Desejo e Reparação escrita por natkimberly


Capítulo 11
O Baile de Windsor


Notas iniciais do capítulo

Oi gente. Aviso: esse capítulo tem uma situação de assédio sexual, se for sensível é melhor pular!



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Descendo os longos degraus brancos da residência de Windsor, Jane se encontrava em estado de aflição enquanto ficava cada vez mais próxima das vastas portas fechadas onde o criado a guiava para entrar, dizendo que uma surpresa a aguardava lá. Ele as abriu para ela passar. Dentro da sala de jantar, na ponta da enorme mesa marrom, se via William em pé, parecendo estar mais branco do que o comum, ele puxou a cadeira para a Srta. Dashwood se sentar.

Jane acabou dando um longo suspiro de decepção, sabia que era improvável que Mr. Russell viesse para Londres, mas não custa nada sonhar que o oficial daria um jeito de burlar seus compromissos para vir lhe fazer companhia. Mas, talvez, Jane não fosse importante o suficiente para ele querer isso. 

Colocando seus pensamentos em ordem, a loira virou os olhos verdes pela sala onde havia tido suas refeições durantes essas adoráveis semanas e se perguntou sobre o que Sir Collins queria discutir com ela. Quando olhou adiante, notou que à sua frente haviam pratos de diversas guloseimas coloridas, algumas que ela nunca tinha visto ou ouvido falar na vida. 

“É claro, Anne disse que eu gostava de devorar doces quando estou de mau humor. E ele, realmente, lembrou disso”, pensou. Como Jane iria dizer a ele que não precisava de tudo isso? Não se sentia bem em aceitar esse presente, mas toda aquela comida parecia tão deliciosa… e, se ela recusasse, provavelmente, seria jogada fora. A loira se ajeitou na cadeira e segurou seu garfo. “Meu pai sempre me disse que não se recusa presentes”.

— Você se lembrou mesmo do que a minha irmã disse, não é mesmo? - ela disse, estava se perguntando o que seriam esses cubinhos avermelhados que estava colocando em seu prato. - Qual o nome disso, Sir Collins?

— É chamado de manjar turco. Uma delícia. - Jane percebeu que ele estava com a voz afônica. Colocou o doce na boca e sentiu um fresco gosto de laranja, era realmente muito bom: - Está aprovado?

— Com certeza. Agora, me corrija se eu estiver errada, mas, essas comidas não eram para serem servidas amanhã no baile?

— Eram, mas eu pedi para os cozinheiros fazerem alguns para você - ele disse corando, seus olhos azul escuros pareciam perdidos, como se ele estivesse sentindo que cada palavra que dissesse fosse um erro -, espero que isso a anime, Srta. Dashwood.

Ela o estranhou, colocou um pedacinho de torta de framboesa na boca, e  notou que ele estava chacoalhando as pernas, isso estava a incomodando. Será que ele estava querendo ir embora? Resolveu, então, mudar de assunto, tentando o fazer se sentir mais confortável. 

— Minha irmã, Anne, adora doces também, não quer que eu a chame? Vocês se dão tão bem.

— Não!

Ele respondeu tão rispidamente que Jane quase derrubou a garfada de torta que estava prestes a morder. Aquelas comidas estavam divinas, mas a estranheza do William não deixava Jane aproveitar por completo a experiência.

— Sir Collins, está acontecendo alguma coisa? Você está… pálido.

William já era extremamente branco, mas, agora, parecia que estava prestes a desmaiar a qualquer momento. Seus lábios finos estavam da cor da cobertura de glacê dos bolinhos e suas mãos geladas como se tivesse saído para dar uma cavalgada no forte inverno londrino sem usar luvas. Ele estava com a respiração pesada, Jane pensava que estava passando mal, de verdade. 

— Q-Quer uma água? Ou que eu abra a janela, para o vento entrar? 

— Eu… eu...

Jane segurou sua mão e o perguntou se estava com dificuldade de respirar. Tentou dar um copo para ele beber, mas ele recusou. Quando ela disse que ia chamar alguém para o ajudar, ele segurou seu antebraço com firmeza. Sir Collins levantou da mesa com veemência e passou a dar passos na frente da moça, que estava se sentindo completamente deslocada, pois agora ele foi de fraco à… furioso?

— Sir Collins, você pode explicar o que está acontecendo?! Não estou gostando do seu comportamento, uma hora está parecendo que vai desmaiar, e agora está dando voltas pela sala, completamente vivaz. - Quando William virou os olhos para Jane, ela não sabia explicar, mas sentiu uma espécie de calafrio correr pelo corpo. Nunca havia sido olhada assim, com tanta intensidade. Temia pelas palavras que iriam sair da boca dele.

— Assim... que a vi em Meryton, cogitei que a senhorita seria um dos seres mais doces que meus olhos afortunados encontraram naquele vilarejo - Sir Collins disse -, senti uma espécie de sentimento de ...paz, enquanto a via murmurar coisas nos ouvidos de sua irmã. 

A moça endireitou a postura, suas sobrancelhas arquearam, não acreditava no que estava ouvindo. Aquilo não podia ser verdade. Mas, pelo tom de William, ele estava em seu maior estado de sanidade.

— Quando troquei meus primeiros cumprimentos a você, aquilo parecia… certo? Pensei que não deveria me envolver, pois o planejado seria passar pela sua cidade o mais rápido o possível, já que o destino da minha viagem era Rosings, junto com os meus queridos amigos. Até que pensei, que deveria pelo menos dançar com a senhorita, apenas uma vez, fui muito encorajado pelo Sir Dashwood, seu pai. E, bem… eu a achei adorável, você parecia apreensiva no dia, acho que estava tímida, talvez. Passei enorme parte daquela noite conversando com o seu pai, ele é um grande homem, me disse tantas coisas sobre você, ele me disse que você - Sir Collins deu uma pausa para dar um sorrisinho de lado -, disse que você tinha se interessado em mim. Na hora, achei que estivesse mentindo, e eu o contei que a senhorita nem tinha me dado tanta atenção durante a dança, mas ele me afirmou que aquilo havia sido apenas charme seu, confesso que suas palavras me deram esperanças. Bem, ele convenceu a ficar pelo menos uma semana em Meryton, para que pudesse conhecer o lugar, os Dashwoods e você, é claro.

Jane sentia uma espécie de enjoo na sua barriga, perdeu completamente o apetite, e, agora, era ela que estava com os chacoalhões nas pernas. Só queria que aquele momento acabasse.

