Havia beleza nos humanos.  

O jeito que seus lábios se curvavam em um sorriso quando viam algo bonito na rua, ou lágrimas de emoções escapando de seus olhos ao verem um filme emocionante. Os músculos que se contraíam na presença de quem gostavam, pupilas dilatadas, o ar rarefato em seus pulmões com carinhos e beijos apaixonados. A busca por ar após um longo período de lábios encostados, que geralmente precedia uma nova carícia.  

Havia beleza nos humanos. 

E havia plenitude em Wanda Maximoff.  

Visão sempre observou trejeitos humanos com muita atenção, porém, nenhum estava perto de ser sublime como os pequenos vícios humanos de Wanda. De sua risada franzindo o nariz, os suspiros entre os beijos trocados com Visão, até seu baixo ressonar durante a noite. Admirá-la enquanto dormia se tornara quase uma segunda natureza para ele, que também cuidava de sua respiração através do lento subir e descer de seu peito, bem como frequentemente acariciava sua barriga durante a noite, também buscando se conectar com a criança em seu ventre. 

Por vezes, parecia ter conseguido. Utilizando o calor da joia da mente na ponta dos dedos, e deixando seus ouvidos super apurados, ele conseguia detectar batimentos cardíacos, bem como ouvir o bebê se movendo na bolsa amniótica, muitas vezes um pouco mais rápido que imaginava ser o normal. 

Enquanto Wanda, vestida em uma linda camisola para gestantes, descansava sobre o travesseiro, Visão acariciava as mechas de seus longos cabelos ruivos, sempre com os ouvidos apurados para quaisquer eventualidades do lado de fora. Ele conseguia, de vez em quando, entrar em um sereno modo de repouso, o qual, por muitas vezes, trazia consigo espécies de sonho que ele não conseguia compreender em sua plenitude. Talvez fosse uma característica que compartilhasse com os humanos, algo que deveria experimentar mais vezes antes de ter certeza. 

Mas, naquela noite em específico, ele só desejava contemplar Wanda. 

Os pesadelos de Wanda eram persistentes, muitas vezes reprisando as miragens da noite que contara sua gravidez. Não era raro ela estremecer ou sussurrar algo muito incompreensível, quase em outro idioma. Apesar de não entender, Visão se esforçava para abraçá-la e confortá-la, preocupado já que ela nunca se abrira com ele sobre o que poderia fazê-la tão mal. Contudo, ele lembrava das palavras de Sam, sobre não sufocar, e acabava não indagando sobre esses possíveis sonhos ruins. 

Tudo parecia em paz, até os ouvidos de Visão captarem um ruído estranho do lado de fora. 

Ele imediatamente tornou-se intangível para atravessar a parede do segundo andar e flutuou pela atmosfera enquanto observava seus arredores, vendo alguns pontos de luz na distância. Visão arregalou os olhos e atravessou as paredes em direção ao quarto dos demais Vingadores: 

— Alguém está circundando o perímetro. Precisamos agir, depressa. 

Sam, Steve e Natasha prontamente levantaram e buscaram vestir os uniformes o mais rápido possível, enquanto diziam ordens um para os outros e Visão se dirigia para a porta da frente. Por algum motivo, ele decidiu usar as escadas ao invés de diminuir sua densidade corporal e meramente descer ao primeiro andar; contudo, acabou sendo uma boa escolha, pois ele conseguiu enxergar Wanda, ainda de camisola e coberta por um robe, em pé na porta do quarto com os olhos arregalados. 

— O que aconteceu? – Ela questionou, assustada.  

— Nada que você precise se preocupar. – Visão voou em sua direção e segurou sua bochecha com as duas mãos. – Apenas fique segura, certo? 

— Não! – Choramingou Wanda. – Eu quero ajudar. Por favor, me deixe ajudar. 

Visão meramente ignorou seus apelos e desceu ao andar de baixo com seus colegas, haja vista o barulho ter se tornado ainda mais alto. Na frente da casa, o drone de Sam vasculhava o perímetro enquanto Natasha e Steve se preparavam para combater a ameaça. Não tardou para Wanda aparecer na soleira da porta, desta vez totalmente vestida para lutar, com a bata cor de vinho, calças um pouco mais largas, pantufas (já que seria arriscado usar botas de salto alto) e seu amado casaco vermelho, peça original de seu uniforme.  

Quando Visão percebeu sua presença, ele não parecia muito satisfeito. 

— Wanda! – Ele esbravejou. – Você precisa ficar dentro de casa! 

— Você não pode me impedir de lutar! 

Utilizando de seus poderes, Wanda flutuou no ar, coberta por névoa escarlate da ponta dos pés até a cabeça. Visão diminuiu a densidade corpórea para levitar na mesma altura que ela, o rosto externando preocupação quando gritou de volta: 

— Eu posso e eu vou! 

Em sua mente, ela lembrava da pobre cachorrinha que haviam salvo mais cedo, de como ela voltou correndo para seus filhotes, da maneira se sentiria péssimo caso algo pior acontecesse com ela. Principalmente, pensou em como ele não se perdoaria caso ocorresse algo ruim com Wanda ou a criança que levava em seu ventre. Não havia nada que odiasse mais que brigar com Wanda, e, em verdade, isso nunca havia acontecido até o momento no qual se encontravam.  

— Acho melhor vocês pararem de gritar. – Disse Natasha, e se posicionou ao lado de Wanda, esticando a mão para Wanda poder descer em segurança. – Se for algum inimigo, ele certamente pode ouvir dois seres super poderosos gritando.  

