Contraste escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 4
Capítulo 4




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Marcamos de nos encontrar no parque onde nos vimos pela primeira vez, o que havia sido uma sugestão dele. Enquanto cruzava os portões de entrada meu celular tocou e franzi o cenho ao ver que era Harry me ligando.

—Oi.

—Oi. Você pediu meu numero todas aquelas vezes só pra me dar um bolo? - Harry perguntou meio incerto.

—Quão calculista eu seria… - Comentei pensativa e finalizei com uma risada. - Só me atrasei uns minutinhos.

—Vinte!

Afastei o celular da orelha e olhei as horas: 16:22.

—Vinte e dois. - Corrigi. - Onde você está? Acabei de entrar.

—Vem até onde a trilha divide, à direita.

—Ok. Até mais.

Encerrei a chamada e escorreguei novamente o celular para o bolso da calça jeans. Alguns passos à frente virei na direção indicada e pude vê-lo sentado numa mesa de piquenique, olhos atentos para onde eu surgiria.

—Olá. - Cumprimentei com um sorriso.

—Boa tarde, senhorita. - Me estendeu um copo da Starbucks onde se lia “Weasley”. - Está pago.

O nome no copo me fez rir.

—O mesmo daquele dia? - Perguntei com uma careta.

—Uhum.

—Desculpe a sinceridade, mas isso aqui é horrível.

—Deveria ter dito antes, então. - Se inclinou e puxou o copo da minha mão. - Eu gosto.

Ele me encarou com uma expressão divertida enquanto tomava um gole do café.

—É o local público que te deixa confortável ou a confirmação da minha idade?

—Mas eu não sei a sua idade.

—Se estamos aqui agora não tenho motivos para pensar que você não perguntou à Hermione.

—Na verdade eu perguntei, e ela me disse algo como idade o suficiente para morar sozinha e ser mais independente do que eu e você juntos. Isso pode significar qualquer coisa entre uns vinte e dois e setenta e cinco anos.

Eu gostava do senso de humor dele.

—Vou deixar você ponderar em que altura dessa escala eu me encaixo. O que te fez pensar que eu tenho dezessete anos? - Perguntei genuinamente interessada.

Ele riu e bagunçou um pouco o cabelo, meio sem graça.

—Você se veste muito informalmente, sempre te encontrei tão despreocupada e sem pressa nos horários em que todo mundo está indo trabalhar, a única vez que te vi pagar por algo você usou dinheiro ao invés de cartão. E bem, você realmente parece muito jovem… - Ele deu de ombros para enfatizar a única conclusão possível de todos aqueles fatos.

—Como eu disse, vou te deixar imaginar um pouco, mas garanto que meus dezessete anos estão bem longe.

—Acho que eu vou precisar de dicas então.

Apoiei o cotovelo na mesa à minha frente e pousei o rosto na mão, deixando que ele guiasse a conversa que se seguiria. Eu estava curiosa para saber o que ele diria e perguntaria.

—O que você faz? Estuda? Trabalha? - Me perguntou interessado, começando pelo mais previsível possível.

—Trabalho, estudar já saiu da minha lista de atividades faz um tempinho, e eu não sinto a menor saudade.

—E no que você trabalha?

—Sou fotógrafa, eu te disse isso quando nos vimos a primeira vez.

—Achei que fosse um hobby, não sabia que era sua profissão. Que interessante, e o que você fotografa? Casamentos?

Ri da sugestão, deixando-o confuso.

—Não chegou nem perto. Fotografo para uma editora de revistas destinadas ao público adulto. - Ele me olhou meio descrente, sem saber se tinha entendido direito. - Fotos sensuais. - Expliquei para não restar dúvidas.

—Sério? Fotos sensuais? Ainda existe esse tipo de revista?

—E como existe, mas hoje em dia elas normalmente são online e não impressas. As fotos não vão parar lá do nada, alguém as tira.

Pela primeira vez ele pareceu realmente surpreso.

—Desculpe a curiosidade, mas como isso funciona?

—As fotos, você quer dizer?

—As fotos, a rotina, tudo. Não consigo imaginar como seja.