— Bom, a senhorita já sabe que me hospedei em Mansfield Park, nós nos vimos por bastante tempo naquelas semanas, mas nunca senti que você me dava o prazer de sua completa atenção, pois sempre estava acompanhada por alguém, seja Emma, Anne ou aquele homem de uniforme escarlate, não me recordo seu nome agora. A questão é que: fomos ficando mais próximos com o passar do tempo. Isso me fez ter diversas incertezas, porém o seu pai sempre me guiava em relação a você, e isso me encorajou, ele sempre me disse que era recíproco. Portanto, quando recebi o aviso de que teria que voltar para casa, ele me persuadiu a trazê-la comigo, mas me disse que você não viria sozinha, então, suas irmãs vieram também, e ele me disse que daria um jeito para ocupar seu irmão e aquele seu amigo. Sir Dashwood me contou que agora seria o melhor momento para que eu a revelasse como me sinto, tentei arrumar coragem para abrir meus sentimentos desde que a senhorita entrou nessa sala, mas quando olho para esses seus olhos verdes esmeralda, sinto meu corpo enfraquecer. 

Quem estava enfraquecendo era ela. Jane não sabia o que sentia ouvindo aquilo, não sabia o que falar, nem ao menos o que pensar. Ambos estavam com uma explosão de emoções, mas seriam condenados pelo infortúnio que estava prestes a ocorrer a alguns metros de distância do cômodo em que eles estavam.

Dando passos bruscos no escuro da casa, estava a figura de Amelie Collins. Ela havia levantado de sua cama para procurar o seu predileto casaco de pele de cordeiro porque era uma noite fria e ela não queria ir dormir sem ele a aquecendo. Quando tomou posse de seu precioso, ao subir as escadas notou uma movimentação na sala de jantar. 

A casa estava numa profunda escuridão, mas luzes fortes de velas brilhavam através da brecha das portas. Amelie logo desceu para espreitar o que se passava lá dentro a essa hora da noite. Apoiou as mãos alvas e encostou sua orelha na porta, em uma tentativa (bem sucedida) de ouvir a conversa. Logo, na primeira frase, reconheceu a voz densa de seu irmão mais velho.

— Adiei essa conversa o máximo que pude, mas não dá para esconder mais, acho que está óbvio e que a senhorita compreende o que quero me referir, acho que compartilha dos mesmos sentimentos que eu. O seu pai sempre me afirmou isso, mas foi nessa viagem que fui crer. Penso que o baile pode ser um ótimo jeito de ambos já contarmos aos outros a novidade. - Sir Collins, enfim, bebeu a água toda em um só gole. Respirou fundo e fitou Jane: - Eu a amo, Srta. Dashwood. Casar-me com você seria como um devaneio para mim. 

Nada saia dos lábios de Jane, nem pelos de Amelie. As duas dividiam o sentimento de choque, Jane estava petrificada,  já Amelie queria gritar.

A identidade de Jane só foi preservada, pois a Srta. Collins desde que conheceu as irmãs Dashwood, não se deu o trabalho de prestar atenção em suas diferentes tonalidades de voz, e, estava tão embasbacada que nem tentou adivinhar qual das três era o alvo dessa ardente declaração. A moça saiu dali no momento que escutou a tal amante dizer:

— Sir Collins… eu admiro muito você...

Se Amelie tivesse conseguido segurar seu instinto fofoqueiro e continuasse escutando o diálogo, saberia que o destino dessa frase não foi o mais agradável possível para seu irmão. Mas ela já estava no andar de cima, arrombando a porta do quarto de sua irmã caçula, Mary, para a contar tudo que havia escutado, exagerando o máximo possível dos fatos que aconteceram.

Jane não conseguia formular frases, não esperava escutar tudo aquilo. Sentia um misto de emoções e incertezas. Sua vontade era levantar dali e sair correndo, mas ela não podia. Tinha que dar uma resposta.

Naqueles dez segundos mais longos de sua vida, a loira começou a pensar sobre tudo que havia acontecido até que estivesse nessa atual situação. Era inegável a culpa do seu pai por esse amor ter sido nutrido platonicamente, mas, podia Jane o amar? 

— Sir Collins, eu o admiro muito - ela repetiu lentamente, refletindo sobre cada sílaba que sairia da sua boca. O que estava prestes a dizer poderia mudar o rumo de sua vida: -, mas, eu não sei se toda essa sua paixão é verdadeira… muito menos, recíproca.

 William parecia… perplexo. Jane percebeu que suas palavras causaram o mesmo efeito de um balde de água fria jogado em sua cabeça. Logo, a loira continuou sua linha de pensamento, tentando não ser interrompida:

— Escute, eu gosto muito de você, mas, não do jeito que você espera. E, eu acho que nem você mesmo gosta de mim do jeito que suas emoções o fazem acreditar. Sir Collins, não me odeie por isso, mas não posso aceitar sua proposta, sabendo que nós nem ao menos nos conhecemos verdadeiramente. Infelizmente, nunca tive essas estimas por você, pois sempre o vi como um querido amigo. Sinto muito se meu pai o fez acreditar nessas mentiras, ele não deveria ter se metido nisso.

Pela cara que Sir Collins estava fazendo, Jane começou a sentir vontade de chorar. Suas palavras o machucavam como flechas atiradas em seu peito, mas, não podia mentir para ele, nem para si mesma. Ele sempre foi muito carinhoso e fazia o que poderia por ela, mas ela não se casaria com ele pelo status de Lady de Windsor, que era o que seu pai tanto almejava..

 Ela tentou explicar isso, percebendo que ele não a respondia, resolveu concluir:

— Bom, é isso. Não vou enganar você, espero que entenda que estou sendo completamente sincera. Não o amo, pelo menos, não agora. Não sei se algum dia isso pode mudar, já que nunca se sabe o dia de amanhã. Mas, saiba que eu o adoro, então, por favor, não ache que eu o iludi de propósito, pois se eu pudesse, não teria deixado meu pai introduzir aquelas ideias na sua cabeça, você não mereceu isso.

 Jane se levantou e caminhou em direção à saída, se virou uma última vez para o ver. Ele estava parado olhando fixamente para o fogo vindo da lareira.

— Boa noite, William - despediu-se Jane, dizendo pela primeira vez o primeiro nome dele.

