Pelos Olhos Teus escrita por Victoria Aloia


Capítulo 4
Capítulo 3 - Sinais


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Espero que esteja gostando até aqui.
Desejo uma boa leitura e nos vemos nas notas finais.



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Já estávamos cansados, alimentados e dispersos na casa, cada um em um canto. Quando escureceu fomos para os quartos arrumar as mochilas e tomar um banho para voltarmos para casa. Logo que terminei de recolher minhas coisas, fui até o quarto onde estavam os meninos e, do outro lado da porta fechada, pedi para chamarem o Augusto. Ele logo apareceu. Minhas bochechas rosaram.

— Então… - Eu comecei sem saber o que dizer ou como abordar o assunto.

— Então? - Ele levantou uma sobrancelha.

— Olha, eu não sei bem o motivo de você ter feito aquilo, mas eu quero que você saiba que eu gosto do Júnior. É isso. Não quero confundir as coisas ou  que elas mudem entre a gente. - Eu era oficialmente uma idiota de marca maior. Ainda que não soubesse o que aconteceria, foi meio estúpido da minha parte dizer aquilo.

— Tudo bem. Também não sei o que me deu. Vamos apenas esquecer o que aconteceu, pode ser?

— Acho ótimo. - Dei um sorriso e saí do corredor indo para a cozinha ajudar minha mãe a terminar de guardar as coisas do bolo e limpar a bagunça que deixamos de pratos e copos de plástico pela casa.

Quando a van chegou e todos entraram, estávamos tão cansados que a maioria acabou cochilando. Foi uma volta para casa bem silenciosa, principalmente se comparado à animação que fez os vidros do carro quase explodirem na ida até lá. Eu estava de fato decidida a ter mais assuntos em comum com Júnior, ainda mais depois do que acontecera com Guto. Porém, para isso precisaria ter um plano e colocá-lo em prática.

Não consegui dormir na van e também não dava para conversar com Mariana ou com Cora ali, bem embaixo do nariz dos dois, tanto Augusto quanto Júnior. Esperei até chegar em casa e fui conversar com Mari, que passou o domingo comigo. Ela foi a primeira pessoa a me dizer que eu não tinha muita coisa em comum com Júnior, mas mesmo assim me ajudou a correr atrás de assunto para nos aproximarmos. A Olívia de hoje não faria isso.

Passado o final de semana, fui para a casa da Paula na segunda-feira depois da aula e, conversando com a irmã mais velha dela, Jaqueline, descobri que Júnior praticava Judô na mesma academia que ela. Então, fui até lá para uma aula experimental, segundo conselhos da própria Jaqueline, que tinha me dado o maior apoio. 

Subi as escadas da academia, depois de passar pela porta de vidro na entrada e me cadastrar na recepção. Cumprimentei o professor e peguei o conjunto de vestes brancas, que descobri ser chamado de kimono. Assim que me troquei no vestiário feminino, deixei meu sapato na ponta do tatame e começamos a aula com um breve aquecimento.

 Aquilo foi constrangedor, trágico quase. Eu realmente não levava o menor jeito para artes marciais. Cheguei à essa conclusão apenas com dez minutos de aula. Estávamos praticando o “camarão”, um exercício que consistia em deitar de lado no tatame e se encolher e esticar repetidas vezes a fim de chegar na parte superior do tablado e recomeçar. 

Foi tudo muito embaraçoso. Crianças de uns seis anos estavam em sua terceira volta, e eu com o dobro de idade mal conseguia completar a primeira. Risquei aquilo da lista de pontos em comum/interesse e ainda coloquei um memorando “NUNCA MAIS” em letras garrafais, sublinhadas e pintadas com marca-texto ao lado. 