—Tenho três capas sob minha responsabilidade, duas femininas, uma delas mais artística e a outra mais pornográfica, e uma masculina. Minha agenda se divide entre sessões para elas e reuniões de edição. Não tenho um horário muito fixo, porque dependendo do tema do ensaio precisamos da luz noturna ou amanhecer, então varia, mas normalmente acontece no estúdio.

—E você gosta disso?

—Eu adoro, você não imagina como é legal!

—Não imagino mesmo.

—As vezes tem uns modelos chatos que deixam o ensaio cansativo, mas a maioria é um pessoal bem descolado e divertido. Fora a equipe, eles são ótimos.

—Imagino que eles sejam também muito descolados e divertidos. - Notei o sarcasmo quando ele repetiu minhas palavras, mas confirmei com um aceno. - Não é estranho ver pessoas sem roupa o dia inteiro?

—Você se acostuma, na maioria das vezes é mais engraçado do que qualquer outra coisa.

—Não consigo imaginar isso sendo engraçado.

—Sua imaginação é muito limitada, Potter. - Ele me olhou de canto e eu ri. - Posso te contar várias situações se quiser.

—Por favor.

Me empolguei contando algumas coisas divertidas que presenciei nos últimos quatro anos. Para algumas histórias ele olhou meio incerto se deveria expressar alguma reação, para outras riu com vontade.

—E você, o que faz?

—Trabalho em um banco, sou responsável pelas relações públicas da marca e da direção.

—Você gosta disso? - Perguntei com o cenho franzido.

—Bastante, mas acredito que é o tipo de coisa interessante que você nunca iria achar interessante.

—Provavelmente. E onde você mora?

—Duas ruas daqui, e você?

—Do outro lado do parque. De onde você e Hermione se conhecem?

—Nós moramos na mesma residência estudantil quando estávamos em Oxford, somos melhores amigos desde então.

—Claro que você estudou em Oxford, aposto também que era o melhor aluno da turma.

—Não necessariamente, mas eu estava entre os melhores.

Rolei os olhos e ele riu, mas antes de continuarmos o assunto fomos interrompidos por um vigia.

—Com licença, o parque fecha em cinco minutos.

Olhei as horas na tela do meu celular e constatei que já estávamos ali há quase três horas.

—Obrigada. - Levantei do banco e Harry fez o mesmo.

Caminhamos pela trilha agora deserta e cruzamos o portão da entrada quando o sol estava se pondo. Parei na calçada, mas ele indicou o café aconchegante do outro lado da rua.

—Te devo algo que você goste, o que quer beber?

—Chai latte se eles tiverem, por favor.

—Um chai latte e um espresso duplo, por favor. - Pediu e se virou novamente para mim. - Você não gosta de café?

—Não, acho o gosto forte demais.

Apanhei minha bebida no balcão e me sentei numa mesa de canto, Harry se juntou a mim depois de pegar a dele.

—E o que você faz? - Me perguntou depois de adicionar açúcar em sua xícara. - Além do seu trabalho incomum.

—Eu tenho uma quantidade enorme de hobbies que posso te listar, mas na maior parte do tempo em que estou livre acompanho algumas série, no momento estou assistindo Lucifer.

—Nunca me interessei pela sinopse dessa, eu prefiro histórias um pouco mais sombrias, algo como Mind Hunters ou algo assim.

—Definitivamente não compartilhamos do mesmo gosto então, porque se for pra sentar na frente da TV por horas eu quero algo que me faça rir, não me estressar.

—E o que mais você faz além de rir na frente da TV?

—Eu saio bastante a noite, principalmente com o pessoal do estúdio.

—Outro habito que não compartilhamos então.

—Você não tem mesmo cara de que gosta de baladas.

—Na verdade eu nunca me interessei o suficiente para ir a uma. - Ele ergueu os ombros como se fosse irrelevante.

—Você nunca foi a uma balada?

—Não, eu não gosto de baladas.

—Como você sabe que não gosta se nunca foi a uma? - Ergui as sobrancelhas em desafio.

Isso pareceu diverti-lo, mas ele coçou a cabeça em dúvida.

—Ok, você tem razão nesse ponto.