Visão logo desceu também, sentindo fortemente em seu peito a necessidade de proteger Wanda. Não era algo desconhecido para ele, mas parecia ter se tornado ainda mais forte no período de tempo entre a descoberta da gravidez, a mudança para a Base provisória, a barriga crescente a cada semana, o calor na ponta de seus dedos quando ele ouvia os batimentos cardíacos do neném. Esse conjunto de fatores fazia Visão querer defender aquela pequena família a qualquer preço, nem que custasse sua própria vida. 

— Natasha, fique com a Wanda. – Ele ordenou em voz baixa. – E, em qualquer mínimo problema, me chamem que eu venho voando.  

Ele voltou a encarar seus colegas, e Sam logo avisou: 

— São três drones. Provavelmente tentando achar a nossa localização através de algum dispositivo que acionamos mais cedo na patrulha, mesmo sem perceber.  

— Visão, onde você acha que pode haver um dispositivo? – Perguntou Steve. 

O sintozóide pensou e repensou, praticamente refazendo seus passos durante a tarde com os companheiros. Enquanto isso, o Asa Vermelha indicava a localização aproximada dos drones, já na metade da floresta, se aproximando cada vez mais. Steve tomou a liderança e disse: 

— Vamos atacá-los pelas sombras. – Ele apontou na direção das colegas. – Nat, Wanda, cuidem da casa. Se possível, Wanda, faça uma proteção com seus poderes.  

Wanda assentiu, enquanto o Capitão, Sam, e Visão correram para a imensidão da floresta, se escondendo atrás de árvores com a única luz meramente visível sendo a interface digital dos óculos do Falcão. Quando se aproximaram do primeiro drone, Visão se tornou intangível e voou em direção a ele, passando sua mão por dentro e aumentando a densidade na ponta dos dedos para parti-lo exatamente ao meio.  

Logo, Sam utilizou um de seus próprios drones para atirar escondido no drone inimigo, e Steve, que se aproximou do último equipamento, utilizou o impulso em uma árvore próxima para pular, o agarrando e trazendo ao chão com um soco preciso. Eles pareciam estar livres da ameaça, todavia, sabiam que não estavam livres até acharem o dispositivo que havia dedurado sua localização. 

— Algum progresso, Vis? – Perguntou o Capitão. 

— Negativo, Capitão Rogers. – Respondeu Visão enquanto flutuava pela mata. 

Não tardou para sua audição super sensível notar um barulho baixo de “beep”. Repetitivo, incômodo, e que parecia ser a fonte de seus problemas. Visão esticou um braço para impedir os colegas de passarem, e fez um sinal de silêncio com o dedo indicador sobre os lábios com a mão oposta, virando a cabeça para indicar que eles fizessem silêncio. Depois, sussurrou: 

— Capitão, volte para a Base e avise para Wanda descansar. O escudo deve usar muita energia dela. Eu e Sam vamos atrás do mecanismo necessário. 

Steve assentiu com a cabeça e correu de volta para casa, enquanto o sintozóide complementou: 

— Vamos até a cerca. 

~.~ 

Quando Steve chegou na casa onde eles estavam escondidos, encontrou uma grande barreira de energia vermelha cobrindo do chão até o teto, e uma Wanda cansada por trás da parede de proteção com energia vermelha fluindo de suas mãos. Quando ela viu Steve, deixou baixar a guarda e tirou o resguardo, seus olhos exaustos gritando o quanto ela estava cansada.  

— Está tudo bem. Destruímos os drones. Você pode relaxar agora. 

Wanda nada disse, apenas se apoiou em Natasha e suspirou pesadamente ao levantar do lance de escadas que levava à entrada da casa. A moça realmente não parecia bem, cambaleando um pouco ao andar e segurando sua barriga com uma mão para evitar de desequilibrar ainda mais; usar seus poderes realmente exigia muito dela. 

— O Visão estava muito preocupado com você. 

Por baixo das madeixas de cabelo suadas, ela sorriu enquanto se dirigia ao seu quarto. 

~.~ 

A cerca ao norte da propriedade logo mostrou ser a origem das preocupações de Visão, com o ruído de “beep” sendo notório durante a calada da noite. Somente a lua iluminava o local, um pouco distante das árvores densas as quais fechavam a mata. Os dois amigos se aproximaram, e Visão utilizou dos seus poderes de intangibilidade para arrancar o mecanismo e quebrá-lo na palma de sua mão pressionando os dedos ao redor do punho.  

— Nossa, Vis, eu nunca vi você ser tão violento. 

Ele permaneceu um tempo em silêncio antes de responder: 

— O mero pensamento de algo capaz de machucar Wanda ou o bebê desperta um lado muito protetor, e violento, que eu não sabia que existia. 

Sam sorriu e deu um tapinha em seu ombro antes de dizer: 

— Vamos para casa por hoje, papai, amanhã vemos isso com o Steve. Você tem uma moça em casa para quem precisa pedir desculpas.  

~.~ 

Ao chegar na Base provisória, Visão deixou Sam na soleira da porta, pediu licença, e tornou-se intangível para alcançar o segundo andar, encontrando Wanda de pijamas dormindo pacificamente na cama que eles dividiam. Trocando as vestes de super-herói por roupas humanas, mas mantendo a aparência de sintozóide, ele se deitou ao lado dela, percebendo seu rosto virado para o travesseiro dele, como se já esperasse sua companhia. Ele sorriu e pacificamente beijou sua testa. 

— Desculpe, Wanda. E durma bem. 

Ele próprio fechou os olhos e se manteve deitado um longo período ao lado dela com uma mão sobre a sua barriga, pensando na missão surpresa, em como ela teria razão de estar chateada com ele, e de que maneira poderia remediar a situação. Às vezes, mesmo só querendo protegê-la, era capaz de errar e adentrar uma extensão perigosa de seu relacionamento. 

Pouco antes do sol nascer no horizonte, enquanto Wanda ainda ressonava, ele teve uma ideia.