Desejo e Reparação escrita por natkimberly


Capítulo 16
Desamparo




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/796495/chapter/16

Há momentos devastadores em que você, por estar com os nervos à flor da pele, sente como se o seu corpo estivesse em chamas. Outros em que você está tão apaixonado que você consegue escutar seu coração batendo forte, quando não para de pensar no seu estimado. Mas, também há a situação onde você não tem ideia do que está sentindo, onde parece que o mundo lhe jogou um balde de água fria e não dá para processar o que está acontecendo. Emma Dashwood se sentia assim.

Em Hartfield Hall, residência que fica localizada no abastado condado de Rosings, estavam presentes na sala de refeições: Emma, sr., sra. e srta. Charlotte Fairfax e, é claro, os irmãos Knightley, Fitzwilliam e Gerald.

Emma ainda estava em pé no canto da sala da casa de Charlotte, sem ter sido vista pelos outros. Os familiares estavam propondo um brinde para os novos noivos assumidos. A morena estava sentindo que o mundo não estava mais segurando ela, era como se tudo estivesse em lento, não sentia os movimentos de seu corpo. 

Um brinde aos nossos noivos. Charlotte Fairfax e Gerald Knightley! Isso era real? Como poderia estar acontecendo assim do nada? 

Fitzwilliam se encontrava atrás de Emma, já não segurava mais seu braço. Ele havia tentado a impedir de visitar Hartfield Hall essa tarde, maldita hora que a jovem resolveu ser teimosa. Emma estava tão estagnada que não se lembrava da presença dele, sentia enjoo, precisava de ar puro. Deu um passo para trás mas acabou pisando nos pés dele, que com o instinto acabou recuando e batendo na porta. Todos os que estavam na mesa se viraram para os dois. O Gerald sorridente se tornou Gerald branco como a parede:

— Srta. Dashwood? Você veio! - comemorou Charlotte, ainda com a sua taça em suas mãos, mas sem dar um único gole. - O que os dois estão fazendo aí em pé parados? Venham se sentar imediatamente. Estamos no fim da refeição, mas guardei um pedaço de torta para a srta. Dashwood, sabia que ela iria chegar - ela diz sorrindo para os pais, que ainda tentavam reconhecer quem era a morena de cabelos ondulados que parecia estar vendo uma assombração em sua frente.

— Ah… Não precisa. Eu… eu estou de saída - gaguejou Emma, tentando se virar para a saída, porém Fitzwilliam ainda estava na frente da porta.

— Mas, já? Isso não faz nenhum sentido. Acabou de chegar - respondeu a mãe de Charlotte secamente. Tinha os mesmos cabelos ruivos cor de fogo da filha e o rosto delicado como um dente-de-leão.

Emma encarou Fitzwilliam, e ele tinha um olhar que dizia que não ia adiantar inventar uma desculpa nessa altura da cena. A morena engoliu seco e deu um falso sorriso, não estava se sentindo nada bem e não queria tentar fingir que estava. Era como se tivesse um vazio que se expandia em seu peito cada vez que ela olhava para Gerald ou Charlotte, fazendo ela desviar o seu olhar para o chão brilhante. Era muita informação que corria na sua cabeça, muitas memórias. Pensava que nada poderia piorar, mas, no primeiro passo dado, Emma cambaleou e quase tropeçou no seu próprio pé. 

Fitzwilliam para assegurar que a dama não tropeçasse novamente e evitar causar mais uma cena para ser discutida quando ela fosse embora, se apressou e colocou a mão de Emma em volta do seu braço, para guiá-la até a sua cadeira sem cair. Os dois sentaram juntos, ela queria implorar para que ele a ajudasse a ir embora, já ele queria lhe dizer um honesto e impiedoso: Eu lhe avisei

A sala ficou silenciosa, Emma não ousava abrir a boca para falar nada, apenas para comer aquela torta de chocolate o mais rápido possível. Charlotte parecia desnorteada com o comportamento dela, de Fitzwilliam e Gerald, suas bocas viraram graves.

— Ah… Hm… Srta. Dashwood, nos diga, por que chegou tão atrasada? - Emma conseguiu ver no olhar da srta. Fairfax o desespero para que esse clima silencioso horrível não arruine o seu dia especial. - Foi por pouco que não saiu daqui de estômago vazio.

