Elvenore: A Revolução Das Marés escrita por Pandora Ventrue Black


Capítulo 24
Capítulo 22




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O cintilar mais perigoso

Voltamos para a orla e minha cabeça ainda dava piruetas, a sensação do toque quente e sedento de Skander me fazia arrepiar. Apenas sigo os outros homens para o interior da ilha sem nem pensar, precisava me recompor. Respiro fundo e foco nos sons da natureza. Macacos se comunicavam, borboletas voavam ao meu redor, pássaros cantavam e o vento morno secava o meu cabelo, toda a vida naquele lugar limpava a minha mente de pensamentos indecentes, tranquilizando o meu coração e trazendo a tona a paz que apenas a natureza sabia trazer.

Sentia falta de ficar no meio do mato, entre árvores e animais. Viver na Alta Corte exigiu uma mudança drástica no meu estilo de vida e fui obrigada a me acostumar aos costumes dos nobres que acabei esquecendo a sensação refrescante e pacífica que é ficar rodeado pela fauna e flora exuberante de Elvenore.

— Está tudo bem, dona? — A voz grave de Lycan me desperta de meus pensamentos.

— Ah, sim! — Soprei, voltando o meu olhar para ele — Estou bem sim, Lycan.

— Parecia tão perdida na sua cabeça — Murmurou, olhando para o teto de folhas que cobriam na nossa cabeça.

— Estava apenas pensando.

— Sabe, dona, pensar é bom para a nossa cabeça às vezes, mas… — Me sentia tão baixa perto dele que quando olhou de volta para mim, eu mais parecia uma criança ao lado de um homem-feito — Fico preocupado com a senhorita quando fica pensativa assim logo após um encontro com o meu camarada.

Arregalo os olhos, surpresa por ele ter prestado atenção nos pequenos detalhes.

— Eu sei que o Skander pode ser um completo idiota na maioria das vezes — Sorriu, repousando sua mão em meu ombro — Se ele for muito… — Ele parecia procurar as palavras certas — Inconveniente com você, dona, pode me avisar que ficarei muito feliz em colocar juízo naquele verme.

Tento falar, mas rapidamente ele me interrompe.

— Não me intenda mal, dona — Murmurou, sua voz estava mais séria — Skander nunca machucaria uma dama, principalmente você — Ele olha para o lado, percebendo o olhar frio e quasse assassino de seu capitão — Mas ando precisando de um motivo para socá-lo.

— Sua cobra, pare de falar baboseiras! — Skander o repreendeu, aproximando-se de nós — Não é de bom gosto falar mal de um cavalheiro para uma dama como a Kyanite.

Reviro os olhos, sorrindo para os dois.

— Lycan não estava falando mal de você, capitão — Pronuncie, ficando entre os dois homens — Apenas estava se certificando de que estou bem, não é, Lycan?

— Sim, dona — Um sorriso infantil surge em seus lábios.

Skander resmunga, balançando a cabeça.

— Guie o caminho, Lycan — Ordenou apontando para a frente.

— Ay-ay, capitão — Seu tom brincalhão me faz rir.

Skander fica ao meu lado, com seu polegar e indicador pressionando seu nariz como se estivesse tentando se livrar de uma enxaqueca terrível.

— Perdoe os modos de Lycan — Falou, balançando a cabeça negativamente — Ele esquece como deve se portar perto de uma dama — Pigarreou, finalmente me olhando nos olhos — Não acredite em tudo o que ele fala, por favor. Lycan está procurando um motivo para usar a espada e só.

— Eu imaginei — Soprei, tocando o ombro musculoso de Skander — Para seu braço direito, Lycan é certamente muito… — Mordo o interior da minha boca, incerta se deveria falar — Sanguíneo.

— Vivemos no mar, Kya — Sorrio, segurando a minha mão discretamente — Apesar de parecer ser muito divertido, apenas lidamos com os elementos em seus momentos mais tempestuosos. É mais um trabalho difícil do que uma aventura — Sinto ele apertar a minha mão com mais força, sorrio ao perceber que ele não me soltaria tão cedo — E, bem… Somos amigos desde que me entendo por gente.