Próximo item: desenho e escrita. Isso sim foi divertido e terapêutico, pelo menos por um período. Conforme o tempo se passava, eu testava cada uma das ideias malucas que me vinha à mente para me aproximar de Júnior, mas depois eu percebi que aquilo não me levaria a lugar nenhum. Uma coisa é você gostar de alguém que não tem muitos pontos em comum, mas eu estava me esforçando demais para nada, uma vez que nosso nível de conversa era o básico que a etiqueta entre amigos nos exigia (bom dia e comprimentos normais) e isso não aumentara nem um por cento. 

***

Ao chegar em casa da escola numa sexta-feira, encontrei minha avó sentada no sofá azul da sala de estar enquanto cuidava do meu irmão mais novo, Lucas, que brincava sentado no tapete felpudo com seus carrinhos espalhados. Fui até a cozinha, coloquei meu almoço no prato e liguei o micro-ondas. Subi as escadas que levavam ao meu quarto, que era dividido com Cat, deixei minha mochila sobre a cama e me troquei. Voltei à cozinha, peguei meu almoço e levei-o para a sala onde ficava a escrivaninha da minha mãe com seus montes de papéis e manuscritos de receitas, coloquei-os de lado e liguei o computador. 

Assim que abri a página da minha rede social, notei uma nova notificação. Era o anúncio de que as coisas mudariam mais uma vez: Lúcia havia postado uma foto com a legenda marcando o aeroporto. Ela estava voltando para São Paulo.

Na época, eu não imaginava como isso poderia afetar alguma coisa. Ela já fizera parte do nosso grupo de amigos e, mesmo passando quase dois anos longe, não devia mudar tanta coisa em relação a nós. No entanto, ao revê-la, comecei a notar que algo estava realmente muito diferente. Ela estava ainda mais esperta, menos tímida e com roupas que nunca imaginaria que ela usaria algum dia. Passou a usar camisetas com estampas de animes, falava gírias em japonês, e até começou a usar roupas no estilo kawaii para sair, como no dia que fomos junto com Paula e Mari ao cinema, no qual ela usou uma saia plissada branca, do mesmo estilo da saia de jogadoras de Tênis; uma meia também branca até o joelho com duas listras rosa e um moletom cor-de-rosa por cima de uma blusa de alça. Isso acendeu um sinal no meu cérebro que eu ignorei. 

Mariana conversava muito comigo sobre essa mudança de hábitos de Lúcia e tentava me alertar sobre algo que eu já sabia, no fundo, mas não queria deixar que acontecesse até que não deu mais para me enganar. A partir da última semana de aula do oitavo ano as coisas iriam acontecer e eu não podia mensurar as proporções que elas tomariam.

***

No último dia, como já era de costume, levamos uma camiseta do uniforme para ser assinada pelos amigos e colegas de sala no intervalo. Os professores das últimas três aulas nos deixaram livres pela escola. Não que isso fosse lá grande coisa. Era uma escola de bairro, não tinha muito espaço a ser explorado, mas a coordenadora não podia nos liberar mais cedo então ficamos perambulando por aí. 

A escola era dividida entre a área interna e externa. A parte de fora contava com o portão, um jardim com uma grande árvore no canto, um pátio bem grande de concreto ladeado pelo muro, a grade que separava o estacionamento para os funcionários e a quadra poliesportiva coberta, com um pequeno playground nos fundos para as séries mais novas. O espaço interno era um pouco mais confuso, com um único andar térreo. Eram dois corredores de salas de aula, uma sala de leitura, uma sala de informática, o corredor que levava à sala dos professores e dos funcionários, à secretaria e à cozinha. Fora isso, tinha um refeitório cheio de mesas extensas com bancos conjuntos e um pequeno palco que usamos uma vez para apresentar uma peça de teatro do Sítio do Pica-Pau Amarelo.

Depois de nos juntarmos aos alunos restantes do sétimo e oitavo ano no pátio, encontramos o pessoal do nono ano usando a quadra para ensaiar a entrada da colação de grau e eu comecei a sonhar com aquilo. A escola tinha apenas o ensino fundamental, então todos nós mudaríamos de colégio no ano seguinte. Mariana, Paula e Lúcia me puxaram de volta àquele momento e decidimos fazer um jogo de perguntas e respostas, só para passar o tempo.

