Pelos Olhos Teus escrita por Victoria Aloia


Capítulo 3
Capítulo 2 - Marco Polo


Notas iniciais do capítulo

Olá você!
Espero que goste de ler esse capítulo e aguardo você nas notas finais.
Boa leitura!



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Minha prima Cora faria aniversário em uma semana e falou que eu poderia chamar quantas pessoas quisesse, pois assim a mãe dela contrataria uma van para nos levar até o sítio de seu pai, onde seria feita a festa e seus amigos estavam viajando (desvantagens de fazer aniversário nas férias). Foi então que tive uma ideia: vou chamar meus amigos também, assim vamos todos nos divertir um pouco, já que estávamos um pouco afastados, e isso poderia ajudar a nos reaproximar e também me ajudaria com uma coisa muito importante.

Relembrando isso hoje parece loucura que eu tenha começado a gostar de alguém com quem passava apenas alguns minutos do dia e que não trocava mais do que meia dúzia de palavras, mas foi assim que começou minha paixonite pelo Júnior. Tão rápida tinha se formado e de um jeito tão estranho, que pensar nisso nos dias atuais me deixa confusa. Como isso foi acontecer?

Mesmo assim, tomei coragem para falar com ele no intervalo. Enchi meu peito de ar e fui caminhando até a grade da quadra onde os meninos ficavam observando o pessoal dos anos seguintes terminarem a aula de educação física. A cada passo que eu dava, o pouco de coragem que eu tinha adquirido conversando com Mariana se esvaia. Finalmente cheguei ao grupo e falei o mais rápido que pude, depois de tê-lo cutucado o braço para chamar sua atenção:

— Minha prima vai dar uma festa de aniversário no sítio do pai dela e falou pra eu convidar meus amigos. Quer ir? - Todos os meninos estavam olhando para mim e aproveitei para estender o convite a eles também.

Devia ter ficado tão vermelha quanto um tomate maduro na banca da feira naquela hora, mas ele aceitou ir e era isso que importava. Aliás, todos confirmaram presença, o que me deixou muito feliz por ter um tempo longe da escola com todo mundo, ainda que a festa não fosse minha. Fora nossos irmãos (Cat e Lucas do meu lado e Nico, irmão mais novo de Cora), que eram pelo menos três anos mais novos que nós, ela convidou apenas dois amigos: Erick e Alexia. Saímos no sábado bem cedo e depois de duas horas de viagem estávamos na entrada do sítio. 

O portão era feito de uma madeira escura e parecia bastante pesado, com um arco acima, formando a imagem de um portal bem interiorano. Ao abrir o portão, tinha-se a vista do chão de grama baixa, aparada e verde, uma trilha de pedras à direita que levava ao estacionamento e às duas suítes separadas da casa, e a casa dos caseiros à esquerda.

Mais a frente, ainda à esquerda, havia uma espécie de casa na árvore. Uma escada que levava a uma ponte com troncos inclinados de madeira e em seguida à porta da casa na árvore. Abaixo da ponte havia uma rede e, próxima a ela, um escorregador vermelho. Ao lado, um par de balanços. Desse mesmo lado do sítio via-se um mini campo de futebol adiante. Virando para a direita, a casa tinha várias redes penduradas por toda sua lateral coberta e uma escadaria que levava à piscina, ao campo e ao salão de jogos na parte baixa do terreno.

Fomos em onze crianças. Apenas minha mãe como responsável pelo sábado inteiro, uma dispensa cheia do que minha mãe chama de porcaria e uma previsão do tempo que nos alegrava muito. Enquanto nos instalamos nos quartos, minha mãe esquentava a churrasqueira e colocava a carne para assar. Ficamos tão empolgados com a ida ao sítio em si que não nos preocupamos em pensar em algo para fazer na festa, fora ficar na piscina. 

Durante a quente tarde de sábado, resolvemos jogar alguma coisa. Então Wallace deu a ideia de brincarmos de Marco Polo. Eu, que assistia a todos da escadaria de calcário que levava à piscina, estava distraída observando-os quando, para minha surpresa, ele se aproximou de mim.

         Sinto-me idiota quando me lembro do quão corada fiquei quando o vi correndo em minha direção, balançando o cabelo castanho claro molhado que respingou em minha pele desnuda com apenas o top de um biquíni e um short jeans. As bochechas rosadas pelo esforço da corrida e o típico sorriso sapeca no rosto acabaram por provocar sensações em mim que nunca havia sentido antes, nem mesmo por Júnior, a quem nem notei a presença depois daquele instante. 

Meu coração parou por um instante, antes de voltar a bater com força total. Eu estava eletrizada. Senti meu rosto ficar cada vez mais avermelhado, meu estômago revirar, minhas mãos suarem... Aquilo me provocara calafrios. Aliás, há um tempo não tenho mais essa sensação.

— Oi. – Augusto disse assim que se sentou ao meu lado no degrau, ofegante

— Olá. Por que está aqui, isolada? Não quer ficar com a gente?