— É… - Emma estava tão embasbacada, que nem conseguia formular a sua resposta. Tudo que vinha na sua mente eram as suas memórias com o mais novo noivo, que parecia que odiava estar nessa posição tanto quanto ela. Os lábios de Gerald já haviam desaparecido e sua testa parecia estar brilhando de suor, mesmo que o ambiente estivesse em uma temperatura agradável.

Será que eu deixei passar algum sinal? Algum sinal de que ele estava comprometido a ela?

— O temporal - disse aquele tom de voz nobre e culto de Fitzwilliam. - As chuvas do outono alagaram as estradas, é um milagre que tenha chegado bem, não é, srta. Dashwood? - Emma sentiu uma fisgada no final da frase.

Bem, aquilo não era uma mentira, Emma se atrasou por causa do temporal, mas, também, porque o cavalheiro ao seu lado lhe enviou uma carta dizendo que ela estava desconvidada da reunião.

— É, foi isso mesmo - retrucou secamente, sem tirar os olhos da torta.

O silêncio voltou a reinar, mas a srta. Fairfax estava disposta a não deixar isso acontecer. Hoje não.

— Essa observação da chuva me fez lembrar - começou novamente Charlotte, com um sorriso - de que teve um dia em que vocês tiveram que lidar com uma tempestade em um passeio no parque. Foi nesse dia que Fitzwilliam machucou o braço, não foi, querido? - perguntou a srta. Fairfax se virando para Gerald. 

“Querido”. Emma se segurou para não revirar os olhos por desgosto. A comida parecia que ia voltar para sua boca. Os seus sentidos estavam voltando a se apurar, e ela passou a perceber que toda essa situação não era um pesadelo ou uma ilusão de sua cabeça. Gerald continua parado sem dizer uma palavra à noiva, fingindo que estava muito ocupado tomando a sua taça de vinho inteira de uma só vez.

— Sim, foi nesse dia mesmo - respondeu Fitzwilliam, o único consciente dos três. 

— Eu acho essa história ótima, - Charlotte falou se virando para os seus pais, como se o trio tivesse desaparecido da sala - o sr. Knightley e a srta. Dashwood se distanciaram do grupo e acabaram se perdendo no meio de uma tempestade, por causa do cavalo de Fitzwilliam que fugiu, o animal tinha um nome bem engraçado, enfim, a situação toda é hilária.

— É hilária se retirar a parte em que eu fraturei meu braço direito - replicou Fitzwilliam, parecendo impaciente para Emma terminar de comer.

— Ah, tenha um pouco de humor. Nós cuidamos muito bem de seu braço, quando veio para cá. - Quando Charlotte percebeu que a jovem estava prestes a dar sua última garfada, recitou: - Mas, srta. Dashwood, me conte sobre como foi ter que aturar meu rabugento primo naquela trágica situação?

— Aterrorizante.

Emma respondeu tão direto e rápido que os pais de Charlotte e ela começaram a dar risadas. A srta. Fairfax sorriu com os olhos azul extremamente claros, Emma odiava aquela cravação em seu rosto.

— Você também não foi agradável de lidar - Fitzwilliam disse baixo para ela ouvir.

— É difícil manter um bom humor quando afirmam que minha irmã era indigna de se casar com seu melhor amigo, Sir Collins, só porque veio de uma família “falida” e é filha de um “baronete interesseiro'' - Emma sentia seu rosto ferver, se segurou muito para conseguir sussurrar o que estava dizendo. Cada palavra era como farpas saindo de sua boca: - Você deve estar muito satisfeito. Charlotte é uma garota muito mais rica e digna do que eu para fazer parte dessa sua família podre.

Fitzwilliam cerrou os lábios e carregou um semblante de seriedade, desviou o rosto para os quadros renascentistas na parede. Emma se virou para não olhar para seu rosto, resolveu tomar um gole daquele vinho tinto que tinha a cor do sangue que ela queria que estivesse espirrando do nariz de Gerald depois dela lhe dar uma bela surra.

— Está tudo bem entre vocês? - indagou o sr. Fairfax, o velho aparentava ser bem mais velho que Sir Dashwood, pai de Emma. Suas rugas eram tão marcadas que lhe dava uma aparência assustadora.

