calmaria que mal conseguia explicar.

Tateio as coisas ao meu redor e sinto as superfícies irregulares das rochas, fria e duras que me surpreendo por não ter me movido enquanto estava apagada. Caso rolasse da cama precária, poderia ter atingido minha cabeça em uma dessas pedras pontiagudas e morrido.

Como numa avalanche, tudo o que aconteceu antes de eu apagar passa em minha mente. Um filme de terror com um final trágico. Havia sido levada para o fundo do mar pelas sereias que tanto estudei e que tanto me fascinava. Estava errada ao presumir que poderia entrar em contato com tal espécie, afinal, elas são letais.

Mas eu estava viva… Não fazia sentido algum eu ainda estar respirando, mesmo que com dificuldade. Meu estômago se revira, revoltado com o perigo e todo o medo que passei. Respiro fundo, eu já estava desidratada e não podia piorar a situação. Junto todas as forças que restaram em meu corpo e abro os olhos mais uma vez, mas mesmo com as falhas na minha visão, entendo que estava em uma caverna, meio escura, porém vazia.

Apoio minhas mãos na cama molhada (que na verdade era um amontoado de algas que provavelmente foi levado pelo mar até a caverna, assim como eu) e me levanto com cuidado. Analiso o meu corpo e me sinto enojada ao ver como estava. Estava descalça e meus calcanhares estavam arranhados de uma forma tão brutal que estavam inchados e roxos e tinha minhas dúvidas de que cicatrizariam da forma correta. Estavam completamente dilacerados, mas felizmente era só a minha pele, meus músculos não haviam sido danificados, ou melhor, não os mais importante. Podia andar, cambaleando, porém era melhor do que nada.

Minha calça estava em farrapos, assim como minha camisa de linho. Meus punhos estavam vermelhos e as marcas das mãos das sereias estavam bem definidas. Sinto o enjoo tomar conta de mim mais uma vez, eu tinha sangue sereiano em minhas veias e isso significava que… Tinha um parentesco com esses seres que tentaram me matar e, pior do que isso, matavam por esporte quando estavam entediados.

Fico enojada só de pensar que tenho a possibilidade de me tornar algo assim, assassino.

Me apoio na parede fria e controlo a minha respiração, precisava sair dali. Caminho com cuidado pela escuridão, tropeçando eventualmente em pedras menores e lutando contra a dor de cabeça e meu corpo fragilizado. Não sabia ao certo o quanto tempo passe apagada, mas pela minha fome calculo que uns dois dias no máximo. Estava tão faminda que o ronco do meu estômago ecoava pela caverna, era o único barulhos, excluindo o das ondas, que me fazia companhia naquele pedaço solitário Elvenore.

A saída felizmente não estava longe e dava para uma faixa de areia branca. Não sabia dizer se era a mesma ilha que estava antes de tudo isso acontecer, mas pelo menos a luz do sol me dava esperança de encontrar o navio de Skander. Caminho bem devagar pela areia, meus passos tinham que ser bem calculados, nada de forçar um pé mais do que o outro, meu peso tinha que ser bem distribuído para que eu não caísse de cara no chão.

O sol aquecia a minha pele, transmitindo uma vitalidade que me dava forças para continuar. Precisava andar, percorrer a orla e saber com o que estava lidando. Encontrar um abrigo e depois comida e água. E, acima de tudo isso, encontrar panos limpos para cuidar de todos os meus ferimentos, antes que infeccionassem mais ainda. Podia conviver e lidar com a fome e a sede mais um pouco, mas não poderia negligenciar os machucados inchados e ensaguentados.

Eu sentia meu coração bater mais rápido, o medo de ficar presa a esse pedaço de terra me deixava apavorada. E se as sereias tivesse me largado aqui como punição? E se nunca mais fosse capaz de encontrar Skander? E se minha sina fosse ficar presa nessa maldita ilha? Naquele momento eu queria apenas sentar e chorar. Meu corpo estava tão cansado de tentar ser forte quando, na verdade, estava destroçado. Minhas pernas estavam quentes de trabalharem mais do que conseguiam e minha visão falha bagunçava tudo o que eu via.

Busco o amuleto do meu pai. Felizmente ele ainda estava preso em meu pescoço.

— Pai… — Choraminguei, caindo de joelhos na areia morta — Eu não quero morrer aqui…

Sentia as lágrimas correndo pelas minhas bochechas. Minhas mãos tremiam tanto que mal conseguia enxugar as gotas salgadas que marcavam o meu rosto. Eu me sentia tão devastadoramente sozinha, mais do que no dia em que meu pai morreu.