O braço dele estava apoiado em cima da mesa e eu puxei seu pulso em minha direção para ver as horas no relógio.

—Vamos resolver isso? - Convidei com meu melhor olhar desafiador e ele me olhou desconfiado.

—Agora?

—Por que não? É sábado, não tem dia melhor.

Ele pareceu pensativo por um momento, mas não disse nada. Interpretei isso como um sim, terminei minha bebida e me levantei.

—Vamos? Vou te mostrar o lado legal de Londres.

—Onde exatamente é esse lado legal? - Perguntou desconfiado, mas se levantou e me acompanhou.

—Não é longe daqui, mas temos que nos apressar um pouco pra chegar antes das nove e meia.

Ainda não muito convencido ele me acompanhou até a calçada e olhou para os lados meio incerto.

—Eu estou ao menos vestido adequadamente?

Corri os olhos por ele, aproveitando a visão agradável da calça jeans justa, sapato e camiseta pretos.

—Você está ótimo, mas eu preciso me trocar, vamos.

Ele caminhou do meu lado mais calado do que esteve durante todo o dia, e eu podia notar que ele ainda se perguntava como uma tarde no parque havia de repente se transformado numa noite na balada.

—Não vou demorar, só preciso de cinco minutos para me trocar. - Informei para seu olhar de dúvida quando abri a porta de acesso ao meu prédio.

—Você está me levando na sua casa? - Perguntou com o cenho franzido. - Você acabou de me conhecer, não pode me levar na sua casa.

—Você é melhor amigo da Mione. - Falei como se isso explicasse tudo. - Mais confiável do que isso acho que você não pode ser.

Ele não parecia muito convencido com a minha explicação, mas me acompanhou mesmo assim quando passei direto pelo elevador e comecei a subir as escadas.

—Escada?

—É só um andar, e eu não gosto muito de elevadores.

Abri a porta e dei espaço para que ele entrasse.

—Já volto. - Passei direto para o quarto e o deixei sozinho na sala.

Soltei o cabelo do rabo de cavalo e penteei rapidamente os fios para que caíssem organizados sobre o meu ombro. Me livrei da calça jeans e da camiseta, chutei a sapatilha para o lado e abri meu armário para decidir o que vestir. Não tive que pensar muito, um vestido pink de que eu gostava particularmente estava bem na minha frente e eu o apanhei. Passei a peça pela cabeça, arrumei seu decote redondo nos lugares certos, alisei a saia que ia até metade da minha coxa e fechei os botões mais baixos que ficavam nas costas. Os de cima sempre eram difíceis de alcançar, então deixei como estava, peguei um sapato nude e fui até a sala.

—Fecha aqui para mim, por favor? - Pedi com a mão sobre a parte da frente do tecido, mantendo-o no lugar, e me virei de costas para o Harry, que ainda estava parado no mesmo lugar onde eu o havia deixado. - Você poderia ter se sentado, se quisesse.

Puxei o cabelo para a frente e dei espaço para ele abotoar minha roupa. Levantei um pé e depois o outro e me inclinei apenas o suficiente para calçar os sapatos de salto, o que foi bem pouco, mas ele deu um passo atrás mesmo assim.

—Pronto. - Falou sem jeito, fechando o último botão no meio das minhas costas.

—Só mais um minutinho.

Sumi novamente pelo corredor e voltei poucos minutos depois usando meu batom vermelho preferido e uma bolsa pequena enroscada na diagonal pelo meu tronco.

—Vamos? - Convidei com um sorriso empolgado.

Ele parecia profundamente sem graça e deslocado na minha casa, totalmente fora da sua zona de conforto, mas me acompanhou mesmo assim, mantendo uma distância elegante entre nós. Me virei em direção ao ponto de táxi que havia na esquina e em alguns minutos estávamos acomodados no banco de trás do carro.

—Devo ficar com medo do que me espera? - Perguntou pensativo.

—Fique tranquilo, você vai começar com estilo. - O tranquilizei com um tapinha amigável no ombro.

Enquanto Harry olhava no taxímetro o valor da corrida, peguei a quantia que eu sabia ser a correta dentro da minha bolsinha e estendi para o motorista.

—Obrigada.