 Chegando no quarto, a garota estava sentindo que tinha um enorme tornado girando e destruindo tudo  dentro de si. Deitou na cama e caiu no choro, mantendo silêncio para não acordar Emma. Queria tanto que esse encontro não tivesse acontecido, que seu pai não tivesse entupido ele de mentiras e… queria que ela mesma pudesse sentir amor por ele, pois ele era uma pessoa tão boa e sua união a traria tanto conforto, que Jane ficou se martelando a noite inteira por não poder mandar no seu próprio coração. A escolha que ela teve que optar em questão de segundo pode mudar o rumo de sua vida e da sua família.

 Jane não conseguiu parar de pensar em como seu pai vai ficar furioso quando descobrir que sua filha mais velha recusou a oferta de se casar com o Duque de Windsor, pois se ela tivesse aceito, teria resolvido todos os problemas financeiros que Sir Dashwood estava lutando para se livrar. Ela, agora, achava que havia sido extremamente egoísta, e, que deveria ter pensado em seus parentes, mas sabia que mesmo que Sir Collins a tivesse dado um prazo de um mês para tomar sua decisão, no momento da resposta final ela não mudaria uma simples palavra do que disse a ele há cinco minutos atrás.

 “Por que me sinto extremamente culpada por seguir meus sentimentos?”, indagou Jane a si mesma. Conseguiu magoar o seu pai e o amigo que tanto apreciava, em uma só noite! Queria sumir dali, ir embora do país.

Não estava aguentando ter que chorar silenciosamente, pois seu nariz já estava fungando e ela havia chegado no estado dos soluços altos. Teve que sair do quarto para não perturbar o sono de sua irmã, pois pretendia contar isso no dia seguinte, quando já estivesse conseguindo conter seu moinho de emoções. 

Depois de ter certeza que a sala de jantar estava vazia e que todo o primeiro andar de Windsor estava desocupado, Jane foi para o vestíbulo ficar andando em voltas, decidindo se iria sair para o jardim gelado ou ficar dentro de Windsor no quentinho. Tristemente, tinha esquecido seu agasalho em seu quarto. Resolveu sentar no assento mais perto da janela. Agora podia deixar as lágrimas escorrerem sem medo de incomodar ninguém, pelo menos, era o que achava. 

Deu um grito quando viu um vulto se aproximar atrás dela, uma mão masculina tentou encostar em seu ombro. Jane tinha muita facilidade em tomar sustos, e, geralmente, dava berros extremamente agudos, quando isso acontecia. Sentiu que poderia ter acordado a casa inteira, o que a fez ficar tão nervosa que esqueceu do que estava sofrendo, por poucos segundos. Ela se virou para ver quem era o infeliz que tinha provocado isso, mas era difícil distinguir com a ausência de luz.

— Srta. Dashwood, está bem? - a voz perguntou, parecia assustado com o escândalo que acabara de presenciar. 

— Era Gerald Knightley.

— Você está maluco? Quer me matar de susto? O que estava pensando? - Jane disse ainda com a voz fanha e soluçando. Percebeu que ele não estava usando pijama, estava segurando um pacote vermelho em uma mão e com três manjar turcos noutra. - Onde conseguiu isso? Por que está vestido assim?

— Eu estava resolvendo algumas coisas no centro, jogando um pouco com uns amigos, acabei perdendo a hora, então, entrei pela porta dos fundos. Sempre gosto de dar uma passada pela cozinha para ver se tem algo de novo, como amanhã tem o tal baile, lá está um paraíso. Quer? - ele ofereceu a ela aquele maldito cubinho vermelho.

Jane lembrou que ele já havia convidado sua irmã a se encontrar com ele na cozinha escondido. “Ladrãozinho”, pensou ela. 

— Não, obrigada, estou sem fome.

— Agora é minha vez, o que você está fazendo aqui sozinha nessa hora com esse par de olhos inchados? Coração partido? Não se preocupe, ele vai voltar para você.

— Não foi meu coração que foi partido. Eu que parti o dele. 

— Uau, não esperava por isso. Geralmente, quem é ferido, fica do jeito que você está. Agora, estou curioso.

Ele iria acabar descobrindo o que aconteceu por Emma, então, Jane resolveu adiantar o processo, ela o contou tudo que aconteceu naquela noite. Gerald ficou estupefato.

— Você recusou o Collins? Caramba, se soubesse quantas ninfetas interesseiras sonham em ter essa chance que você teve, teria aceitado o pedido por pena do sofrimento delas. Mas, ainda não entendo o porquê da senhorita estar chorando desse jeito.

— Por quê? Porque eu magoei Sir Collins, ele sempre me mostrou ser uma pessoa incrível e eu queria muito poder gostar dele do jeito que ele gosta de mim, mas, sabe quando você conhece uma pessoa que aparenta ser certa para você? Ela não quer joguinhos, está disposta a fazer tudo por você apenas para lhe arrancar um sorriso, porém algo dentro de você não deixa o sentimento ser correspondido. É como se minha razão dissesse que ele é o ideal, mas a minha emoção não me faz sentir as borboletas no estômago. Me sinto tão culpada, e não preciso nem comentar das pedras que meu pai vai arremessar em mim quando souber disso. Não quero voltar à Meryton, serei odiada eternamente pela minha família, e, acho que dessa vez, nem Emma irá me defender.

As lágrimas voltaram com tudo, estava agora molhando seu pijama bege. Gerald sentiu cada palavra que ela falou, tomou sua dor como se fosse dele e conseguiu compreender o sentimento de angústia que ela estava passando. Sentou-se ao seu lado, e tentou enxugar seu rosto com um lenço, em seguida, disse firmemente:

— Então, está chateada por ter seguido o seu coração? Por ter recusado viver o resto da sua vida numa profunda infelicidade? Você sabe que seria infeliz, eu sei que sabe. Srta. Dashwood, você não é egoísta ou insensível. Você é extremamente corajosa em pensar por você, e não por William ou pelo seu pai. - Ele disse se levantando. Jane não sabia explicar, mas sentia extrema empatia vindo dele, como se ele a entendesse, mesmo sabendo que ele nunca tinha estado em seu lugar, ele estava falando de coração. - Eu não teria a bravura que você teve, a senhorita está se martelando agora por isso, mas saiba que no futuro vai olhar para esse dia e agradecer por sua decisão. Até porque isso aqui - ele disse tocando na parede - pode lhe trazer conforto momentâneo, mas você nunca se sentiria realmente em casa, pois sabe que Windsor não é seu lar. 

— Obrigada, Mr. Knightley.