Não tinha Novak, nem o rei Evander, nem Skander… Nem mesmo Dominic.

Me encolho nos trapos que envolviam o meu corpo e tento conter o turbilhão de emoções que me invadiam. Era como se minha mente tivesse libertado todos os meus temores e frustrações de uma vez só. Havia sido ingênua ao acreditar que podia chegar ao fundo da minha história, achei que com ajuda das sereias poderia finalmente entender quem foi a minha mãe e como ela encontrou o meu pai. Porém, sua linha de mentiras era tão bem estruturada que nunca chegaria a real verdade sobre ela.

Talvez ela realmente amasse meu pai e eu, mas com tantas mentiras, sua vida em Elfdale deve ter se tornado um inferno.

Não tinha como desvendar tudo isso sem meu pai, afinal, ele era seu marido e seu amor. Draiko deveria saber muito sobre minha mãe, mas nunca contou nada a ninguém, nem a mim. Amou-a a ponto de levar todos os seus segredos para o túmulo, me deixando no meio de todas as farsas, rodeada de perguntas sem respostas.

Respiro fundo, tentando conter o choro.

Senti uma parte de mim esvaecer naquele momento. Eu amava meu pai mais do que tudo, mas havia negligenciado o nosso relacionamento. As únicas pessoas que me ofereceram uma luz quando me encontrava em um túnel escuro foram os Drogomir, mesmo eu sendo insuportável com eles por grande parte da minha estadia na Alta Corte.

Me levanto com dificuldade, o sol já estava se pondo e eu precisava desesperadamente de um abrigo. Não podia ficar remoendo as minhas mágoas enquanto tinha feridas abertas, sede e fome. Continuo andando pela orla, clamando por ajuda algumas vezes, mas tudo estava tão silenciosos que depois da quarta tentativa eu desisti.

Não adiantava gastar a minha energia procurando alguém em uma ilha deserta.

Monto uma pequena cabana de folhas e me sento na grama levemente úmida. Apesar de estar muito cansada, eu me recusava a dormir. Precisava estar atenta a qualquer mudança na selva ao meu redor, ou me tornaria uma presa desatenta e fácil a qualquer momento. Termino de beber a água de um coco e crio coragem para analisar os ferimentos mais graves.

Meus tornozelos estavam em pior estado. Os vergões dos arranhados se cruzavam em certas partes, nesses locais que havia os cortes mais profundos, onde minha carne estava inchada, infeccionada e ensanguentada. Arranco de uma das áreas mais limpas da minha camisa um pedaço de tecido e cubro o ferimento, rezando para não piorar ainda mais a infecção.

Por mais que elfos conseguissem curar-se de forma rápida, eu estava desidratada e faminta, nem mesmo a magia élfica faria alguma coisa por mim naquele momento. Precisava manter os ferimentos limpos e me alimentar direito, quem sabe assim as cicatrizes não ficariam tão ruins. Entretanto, observando os meus arredores, eu não tinha muita esperança.

Passei aquela noite em claro, enrolada nos panos frágeis que cobriam o meu corpo, segurando com força uma pequena lança que fiz com um galho qualquer. Observava a minúscula fogueira na minha frente e pedindo a qualquer divindade para que nenhum animal selvagem observasse a luz de longe e decidisse atacar o pequeno e precário acampamento que fiz.

 

✵ ✵ ♔ ✵ ✵

 

Comecei a andar pela orla assim que o sol raiou, não podia perder tempo. Em algum momento algum navio ia passar e eu precisava estar pronta para dar um sinal para eles. A medida que caminhava pela areia branca, fui percebendo a extensão infinita da ilha, na verdade, mais parecia um continente e a ideia de estar presa em um lugar tão grande me deixava extremamente preocupada.

— Olá! Tem alguém aí?! — Dizem que a esperança é a última que morre… — Por favor! Alguém!

Eu sentia meu corpo falhar aos poucos, cansado, porém continuo andando, montando eventualmente fogueiras de tamanho médio para poder usar como sinalizador. Precisava sair daqui antes de perder a minha cabeça. Antes que eu pudesse voltar para o meu acampamento improvisado, vejo no horizonte a silhueta de um navio. Estava parado, provavelmente pescando.

Acelero tropegamente até uma das quatro fogueiras que consegui fazer naquele dia e acendo-a com muita dificuldade.