— Tudo está maravilhoso - respondeu Emma com muita convicção antes de Fitzwilliam se apressar para falar primeiro. - Na verdade, bem, que grande falta de educação da minha parte, vir aqui para a sua belíssima residência, comemorar esse incrível anúncio e não perguntar como foi que Gerald a pediu em noivado. Me faz ter a honra de ouvir todos detalhes da história, sr. Knightley?

Os olhos castanhos de Emma nesse momento pareciam os de uma águia faminta prestes a capturar a sua presa. A presa em questão era Gerald, que estava pálido como as esculturas de marfim na estante. O loiro engoliu seco.

— Essa é uma história engraçada - disse Charlotte, parecia estar rindo de nervoso. - Nós estávamos hospedados em...

— Srta. Fairfax - interrompeu Emma rispidamente, com um sorriso de canto nos lábios: - se não se incomoda, gostaria de ouvir o meu querido amigo me contar. O Sr. Knightley está tão calado, quer desabafar alguma coisa?

Embaixo da mesa, Fitzwilliam chutava o calcanhar de Emma, pedindo para ela parasse com o que for que estivesse planejando. Emma virou seu corpo para o lado para desviar dos importunos do cavalheiro. 

Quando voltou sua atenção para a mesa, teve sua primeira troca de olhares com Gerald, ele havia levantado o rosto. Isso fez seu corpo estremecer. Aqueles olhos azuis distantes foram os que trouxeram tanta felicidade para ela nos últimos meses. Nunca ia poder olhar para eles da mesma forma, pois nunca havia se sentido tão traída.

Gerald fora o seu pedaço de mau caminho, o seu par perfeito de crimes. Eles eram como uma chama incandescente que nunca se apagava e só crescia os deixando incontroláveis mesmo que incomodasse os que estavam à volta com a luz e o calor. Mas, Charlotte foi a tormenta. Emma sentiu o que ela achava ser os seus verdadeiros sentimentos com Gerald, mas nunca esperou que ele um dia a fosse pedir em casamento, nunca esperou que ele fosse fazer isso com ninguém. Parece que ela não o conhecia tão bem quanto pensava.

— Em Windsor, foi lá que foi feito o pedido.

Ele finalmente declarou suas primeiras palavras desde que ela entrou na sala. Sua voz soou baixa e vazia.

— Na casa de Sir Collins? - indagou Emma. - Quando?

— No dia seguinte, que você partiu para Meryton. - Ele respondeu tão baixo que ela teve que se concentrar para entender. Gerald parecia que ia passar mal, estava novamente olhando fixamente para sua taça, evitando qualquer contato visual com Emma. 

Sua respiração estava pesada, seu corpo estava pegando fogo. Ela queria pular em cima daquela mesa e agredir ele. Fitzwilliam viu a suas mãos tremendo, ele sabia que não tinha como aquela conversa terminar bem, então, agarrou o seu braço e se levantou da mesa.

— Os senhores me dão licença, acho que eu esqueci de avisar a srta. Dashwood que ela derrubou o seu chapéu no corredor, quando nós colidimos. Vamos lá buscar.

— Eu posso mandar um criado pegar - afirmou Charlotte. Se levantando também.

Mas Emma e Fitzwilliam já tinham atravessado a porta. Emma passou pelo corredor e agarrou o seu chapéu, amassando ele com sua mão trémula. 

Quando saíram da casa, a morena deu um grito para o ar, tirando todo o fôlego de seus pulmões, arrancou as luvas e jogou o longe que pode.

— Você sabia?! Que pergunta idiota, é claro que sabia. Consigo ver estampado no seu rosto a alegria de me ver fazendo esse papel de idiota!

— Emma… É melhor você voltar para a casa do seu irmão. O que está feito, está feito, o seu comportamento pode comprometer a felicidade de Charlotte, estragar seu dia especial. Ela não tem nada a ver com isso.

— Ela precisa saber o que ele fez! Precisa saber com quem está se comprometendo! Não pode deixar sua prima se casar com ele. Que tipo de parente você é? Se ele fez isso comigo estando comprometido, vai fazer quando estiver com a aliança no dedo! Eu não vou ser a única.

— É uma história muito longa… Não tenho tempo para lhe explicar agora. Talvez, quando estivermos sozinhos e você estiver mais… pacífica. Por agora, é melhor você voltar para Bath, quando eu tiver a chance irei lhe...

Um barulho brusco interrompeu sua frase. A porta se abriu e uma cabeça loira se juntou aos dois do lado de fora da casa.

