Desejo e Reparação escrita por natkimberly


Capítulo 15
Hartfield Hall




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/796495/chapter/15

Adormecida durante o trajeto da viagem, Emma acabou sendo bruscamente despertada com a voz do cocheiro, gritando na janelinha:

     – Srta. Dashwood, chegamos em Rosings. Gostaria de dar uma pausa para esticar as pernas ou tomar um ar fresco?

     A garota abriu a sua janela e observou a vista da cidade, era exatamente como ela imaginava. Todos andam muito arrumados nas ruas e as residências são do nível de Windsor e Mansfield Park. Emma tentou tirar esses últimos dois nomes da cabeça, pois, senão, acabaria sentindo saudade.

     – Não precisa parar, senhor. 

     O homem assentiu, e continuou seguindo o caminho. Emma ficou com a cabeça na janela, admirando a cidade e seus detalhes, parecia um lugar de primeiro mundo, até a padaria era bonita.

     Quando Emma colocou seu rosto para fora, para observar uma raça de cachorro que nunca havia visto antes, tomou um susto com uma voz vindo da rua:

     – Srta. Dashwood?

     A garota se virou para ver de onde essas palavras vinham, e seu chapéu foi levado pelo vento. 

     “Droga”, pensou. Emma ordenou que a carruagem parasse imediatamente e desceu para ir em busca do que era seu. Quando pisou no chão, notou que o seu chapéu estava nas mãos do homem que a chamou: Fitzwilliam Knightley.

     – Sr. Knightley, que surpresa o encontrar aqui – disse a morena, sem jeito. – Pensei que ainda estivesse hospedado em Londres.

     – Cheguei a pouco tempo. Acho que isso é seu.

     De todas as coincidências do mundo, ela tinha que encontrar justamente com ele. Queria perguntar sobre o seu irmão, mas não achou apropriado, queria tirar Gerald da sua cabeça e mostrar que não se importava. Ela pegou o seu chapéu, e pensou que seria melhor ir embora.

     – Está vindo ficar em Rosings, srta. Dashwood? – ele indagou, curioso.

     – Na verdade, não. Estou de passagem, meu destino é Bath. Vou ficar na casa do meu irmão por um tempo.

     – Então, ele se casou com a srta. Preston. Felicidades para eles, seu pai deve ter ficado feliz com a união.

     Emma não entendeu se aquilo foi dito em tom de deboche. A garota, até então, não se esqueceu das duras palavras de Fitzwilliam em relação a sua família, acusando seu pai de interesseiro, no parque de Bridgerton.

     – Todos da família estão contentes com essa união, é uma pena que vocês não puderam comparecer ao casamento. 

     O clima da conversa deles pareceu ficar desagradável após essa última frase de Emma. Fitzwilliam deu uma tosse seca, e resolveu mudar de assunto:

     – Li no jornal, que sua tia esteve hospedada em Meryton. Tive a chance de ir a um concerto de seu marido, ele era muito talentoso. Meus pêsames para a sua perda.

     – Eu nunca o conheci, para falar a verdade – Emma resolveu contar a novidade: – Mas, você sabia que a minha tia levou Anne para França?

     – Não tinha ideia. Bom, deverá ser bom para a srta. Anne conviver com uma mulher mais íntegra e respeitável como a sra. March.

     Emma novamente pensou que ele estava debochando de sua família. Seu pai também era íntegro, apenas um pouco indecente, sem querer. Fitzwilliam percebeu que estava a ofendendo inconscientemente, de novo, deu mais uma tosse seca, pensou que seria melhor mudar o rumo da conversa, mas a morena prosseguiu:

     – Acho que já está na hora de partir. Foi um prazer vê-lo, sr. Knightley.

     – Srta. Dashwood, espere. 

     A garota se virou e perguntou o que houve. Fitzwilliam parecia um pouco vermelho, ou era impressão?

     – Eu gostaria de saber, se seria um incômodo, de alguma forma, que eu a visitasse em Bath.

     Emma arqueou as sobrancelhas, confusa. De todas as coisas que ele poderia dizer, essa, com certeza, ela não esperava que fosse sair de sua boca:

     – Para quê? - ela perguntou, indelicadamente.

     – Acho que tem algumas coisas que precisamos discutir – respondeu, já acostumado com as falas secas de Emma. – Poderia me passar o endereço da casa de seu irmão?

     – Ah, claro. Um momento.

     Ela entrou na sua carruagem e pegou na sua bolsa a carta que Charles a havia enviado em Meryton, no envelope revela o seu atual endereço.