Ele começou a caminhar em direção a escada, virou-se para a dizer:

— Prometa que não irá esquecer de meu discurso, Srta. Dashwood. Eu posso ser extremamente bonito, mas também sou um pouco sábio, às vezes - Jane sorriu, enxugando seu nariz que estava entupido. - Tenha uma boa noite. Ah, e pode me chamar de Gerald.

— Boa noite, Gerald.

Ela disse observando o loiro desaparecer na escuridão.


 

Na manhã seguinte, Jane acordou com a voz rouca de Emma a perguntando quem queria ver ela na noite passada. A loira suspirou e disse que foi William, ele tinha feito uma surpresa de doces para ela. Estava pensando como contaria tudo para irmã sem que ela surtasse, mas foi interrompida pela mesma:

— O que é isso? - indagou Emma. Do lado da porta do quarto estava uma caixa vermelha.

Era o pacote que Jane viu Gerald segurar na noite anterior. Emma correu para conferir, era leve e tinha uma cartinha.

Acredito que combinava muito mais com você do que com Mary. Vista-o hoje à noite, mas cuidado para não fazer todos se apaixonarem! Portanto, use com moderação.

                                                                                                                   G. K.

Era o vestido lilás que Emma viu Mary vestindo semana passada. Ele era lindo, delicado. A morena estava nas nuvens, correu para prová-lo com medo de ficar folgado, por ela ser muito magrinha. 

A parte da cintura precisava ser um pouco mais apertada, então, ela correu para pegar seu equipamento de costura. Jane viu que sua irmã estava tão empolgada que pensou que não seria bom estragar sua felicidade com seus problemas, mais tarde ela lhe contaria.

Aparentemente, o dia passou lentamente. Sir Collins não foi visto nem no café da manhã e nem no almoço, Gerald contou que era porque ele resolveu ficar no Parlamento, para ver se tinha algo para ser feito. Mas, Jane sabia que era porque ele não queria ver ela. 

Durante o café, a loira notou que as irmãs Collins não estavam azucrinando Gerald com suas futilidades, elas pareciam estar fofocando e olhando para Jane e suas irmãs. A loira estranhou isso, mas resolveu ignorar, como sempre. 

Emma, após terminar de ajeitar seu novo vestido, desceu para se juntar ao grupo. Sentou-se ao lado de Gerald e deu um sorriso para ele. 

— Eu sou incrível, não? Pode falar, querida.

— Calado - ela respondeu, enquanto preparava seu prato. - Sabe que a Srta. Collins vai ficar chateada com você, não é?

Gerald assentiu sorrindo alegremente, os dois passaram o dia juntos, o que fez Jane perder chances de falar em particular com sua irmã. Eles só se separaram quando o sol começou a se pôr, e Emma tinha que se preparar para a longa noite.

O pior dos problemas para Jane seria ter que vestir um vestido já usado antes, na sua cabeça ela só conseguia pensar em como William estava. Precisava conversar com ele, mesmo se ele a ignorasse, ela precisava tentar. 

O anfitrião já estava em casa, Sir Collins chegou cinco minutos antes de seus convidados aparecerem. Ele cumprimentou todos os que chegavam, seus amigos mais próximos notaram que seus olhos pareciam cansados.

Se passaram vinte minutos, William estava degustando seu whisky junto com alguns companheiros que não via há meses, estava escutando a história de como um deles passou o inverno nas Américas, até que foi interrompido por suas irmãs. Elas estavam acompanhadas de alguns casais:

— Aqui está ele, Senhores. O apaixonado! - exclamou Mary, saltando ao dizer essa última palavra. 

— Amelie e Mary, o que estão fazendo? - ele perguntou em tom de seriedade, colocando seu copo na mesa.

— Viemos contar essa novidade para todos, é claro. - Respondeu Amelie, como se fosse óbvio. - Não é mais segredo para ninguém que você ama a Srta. Dashwood, todos sabem. 

William sentiu um soco no estômago quando ouviu essas palavras saindo da boca de sua irmã. “Como elas descobriram?”, pensou.

— Ela contou isso… para vocês? 

— Supostamente. Irmãozinho, nós podemos não gostar muito daquela família, eu mesmo achei que você e Charlotte iriam terminar ficando juntos, mas, de todo jeito, apoiamos você com aquela mocinha, mesmo assim. 

— Então, quando vai ser o casamento? - perguntou um homem que chegou junto com as Collins, em tom animado. 

— Estamos ansiosos para conhecê-la, Sir Collins. Viva à futura Lady Collins! - disse outra senhora baixa e gorda.

— Acho que já está na hora de deixar ele em paz, não acham, meninas? - perguntou Gerald segurando os braços das duas e tentando levá-las para o mais distante que podia dali.

Gerald as puxou para atrás das escadas, onde ninguém poderia escutá-los. Gerald já era acostumado a contar mentiras, então, não seria difícil se fazer de desentendido agora:

— Vocês duas passaram dos limites. Me escutem bem, o que fizeram hoje pode prejudicar seu irmão para sempre, tem ideia disso?

— Deixa de drama, foi só uma brincadeirinha. Amanhã Collins nem se lembrará disso.

— Ele vai se lembrar, pois os jornais vão a loucura com essa fofoca de vocês. Já consigo ver as manchetes, “O Duque de Windsor está apaixonado por uma das filhas de Sir Dashwood”, vocês têm noção disso? De onde tiraram que ele está apaixonado?

As duas ponderaram, mas resolveram contar a verdade ao seu amigo.

— Amelie ouviu William se declarando, porém ela é estúpida e foi embora na hora que a Srta. Dashwood começou a falar. Se você não tivesse ido embora nós saberíamos qual das três era!

— Não dava para saber quem era, as três têm a mesma voz! - Gerald negou isso, nos seus  pensamentos. -  Sem falar que ela falava muito baixo, só deu para escutar ela dizendo que o admirava, logo, ela o ama também. Não entendo o motivo da revolta, Gerald, eles já vão se assumir, eu e Mary, apenas, queríamos descobrir quem era a garota mais cedo.

— Então, vocês foram falar com ele para ver se ele admitia e as contava tudo? Na frente daquela multidão de pessoas que vocês trouxeram? Às vezes, acho que conheço o seu irmão mais que vocês mesmas, que são sua família. - Gerald concluiu: - Bom, vocês já estragaram a noite dele, apenas parem de alimentar esse boato ridículo que vocês começaram. 