— Eu queria ter amigos assim — Olho para ele — Que conheço desde a infância, mas o jeito que fui criada me privou disso — Eu sinto o peso da chave da biblioteca privada de Evander e o medalhão do brasão da família do meu pai puxar o meu pescoço para baixo — A única constância quando se trata de relacionamento era o meu pai, Novak e… Hum, Dominic.

Suspiro, lembrando do seu olhar frio e indescritível quando parti do porto de Guenivere.

— Mas ele desapareceu da minha vida quando fiz quinze anos…

— Eu sinto muito — Murmurou, dando um beijo rápido na minha cabeça, mas eu podia sentir a raiva arder eu seu corpo.

— Skander — Me afasto de seu toque, observando seu punho fechado ao ponto de suas juntas de seus dedos ficando branco — Você está bem?

— Sim, eu… — Pigarreou, passando seus dedos pelo seu cabelo — Não se preocupa, ok?

— Skander, você pode falar qualquer coisa comigo — Incentivei-o, apertando um pouco mais a sua mão.

— Eu sei, princesa — Sorriu, repousando um beijo leve e despreocupado na minha testa — Vamos aproveitar essa aventura, combinado? — Seus olhos encontram os meus e por um momento eu esqueço de respirar — Nada de Dominic, nada de realeza. Nada sobre a Alta Corte e tudo o que você tem que se preocupar.

Balanço a cabeça positivamente.

— Estamos aqui para… — Ele tenta falar, mas é interrompido por um de seus homens.

— Estamos próximo, capitão.

Skander assente, voltando sua atenção para mim logo em seguida.

— Pronta para conhecer as sereias?

— Eu… — Respiro fundo e acalmo o nervosismo que pulsava no meu coração — Sim!

 

✵ ✵ ♔ ✵ ✵

 

O resto do caminho foi silencioso, minha ansiedade me impedia de pensar em algo além de tudo o que eu aprendi sobre o povo sereiano. A trilha feita de pedregulhos escuros foi percorrida por mim e por Skander, os outros marujos decidiram ficar para trás, já que o lugar é, de acordo com algumas lendas, perigoso.

— Com medo? — Perguntou, com sua atenção voltada completamente para trilha.

— A lenda diz que apenas os impuros devem temer as águas límpidas dos Poços de Prata — Falei, anotando tudo o que podia em meu caderninho de couro marrom-claro — Acho que estou bem. Apenas curiosa…

Tudo ao meu redor era completamente diferente da fauna da ilha. As folhas eram bem mais escuras, de um tom de verde que mais parecia preto. Os troncos das árvores são enegrecidos e marcados com linhas prateadas que se assemelhavam a cordões finos e delicados de prata. Uma beleza única, magnificamente cultivada ao longo dos anos.

— Qual o nome dessa vegetação, Skander? — Apontei para uma das árvores ao nosso redor.

— Aquamarines é o nome popular — Explicou, parando de andar para me olhar — Essa ilha toda costumava ser submersa.

— Certo… — Minha mão trabalhava para eu não perder nada, nenhum grama de informação — Veio a superfície quando o rei sereiano, Acqua III, foi assassinado por seu meio-irmão humano, Killian, não é?

— Exato! — Sorriu, surpreso — Acho que sabe mais sobre eles do que eu, Kya.

— Obrigada — Soprei, coletando uma folha caída com formato de água, guardando-a no caderno — Porque paramos?

— Não posso ir mais adiante — Seu sorriso transformou-se em uma linha tímida e acanhada em seu rosto.

Franzo o cenho, confusa.

— Bem… — Inspirou fundo, desviando o olhar — A lenda diz que apenas virgens podem seguir o “caminho de opalas” — Sinto um rubor violento tomar o meu rosto enquanto ele apontava para o caminho de pequenas pedras polidas e brancas que mais pareciam brilhar — Acho que entende o motivo de eu ter que ficar para trás agora, certo, Kya?

— Eu… — Pigarreio e balanço a cabeça — Entendo, mas como sabe que encontrarei sereias aqui?

Ele morde o lábio inferior, concordando.