— Não, estou bem aqui. Tomando um sol, vendo vocês. Sinto falta disso, de todos juntos.

— Mas não tem razão para ficar assim. Só aproveita o momento. É a festa da sua prima, vamos animar isso um pouco.

Encaramo-nos por um longo e interminável minuto. Senti que seus dedos encontraram os meus apoiados no degrau acima, seu corpo estava cada vez mais inclinado em minha direção e ele começou a olhar fixamente para meus lábios.

— Você tem razão. - Em um súbito de consciência eu levantei, corri até a beira da piscina e pulei. Acabei molhando meu shorts, meu cabelo, que estava preso em um coque por conta do calor, e tudo o mais ao meu redor, incluindo Augusto, o qual também parecia ter despertado de um transe e ido até a borda para se certificar de que eu estava bem. Saí da piscina e ele logo me entregou uma toalha para eu me secar. Puxou-me pela mão até a quadra, para onde todos os outros tinham ido.

— Ah, vocês também vão jogar? – Wallace perguntou olhando para Augusto de uma forma engraçada, quase provocativa.

— Sim. Já escolheram quem vai ser o pegador? - eu falei tentando disfarçadamente não ligar para as insinuações metafóricas de Wallace.

— Augusto! – todos os outros disseram em uníssono: Cora, Mariana, Paula, Breno, Aléxia, Erick, Wallace, e inclusive o Júnior. Começamos a rir com a cara de desentendido que ele fez, não acreditando na “traição” dos amigos de fazerem dele o pegador do jogo.

— Você gosta dele. – esse foi o “Olá” de Cora, que veio por trás de mim e falou ao pé do meu ouvido, fazendo-me soltar um grito rápido que logo foi sufocado por minha própria mão a fim de não chamar atenção.

— Você só pode estar maluca. Pare de falar asneira. Guto e eu somos amigos, nada mais. Além disso, eu gosto do Júnior e foi por isso que eu o chamei também. Você podia dar uma ajudinha, né?

— Para você de ser doida. Ele não é seu amigo. - Ela fez questão de enfatizar as palavras enquanto as dizia - E eu não vou fazer nada. Se for pra acontecer algo entre você e o japa, acontecerá naturalmente - Instantaneamente lembrei do pagode.

— Meninas, vou começar a contar – Guto nos alertou para que parássemos de conversar e voltássemos nossa atenção para o jogo.

— Só que eu não conheço essa brincadeira – Foi a vez da Mari falar. Ela não era muito de brincar mesmo, então era bem provável que realmente não conhecesse o jogo. Fiquei surpresa pelo fato de ela estar na piscina até agora com todos os outros.

— Marco Polo, que é o nome da brincadeira, se joga na piscina, a princípio. Tem um pegador que vai rodar em torno de si mesmo dez vezes, enquanto os outros se escondem. Ele contará até dez e, de olhos fechados, vai procurar todo mundo. O pegador tem que gritar “Marco” e, para saber onde os outros estão, temos que gritar “Polo” em resposta. Pelo som, ele irá de um em um até não sobrar ninguém – Breno explicou

— Tudo bem, entendi. Boa brincadeira aí, vou ajudar a Tia Liza.

Ninguém questionou e então voltamos todos para a piscina. Guto parou no meio dela, fechou os olhos, girou dez vezes e começou a contar. A água agitou-se com a movimentação das pessoas saindo da piscina para se esconderem.

— Dez!

Todos procurando um lugar escondido e abafado, menos eu. Fiquei parada, encarando a cara confusa de Guto e a forma como levantava a cabeça para tentar ouvir melhor o que estava acontecendo.

— Nove!

Ele desistiu, virou-se de costas e começou a andar pela piscina. Eu soltei um riso e ele se virou em minha direção. Tenho certeza de que ele não conseguiu me ver, mas abriu um lindo sorriso com seus lábios róseos e carnudos, os dentes perfeitamente alinhados.

— Oito!

Seu sorriso aqueceu meu coração e me fez corar. Ele fingiu vir em minha direção, mas não o fez. Ele não podia sair daquela área enquanto a contagem não terminasse. Ele então pousou as mãos sobre a água, talvez para tentar sentir a movimentação das ondas que estavam se acalmando, uma vez que apenas eu não havia saído da piscina ainda.

— Sete!

Eu olhei-o de cima a baixo. Algo dentro de mim estava mudando, só não queria admitir. Ainda estava parada dentro d’água. Sem a menor intenção de sair, ou com a consciência de que meu tempo estava acabando.

— Seis!

Ele ouviu algum barulho em outro lugar e se virou rapidamente, fazendo com que a água, já calma, se agitasse novamente. Olhando para o mesmo lugar que ele, vi Wallace arregalando os olhos para ele e depois para mim. Ele ficou ainda mais chocado quando percebeu que Guto já sabia o lugar onde ele estava.

— Cinco!