     – É esse aqui.

     Entregou o papel para ele. Fitzwilliam estava lendo e quando foi a responder, uma voz se sobressai atrás dele:

     – Fitzwilliam, já terminei as compras. 

     Era Charlotte Fairfax, em carne e osso. A ruiva estava saindo de uma boutique, com a sua criada do lado carregando grandes pacotes. Quando ela viu Emma, pensou que estivesse delirando, veio em sua direção dando um largo sorriso:

     – Minha querida Emma – “querida?” –, mas que agradável surpresa. Há quanto tempo está hospedada aqui? Como ninguém me avisou disso? Se eu soubesse, teria marcado para você vir tomar um chá da tarde comigo.

     – Não estou hospedada, estou apenas de passagem. Parei para conversar com o sr. Knightley, mas já estou indo embora.

     – Mas, já? Não quer ficar um pouco? – insistiu Charlotte. – Passar a tarde na minha casa, e depois das quatro horas você parte novamente. Precisa descansar, de Meryton para Bath é uma distância muito absurda.

     – Não sei se é necessário, srta. Fairfax – replica Emma.

     – Não é nem um pouco necessário – retrucou Fitzwilliam, friamente. – É melhor você partir, agora.

     Emma ficou perplexa com seu jeito de falar e com sua mudança de humor repentina. Charlotte ficou assustada com os modos do primo, mas resolveu se calar:

     – Bom, então, estou indo. Foi ótimo lhe encontrar novamente, srta. Fairfax.

     Dessa vez, Emma não se despediu de Fitzwilliam, apenas deu as costas e foi para a sua carruagem. Sempre que acha que ele está se tornando uma pessoa minimamente agradável, ele faz questão de mostrar que ela está enganada. Como ela o detestava!

     O cocheiro fez com que os cavalos começassem a partir daquele lugar. O lugar que era melhor Emma nem ter parado.

     Se passaram uma hora, Emma começou a sentir um vento forte com sensação de maresia, conseguiu sentir o cheiro de sal do mar. Bath estava mais próximo do que nunca. Virou para a janela e já conseguia enxergar uma linha horizontal azul no fim da estrada, o oceano. A felicidade tomou conta de seu corpo, como sentia falta aquilo. Depois de alguns minutos, conseguiram chegar na casa de seu irmão. 

     Era de tamanho médio, e muito linda, parecia ser aconchegante. Era toda feita de madeira cascalho, tinha um jardim pequeno na entrada. Emma quando desceu, já notou a silhueta de uma mulher negra saindo da porta:

     – Você conseguiu chegar antes do anoitecer, que bom! – disse Lydia.

     Lydia veio a socorrer e pegou uma de suas malas. 

     – Esse lugar é incrível.

     – Espere só para ver a vista para o mar, que o seu quarto tem.

     Por dentro da casa, a lareira estava acesa. O ambiente era muito aconchegante. Parecia um belo chalé, Emma ficou imaginando como deveria ser legal morar em um lugar desse com a pessoa que ama, só eles e o mar. Não precisam de mais ninguém.

     – Charles foi comprar alguns alimentos – afirmou Lydia, subindo as escadas. – Ele pensou que você iria demorar mais para chegar.

     – Entendi, você que vai cozinhar o nosso jantar?

     – Sim, eu mesma. Ainda não estou precisando de uma empregada, como sou só eu e ele. Pensei que seria mais legal experimentar a vida de uma dona de um lar, Charles acha que estou me saindo bem. Mas, se eu te contar que semana passada eu quase chorei porque passei um dia inteiro tentando fazer uma geleia de morango, que não chegava no ponto de jeito nenhum.

     – Como assim? – perguntou Emma, rindo. – Me explique essa história.

     – Eu estava predestinada a fazer a minha própria geleia caseira de morango, que nem a que eu comia em Meryton. Queria mostrar a minha indenpendência. Mas, tudo foi por água abaixo quando aquela receita não estava ficando do jeito certo, desperdicei morangos à toa. Porém, isso não era o pior, o ruim foi que isso foi no dia que seu irmão resolveu trazer seus dois colegas de trabalho para jantarem aqui, sem me avisar! 

     – O quê? Não acredito que Charles fez isso. Que irresponsável.

     – Fez, eu estava toda suja de morango e açúcar, a cozinha estava imunda e eu não tinha cozinhado nada para o jantar, apenas aquela porcaria de geleia. Os amigos dele ficaram assustados, pois pensavam que eu estava ensanguentada, um deles quase desmaiou. Depois disso, seu irmão tomou uma grande bronca minha, e eles tiveram que comer fora daqui.