— Merda! — Xinguei alto quando a pedra não estava fazendo faíscas o suficiente — Vamos!

Tento mais uma vez.

E de novo.

— Droga! — Esbravejei arremessando as duas pedrinhas no oceano.

Urrei de dor, meu corpo ardia como se tivesse em chamas. Colapso na areia, caindo de bruços como uma completa idiota. Queria poder gritar, mas os homens daquele navio nunca iriam me escutar, estavam longe demais. Meu olhos encontram o horizonte mais uma vez e a silhueta tinha desaparecido.

Minha alma é esmagada por quilos de desespero e decepção.

Minha primeira, e talvez única, chance de sair dessa maldita ilha tinham ido pro espaço. Um grito de pura fúria escapa pela minha boca, rasgando as paredes já fragilizadas da minha garganta. Agarro com força a areia da praia e sinto a água fria do mar tocar a minha mão, reconfortando-me.

Afasto-me da água salgada. Só de pensar no que aconteceu com as sereias, um terror assume conta do meu corpo. Não queria nada que tivesse relação com o oceano, muito menos com o povo sereiano e. acima de tudo isso, nada que tenha a ver com a minha mãe. Trancafio todas as minhas dúvidas e lembranças no baú mais uma vez, escondendo-o nas profundezas do meu ser.

Eu tinha um povo para voltar e elfos para governar e minha mãe não ia virar minha vida de cabeça para baixo mais uma vez.

Apoio-me em meus joelhos e me levanto, não podia desistir.

— Kyanite! — Um rosnado chega aos meus ouvidos como um trovão.

Sinto meu coração travar, eu sabia muito bem quem estava me chamando. Viro minha cabeça para o lado e meus olhos encontram pedras azuis-escuras e raivosas. Dominic avançava na minha direção, seu rosto me dizia que estava prestes a me matar, mas algo dentro de mim me dizia para não temê-lo.

Tremo de felicidade, sentindo meus joelhos fraquejarem. Ele corria na minha direção tão rápido que fez me lembrar da revanche que tínhamos deixado em aberto por três anos, depois que ele roubou a aposta ao utilizar atalhos. Uma alegria imensurável toma conta de mim que mal pude conter as lágrimas.

Preso ao cinto de sua calça estava o lenço que perdi quando embarquei no Sirena Vermelha. Fraquejo ao entender que ele havia guardado-o e mantido-o perto de si desde que parti. Quando vejo o tecido cintilante balançar a medida que ele corria até mim, as lágrimas caem com mais velocidade.

— Dominic… — Soprei, estava ficando cada vez mais fraca.

Ele chega perto de mim segundos antes de eu desabar. Suas mãos seguram os meus braços com força, me puxando para cima, colando meu corpo ao dele. Sinto seus músculos travarem, seus olhos, por mais tempestuosos que pareciam, eram a minha calmaria. Seu nervosismo e estresse esvaecem na brisa salgada enquanto suas mãos me envolviam com rigidez.

— Você vai me matar um dia, Kyanite — Rosnou, puxando-me para si, colocando-me em seu colo.

Me agarro a sua camisa, deixando seu cheiro de couro, madeira e whiskey me hipnotizarem. Podia ouvir seu coração bater mais rápido enquanto ele me levava pela orla, mas estava muito cansada para observar o caminho. Seu toque era cuidadoso, tomando cuidado para não me apertar demais para não me machucar ainda mais, mas também não fraco a ponto de nossos corpos ficarem separados.

— E-Eu não tinha nenhuma intenção de… — Tento falar, observando as estrias escuras de seu olho.

— Não precisa falar — Ele sussurrou, fazendo meu coração acelerar — O importante é que tenho você em meus braços.

Um calor toma conta de meu corpo, suas palavras me atingem como um vulcão. Meu corpo inteiro estremece e eu sinto o rubor costumeiro tomar conta das minhas bochechas. Ele se curva, aproximando sua boca do meu ouvido.

— Seus olhos estão corais, Kyanite — Murmurou, acariciando minha pele e fazendo correntes elétricas percorrerem o meu corpo — Não queria dizer isso, mas preciso que se controle, combinado? — Sua voz é rouca e densa, minha pele arrepia — Temos companhia.

E com isso ele se afasta e eu fecho os olhos, fingindo estar dormindo.

— E-Eu não consigo controlar… — Esbravejei baixinho, sentindo a vergonha tomar conta de mim.

Mesmo com os olhos fechados pude sentir ele sorrir discretamente, Dominic estava amando aquilo.