Ele bufou contrariado e saiu do carro, parando ao meu lado na calçada apinhada de gente. Me equilibrei na ponta do pé à procura da pessoa que sempre conseguia as entradas de última hora para mim, mas não consegui ver com tantas cabeças mais altas do que eu. Tateei até encontrar o braço do meu acompanhante e o puxei pela mão.

—Vem comigo.

Me enfiei na multidão com destreza, familiarizada com a aglomeração, e ele me seguiu cheio de “com licença” e “me desculpe” sempre que encostava em alguém.

—Oi, Daf. - Cumprimentei alto o suficiente para que a moça atrás da grade de contenção me ouvisse e me estiquei para dar um beijo em seu rosto. - Eu e um amigo decidimos de última hora, será que você consegue nossas entradas?

Ela piscou afirmativa e me pediu um minuto. Harry estava parado atrás de mim no pouco espaço que tinha, se esforçando para não encostar muito nas minhas costas, e eu fiz um gesto afirmativo para ele saber que tinha dado certo.

—Aqui estão. - Ela me estendeu as duas pulseiras que liberavam nosso acesso.

Me virei para o Harry com uma delas.

—Aqui, me dá seu pulso. - Ele estendeu o braço e eu a colei ali. - Trinta e cinco libras.

—O que? - Falou espantado, os olhos arregalados em descrença. - Meu Deus, mais caro que muitas peças de teatro.

Lancei a ele um sorriso sarcástico e pedi sua ajuda para colar a minha pulseira. Pagamos nossas entrada e passamos sem demora pelo segurança alguns metros a frente de onde estávamos. A entrada era por um corredor escuro que se estendia por poucos passos e finalizava numa cortina preta, onde a música alta já era ouvida, mas nada podia ser visto. Depois de atravessarmos o tecido pendurado, o pequeno espaço se abria num salão amplo e requintado, luzes azuis davam um clima todo moderno no ambiente decorado com mesas de inox e poltronas pretas de couro, espalhadas ao redor da pista de dança, onde uma quantidade enorme de pessoas já se divertia no ritmo da música eletrônica.

Olhei para cima, na direção do rosto do meu acompanhante, e ri com sua expressão de surpresa. Seja o que for que ele estivesse esperando, parece que se surpreendeu. O volume não era muito propício para conversas, então me apoiei no ombro dele e fiquei na ponta do pé, ele percebeu que eu queria dizer algo e se abaixou até estar da altura do meu rosto.

—Você pode mostrar sua pulseira no bar e gastar até vinte libras com o que quiser dali, eles não vão te cobrar a mais por isso. Se quiser ir no banheiro, é lá do outro lado. - Apontei a sinalização a alguns metros de nós e ele assentiu olhando na direção que eu indicava. - Não é muito legal?

Ele me olhou sem parecer muito convencido do que exatamente era muito legal.

—Ah! - Lembrei e o puxei de volta. - Não beba nada do copo de ninguém.

Ele me olhou cético antes de voltar a se aproximar.

—Isso eu deduzi sozinho.

—Achei melhor confirmar. Vem. - Puxei ele pela mão e o levei até o meio da pista.

Eu adorava esse ritmo, as luzes inconstantes que deixava tudo mais enigmático, a batida da música que fazia algo vibrar dentro de mim, as pessoas em volta preocupadas apenas em dançar e se divertir e o clima descontraído onde ninguém está preocupado se aquele movimento combina ou não com o que está tocando. Quando chegamos a um espaço suficiente para nós dois eu já me sentia relaxada, dentro do meu lugar ideal.

Ao contrário do Harry, que não poderia parecer mais tenso e perdido.

—Relaxe, é só sentir a música. - Falei no ouvido dele, as mãos apoiadas em seu ombro.

Me afastei e fiz o mesmo, deixando a música me embalar por alguns minutos e me movimentando sozinha de frente para ele. Suas tentativas muito tímidas de se soltar eram engraçadas e não consegui me manter séria por muito tempo, por fim ele acabou rindo também e se inclinando para falar no meu ouvido.

—Acho que não levo muito jeito.

—Você está indo muito bem. - Zombei e ele riu.