Dentre as perguntas, bem bobas por sinal, a última me pegou desprevenida: “de quem você gosta?”. Mari logo respondeu dizendo que não gostava de ninguém, porque garotos eram muito complicados e com emoções reprimidas. Paula disse que teve uma queda por um menino do nono ano, mas que já superara pois ele sairia da escola naquele dia. Seguindo a ordem que estávamos, era a vez de Lúcia responder.

— Não riam. - Ela pediu - Gosto do Júnior.

Eu gelei. Não estava completamente surpresa, não era como se nunca esperasse por aquilo, mas ouvir em alto e bom som me impressionou um pouco. Tinha que pensar em algo rapidamente ou seria bombardeada de perguntas que eu não saberia como responder. Então, falei que estava com Mariana e que garotos eram realmente complicados. O que não era completa mentira, já que aos onze/doze anos quem tem maturidade para alguma coisa? Poucos segundos depois o sinal tocou, anunciando a hora da saída e o fim do último dia no oitavo ano. Fui literalmente salva pelo gongo. 

No meio de toda a correria e amontoado do nono ano em se despedir, dei um rápido abraço em Lúcia e Paula, cujos pais já esperavam do lado de fora do portão e encarei Mariana com os olhos um pouco marejados. Ela veio de encontro a mim e me abraçou. Era reconfortante seu abraço, mas o que eu queria mesmo era poder chegar logo em casa, me jogar na cama e chorar aquela dor tão previsível. Ela me acompanhou até o portão de entrada da escola, já mais vazio quando o atravessamos, e lá nos separamos.

Comecei a seguir o caminho habitual para casa, deixando que Cat fosse depois com suas amigas, e quão grande não foi minha surpresa ao encontrar Augusto na esquina seguinte a da escola. Tentei voltar e desviar a rota, mas era tarde demais. Ele já tinha me visto e acenava com veemência, os olhos fixos em minha direção. Meus olhos estavam um pouco vermelhos e brilhantes das lágrimas que ainda caíam por reconhecer finalmente que o que quer que eu gostaria de ter com Júnior não aconteceria.

“Que ótimo! Essa é a hora que eu passo a ser zoada o resto da vida por ser a garota chorando no caminho de volta para casa.” Pelo menos eu tinha a desculpa de estar emotiva por conta do fim do ano. Realmente me surpreendi com sua companhia, a presença dele foi agradável durante todo o caminho e ele não perguntou o motivo de meus olhos estarem marejados ou o que tinha acontecido. Só falou que o que quer que tivesse acontecido, ia passar. Acabei contando para ele o motivo e ele não ficou bravo nem nada. Ele só estava lá me ouvindo lamentar e disse o que eu já pensava: Lúcia seria uma ótima pessoa para o Júnior. Não sei o porquê, mas aquilo me confortou. A maneira como ele falou aquilo foi carinhosa.

Quando chegamos à esquina da rua da minha casa foi que percebi que ainda estávamos conversando e que ele ainda estava ao meu lado. Perguntei sobre o caminho e me preocupei em tê-lo feito desviar  de sua casa e ter que voltar o caminho todo. Ele disse que fazia o mesmo caminho pois morava na rua de cima, passando a entrada da rua que levava à praça, próxima à padaria do bairro. É incrível que por três anos fomos praticamente vizinhos e não percebemos.

Ele ainda falou que se eu quisesse, poderíamos ir para a praça e ficar conversando mais, mas eu não estava com muita cabeça para aquilo. Ao entrar em casa, a vontade de chorar já tinha passado e eu estava bem mais calma.  Mesmo assim, almocei em meu quarto e só saí quando Cora começou a ligar insistentemente pedindo que fosse à sua casa junto com Cat.


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Notas finais do capítulo

E aí? O que achou? Conta pra mim nos comentários. Te espero lá!
Até o próximo capítulo.



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