— Ela desmaiou — Avisou com um certo tom de dominância em sua voz — Arrume os botes, capitão, e vamos direto para o navio — Era bom ouvi-lo dando ordens, sempre tão rígido e determinado — Quero chegar em Guenivere em menos de três dias.

Por mais que estivesse tentando não pegar no sono, me aconchego em seu peito musculoso e macio e me deixo ser levada pelo cansaço. Em seus braços eu me sentia segura, envolta em uma sensação de pertencimento e conforto. Me sentia… em casa.

— Nunca mais faça isso, minha querida — Sua fala me embala para uma soneca longa e merecida.

 

✵ ✵ ♔ ✵ ✵

 

Quando abro os olhos novamente me encontro na cabine principal do navio, podia ver as janelas quadradas e pequena me mostrando que ainda estávamos no mar. A mobília escura emanava um cheiro de charuto e madeira, a organização impecável e o cuidado me indicavam que Dominic não era o capitão dessa embarcação. Me sento com dificuldade na cama improvisada no pequeno sofá de veludo, minha cabeça estava bem melhor e os pontos pretos na minha visão sumiram completamente.

Respiro fundo e crio coragem para analisar os meus ferimentos. Todos os machucados estavam coberto por uma gaze branca, macia e porosa, meio úmidos com unguentos pastosos e de odores meio ocres. Tinha certeza de que fui cuidada por médicos, pois o trabalho estava esplêndido e nenhum marujo seria cuidadoso o suficiente para suturar carne exposta e enfaixar pontos com tamanho capricho.

Ouso me levantar, mas minhas pernas bambeiam. Caio sentada de volta para o lugar que não devia ter saído. Meu corpo estava fraco demais para qualquer esforço físico, mas minha audição captava vozes alteradas do lado de fora da cabine. A discussão era calorosa e palavrões voavam pelo ar como se fosse flocos de neve. No entanto, não conseguia distinguir quem estava gritando, mas sabia que a comoção era grande.

Um solavanco forte me atinge.

O mar estava raivoso e a movimentação das ondas faz meu estômago se revirar. Tento lidar com a ânsia do melhor jeito possível, mas perco a batalha, precisando engatinhar tropegamente até a lixeira mais próxima. Sinto o nada sair de dentro de mim e guincho assim que termino de vomitar. Estava tão vazia que expeli praticamente nada, choramingo e me apoio minha cabeça na mesa de madeira escura em busca de uma sensação de estabilidade.

Nunca em toda a minha vida fiquei enjoada em viagens marítimas até… O ataque.

Reviro os olhos, lembrando de como as sereias me levaram para o fundo do mar. O desespero, o sal e a falta de ar inundando cada pensamento meu. Eu deveria estar morta a essa altura, mas algo havia me salvado daquele destino cruel, me jogando em uma caverna e me protegendo das vis criaturas marinhas.

— Droga! — Alguém rosnou depois de abrir abruptamente as portas da cabine.

Não sabia dizer quem era, estava tonta demais para isso.

Mãos macias e levemente frias envolvem o meu rosto. Semicerro os olhos para tentar entender o que estava acontecendo e encaro a tempestade azul de Dominic. Ele me ajuda a levantar e a me sentar no sofá, colocando um pano molhado na minha testa.

— Consegue me ouvir, Kyanite? — Perguntou e eu movimento afirmativamente a cabeça, com cuidado para não incentivar uma nova onda de enjoo — Não deveria estar acordada… — Esbravejou, molhando o pano em uma vazia de água roxa — Chamem o doutor, homens!

Sussurrei baixinho seu nome, mas acho que ele não me escutou.

— E não deixem aquele imprestável entrar!

— D-Dominic… — Murmuro, conseguindo chamar sua atenção.

Seu cabelo negro como a noite estava bagunçado e seus olhos pareciam furiosos, como um tsunami. Tento tocá-lo, mas minhas mãos falham miseravelmente, caindo no meio do caminho na cama. O príncipe percebe o meu gesto e se aproxima, pude notar sua raiva esvaecer quando nossos olhos se encontraram novamente.

— Deveria estar descansando — Sua voz ainda é rígida, brigando comigo — E não andando por aí…

— Não estava andando… — Repliquei, revirando os olhos — Apenas…

— Bom dia, senhorita Liadon — Um homem falou, passando por um dos soldados que estava parado na porta de entrada da cabine — Como se sente?

— Ela acabou de vomitar, doutor Jasper — Dominic explicou, afastando-se de mim para dar espaço ao médico.