     Emma estava rindo só de imaginar a cena, queria muito ter visto. As duas entraram no quarto da visita e lá era pequeno, mas a vista do mar era fenomenal:

     – Pelo visto, já estão fazendo amizade – disse Charles, abrindo a porta. Estava segurando pacotes com comida. Tinha escutado os risos de sua irmã do andar debaixo.

     Lydia o ajudou e disse que em breve ia começar a preparar o jantar, Emma se solidarizou a ajudar. O casal deixou a menina repousar em seu quarto. Emma se jogou na cama e ficou olhando para o teto, pensando sobre a conversa que teve com a srta. Fairfax.

     “Alguma coisa está errada, posso sentir”, pensou. Seus questionamentos logo desapareceram quando a morena começou a sentir suas pálpebras pesarem. 

     – Emma, já vou começar a cozinha, quer vir, também? 

     Era a voz de Lydia, vindo do corredor. Emma se despertou rapidamente e começou a descer as escadas junto com a cunhada.

     A sra. Dashwood pediu para que Emma ajudasse descascando as batatas. Como Emma detestava silêncio, resolveu puxar algum assunto, mas Lydia foi mais rápida:

     – Soube que a senhorita passou o mês de agosto na casa do Sir Collins, que incrível. O que achou dos dias que esteve em Windsor?

     – Quase me perdia todo dia naquele lugar, é gigantesco. Foi bem divertido, William nos tratou muito bem.

     – Uma pena que as irmãs dele não seguem os seus princípios.

     – Sim, Amelie e Mary são intragáveis, nunca gostaram de mim – Emma se lembrou da conversa que teve com Charles em Meryton, e resolveu trazer aquele assunto à tona: – Soube que você e Amelie já foram próximas, como conseguiu aguentar aquilo, sra. Dashwood?

     – Sinceramente, nem sei responder. Nós nos aproximamos porque o meu pai é próximo do Sir Collins. Ela era decente, mas começou a ficar obcecada por garotos e depois parou de querer a minha amizade.

     – Porque você e Charles estavam se aproximando, não é?

     – Não só por isso. Amelie e Mary vivem em um complexo em que as duas acham que estão sendo roubadas o tempo inteiro, algo some e elas já fazem um alarde. A mais velha percebeu que suas jóias sumiram, logo, ela começou a proibir a entrada de empregados em seu quarto, então, começou a achar que eram os seus próprios amigos. Amelie se afastou de todas as pessoas que considerava “inferior” que ela, pois achava que eram elas que estavam por trás dos furtos. Eu nunca roubei nada em toda minha vida, mas fiquei feliz que, agora, estava livre de suas chatices e podia conhecer seu irmão melhor.

     – Elas descobriram quem estava roubando?

     – Não tenho ideia. No fim, elas deveriam fazer isso só para seu irmão comprar coisas novas para elas. Agora, Amelie só faz amizade com pessoas do seu nível social ou estilo Charlotte Fairfax.

     – Conhece Charlotte?

     – Sim, já li seus livros. Mas, enfim, aquilo acabou sendo um livramento, para mim. 

     “Com certeza”. Após quinze minutos, o jantar estava pronto. Os três se juntaram na mesa para se servirem. 

     – Então, Emma – disse Charles –, como estão as coisas em Meryton, nessas duas semanas que estive fora. Noah se comportou bem?

     – Noah foi convocado para Reading, só volta para Meryton no domingo.

     – Ele e Jane são bem próximos, pelo que percebi – falou Lydia. – Acho que ela tem uma quedinha por ele.

     – Era só o que me faltava, minha irmã e meu melhor amigo juntos. O que fiz para merecer isso?

     – Deixe de drama – respondeu Emma –, eles são só amigos. Nada mais. 

     Charles não se conteve com essa afirmação. O jantar seguiu com eles conversando sobre diversos assuntos, Emma queria saber como era a convivência com as pessoas de Bath ou sobre os constantes aumentos da maré, por conta das chuvas.

     Quando todos terminaram de comer, Charles perguntou para a irmã:

     – A comida estava uma delícia. Está satisfeita, Emma?

     – Acho que eu estaria mais se tivesse uma sobremesa, tipo… geleia de morango.

     – Não acredito que você já contou essa história para ela? – indagou Charles para a esposa, rindo. – Esse dia foi trágico.

     – Por sua culpa, quem mandou chamar aqueles oficiais para cá.