Gerald disse se afastando. Pensando que era impossível parar o rumor à essa altura, mas tentou se manter positivo.

Enquanto isso, Sir Collins se sentia perdido, Jane andou contando para todos sobre os sentimentos dele? William tentou ser o mais carismático com as pessoas que o vinham parabenizar por estar enamorado, era como se todos dali já soubessem da mentira. O novo jogo da noite foi adivinhar qual das três Dashwoods ele iria propor. Isso o estava fazendo se sentir sufocado, pois só vinham falar com ele para tentar descobrir, e não adiantava negar, pois o seu “não” era entendido como um “sim”, todos achavam que ele estava apenas brincando ou fazendo um suspense. 

William não sentiu raiva de Jane por ela ter o recusado, mas agora estava sentindo por ela ter sido tão insensível a ponto de o fazer passar por esse vexame. Rezava para esse boato durar apenas essa noite, mas a notícia de um suspeito noivado da parte da nobreza era sempre bem vinda aos tabloides. Nunca se sentiu tão culpado por ser primo de quarto grau do rei Jorge IV. Precisava pensar um jeito de se livrar do inferno que estavam a surgir, precisava ir à um lugar calmo para escrever para seus conselheiros, pedindo ajuda para lidar com essa situação, pois a cada minuto que se passava mais pessoas acreditavam na falsa verdade. Se sentia um devastado por dentro, porque uma parte sua queria que toda essa fofoca fosse verdadeira, talvez isso fosse o efeito do whisky o fazendo ficar emocionado. Ele parou de andar subitamente, quando ouvir a voz que tanto o fizera se corroer por dentro na noite anterior:

— William! Ah, você está aqui - era a voz suave de Jane vindo pelo corredor. - Estive te procurando. Precisamos conversar urgentemente. Não queria ter que o incomodar, mas queria deixar as coisas claras entre nós dois. 

— Se divertiu? - ele perguntou furioso. Sem virar o rosto para a olhar. 

Jane recuou e o encarou com estranheza. “Será que ele está bêbado?”, pensou.

— O que disse? 

— Se divertiu contando para os outros tudo que eu sentia e confiei em você para dizer? Eu sou uma piada para você, Jane? Tem noção do inferno que vai virar minha vida por conta da sua língua solta?! Claro que não tem, pois você só sabe pensar em si mesma, não é? Parabéns, você conseguiu me fazer ficar mais mal do que já estava ontem, pois agora todos sabem o quão burro eu fui de me declarar para alguém tão fria como você! Espero que a senhorita se divirta muito essa noite, eu a planejei apenas para lhe agradar.

— Mas, William, eu não sei do que você está falando. William, volte aqui! Me explique essa história!

— Não me chame pelo meu nome. 

Ele disse saindo de vista, se misturando com a multidão de pessoas. A garota não tinha entendido nada do que se passou. Só tinha certeza de uma coisa: William a odiava, e, isso partiu seu coração em pedaços. 

Emma caminhou lindamente usando seu vestido lilás, quando chegou no salão percebeu como todos eram refinados e pareciam ter saído de pinturas renascentistas. As músicas que tocavam eram muito mais calmas do que as dos bailes de Meryton, a comida era divina. Gerald avistou ela e foi em sua direção.

— Como todos são… comportados aqui. Em Meryton, as pessoas são mais animadas - disse Emma. 

— Você acaba se acostumando. E aí, preparada para prestigiar meu talento para dança?

— Já vai começar a música? Preciso achar Jane, sinto que ela está esquisita comigo hoje, não trocou uma palavra comigo direito e parece estar no mundo da Lua. 

Ao terminar de falar isso, percebeu que alguns olhares a fitavam. No começo, pensou que era por causa de seu vestido ou porque estava bonita, mas começou a ouvir alguns cochichos:

“ Será que é ela?” “Eles até combinam” “Ainda acho que é a de vestido verde” “Inacreditável que futuramente haverá uma Lady de Windsor”.

— Gerald, o que está acontecendo? Por que eu sinto que estou sendo alvo de alguma coisa não muito boa?

— Jane não te contou? - Gerald soltou essas palavras, em seguida se arrependeu amargamente, continuou: - Emma, não cabe a mim lhe dizer o que está acontecendo, mas saiba que isso foi obra das irmãs de Collins.

— Como assim? Eu quero saber, me conte. Você sabe que eu odeio ficar curiosa.

Gerald ponderou, mas negou. A única que poderia lhe contar sobre isso era Jane. Emma ficou com raiva dele, mas resolveu que seria melhor procurar sua irmã, até que notou que as pessoas começaram a caminhar em direção ao centro do salão. A primeira dança iria começar. Ela percebeu que Gerald a olhava com um olhar de um cachorrinho implorando para ser alimentado.

Emma bebeu sua taça de vinha branco o mais rápido que pode, e segurou a mão de Gerald:

— Vamos logo. Mas, depois dessa, eu vou procurar Jane, ouviu? 

— Com certeza, capitã - disse Gerald dando seu último gole de whisky puro e caminhando junto com ela.

Emma deu um sorriso para ele.

— Por favor, se controle para não pisar no meu pé e nem no meu vestido novo. Se pisar, mato você - falou, quando eles começaram a lenta valsa.

— Vou ter que me controlar para não fazer outras coisas com você linda desse jeito - disse ele sussurrando em seu ouvido, Emma deu um beliscão em seu pescoço.

— Não fale essas coisas, eles podem te ouvir, seu louco. - Ela disse baixo.

— Mas, não foi você que, no teatro, disse para mim “que se danem eles”? - ele perguntou fazendo uma imitação muito falha da voz de Emma. -  Enquanto, eu inocentemente estava apenas querendo assistir Hamlet, mas você queria ficar me beijando na frente de todos, que ousada!

— Você… inocente? Até parece. Agora, fale baixo, não quero que essas pessoas pensem besteira de mim - disse Emma se virando para olhar como os outros estavam dançando. Quando se virou para olhar o seu par, Gerald rapidamente a beijou. - Gerald! 

— Está vendo? Eu estou aqui tentando dançar, e você está se jogando pra cima de mim, se comporte, Emma!

“Aí, Gerald, como você é insuportável!”, pensou Emma. Por um lado sentia que precisava se soltar mais e perder o medo de ser julgada. Mas, as pessoas nesse lugar pareciam tão sérias e importantes, que Emma se reprimia. Ela segurou a mão dele mais forte e apoiou seu rosto em seu ombro, sentindo que devia aproveitar cada minuto com ele esta noite.