— O que pensa que está fazendo?! - perguntou Gerald, Emma pensou que ele estava se dirigindo para ela, já estava preparando as cordas vocais para começar a berrar com ele, porém, na verdade, era para o seu irmão mais velho que as palavras eram dirigidas: - Que mentiras está contando para ela?

— A única mentira que eu estou vendo está na minha frente. E é você! - disse Emma se exaltando, correu para cima dele mas Fitzwilliam a segurou por trás. Emma jogou o seu chapéu em Gerald e estava quase pegando a cadeira do lado para jogar também. - Depois que eu partir de Meryton? Demorou menos de um dia para você  fazer isso! 

— Emma, esqueça qualquer coisa que saiu da boca desse verme - gritou Gerald apontando para Fitzwilliam. Parecia estar nervoso e ofegante: - Você precisa me escutar antes de começar a me odiar com todas as suas forças.

— Eu já te odeio! - ela grunhiu se soltando dos braços fortes de Fitzwilliam e se afastando dos dois. Sentia que estava prestes a chorar. - Odeio todos vocês! Maldita hora que vieram para minha cidade. Não quero nunca mais ter que olhar para nenhum Knightley na vida. Nunca mais se aproximem de mim ou de minha família! NUNCA!

Emma não queria que eles a vissem chorando, não queria demonstrar fraqueza ou ser digna da pena deles. Por isso, se apressou para descer as escadas e ir embora dali, porém terminou dando um passo um falso enquanto se virava no chão molhado. Emma pensou que ia pisar nos degraus brancos, mas acabou caindo na parte que era composta por grama, flores e pedras da casa de Charlotte. Infelizmente, sua canela foi a escolhida para se encontrar de frente com as grandes rochas cinzas. Ela gritou.

Os cavalheiros correram para o seu amparo e ela tentou recusar, mas não conseguia nem ficar em pé equilibrada. Reclamou que tudo estava bem e que queria ser solta, mas quando desceu os olhos, viu seu vestido sujo com uma mancha vermelha de sangue. Ótimo, era o que me faltava!

Fitzwilliam correu para dentro, à procura de alguém que pudesse curar o ferimento e alertar os Fairfax do acidente. Enquanto isso, Emma estava sendo guiada para sentar na cadeira que queria jogar em Gerald, tendo o seu machucado sendo estancado pelo casaco dele.

— Não está ruim, já disse! Tire esse negócio daí e me deixe ir, antes que seu irmão volte com mais gente.

— Nem pensar - respondeu ele. - Você não consegue nem andar direito, pode ter quebrado um osso.

Emma não quis falar, não queria estar perto dele. Queria ir para casa, em Meryton, queria que tudo voltasse a ser como era antes de julho, antes de conhecer Gerald. Seu pensamento foi interrompido quando o loiro tirou a sua roupa de cima do ferimento e ela pode ver o quão feioso estava, o sangue não parava de escorrer e pousar no chão. Emma não conseguia nem olhar para a própria perna. A ferida ardia como se tivessem pressionando o charuto de seu pai.

— Isso aqui está muito ruim. Então parece que você vai ter que ficar aqui até melhorar... fim da história.

— Nem pensar! Prefiro morrer do que ficar dormindo embaixo do mesmo teto que você. Saia daqui, chame a minha carruagem e me deixe em paz!

— Você vai ficar aqui até isso melhorar, vai ter que conversar comigo, eu vou lhe esclarecer tudo que está acontecendo e ponto final.

— Você é a última pessoa no mundo que eu quero conversar, imprestável.

— Emma, não pode dar ouvidos ao...

Um som de passos chegou aos ouvidos dos dois. Ela vira o seu pescoço e de repente está rodeada de todos os moradores de Hartfield Hall. Com os exageros de Gerald acerca do seu estado, todos concordaram de que ela deveria ficar hospedada lá, até o médico vir e verificar a sua canela. Mas Emma não queria isso de jeito nenhum, queria ir para Bath imediatamente. Gerald começou a alegar que ela estava delirando e que a perda de sangue podia estar afetando o seu cérebro.

— É melhor lhe levar para um quarto para descansar, srta. Dashwood - declarou Charlotte, parecendo preocupada ou com a perna de Emma ou com a excessiva atenção que Gerald estava dando para o caso.