Voltei um passo atrás e continuei me movimentando, olhando as pessoas ao redor e me divertindo como o lugar pedia, mas um tempo depois e mais uma olhada para o rapaz à minha frente eu decidi que deveria ajudá-lo pelo menos um pouquinho a aproveitar a noite.

—Vem aqui, juntos é mais fácil. - Falei em seu ouvido e passei o braço por baixo do dele, pousando a mão em suas costas. - Só se solta, sente o ritmo.

Ele não soube o que fazer quando o abracei, e por alguns segundos manteve os braços ao lado do corpo, até que peguei as mãos dele e coloquei na minha cintura, contendo uma risada que certamente o deixaria ainda mais sem graça.

—Tem muito barulho. - Reclamou acompanhando meus movimentos lentos.

—Se você quiser fugir um pouco dos seus pensamentos, o momento é esse, garanto que não vai ouvi-los.

Ele riu perto do meu ouvido.

—Você está fugindo de que?

—Só do tédio mesmo, você deveria tentar as vezes.

Ele se soltou um pouco depois da pequena conversa, parecia mais relaxado, ainda que sua falta de familiaridade com o lugar fosse visível mesmo à distancia e no escuro.

Eu já sentia o suor se acumulando sob o cabelo na minha nuca, mas esse pequeno desconforto compensava se fosse para dançar abraçada com um cara bonito e cujo cheiro, que preenchia totalmente meu olfato, fosse tão gostoso. Ainda que o cara em questão fosse um pouco lento e precisasse de alguns incentivos.

Fiquei na ponta do pé e o puxei pela nuca para que se abaixasse um pouquinho, deslizei o nariz pelo pescoço dele até alcançar sua orelha.

—Você é tão cheiroso.

—Obrigado, é muito gentil da sua parte.

Rolei os olhos, aproveitando que ele não podia ver, e mordi o lábio para conter a risada. Tudo bem, talvez ele precisasse mais que apenas alguns incentivos.

—Vem, vamos beber alguma coisa, está muito quente aqui.

Sem dar tempo de me responder o puxei pela mão até o bar e me inclinei sobre o balcão.

—Gin! Quanto tempo, linda. - Tom, o barman, me cumprimentou com um sorriso.

Ele se inclinou do outro lado e eu me impulsionei para cima para conseguir receber seu beijo no rosto.

—Estou dando o ar da minha graça em outros lugares ultimamente. - Respondi voltando a colocar os pés no chão.

—Lugares de sorte. - Ele piscou para mim com um sorriso. - O que vai querer?

—Um mojito.

—Para já. - Ele puxou uma coqueteleira e começou a preparar.

—O que você quer, Harry? - Me virei e perguntei para a pessoa quieta ao meu lado, assistindo a cena sem esboçar reações.

—O que você sugere?

—Eu adoro mojito e é fraco, acho que você vai gostar. - Ele confirmou com um aceno e eu me virei novamente para o barman. - Tom, dois desse, por favor.

Peguei os dois copos, agradeci, e entreguei o do Harry para ele antes de puxá-lo novamente para a pista. Paramos próximo ao lugar onde estávamos e ao invés de me virar de frente, como antes, pousei sua mão sobre a minha barriga e continuei de costas, me balançando no ritmo da música e bebericando minha bebida.

Tomei como missão dificultar toda a sua tentativa de não encostar em mim e continuei meus movimentos despreocupadamente, enquanto sua determinação ficava menos expressiva. Minutos depois a mão que eu tinha colocado na minha barriga já era quase um abraço completo, meus cabelos estavam jogados para frente sobre o ombro e eu sentia a camiseta dele na pele das minhas costas que o vestido não cobria, assim como suas pernas encostadas nas minhas, me acompanhando quase sem errar.

Encostei a cabeça em seu ombro e subi minha mão até sua nuca, arranhando-o de leve ali e fazendo-o se contrair todo antes de puxá-lo para mais perto do meu rosto.

—Quer mais? - Perguntei roçando o lábio em sua orelha.

—Desculpe? - Falou desconcertado.

—Bebida, Harry, a sua acabou. - Indiquei o copo e contive o sorriso ao vê-lo ficar sem jeito.

—Ah, não, obrigado.