     – É verdade. Vacilou, irmão.

     – Agora, pronto, Emma já está me trocando por Lydia – ele disse em tom dramático. – Terei que aturar duas mulheres brigando comigo, que sofrimento.

     As duas começaram a rir. E o clima entre eles seguiu assim: conversas e muitas risadas. 

     O tempo começou a passar rápido, isso era o que Emma mais temia. Passaram três dias, já estava no sábado, e ela se lembrou que o sr. Russell deveria chegar em Meryton no dia seguinte. “Jane”.

     Estava na hora de escrever uma carta para a irmã lhe contando sobre como tem sido os dias. A morena, assim que terminou de almoçar com o casal, sentou na varanda, olhando para o mar e começou a transcrever no papel sobre suas mais recentes vivências. 

     Contou que sua rotina nesses dias tem sido: ler, andar na praia junto com Lydia conversando sobre diversos assuntos e, em seguida, as duas cozinham juntas. Também acrescentou, que se Jane estivesse em Bath, estaria se dando muito bem com Lydia. Ela era uma ótima pessoa. Na verdade, Emma resolveu não colocar tanto sobre a sra. Dashwood, pois sabia que sua irmã poderia ficar enciumada.

     Quando estava escrevendo que Jane tinha que contar tudo que ela e Noah iriam fazer quando ele chegasse, sua cunhada bateu na porta e chamou Emma:

     – Já estou indo.

     Emma terminou a sua carta e se direcionou para Lydia.

     – Aconteceu algo?

     – Chegou uma correspondência para você.

     – De Meryton?

     – Não, Hartfield Hall.

     “Oi?”. A morena agarrou o envelope, e lá estava. “Que lugar é esse?”. 

Querida Emma,

é por meio desse papel que venho a convidar para participar do meu importante jantar em minha residência, Hartfield Hall. Sua presença será fundamental, já que faz tanto tempo que não sentamos para conversar, quero saber como estão as coisas em Meryton. Será no domingo, não ouse faltar!

Graciosamente,

C. Fairfax

     Emma leu e releu aquele convite o máximo que pode. Era possível que a srta. Fairfax não teria cometido um engano? Enviado para a “Emma” errada? Elas nunca foram próximas, então, para que essa cordialidade toda?

     – Emma, você está me deixando curiosa, rondando pela sala desse jeito. Aconteceu alguma coisa ruim?

     Ela estava sozinha, não tinha Jane para conversar sobre isso e pedir conselho. Deveria ir ou não? Emma se virou para Lydia e resolveu desabafar tudo. A entregou o pedaço de papel e continuou:

     – Não acredito que uma pessoa importante como Charlotte iria sentir falta da minha presença em seu jantar particular, qual o sentido disso? Não tem necessidade de eu ir.

     –Emma, é de Charlotte Fairfax que estamos falando. Se você não quiser ir, deixe que eu vou em seu lugar – replicou Lydia, sorrindo. – Brincadeira. Mas, se você está achando estranho ela pedir por sua companhia, porque não vai e vê o que tem de tão importante nesse lugar. Garanto que a comida deve valer a pena.

     – Mas, não é só isso, Lydia. Fitzwilliam vai estar lá e eu não o suporto, ele e um monte de engomadinhos que eu não conheço, vou ficar deslocada. Sozinha. A não ser que… Gerald vá estar lá. Se ele estiver vou poder confrontá-lo.

     – Gerald? Confrontar ele? Sobre o quê?

     Emma esqueceu que Lydia não sabia sobre seus conflitos recentes. Deu um longo suspiro e resolveu lhe contar tudo que aconteceu nas últimas semanas. No final, Lydia estava boquiaberta:

     – Você e Gerald? Nunca iria imaginar. Certo, agora você tem um real motivo de ir lá, Emma. Tem que descobrir o porquê desse garoto está te ignorando. 

     – Você está certa, é melhor eu ir. E se ele não estiver lá, então, eu fico calada na minha aproveitando a refeição. Porém, tem um detalhe: eu não trouxe nenhum vestido para ocasiões especiais, vou estar completamente básica no meio de pessoas arrumadas.

     – Nem pense que isso é um problema. Eu lhe empresto um vestido. Vamos subir para escolher, agora.

     As duas caminharam juntas até o quarto dela, Emma se sentia grata por poder contar com Lydia. 

     – Você foi convidada para um jantar na casa de Charlotte Fairfax. Quem deveria estar grata era você, por Deus ter te abençoado desse jeito!

     Mas, por algum motivo, Emma não se sentia tão sortuda.