— Olívia! – Cora gritou entregando totalmente sua posição e, astutamente, procurou outro lugar para se esconder.

A princípio, não entendi o porquê de tanto estardalhaço, mas isso me fez despertar e perceber que eu era a única que ainda não procurara um lugar para se esconder.

— Quatro!

Saí o mais rápido que pude e corri até o quiosque da piscina para me esconder atrás do muro baixo. Era um esconderijo patético e infantil, mas era o único que eu conseguiria àquela altura. Ainda consegui olhar para trás e ver as grossas sobrancelhas de Guto se frisarem para o lugar que antes Cora estava.

— Três!

Acabei me distraindo e ralei meu joelho no tijolo do muro, o que fez com que eu dissesse um “Ai” talvez alto demais. O sorriso que ele deu, arqueando o canto dos lábios, me fez acreditar que ele já sabia exatamente onde eu estava e quem eu era.

— Dois!

Eu continuei abaixada. Curvei-me e abracei minhas pernas, assoprando o ralado no joelho e tentando saber onde estavam os outros. Encarei, chocada, Erick sentado, contente consigo mesmo, em um alto galho de uma das árvores do sítio. Cora estava tentando convencê-lo de ajudá-la a subir, mas acabou por desistir e deitou no canteiro entre a quadra e a piscina.

— Um!

Breno estava atrás de outra árvore, próximo à de Erick. Paula estava sentada confortável e despreocupadamente em uma cadeira de balanço. Aléxia estava deitada embaixo de uma planta que caia para o exterior do vaso onde fora plantada, e soprava dentes-de-leão. Júnior se escondera entre a escadaria e o tronco de um coqueiro. Mari já tinha desistido e estava ajudando minha mãe a colocar a mesa para cantarmos parabéns, e Wallace estava deitado numa rede fechando as duas pontas para não ser visto.

— Marco! – Guto gritou.

Polo! – Todos respondemos.

Ele saiu da piscina, seu shorts de banho encharcado, virou-se diretamente para onde eu estava e sorriu. Gelei. Não podia ser a primeira a ser pega, ou seria a próxima a procurar. Como se tivesse ouvido minhas lamúrias mentais, Guto voltou sua atenção para Paula no balanço e encostou nela, que bufou fingindo estar desapontada.

Ele riu e voltou a gritar “Marco!” e nós respondemos novamente, inclusive Paula que levou um beliscão de Guto por já tê-la pego. Em cinco minutos ele já havia encontrado quase todo mundo e estava pulando para alcançar o pé de Erick. Cora foi a última a ser encontrada antes de mim.

Eu não estava entendendo. Tinha certeza de que ele sabia exatamente onde eu estava, mas ele não andou em minha direção até que não houvesse mais ninguém para achar. Wallace começou a empurrar as pessoas para dentro da casa. Os meninos todos deram risada, seguido das meninas que se apressaram.

— Marco – Ele nem precisou exaltar tanto a voz.

— Polo – Saiu quase como um sussurro, mas ele ouviu perfeitamente e seguiu em minha direção. Agachou e tocou no meu braço ainda desnudo. Ele era muito bom nesse jogo.

— Marco – Foi ele quem sussurrou.

— Po... – Nesse instante ele passou seus dedos esguios pela minha bochecha.

Minha mãe gritou da janela da cozinha que o bolo estava pronto e que era hora do parabéns. Salva pelo gongo. Ele estava tentando me beijar de novo? Augusto ia mesmo me beijar? Não era possível. Se não fosse minha mãe, ele teria me beijado! Mas eu não gostava do Augusto, gostava do Júnior. Isso, eu gostava do Júnior, não dele. Ficou um clima muito estranho enquanto nos olhávamos e nos afastávamos rapidamente, para entrar na casa. 

Subimos os degraus da escadaria em pleno silêncio e encarando o chão. Passamos pelo portal que levava à cozinha e vimos o incrível bolo confeitado que minha mãe fez. Nos reunimos ao redor da mesa de jantar da casa e cantamos parabéns para Cora, ele do outro lado da sala me encarando. Júnior também me olhava vez ou outra, mas logo abaixava a cabeça quando nossos olhares se cruzavam. 

Não sabia se alguém tinha contado algo para ele ou se ele tinha visto o que acontecera, ou quase. O fato era que ele estava ainda mais distante do que costumava ser. Como aquele sentimento havia começado eu não sei. Não tinha o menor cabimento, mas eu gostava do Júnior. E agora, além de ter que falar pra ele o que eu sentia, ainda teria que explicar que o que ele viu ou disseram para ele não foi nada. 

Conversei com as meninas enquanto estávamos comendo bolo e o consenso foi de que eu devia falar com Augusto para esquecermos aquilo, afinal éramos amigos e apenas isso. Eu gostava do amigo dele e ele precisava saber disso. E assim o fiz. Grande erro.


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Notas finais do capítulo

Gostou? Comenta para eu saber o que você achou desse capítulo e do que está achando da história até agora.
Até o capítulo que vem!



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