Durante essa conversa, Jane estava rodopiando pela mansão tomando goles de vinho rosé, tentando avistar Sir Collins. Chegando na sala de repouso, vi a sua irmã mais nova, Anne, sentada sozinha lendo um livro. “Típico”.

— Anne, você viu William?

— William?

— Sir Collins!

— Ah, não o vi desde que desci para cá. Acredita que prefiro esse baile do que os de Meryton? São menos barulhentos, posso apreciar minha leitura em paz sem ser incomodada por homens gritando bêbados de Chopp. - Anne começou a tagarelar, mas parou quando percebeu a linguagem corporal de Jane, que mostrava que ela estava apreensiva: - Está tudo bem, Jane? Quer sentar aqui?

Jane se sentou ao seu lado no banco e percebeu que das poucas pessoas que estavam na sala, algumas mulheres olhavam para as duas e cochichavam.

— Eu não aguento mais, Anne - disse Jane, sentindo que as lágrimas iriam voltar com tudo, tentava segurar ao máximo, mas não aguentava todo esse julgamento e especulação. 

Anne colocou imediatamente seu livro de lado e tirou a taça da mão de Jane.

— Vem cá, me de a mãozinha. Quanta dessa você já tomou? - Jane respondeu “três”, Anne segurou sua mão e a perguntou: - O que aconteceu, Jane?

Ela colocou a cabeça no ombro de Anne e disse tudo. 

— Agora, eu não sei o que fazer, alguém espalhou isso e ele está furioso comigo. O que eu faço, Anne? Quem faria isso? A única pessoa que eu contei foi o… Gerald. 

— Não acho que ele teria espalhado isso, pois ele sabia que era a você que o Sir Collins tinha proposto e esses boatos vieram de alguém que só sabia a quem Sir Collins estava falando, porque, provavelmente, quando ele se declarou a você, a chamou de “Srta. Dashwood”, estou certa? - Jane concordou. - Tem certeza que vocês estavam sozinhos ontem à noite? Absoluta?

Jane assentiu.

— Bom, então, alguém espionou vocês. E, só há uma ou duas pessoas que eu sei que estariam aqui em Windsor aquela hora da noite, e, que são, digamos… de uma índole não muito confiável.

A loira estava um pouco lenta por causa do álcool, depois de alguns segundos percebeu de quem se tratava.

— Aquelas duas pestes! Argh! Vou ir agora me resolver com elas, vou fazê-las se confessarem ao William, meu Deus, óbvio que foram elas. Você é uma gênia, Anne!

— Obrigada, irmã, mas sinto em dizer que você não pode fazer isso. 

— Por que não? Elas têm que pagar pelo mal que fizeram.

— Porque você vai estar fazendo o que elas querem - Jane fez uma cara de dúvida. - Escute, se você for lá brigar por elas terem espalhado a conversa, elas vão saber que era você com quem ele estava conversando. E aí, as Collins vão contar para todos que você é a Dashwood que ele está apaixonado, o que só vai piorar tudo, aí que Sir Collins a odiaria ainda mais. Acredite em mim, Jane, é melhor deixar do jeito que está, as pessoas logo perceberão que é um boato, e fofocas são esquecidas com o tempo. O que você tem que fazer agora é procurar William e lhe contar que foram elas, e não você.

Anne percebeu que ela não estava boa fisicamente para dar mais voltas pela enorme casa, percebeu que Jane não tinha se alimentado bem o dia todo. A caçula pediu para Jane ficar sentada ali, enquanto ela iria pegar alguma comida e chá para ela. Jane estava se sentindo um pouco tonta por conta do vinho.

 Quando a irmã sumiu de vista, Jane viu um garçom servindo bebida para os outros e pediu para que enchesse sua taça, pois precisava de um impulso para levantar e de coragem para dizer para Sir Collins toda a verdade. Estava com medo dele não acreditasse nela, mas precisava tentar fazer que ele a escutasse dessa vez. 

 Após dar duas voltas pelo primeiro andar, Jane pensou que ele tinha ido embora. Estava sentindo dificuldade para respirar, precisava de ar puro. Todos aqueles cômodos cheios a incomodavam, não teriam nenhum lugar sossegado naquela residência. 

 Andou até a varanda, observou a vista escura dos campos de Windsor, se olhasse ainda mais para o horizonte conseguia ver algumas luzes de postes das ruas de Londres. Jane poderia ficar horas apreciando aquela paisagem. Mas, sentia vontade de se mover, se não acabaria dormindo. Quando ela bebia, se ficasse parada por muito tempo acabaria dormindo.

 Jane começou a sentir suas pálpebras pesarem, mas não queria voltar para lá dentro  e se sentir sufocada. Já era óbvio que Sir Collins havia ido embora. Por culpa de Amelie e Mary, o seu baile se tornou seu próprio pesadelo, Jane nunca as perdoaria por isso.

Depois de algum tempo, a loira começou a sentir uma espécie de cheiro de charuto, mas não podia ter certeza, pois seu olfato não estava no seu melhor estado. Ela se virou para o lado e viu que um homem alto estava perto da porta a olhando. Jane voltou a fitar o campo, sem dar atenção.

— Cansada da festa, mademoiselle? - perguntou. De imediato Jane percebeu o seu sotaque francês. 

— O que está fazendo aqui?

— No terraço? Vim fumar.

— O que está fazendo na Inglaterra, monsieur? - corrigiu. 

— Ah, férias. E a senhorita, mademoiselle, sabe falar francês?

— Nem um pouco. Sou difícil de aprender idiomas, posso até entender o que você disser, mas, eu falando não conseguiria me passar por uma francesa.

— Mas, eu achei o seu monsieur igual ao das mademoiselles que conheço no meu querido país.

“Não minta”, pensou Jane. O homem se juntou ao lado dela. Ele tinha cabelos loiros escuros e olhos pretos, tinha um bigode e usava roupas pretas, diferente da maioria dos presentes do baile, que vestiam trajes brancos. Parecia não ter mais que trinta e cinco anos. Ele fumava um charuto e tomava alguns goles Whisky com gelo e limão.

— A senhorita parece estar cansada, se tomasse um gole do meu copo acordaria na hora e começaria a aproveitar a festa.

— Você sai oferecendo sua bebida à pessoas que não conhece, monsieur? Isso é um costume da França? - indagou Jane. Ele deu um riso nervoso.