     Enquanto isso, como estava a loirinha em Meryton? Os dias passaram devagar. Jane contava as horas para o domingo chegar, mas, enquanto isso, tinha que tentar ocupar sua mente, para que o tempo passasse mais rápido.

     Nesses três dias que Emma esteve fora, Jane se tornou uma fiel companheira de seu pai. A casa estava silenciosa na maior parte do tempo, pois Jane e Sir Dashwood passavam quase o dia todo no escritório. Como ela só tinha ele, ficava fazendo seus afazeres enquanto ele estava do outro lado em sua mesa trabalhando. Fora que, essa era uma ótima forma de observar se chegou alguma carta de Sir Collins.

     Como era sábado, Jane achou melhor dar uma folga para seu pai e ir arrumar a casa para a chegada de Noah. A loira colheu flores novas e colocou em todos os vasos e fez questão de ver se tudo estava limpo. Isso fez seu dia passar voando.

     Quando chegou a hora de dormir, a loira se endireitou em sua cama e tentou ao máximo relaxar e parar de pensar na vinda dele, mas não conseguiu. Estava ansiosa. Se passaram cinco… dez… vinte… cinquenta minutos e nada de o sono chegar.

     Resolveu tentar ler algum livro, mas não conseguia se concentrar. Quem acabou sofrendo com isso foram suas unhas, que ficaram destruídas de tanto ela morder.

     Quando Jane se despertou, percebeu que, na janela, o sol estava muito mais forte do que quando ela acordava normalmente. Já era meio-dia, ou seja, o carteiro já tinha passado.

     Jane levantou e foi correndo para o escritório de seu pai. Ninguém estava lá. Desceu as escadas e quando olhou para a sala estava vazia. Ele só podia estar almoçando, mas quando ela foi abrir a porta. 

     Um homem alto e muito magro, usando uma roupa azul lápis lazuli, saiu daquele lugar. “Quem é esse?”.

     – Srta. Dashwood.

     O homem fez uma reverência e saiu de sua casa. Jane entrou na sala de refeições imediatamente e viu seu pai sentado na sua cadeira, com comidas em sua volta:

     – Papai, quem era aquele homem?

     Seu pai não respondeu, e bastou Jane chegar mais perto, para perceber o porquê. Sir Dashwood estava segurando em sua mão… uma carta.

     “Não pode ser”, pensou. Jane foi para cima dele tentar agarrar o pedaço de papel, mas ele já havia lido tudo. A loira foi direto para o final do papel e lá estava escrito o que ela mais temia:

     – Sir Collins.

     – Leia, agora – ele disse secamente, sem olhar em seu rosto.

     Jane se sentou ao seu lado. Com as mãos tremendo, ela examinou as palavras que estavam à sua frente.

 Caro Sir Dashwood,

É com um estranho pesar, que eu venho nessa mensagem lhe perguntar: O que foi aquilo na sua última carta? Algum tipo de pegadinha ou, por acaso, o senhor estava alterado quando escreveu aquilo?

     Sir Dashwood, quando nos conhecemos eu o achei uma pessoa que estava sendo educada apenas para me agradar, porém, depois de termos muitas conversas, percebi que o senhor é extremamente agradável. Óbvio que teve o estímulo de eu querer me aproximar de sua filha, mas, mesmo assim, eu nunca menti quando afirmava que o considerava meu amigo. Suas palavras me atacaram e, o pior, é que eu não tenho ideia de onde você tirou isso. Quem foi que lhe disse essas mentiras? 

     Pelo seu tom agressivo, creio que não tenha mais vontade de falar comigo, porém, para eu ficar com a minha mente tranquila, irei lhe contar o verdadeiro relato sobre o que aconteceu naquela noite. Vou tentar ser o mais detalhista para você ver que estou falando a única verdade.

      Quando partimos de Meryton, eu estive nervoso a viagem inteira, pensando de que maneira iria propor a mão de sua filha. Foi aí que a pequena Anne me guiou dando uma dica de que Jane adorava doces. O senhor tinha me assegurado de que ela iria aceitar o meu pedido, pois disse que a minha paixão era recíproca. Mas, não o culpo, Sir Dashwood porque sei o quanto é difícil entender o coração das mulheres, elas são como um código binário que nós nunca vamos conseguir traduzir.