— Posso levá-la - disse Fitzwilliam se aproximando e erguendo o braço.

— Nada disso - retrucou o irmão mais novo rispidamente. Não queria eles dois juntos por nenhum segundo. - Ela estava perto de você quando caiu, quem garante que não vai deixar ela se machucar de novo. - Todos se calaram ao encarar o olhar frio de Fitzwilliam secar as feições mentirosas de seu irmãozinho, o homem abriu a boca para lhe dar um fecho quando ambos foram surpreendidos pela voz calma da dama em apuros:

— Eu vou com ele - afirmou Emma, segurando a mão de Fitzwilliam e deixando ele passar o seu braço pelo seu ombro para a ajudar a andar. - Boa noite a todos.

Subir as escadas foi a parte mais difícil, Emma poderia ter escolhido fazer esse trajeto infernal com algum criado a ajudando, porém preferia estar na presença de alguém que ela conheça do que gemendo de dor com um completo estranho. Era uma situação delicada, ela estava praticamente sozinha em uma cidade que não conhecia, na casa de uma escritora renomada que também não conhecia direito. Fitzwilliam era a única pessoa que ela não estranhava e que não queria matar, no momento.

Ele a ajudou a deitar na cama e disse que ela deveria relaxar, como se fosse a coisa mais fácil do mundo. Emma nunca havia dormido fora de casa sem alguém de sua família junto, estava desamparada. Ele percebeu isso pela sua respiração desregulada e olhos assustados. Sentia um impulso para parar e ficar lá, para lhe acalmar, mas seu consciente logo cortou essa hipótese.

— Acredito que Charlotte irá trazer roupas limpas o mais rápido possível - concluiu antes de fechar a porta.

— Espere! - replicou Emma se virando, quase deu um gritinho de dor por ter mexido a perna assim. - Pode escrever uma carta para meu irmão? Para avisar para ele sobre… isso.

Fitzwilliam ponderou por alguns segundos mas, logo, assentiu. Fechou a porta em seguida, descendo as escadas para o encontro com os moradores de Hartfield Hall. Ele se lembrava de que a irmã mais nova de Emma, Anne, uma vez o havia informado que Charlotte Fairfax era uma de suas autoras favoritas. O Sr. Knightley se perguntou o que a caçula pensaria se soubesse que a irmã estava hospedada temporariamente na casa de sua ídola. Era uma pergunta que Emma também ponderava, mas resolveu mudar o seu pensamento, pois só seria capaz de saber a reação da irmãzinha quando a visse novamente, mas Anne estava longe demais para ser chamada. E, talvez, fosse ficar longe por um bom tempo.

— Estou apenas querendo entender o que aconteceu, Gerald. Para que tudo isso? - era a doce voz de Charlotte vinda do corredor. Fitzwilliam entrou na roda da famíla.

— A srta. Dashwood tropeçou no degrau e caiu nas pedras, porém, nada disso teria acontecido se o meu querido irmão tivesse a segurado! - Gerald respondia intercalando com uma tragada de seu amado charuto. Suas feições estavam vermelhas, mas Fitzwilliam continuou com o seu belo rosto sério e o respondeu com a calma habitual.

— Corrigindo sua frase: isso não teria acontecido se você não tivesse aparecido.

— Não estou entendendo nada! O que vocês três estavam fazendo lá fora? Não foram buscar o chapéu dela?

Fitzwilliam e Gerald se entreolharam com fervor nos olhos, mas não disseram uma palavra. Ambos queriam prosseguir com a discussão sozinhos, mas com a srta. Fairfax ali sendo curiosa seria impossível. 

— Ele pode explicar tudo para você - disse Gerald se afastando. - Sempre foi bom em se meter na vida de outras pessoas.

Fitzwilliam sentiu a fisgada mas ignorou a sua birra. O loiro subiu as escadas, deixando a noiva e o irmão sozinhos. O irmão deu um longo suspiro e pensou no que iria inventar para a prima:

— Emma não estava passando bem, e pediu para ir embora. Eu estava a guiando para a sua carruagem quando Gerald chegou e insistiu para que ela ficasse.

Charlotte escutou mas não disse nada. Deitou as costas na parede e olhou para o teto, com um olhar pensativo. Em seguida, olhou para a escada e para as duas saídas do corredor para checar se não estavam sendo espionados:

— Sabe, querido primo, poucas vezes vi o meu noivo agindo tão esquisito como agora. Você acha que… a chegada dela pode atrapalhar o nosso planejamento?