Sempre teve curiosidade em provar a tal bebida masculina, mas óbvio que uma dama não pode tomar algo tão forte. Jane tomou um gole e sentiu um gosto tão forte que teve que fechar seus olhos para conseguir engolir.

— Uau, agora entendi porque dizem para mulheres não tomarem isso.

No começo era extremamente amargo, mas depois sua garganta ficou com um gosto bom um pouco doce e ácido. Bebeu mais um pouco.

— Parece que a mademoiselle gostou. Pode tomar o quanto quiser.

— O senhor é estranho - respondeu Jane, sem pensar. - Sinto muito, não era para eu ter dito isso.

— Não tem problema, pode continuar bebendo, não se preocupe comigo. Aparentemente, a senhorita não está tendo uma noite muito boa, isso é o que posso fazer para animá-la.

Jane se perguntava por que aquele cara estava sendo tão amistoso, porém apreciava que ele não se comportava como aqueles pomposos que estavam dentro do salão.

— Esse é sem brincadeira - ela disse se aproximando dele para sussurrar - o PIOR baile que eu já vi em toda minha vida! Olhe para eles, agem como se fossem importantes e soubessem disso. Na minha cidade não tem isso, todos são muito mais calorosos do que esses londrinos idiotas. Eu nunca aguentaria ficar presa nisso aqui.

Jane percebeu que era isso que Gerald queria dizer quando a avisou na noite anterior que Windsor não poderia ser seu lar, ela não encaixava naquilo. Ela notou que estava desabafando para um completo desconhecido, mas não estava nem ligando. Quando terminou de expelir toda sua fúria de dentro de si, o monsieur a disse:

— E, tem algo que eu posso fazer para ajudar a passar essa dor?

— Você escutou alguma coisa que eu falei? A única coisa que você pode me ajudar é se você me levasse para casa ou me ajudasse a quebrar duas irmãs na porrada ou se me mostrasse onde Sir Collins está! Ai, meu Deus. Estou sendo tão rude, desculpe, monsieur, acho que já deu de whisky para mim.

— Não, pode terminar o copo, mademoiselle. Você disse que queria encontrar monsieur Collins? Que coincidência boa, pois eu sei exatamente onde ele está. Eu a levo lá, agora.

Os olhos dela brilharam, concordou imediatamente. Mas precisava de ajuda para andar endireitada, pois estava sentindo suas pernas bambas e seu rosto estava extremamente vermelho. Segurou o braço daquele homem e deixou ser guiada para qualquer que fosse o tal destino.


 

Emma e Gerald não saíram da pista nem por um minuto, já tinham se passado sete músicas e eles continuavam lá.

— Você me disse que na próxima música eles iam animar mais, onde estão os passos novos, estou cansada de rodopiar, quero pular e bater palmas! 

— Óbvio que já estamos dançando mais animados do que na valsa, não está vendo?

— Acabei de me lembrar que você se recusou a dançar no baile do Mr. Preston, por isso não sabe o que é diversão, de verdade. Ninguém mandou ficar jogando xadrez sozinho e fumando aquele seu cachimbo.

A música parou e junto veio os aplausos à banda. Emma se perguntou o que disse que ia fazer antes de começar a dançar.

— Gerald, está bom, minhas pernas estão começando a falhar.

— Só mais uma, Emma. Essa é a última, eu prometo - implorou.

Quando menos esperavam, Mary surge do outro lado da sala.

— Com licença, Srta. Dashwood, mas é minha vez de dançar com ele. 

— Todo seu. 

Emma estava tão cansada que a aparição da Srta. Collins foi uma benção. Gerald a olhou com revolta, Emma o mandou um beijo e disse baixinho: “Boa sorte”.

— EI! Que vestido é esse? - a voz aguda de Mary quase gerou um chiado nos ouvidos de Emma - É o mesmo da loja, mas você é pobre, como comprou? Ai meu Deus, William comprou ele para você?!

Mary sentiu que ela era a mais provável de ser a garota misteriosa. A morena estava tão sem paciência que se virou para deixar ela falando sozinha, até que foi ofuscada pelo tórax de um oficial de uniforme escarlate. Subindo o rosto ela percebeu que aqueles olhos âmbar e cabelos castanhos claro.

— Noah! 

Ela se jogou em seus braços. O encheu de perguntas, Noah precisou acalmar ela pois daqui a pouco todos do salão escutaram sua empolgação. Ele parecia o mesmo de Meryton, mas Emma sentiu que estava diferente, mais confiante? Sua chegada de surpresa a fez ficar muito empolgada.

— Emma, se acalme! Sim, eu vim, cheguei atrasado mas consegui chegar. Na verdade, estou aqui há alguns minutos. Estou procurando Jane, mas não a acho em lugar nenhum.

“A Jane! Como eu me esqueci dela?!” pensou Emma. Não viu sua irmã desde o começo do baile. Que péssima irmã, Emma era, abandonou sua irmã para ficar dançando um monte de músicas chatas com o garoto que gostava.

Quando ela e o Mr. Russell começaram a procurar por uma loira usando um vestido verde, Emma escutou alguém chamar por seu nome de longe. Era Anne.

A caçula chegou correndo, e, logo, os contou tudo que havia presenciado com Jane, contou que ela estava bêbada e que sumiu quando Anne a deixou para levar comida para ela. Enquanto os três caminhavam por Windsor buscando por ela, Anne revelou tudo que aconteceu com Jane essa noite e na noite anterior.

— Sir Collins o quê?! Não pode ser verdade, como é possível? Ela não me contou nada disso! E essa Amelie e Mary, eu mesma bato nelas duas e não me importo se elas disserem que eu sou a namorada do William, elas vão ver só o que eu vou fazer com elas!

Emma estava furiosa, já Noah estava parecendo ainda processar as coisas que Anne o disse.

— Então, quer dizer que Jane recusou se casar com Sir Collins? - perguntou.

— Sim, Noah! Óbvio que sim, isso tudo foi culpa do nosso pai. Ele é outro que eu vou ter uma conversinha quando pisar em Meryton. Argh! Que raiva! Como eu fiquei esse tempo todo sem saber disso, Anne, como? Agora, Jane está perdida em algum lugar e nós estamos completamente perdidos nesse lugar enorme.

— E pensar que esse palácio poderia ser a futura casa dela - disse Anne.

— Credo, Anne. Vire essa boca para lá.

— Ah, mas deve ser legal - respondeu Anne, parecendo sonhadora.