     Acontece que eu preparei um banquete de todos os tipos de doces que existem, para agradar sua filha. Depois de muito nervosismos, eu tomei coragem e pedi a sua mão. Mas, Sir Dashwood, ela me recusou. Ela deixou extremamente claro em suas palavras de que nada era recíproco. Ela só me via como amigo, apenas. Fiquei despedaçado, mas aprecio sua sinceridade, porém, mesmo assim, não conseguia entender. Como ela não se interessava por mim, como eu e você poderíamos estar tão errados em relação aos seus sentimentos? 

     A resposta veio à tona na mesma noite. Sir Dashwood, o coração de Jane pertence a outro homem, não a nada que poderia ser feito. Naquele dia, fiquei furioso com ela, pois pensei que ela tinha contado para todos de que era eu pedi sua mão e debochou de e minha declaração, mas, uma fonte muito querida me mostrou que isso era mentira. Foram minhas irmãs.

     Infelizmente, por causa dos erros delas, tive que me afastar da minha cidade, para fugir dos indecentes tabloides, mas, também, para esfriar a minha cabeça. Hoje, não sinto nenhuma mágoa de sua filha, Sir Dashwood, nem de você. Está tudo bem, ninguém pode mandar no coração. Agradeço que ela tenha sido sincera e não tenha aceitado minha proposta por interesse, isso me machucaria mais. Espero, do fundo do meu coração, que ela e o sr. Russell sejam muito felizes, formam um belo casal. 

     No momento, eu estou seguindo o mesmo caminho. Acho que no futuro poderei ser grato por ter sido negado por ela, pois vejo que não era para ser.

     Em breve estarei de volta a Inglaterra e irei lhe visitar, Sir Dashwood.

Seu amigo, 

Sir Collins.

     Ficou alguns minutos lendo a carta, completamente concentrada e sentiu que escutou alguns ruídos de fora da sala, talvez passos, mas não prestou atenção. Por fim, Jane dobrou o papel e permaneceu em silêncio, sentindo que a aquele momento seria o pior de sua vida. Seu pai lhe perguntou:

     – Ele está dizendo a verdade?

     – Está. Papai, eu…

     – Você o recusou? O recusou por causa de um mísero oficial? Um garoto pobre que não tem nem condição para lhe sustentar! Mentiu para mim e me fez pensar que o Sir Collins estava errado, por causa da sua mentira eu mandei aquela carta!

     – Papai, eu sinto mui…

     – Não me interrompa! – ele se levantou da mesa e começou a caminhar em sua frente. Estava vermelho de raiva, seus olhos verdes pareciam que iam saltar de seu rosto magro: – Sua tia estava certa o tempo todo, mas eu não aceitei. Você realmente está faltando em intelecto, para ter feito uma troca ridícula dessas.

     – Mas, Charles também é um oficial!

     – Não ouse comparar. Seu irmão é o filho de um baronete, está vendo essa casa? Ele herdará ela, assim como todo o meu dinheiro, quando eu falecer, você e suas irmãs não terão esse luxo. Vocês terão que arrumar alguém que as sustente! E, você acha que Charles irá servir ao exército para sempre? Seu serviço irá expirar e quando isso acontecer, ele foi formado na melhor escola desse país, Eton. Onde que Noah estudou? Pois é, ele não foi para a escola, é um menino miserável e burro! E você quer se juntar a isso? 

     – Pare de falar isso dele! Eu recusei Sir Collins porque não o amo, Noah não teve nada a ver com minha decisão.

     – Não ama o oficial, também?

     Jane suspirou fundo, resolveu seguir o que seu coração achava que era certo a se fazer:

     – Não.

     Ela gostava muito dele, mas “amar” era uma palavra muito forte. Talvez, se eles passassem mais tempos juntos, ela com certeza iria poder o amá-lo, mas, agora, todas essas chances estavam arruinadas.

     – Não acredito em você. 

     O olhar de decepção de seu pai a machucava demais, como Jane poderia ferir alguém tanto?

     – Papai, eu não estou mentin…

     – Você era meu orgulho, Jane. Meu bem mais precioso, sempre a coloquei acima das outras. Mas, você me desapontou. Você fez tudo que uma dama que preze pelo seu futuro nunca faria, e, para piorar, mentiu para a pessoa que mais zelou por você. Agiu como uma menina inocente, que não sabe nada sobre a vida. Mas, isso vai mudar, não pense que sairá disso ilesa. 

     Jane engoliu seco, nunca viu seu pai falando com esse tom. Estava com vontade de chorar, sabia que essa conversa iria ser ruim, mas não imaginava que seria assim. 

     – Papai, eu já disse que sinto muito. Por favor, me perdoe.