— O que está dizendo? Emma não…

— Não aja como se eu fosse uma idiota. Eu sei quando algo não está certo, não adianta tentar me enganar, Knightley, eu escrevo essas histórias há anos para captar esses comportamentos estranhos. 

— Garanto que não é o que você está pensando, Charlotte.

— Acho bom mesmo, pois se for, não me sobram escolhas a não ser contar para o Gerald sobre o nosso segredinho. Só assim tudo vai dar certo.

Fitzwilliam recuou, queria dar um sermão nela por estar falando sobre isso ali dessa forma, como uma ameaça. Muita coisa estava em jogo, então ele não podia fazer Charlotte enlouquecer da cabeça, na sua delicada situação.

— Fique tranquila, não vai ser necessário antecipar isso. Tudo vai ocorrer bem, em breve você estará subindo no altar vestida de branco e finalmente terá a paz que tanto anseia.

Os olhos azuis claros de Charlotte encararam ferozmente os azul esverdeados de seu querido primo. Com as mechas dos cabelos ruivos escorrendo pelo seu rosto pálido angelical, a garota concluiu:

— Sempre fomos uma dupla fenomenal. Agradeço pelo seu esforço. Acho que um dia escreverei um livro em que o protagonista tenha uma personalidade que nem a sua, faria um sucesso.

— Quem sabe, um dia.

— É melhor eu descansar, você sabe... - ela deu uma piscada, e foi seguindo para as escadas: - O médico daquela lá vai chegar amanhã de manhã, leve as roupas dela para mim, por favor, estou exausta. - Com a mão apoiada no corrimão, Charlotte se vira para olhar o rosto enigmático daquele que fazia com que ela não se sentisse sozinha desde criança: - Até logo, querido.

Em algum lugar muito distante dali, era a vez de Jane Dashwood enfrentar o mar de solidão e tristeza que importunava Emma. Não era de se esperar que Jane, a mais velha das meninas Dashwood, fosse se sentir calma quando o seu imprudente pai humilhou o seu amado e repreendeu Jane por ser egoísta em ter recusado o amor do duque de Windsor, Sir Collins.

Noah Russell havia ouvido todas as cruéis palavras sobre as suas origens, o seu status na sociedade e de como Jane seria infeliz se um dia se submetesse a amá-lo, como poderia arriscar tudo amando alguém tão desprezível como ele, não é, mesmo? Uma menina como ela não era feita para ficar com caras como ele no final da história. Noah partiu, e nada sobrou a Jane a não ser o encarar indo embora na chuva.

Com os olhos ardendo, a loira se virou furiosa para o pai:

— Como pôde fazer isso?! Como pode ser tão insensível a ponto de nem pedir desculpas por suas palavras?

Sir Dashwood caminhou para dentro de sua casa e acendeu o seu enorme charuto:

— Está na hora da senhorita aprender da pior forma sobre o que eu estou falando. Palavras e conselhos afáveis na sua criação foram inúteis posso ver, agora você vai aprender na prática o que suas escolhas podem lhe causar. - Dizia com aquele seu tom frio, Jane sentia o medo de espalhar pelo seu corpo com aquele olhar que seu pai lhe dava: - Prepare suas malas e suma da minha frente.

— Malas? Como assim "malas"? - A voz de Jane estava falhando, não sabia se sua garganta estava fechando pela vontade de chorar ou pelo pavor do plano diabólico que seu pai bolava.

— Você está achando que eu sou uma espécie de monstro insensível… que eu estou fazendo isso pois quero que você se torne uma infeliz amargurada. Vai aprender da pior forma o quanto eu estou certo, e sempre estarei! 

— P-Para onde eu v-vou? - As lágrimas escorriam as bochechas rosadas de Jane. - Não vai me levar para aquele lugar, v-vai?

— Saia da minha frente.

— P-Pai, não. Por favor.

— SAIA!

E ela saiu. Correu pelos corredores enxugando o rosto, agora, molhado. 

Um convento, certeza que ele vai levar ela para um convento. Afinal, era para lá que as solteironas de mais de vinte e cinco anos eram mandadas. Jane não tinha vinte e cinco anos, mas, também, não tinha um pai que batesse bem da cabeça. Ainda mais irritado como estava.