Jasper era um senhor de idade, provavelmente beirando seus setenta anos. Seu cabelo é branco e comprido, preso em uma única trança. Usava óculos finos e circulares, que combinavam com seus olhos amendoados e de um tom escuro de verde. A pele dele era mais escura do que a de Dominic, um tom de pardo brilhoso e levemente dourado, contrastando com suas vestes brancas como neve.

Tinha um sorriso amigável quando foi aferir minha pressão com um mecanismo estranho.

— Você disse que ela ficaria apagada até chegarmos em Guenivere — Dominic cruzou os braços, estressado.

— O que? — Guinchei, assustada.

— Calma, meus jovens — Ele sorriu, levantando um de seus dedos — Dominic, ela precisa comer e beber água também, não podia deixá-la entorpecida por quatro dias — Jasper se virou para mim, entregando-me um quadradinho marrom envolvido em um plástico transparente — E você, elfa, teve dilacerações profundas em seus tornozelos. Fiquei muito surpreso ao saber que foi encontrada andando no estado que está.

Encaro seus olhos, estava tão calmos que pareciam uma colina em plena primavera.

— Acho que é a teimosia estoica dos Liadon — Tentei brincar, mas escuto Dominic pigarrear.

— Teve febre pesada por dois dias, por isso que fui forçado a te dar um remédio natural para que conseguisse dormir e descansar para sarar o ferimento feio que teve na canela, minha jovem — Ele aponta para o quadrado que me deu — É chocolate. Pode comer, vai ajudar.

— Dois dias… — Viro-me para Dominic, que parecia impaciente — Quanto tempo eu estive fora?

— Demorou dois dias para o capitão Valir avisar a Marinha do seu desaparecimento — Sibilou, virando seu rosto para encarar as janelinhas do outro lado do cômodo — Vasculhamos quatro ilhas até atracarmos na em que estava. Foram mais quatro dias procurando você.

— E está sob meus cuidados a dois.

— S-Seis dias… — Engoli o susto que tentava escapar pela minha boca.

Uma onda de enjoo me atinge como uma bala e me curvo para frente. Dominic avança na minha direção, segurando a lixeira já usada na minha frente e mantendo meu cabelo longe do meu rosto. Despejo meu desespero enquanto tentava conter as lágrimas.

— Bem, hum… Vamos deixar o chocolate para depois, minha jovem — Jasper pigarreou, tomando de minhas mãos o cubinho.

Agarro o lixo e permaneço naquela posição, nauseada e assustada demais para me mover. Sinto meu corpo tremer a medida que toda a realidade é processada pela minha mente. Eu deveria estar morta!

As mãos de Dominic raspam pela parte de trás do meu pescoço, fazendo eu me arrepiar, agarrando todo meu cabelo e o levantando.

— Kyanite… — Ele tenta me chamar, mas desiste.

— Precisamos que descanse — Jasper disse, aproximando do meu nariz um frasco de odor doce e fresco — Ainda está fraca e não queremos que coloque o que ainda não comeu para fora, não é?

Resmungo um “sim”, sentindo meu estômago se acalmar.

— Arrumarei uma cama melhor para você — Dominic proferiu, fuzilando o soldado que estava presente no cômodo — Encontre mais um homem e me ajudem a transportá-la para os meus aposentos.

— O que acabei de lhe dar é um calmante leve — O médico explicou, tomando as minhas mãos — Irá tranquilizar o seu estômago e nada além disso. O jantar será servido em duas horas e quero que durma muito bem essa noite, combinado?

— Uhm hum — Murmurei, observando o príncipe conversar com seus homens.

— Se sentir qualquer desconforto em relação às feridas, o que acho improvável, é só pedir para alguém me chamar e virei correndo — Sorriu, me dando um frasco contendo um líquido amarelo — Tome isso três vezes ao dia, você mesma pode administrar, mas se precisar de ajuda, Dominic sabe como preparar. Apenas dilua em água, setenta por cento água e o resto o remédio. É para a febre.

— Venha, Kyanite — Dominic estende sua mão na minha direção.

Tocar nele faz uma corrente elétrica correr pelo meu corpo na velocidade de um trovão. Dominic me ajuda a levantar, envolvendo minha cintura com seu braço e me fornecendo apoio o suficiente para que andasse com mais segurança.

— Não esqueça, Kyanite, coma bem e descanse bastante.

— Certo, doutor — Agradeço seu atendimento antes de cambalear em direção ao quarto de Dominic.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado!



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