     – O que você fez foi imperdoável. Não irei mais passar a mão em sua cabeça e a tratar com favoritismo a partir de hoje, você traiu minha confiança. Isso mostrou que eu não devo mais ser tão bonzinho com você, por mais que isso me doa, eu terei que lhe dar um castigo, para fazer você acordar para a realidade! A vida não é um conto de fadas, Jane Dashwood! Não pense que seria feliz se largasse tudo para ficar com aquele menino pobre, pois não seria nunca! Você foi mimada a vida inteira, não irá suportar o declínio social que irá enfrentar e, sem contar, os julgamentos! Irá terminar que nem sua tia.

     – Tia? Que nem tia March?

     Por um segundo, o rosto de Sir dashwood relaxou e ele pareceu compreender tudo. 

     – Vá para o meu escritório e traga um papel, uma pena e tinta, agora.

     Jane ficou confusa, mas obedeceu a ordem de seu pai. Mas a loira foi surpreendida negativamente quando atravessou a porta e viu que no final corredor estava ele.

     Noah já estava com a mão na maçaneta, se preparando para ir embora, depois de tudo que ouviu da boca deles:

     – Noah, não é nada disso, eu posso explicar.

     – Não precisa explicar nada, srta. Dashwood. Eu já entendi que sou muito inferior a você, somos de mundos diferentes. Não sei nem porque pensei que isso poderia dar certo.

     Ele saiu de sua casa, e Jane continuou a lhe seguir:

     – Isso não tem nada a ver. O meu pai é desequilibrado, ele não fala antes de pensar.

     – Mas, ele sempre será seu pai, sua família – ele disse, montando em seu cavalo.

     – Noah, por favor, não vá embora. Você prometeu ficar.

     – Porque eu pensei que você poderia me amar um dia, mas sua resposta foi clara como água. Não quero fazer você ter desavenças com sua família, é melhor você seguir o que seu pai fala. Ele está certo, eu não poderia oferecer uma vida luxuosa para você, como aquele cara poderia.

     Sem esperar sua resposta, Noah partiu de Meryton, com o seu orgulho ferido pelas duras palavras do pai da menina e dela mesma. Jane teve que o ver partir, cavalgando até sumir de vista, com os olhos cheios de lágrimas:

     – Pelo menos, o garoto tem um pouco de juízo – respondeu seu pai, apoiado na porta: – Entre, vamos discutir sobre a sua punição.

     Jane pensava que seria enviada para Paris, para ser doutrinada por sua tia. Infelizmente, ela estava enganada. Ir para França aturar tia March seria muito tranquilo, perto do destino que lhe espera.

     Nesse momento, Emma começou a se arrumar com duas horas de antecedência, estava completamente nervosa. Tinha ficado em dúvida entre três vestidos de Lydia, ficou encarando eles na cama. A sua única certeza, era que não usaria lilás em hipótese alguma! Era melhor usar o amarelo, mas ele deixava ela gorda. Então, o azul claro. Não, pois seus ombros ficavam muito largos. Iria ter que ser o branco, ele era refinado, mas Emma não gostava de se sentir que nem uma noiva. Teria que ser o último, mesmo. 

     A morena se vestiu e caminhou até a porta, para pedir para que Lydia fizesse um coque em seu cabelo:

     – Já estou a caminho, deixa eu terminar essa sopa. Na verdade, é melhor você descer aqui, Emma, chegou uma nova carta de Hartfield Hall para você.

     – Mais uma?

     Emma correu para a sala, e agarrou a carta com muita força.

Cara srta. Dashwood,

Vim por meio dessa correspondência, lhe informar que sua presença em Hartfield Hall não é mais bem-vinda. Infelizmente, esse é um aviso que o seu convite para vir para o jantar está completamente anulado. 

Atenciosamente,

Fitzwilliam Knightley

     “Como ele ousa?”, pensou Emma. Amassou aquele pedaço de papel com muita força. Imprestável! Como odiava ele, agora que ela já estava quase pronta, ele vem enviar isso. Foi com certeza uma tentativa de tirar ela do sério. Mas Emma não iria se abalar, iria para o jantar, sim!

     Tudo já estava pronto, a carruagem e o cocheiro já estavam a postos. Agora, iria para esse estúpido jantar só de raiva, não importa se eles não a querem mais, ninguém importunava Emma Dashwood e saí ileso dessa forma. 

     – Emma, está tudo bem? O que diz a carta?

     Emma ajeitou sua postura, e respondeu calmamente para Lydia:

     – Nada demais. Estão apenas agradecendo por eu ter confirmado a minha presença.