Dezenove anos, ela só tinha dezenove anos e ele preferia ver ela virar freira do que ver ela livre para amar quem quisesse. Um monstro, era isso que ele era. Se Jane pudesse voltar no tempo, nunca iria ter aceitado viajar para Londres, nunca teria aceitado ficar na casa de Sir Collins e, assim, nunca teria recebido sua infeliz proposta.

Agora, tudo estava arruinado. Sir Dashwood não teria mais um renomado duque na sua linhagem. E Jane não teria mais sua liberdade.

As duas srta. Dashwood passaram a noite sem conseguir dormir, porém, Jane foi a que teve que levantar cedo para ir ao inferno que o seu pai a castigava. A loira sentia falta de Emma e Anne, mas, mesmo assim, não conseguiu escrever cartas para elas dizendo o que estava acontecendo. Na verdade, Jane sabia que se ela escrevesse o seu pai não as enviaria.

Como Jane queria que Emma estivesse presente no dia anterior, talvez teria acalmado os nervos de seu pai. Enquanto carregava a sua bagagem, Jane se perguntava como estava a rotina de Emma em Bath, na casa do seu recém casado irmão, Charles. Pensava o quanto Emma devia estar amando o contato com a praia e o mar, não tinha ideia que a irmã estava acamada sob o teto de Charlotte Fairfax, com o coração completamente despedaçado.

Jane encarou a carruagem, era a mesma que levará Anne para a cidade dos portos, ou seja, a viagem não seria curta.

A loira estava tão furiosa que não olhou para os olhos de seu pai, eram verdes que nem o dela, mas nesse momento pareciam estar carregando um sentimento de culpa. Mas, Sir Dashwood, não podia voltar atrás. Era para o bem de Jane. E ele sabia que se sua irmã, Sra. March, estivesse ali no seu lugar ela teria feito o mesmo. Com certeza, teria.

Jane subiu no veículo e viu o seu pai conversar com o cocheiro. Ele entregou uma carta para ele, Jane se perguntou do que se tratava aquele papel, mas quando viu seu pai virar os olhares para ela, a garota virou o rosto e ficou encarando a janela.

Sir Dashwood, com o coração apertado, caminhou até a porta da carruagem e, com a voz firme, falou:

— Algumas últimas palavras?

Sir Dashwood esperava um "Sinto muito" ou "Você está certo, vou atrás de Sir Collins imediatamente”. Era tudo o que precisava para ele mudar de ideia, afinal, Jane era a sua primeira filha, mas continuava sendo sua menininha predileta. Entretanto, recebeu um olhar indignado e ríspidas palavras em troca:

— Eu odeio você. 

Respondeu Jane, puxando a porta para fechar com força. 

Esperava isso vindo de Emma, jamais de Jane, que nunca lhe dirigiu palavras tão fervorosas. Esse era um claro sinal que ela precisava desse castigo, isso fez com que o seu pai tivesse completa certeza disso.

— Pode ir, Frederick.

Foi a última frase que Jane ouviu do pai. 

A carruagem começou a andar, e ela se segurou para não olhar para trás, não olhar para o seu lar. Que não o veria por um bom tempo.

Jane não conseguiu dormir de noite, ou seja, o cochilo que ela deu na carruagem era indispensável. Nos primeiros trinta minutos, ela percebeu que o caminho que estava seguindo era para o sul, qualquer que fosse aquele lugar não podia ser Londres ou Bath.

Se passaram seis horas e o veículo enfim parou, Jane acordou com o barulho de rodas cambaleando sobre pedras. Quando foi colocar o rosto sonolento na janela, sentiu um vento forte disparar na sua face, seguido de um som estranho.

Que barulho é esse?

Não estava ficando louca, não podia estar. Abriu a porta e saiu da carruagem tão assustada quanto um coelhinho filhote saindo da toca. Aquele não era um som familiar para ela, mas ela pode reconhecer quando passou a olhar para a vista à sua frente. Ondas colidindo nas pedras. Ondas.

Aquele com certeza não era o lugar onde esperava estar, mas era impossível não estar embasbacada com aqueles cais, pessoas carregando caixotes e enormes navios. O Oceano.

Aquilo não era Bath, muito menos um convento. Aquilo era Morland, a cidade dos portos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Desejo e Reparação" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.