—Vou pegar mais uma para mim.

—Vou me sentar um pouco, se importa?

—Não, só não se perca por aí. - Brinquei e ele riu antes de sair para o outro lado.

Pedi um coquetel de morango com vodca dessa vez, para variar o cardápio, e com meu copo na mão saí para procurá-lo. Avistei minha companhia sentada numa poltrona mais ao canto e fui ao seu encontro, mas antes de alcançá-lo uma modelo que eu tinha fotografado há alguns meses me reconheceu e parou para um cumprimento espalhafatoso. Me livrei dela alguns minutos depois dizendo que precisava encontrar uma pessoa e continuei caminhando em direção ao sofá.

Harry me viu de longe e retribuiu meu sorriso enorme com um menear de cabeça que poderia significar qualquer coisa. Ele estava com os cotovelos apoiados no joelho, inclinado para frente, e se encostou no assento para falar comigo quando cheguei perto. Aproveitando suas pernas livres e sem nenhuma outra opção de onde fazer isso, me sentei de lado em seu colo e tomei um gole do meu drink.

Olhei em volta, para o movimento que não parecia perto de diminuir, e quando voltei meus olhos para o Harry ele estava parado na mesma posição de quando me sentei, as mãos levantadas sem saber o que fazer com elas e me olhando como se eu fosse doida.

—É tão engraçado como você nunca sabe o que fazer com as mãos. - Comentei rindo.

—É que você nunca avisa antes de invadir o meu espaço, acho natural que eu fique perdido. - Falou como se fosse óbvio.

Com muito tato ele apoiou a mão direita sobre o meu joelho e a esquerda sobre a própria perna, perto do meu quadril.

—Você é bem popular por aqui, não?

—Gosto de conhecer pessoas novas, é tão chato ver sempre as mesmas caras. - Dei de ombros. - Você viu aquela moça que me cumprimentou?

—Sim, ela parecia ser sua fã.

—Tirei fotos dela um tempo atrás e ficaram incríveis, a revista deve estar vendendo absurdos e ela ficando rica, claro que é minha fã.

—Modesta. - Ironizou.

—Quer ver as fotos? Tenho aqui no meu celular. - Comecei a abrir a bolsa, mas ele segurou minha mão e impediu.

—Não precisa, eu acredito.

Tomei mais um gole da minha bebida e me virei para ele.

—Quer?

—O que é isso?

—Vodca e morango.

Ele estendeu a mão para pegar meu copo, mas desviei e o levei até sua boca. Ele recuou dessa vez e me olhou irônico:

—Achei que eu não devesse beber do copo de ninguém.

—Já até te levei na minha casa e você continua inteiro, com todos os órgãos, não existe prova maior de quão confiável eu sou.

Levei o copo aos seus lábios e ele aceitou.

—Bom, não é?

—Melhor que a anterior.

Ofereci e ele aceitou mais um pouco, mas eu virei o copo um pouco mais do que o necessário e uma gota acabou escorrendo. Passei meu dedo do queixo até o lábio dele para limpar e lambi, sendo acompanhada por uma expressão que me dizia claramente que ele estava debatendo internamente sobre o que deveria fazer a seguir.

Entreguei o copo para ele e me inclinei sobre seu pescoço, ele pensou que eu fosse dizer algo e se aproximou, mas ao invés disso distribuí alguns beijos por ali.

—O que você está fazendo, garota? - Perguntou sério, mas não se afastou.

—Beijando o seu pescoço, eu disse que você é cheiroso.

Continuei intercalando meus beijos, algumas lambidas e uma ou outra mordida leve na sua pele arrepiada, atenta em descobrir onde ele parecia mais sensível. Cruzei a perna para ficar mais confortável e ele me interrompeu com uma pergunta.

—Você tem uma tatuagem na coxa?

Parei o que estava fazendo e olhei para minha perna esquerda, agora cruzada sobre a direita e com o vestido um pouco deslocado, deixando à mostra um pedaço da minha frase.

—Tenho, faz bastante tempo.

—É uma frase? - Olhou curioso para o pequeno traço que aparecia.

—Sim.

—E o que está escrito?

—Pode olhar. - Incentivei.