     O tempo passou, e Emma estava muito atrasada. Quando partiu de Bath, percebeu que teria que inventar uma desculpa para a sua demora. Ainda bem que começou a chover, essa seria sua justificativa.

     Depois de uma hora, ela enfim chega ao local. Realmente, Charlotte era muito afortunada. Aquela mansão era impecável, deveria ser ainda mais bonita à luz do dia. Era uma casa rosa claro com detalhes dourados. Emma foi recebida pelos criados:

     – Está muito atrasada, srta. Qual seu nome? - o homem perguntou desconfiado.

     – Sou a… srta. March, filha de Hobbes March. Não me reconhece?

     Uma verdade seja dita: Gerald sabia mentir muito melhor que Emma. A morena estava no fundo torcendo para que eles não soubessem que Hobbes não tinha filhos. Aparentemente, eles não sabiam, pois começaram a lhe tratar muito bem e dizer que sentiam muito pela perda de seu pai. 

     Emma foi guiada por eles até a sala de refeição, eles a informaram que os convidados já estavam terminando os pratos principais. Mas Emma nem prestou atenção porque estava distraída admirando as mobílias da casa de Charlotte. Enquanto Windsor era mais branco e dourado com poucos quadros, Hartfield Hall era muito colorido e com bastantes pinturas e estátuas.  A morena teve seu estado de hipnose quebrado quando ouviu uma voz se direcionando para ela:

     – O que está fazendo aqui?

     Indagou Fitzwilliam saindo da sala de refeição, depois, olhou furioso para os criados e perguntou o porquê deles a deixarem entrar:

     – Mas… Mas, ela é a srta. March. Você disse que os Dashwood’s não podiam entrar.

     – Meu santo Deus, o sr. March nem tem filhos! Saiam daqui, deixem que eu lido com ela, a partir de agora.

     Quando os criados viraram as costas e saíram apressados, com medo dele. Fitzwilliam se virou para Emma e a perguntou seriamente:

     – Eu pensei que eu havia deixado muito claro de que não era para você vir - ele disse, parecia estar com raiva.

     – E eu pensei que quem havia me convidado era a dona da casa, não você. 

     – Você não é bem-vinda aqui!

     – Eu quero ouvir isso saindo da boca de Charlotte! Não da sua!

     Emma caminhou em direção a porta da sala onde todos estavam reunidos, mas Fitzwilliam agarrou seu braço e a puxou para perto dele:

     – Emma, eu vou repetir pela última vez: É melhor você ir embora. Vai me agradecer por isso depois.

     – Me solta, agora. Senão, eu vou gritar.

     Fitzwilliam a obedeceu, se ela estava decidida a passar por isso, não havia nada mais que ele pudesse fazer. Foi atrás dela, mas sem o intuito de a impedir.

     Emma ficou com um pouco de vergonha de entrar do nada, pois todo mundo já havia terminado de comer. Estavam com um bolo enorme branco prestes a partir como sobremesa. Quando ela tomou coragem para entrar, seu corpo congelou quando viu aquela figura.

     Era ele, o loiro que ela tanto esperou notícias, sentado lá. Gerald parecia bem, não tinha mudado nada, Emma sentiu alguma coisa em seu coração, como se fosse um pesar. Não havia muitas pessoas na sala, só um casal de ruivos, provavelmente os pais de Charlotte, e, as irmãs Collins estavam lá, também! Emma percebeu que Mary parecia estar muito irritada, não queria nem saber do que estavam conversando na mesa. 

     A morena continuou parada, não conseguia entrar. O homem ruivo se levantou e ergueu a sua taça de champagne no ar, dizendo em voz alta:

     – Por favor, peguem suas bebidas, precisamos fazer um brinde! – ele parecia estar alcoolizado.

     – Papai, pare, por favor – implorou Charlotte, sorrindo sem graça. Ela estava linda, como sempre.

     – Um dia especial como esse precisa ser comemorado! Não é todo dia que minha mais amada filha é pedida em casamento!

     Emma se virou para Fitzwilliam, desconfiada, pensando que era ele que deveria ser o homem sortudo. Afinal, ele e Charlotte sempre andavam juntos e até combinavam. Se perguntou porque dele não estar sentado lá reunido com os outros:

     – Um brinde aos nossos noivos: Charlotte Fairfax e Gerald Knightley! 

     E, todos encostaram as taças de vidro, ao som de: Viva!

— Fim da Parte Um –


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Desejo e Reparação" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.