— Não é certo que encontrará o povo sereiano aqui, mas a probabilidade de encontrar suas escamas é maior — Avisou, me entregando uma de suas adagas — Siga as escamas, mas não toque nelas… Sereias ficam sentidas com isso.

— Skander…

— Apenas não pegue nas escamas e siga reto — Seus olhos preocupados encontram os meus — Não desvie por mais que alguém te chame.

Afirmo positivamente.

— Estarei exatamente aqui e não vou te chamar, muito menos posso entrar — Continuou, apertando minhas mãos de leve — Apenas siga reto, combinado?

— Nada de tocar nas escamas e nada de pegar atalhos — Repeti, respirando fundo — Combinado.

Sinto um calafrio percorrer a minha espinha, estava tão nervosa que não notei o suor se acumular nas minhas mãos. Eu não estaria em perigo se seguisse os avisos de Skander e iria apenas para ver as sereias de perto, mas, ainda assim, algo se revirava dentro do meu estômago, uma sensação de mudança, daquelas avassaladoras que faz o nosso corpo esfriar.

As mãos do capitão Valir envolvem a minha bochecha, encontro em seu olhar uma paz imensurável e todo tremor, medo e nervosismo se dissipa em questão de segundos.

— Vai ficar tudo bem, Kya — Sua voz é doce e gentil, como a brisa marinha — Você consegue fazer isso e acho que não precisa de mim para saber disso.

Seu sorriso brincalhão ilumina tudo ao nosso redor. Me sinto segura e forte ao seu lado, como se pudesse dominar todo o oceano. Arrumo minha postura e encaro o caminho a minha frente.

Eu não estava pronta

Estava pronta.

 

✵ ✵ ♔ ✵ ✵

 

Tudo ao meu redor era terrivelmente silencioso, era como se toda a vida da selva estivesse adormecida, embalada pelo sobro suave da brisa. Podia ouvir apenas o som das pedras opalas se moldarem de acordo com o formato da minha bota, um tilintar discreto. A mata se tornava aos poucos menos densas e no meio do caminho podia ver o céu por completo, sem nuvens e de um azul tão claro que parecia uma obra de arte.

Quem adentra o caminho

Tem uma alma cristalina

A voz era tão doce que parecia mel, sutil e viscosa. Eu tinha certeza que era mais de uma pessoa cantando, mas os murmúrios se uniam tão perfeitamente que mal fui capaz de saber de onde a melodia estava vindo. As serias cantam como musas da música, entoando canções antigas e melodias apaixonantes e mortalmente hipnotizante.

Sentia cada fibra dos meus músculos se acalmarem, relaxarem a medida que cantavam a melodia leve como as ondas do mar. As vozes agora bipartiam a canção, uma parte era entoada numa melodia mais grave enquanto um timbre mais agudo decorava com arabescos vocais impecáveis os momentos em que a voz principal descansava para recuperar o ar.

Não há toques de malícias

Muito menos de resistência

Há apenas beleza

E sangue azul da pureza

Observo o meu redor, os pequenos poços de água transparente começavam a borbulhar, uma fina camada de vapor subia dos buracos, deixando o ambiente mais úmido e perigoso. Minha mente gritava para que eu corresse, voltasse pra os braços de Skander, pois eu sabia muito bem o que o povo sereiano fazia com suas presas. As serias são belas mas odiavam serem intimidadas e se alimentavam de humanos apenas quando se sentiam ameaçadas. Costumam levar marujos desrespeitosos ou caçadores de escamas para o fundo do mar e devorá-los ainda vivos.

Porém, meu coração estava sendo embalado por suas vozes, um sentimento de paz imensurável invade meu corpo e me sinto atraída para um dos poços mais perto de mim. A água cristalina parecia me chamar, assim como a música leve e sonolenta das sereias. Eu sabia que seria loucura entrar em um dos poços, mas se minha teoria estivesse certa, por eu ter sangue sereiano, as sereias não me machucariam.

— Venha, jovem donzela — Uma delas falou em um tom tão suave que mais parecia um sussurro que emanava da água quente do poço.