Ele pareceu em dúvida por apenas um segundo, depois me entregou o copo e levou a mão até a barra da minha saia.

—Com licença. - Pediu antes de levantar os dois centímetros necessários para que ele conseguisse ver e se inclinou sobre minhas pernas. - “Free to be who I am”. - Leu pausadamente, como que admirando cada uma das palavras. - Combina com você.

—Gosto de pensar que sim.

Me inclinei e coloquei o copo vazio sobre a mesa baixa à nossa frente.

—Essa é a única?

—Tatuagem? - Ele confirmou com um aceno, voltando a mão para o meu joelho. - Não.

—O que e onde são as outras?

—Que graça tem se eu te contar, não é mesmo? - Perguntei sugestiva e ele riu.

Harry correu os olhos pelas minhas pernas, se inclinou para minhas costas e afastou meu cabelo da nuca.

—Você não vai achar assim. - Dei de ombros quando ele terminou sua inspeção. - É um pouquinho mais escondido que isso.

—Uma coisa eu tenho que dizer sobre você. - Começou e eu o olhei com mais atenção. - Você sabe como deixar alguém curioso.

Gostei de ouvir isso, gostei muito na verdade, e meu sorriso radiante não escondeu o fato.

—Não ria tanto, não tenho certeza se é um elogio. - Acrescentou com cara de desdém, mas acabou rindo também.

—Me guardo o direito de interpretar como quero. - Levantei a sobrancelha em desafio e ele fez um gesto cortês indicando que eu poderia ficar a vontade.

—Já é quase uma da manhã.

—Quer ir embora?

—Acho que quero, sim.

Usei seu ombro como apoio e me levantei, ajeitando a saia assim que fiquei de pé. Harry foi discreto ao também arrumar a própria roupa e me acompanhou para a porta de saída. Não foi difícil encontrar um táxi e nos acomodamos juntos no banco de trás.

—E então, gostou? - Perguntei me virando de frente para ele no banco, meu joelho encostado na lateral da sua coxa.

—Foi melhor do que eu imaginava.

—Eu me diverti muito.

Não falamos mais nada depois disso, Harry desviou o rosto para frente, pronto para cair num silêncio constrangedor. Segurei seu queixo e trouxe o rosto dele para mais perto, meus lábios encontrando seu pescoço de novo. Dessa vez sua mão pousou na minha coxa e se manteve ali.

Ele também era muito bom em deixar as pessoas curiosas, porque ou essa timidez toda era irreversível e ele era de fato quieto o tempo todo, ou escondia alguém muito surpreendente por baixo. Eu realmente achava que ele tinha potencial, então apostava na segunda hipótese.

Eu poderia beijá-lo e tinha quase certeza de que seria correspondida, mas esse cara me fazia querer provocá-lo para ver quanto tempo ele levava para deixar toda essa elegância e cavalheirismo de lado. Ele levantou meu rosto e cheirou meu pescoço como eu havia feito com ele mais cedo, me beijando ali também.

—Você também é bem cheirosa, garota.

—Muito gentil e cordial da sua parte. - Agradeci com uma risada sarcástica e ele riu contra a minha pele, me arrepiando.

—Chegamos, os dois ficam aqui? - O motorista olhou para nós pelo espelho retrovisor quando parou em frente ao meu prédio.

Olhei para o meu acompanhante com a sobrancelha erguida, mas os segundos se estenderam e Harry não falou nada, embora parecesse estar escolhendo quais palavras usar.

—Pensou demais. - Comentei para que só ele conseguisse me ouvir quando o silêncio se estendeu o suficiente para se tornar constrangedor e me virei para o taxista. - Eu fico aqui, ele te informa o endereço da casa dele. Boa noite Harry, você paga o táxi da volta.

Me virei e desci do carro, dividida entre a diversão e a frustração. Harry definitivamente precisava aprender a se divertir.


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Notas finais do capítulo

Alguém pode dizer pra Gin que ela não é a única frustrada aqui, por favor? Depois desse primeiro encontro inusitado, como será que vai ser a interação entre esses dois, hein?
Não deixem de me dizer o que acharam do capítulo.
Beijos e até o próximo.