Engatinho até o local e observo a água mudar de cor. Indo de um loiro acobreado até um verde. A sereia se apoia na borda, encarando-me com seus olhos verde-esmeralda. Apesar de suas feições humanas, podia ver sua cauda balançar dentro da água, de um lado para o outro, refletindo a luz do sol em feixes coloridos como o arco-íris. Uma coroa de conchas brancas descansava no topo de sua cabeleira rouge, alguns fios de ouro emolduravam o seu rosto, mas não escondia as orelhas escamosas nem as guelras em seu pescoço.

Evito piscar os olhos. Não queria perder nenhum detalhe daquele encontro.

Suas mãos avançam para tocar o meu rosto, mas ela recua, surpresa.

— Consigo sentir o cheiro de seu sangue, donzela — Falou melodicamente, cessando a música ao nosso redor — Me diga o que é?

Engulo em seco.

— E-Eu — Gaguejei, sentando-me em meus joelhos, sem desviar o olhar.

A sereia me encara, analisando cada movimento meu. Seu olhos esbanjavam curiosidade e suspeitas.

— Eu não sei dizer ao certo… — Soprei, recuperando o fôlego.

— Há sangue sereiano em você, minha jovem — Ela disse, impulsionando seu corpo para frente e segurando o meu punho — Mas não reconheço você.

Me calo. É óbvio que ela não ia me reconhecer, nem eu sabia direito quem era a minha mãe híbrida, imagina uma sereia qualquer. Engulo a minha raiva e observo sua mão pálida agarrar minha pele com força. Uma espécia de corrente elétrica corre pelo meu corpo, mas antes que eu pudesse falar ou fazer qualquer coisa, sou puxada para o poço bruscamente que sinto meu ombro ser deslocado.

Antes o ar quente e úmido envolvia o meu corpo, agora era a água morna e densa que me cobria. Meu coração estava tão acelerado que sentia que ele podia escapar pela minha boca. Tento nadar de volta para a superfície, mas algo me puxa pelo calcanhar.

— Intrusa! — Alguém gritou.

— Matem-na!

Cada vez mais eu era arrastada para o fundo, não conseguia me soltar, as duas sereias que tinha suas unhas cravadas no meu calcanhar eram muito mais fortes do que eu. Não podia gritar por ajuda ou chamar Skander e seus marujos, afinal estava debaixo da água e precisava poupas oxigênio se quisesse sair dessa viva. Mordo o lábio e me concentro em meu corpo.

Tudo ao meu redor estava começando a ficar escuro e precisava de todo o meu instinto de sobrevivência.

Agarro a adaga em minha cintura e gravo na mão de uma das sereias que me segurava. Ela guincha alto, fazendo meus ouvidos arderem. Consigo escapar da segunda mulher que me arrastava e começo a nadar aceleradamente em direção ao foco de luz que presumi ser o poço de onde fui sugada.

Meu pulmão começava a reclamar, estava ficando sem fôlego e estava perigosamente longe da saída. Não consegui nadar sozinha por mais de dez segundos antes de outra sereia avançar para cima de mim, segurando a minha cintura e me afundando cada vez mais. Tento socá-las, mas a água nesse momento era a minha maior inimiga.

— Arrastem-na!

Não! Eu não podia morrer ali! Me recusava a morrer desse jeito.

Me desvencilho do toque da sereia, porém, quando começo a nadar, sua calda dura e forte me atinge ferozmente no rosto. Uma dor avassaladora invade o meu corpo vindo do nariz. Travo, percebendo o escurecimento da minha visão, tudo estava ficando turvo e enegrecido e eu sabia o que isso significava: eu ia desmaiar.

Seu abraçada mais uma vez pela água, seu calor maternal me envolve, me transmitindo uma calmaria necessária para eu fechar os olhos. Eu tremia de medo e por conta da adrenalina, mas depois do nocaute, meu corpo não sentia mais nada e minha mente estava tão nebulosa que parecia que estava dormindo.

A única coisa que me lembro ates de apagar por completo é ver a minha pele cintilar a medida que afundo, reluzindo e iluminando a água escura ao meu redor.


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