— Foco! Para encontramos ela mais rápido vamos ter que nos separar. Eu e Noah vamos procurar neste andar, que é o mais provável dela estar, já você, Anne, é baixinha, despiste os criados que ficam vigiando a escada principal e suba para o segundo andar. Qualquer coisa, diga que seu salto quebrou e  você vai ter que subir para pegar outro.

— Mas eu não estou de salto.

Pela cara que Emma fez, Anne se calou na hora e afirmou que usaria aquela mentira. Enfim, os três se distanciaram.



 

Jane era ligeira em entender quando algo estava errado, mas no momento essa sua característica parecia distante. Ela entrou na biblioteca acompanhada do monsieur que não sabia o nome. Virou-se para ele e perguntou onde William estava.

— No final daquela estante, mademoiselle. Eu a levo.

Ela segurou seu braço para não tropeçar e ele segurou sua mão fortemente para que ela não conseguisse sair. Chegando perto do fundo da biblioteca, Jane embriagada começou a falar:

— William! William, cadê você? Por favor, fale comigo.

Chegando perto das mesas ela notou que não havia ninguém lá. Que surpresa. Era o pior de se esperar. Ela tentou correr, mas o francês a segurou pelo pulso e a puxou.

— Me solta! - gritou.

Ele a empurrou para as estantes e encurralou-a para que não pudesse escapar.

— Eu juro que, se você encostar mais um dedo em mim, eu vou matar você! - disse Jane, mas, infelizmente, o que ela dizia não era levado a sério, pois seu corpo mostrava que não tinha nem forças para se manter em pé. O choro voltou a se fazer presente, pois ela temia pelo pior.

— Ne t'inquiète pas, mademoiselle. 

Não procurou entender o significado daquilo e nem teve tempo. Porque ele segurou suas mãos com tanta força que ela gritou de dor. Em seguida, se jogou contra ela e começou a beijar seu pescoço. Jane continuou a berrar por socorro, enquanto continuava tentando se soltar mas acabava o irritando ainda mais, ele era mais forte que ela. O francês cobriu sua boca com sua mão e a disse em tom de raiva:

— Silence!

Dessa vez, Jane entendeu. Mas continuou a pedir por ajuda mesmo com aquela mão cobrindo sua boca. Sentia o cheiro de charuto em seus dedos. Pensou que ninguém iria perceber por sua ausência, ou iria conseguir escutá-la. E, mesmo se ela conseguisse escapar dali, será que acreditaria em suas palavras contra ele? Será que a defenderiam? Ou botaram a culpa na quantidade de bebida que ela tomou naquela noite?

 Jane começou a chorar ainda mais. Ela só parou de gritar quando percebeu que ele vinha dar um beijo nela, Jane fechou os olhos e cerrou os lábios fortemente, tentou desviar a cabeça de perto dele. Sentiu suas mãos bruscas segurarem sua mandíbula para que ela ficasse parada. Conseguia sentir o cheiro de álcool, tabaco e nicotina vindo dele. Não pensava em desistir. Cogitou cuspir em seu rosto, mas tinha medo dele se irritar ainda mais e bater nela. Acabou que não foi necessário. Jane escutou um barulho extremamente alto em seu ouvido. Por um momento deixou se sentir aquele cheiro e aquelas mãos segurando seu rosto. Quando abriu os olhos, o francês estava no chão. E, em cima dele, o enchendo de socos no rosto, estava o oficial de uniforme escarlate que ela tanto almeja ver a viagem inteira.

Jane caiu no chão, estava fraca. Se sentia completamente enjoada. Não aguentou muito tempo, era muita informação para um dia só. Sua cabeça girava. Jane apagou ali mesmo, mas pelo menos estava segura, agora.

Algumas pessoas podem não ser religiosas, podem não acreditar em Deus e em anjos. Mas, o monsieur jamais iria esquecer que suas salvadoras daquela noite seriam a inglesas, Emma e Anne. Depois de procurar por Jane na parte esquerda de Windsor, a garota voltou a se encontrar com Anne no ponto de encontro onde os três haviam se separado. Emma chegou primeiro e, em seguida, Anne, dois minutos depois. Ambas concordaram em esperar por Mr. Russell.

Esperaram dois… cinco… dez minutos e nada. 

— Essa demora só pode significar que ele a encontrou.

Não foi difícil saber onde estavam, pois só um lugar estava vindo aquele barulho forte e agoniante. Elas correram para a biblioteca.

Chegando lá, Anne avistou de longe a cabeça loura de Jane jogada no chão. As irmãs sentiram que o coração deu um salto. Quando a seguraram, notaram que estava respirando. Emma, por um segundo, tinha pensado que poderia ter perdido sua irmã para sempre. O que não havia notado era que em breve, alguém que estava naquele cômodo poderia ser perdido para sempre. 

Noah estava vermelho da cabeça aos pés, destrinchando toda a sua raiva no homem que se não tivesse impedido, teria machucado quem ele tanto gostava. O rosto do monsieur estava vermelho, mas não de raiva. Seu sangue respingou pelas estantes de livros, junto com o sangue da mão de Noah, que estava ferida de tanto o bater.

Emma, sem pensar duas vezes, se jogou em cima de Noah e tentou o puxar de cima daquele homem que ela nunca virá na sua vida. Não sabia o porquê Noah estava fazendo aquilo e estava completamente assustada. Em desespero, de ele acabar matando o pobre coitado, Emma pegou um livro pesado que viu na prateleira e jogou na cabeça de Noah com força. Ele se virou e pareceu sair do seu estado de transe quando viu ela com aquele rosto assustado e Jane jogada no chão tentando ser acordada por Anne, que era a que estava mais aterrorizada com a cena. A “livrada” teria feito Noah ficar um pouco desamparado.

— O que pensa que está fazendo?! - gritou Emma. - Se virem isso, você pode ser preso! Moço, você está bem?

— Esse infeliz estava… ele estava...

 Elas nem precisaram esperar ele terminar a frase para entender o que aquilo se tratava. A raiva que ele estava tinha se passado para elas. Emma quando viu o desafortunado começar a se levantar, pegou outro livro e jogou nele. Infelizmente, ela errou a mira. 

O monsieur havia fugido. Ele se jogou pela janela aberta que tinha mais perto, caindo em uma distância de dois metros do chão. Emma correu para a janela e avistou o homem de roupa preta se misturando com a escuridão de Londres. Desaparecendo para sempre.


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Notas finais do capítulo

Espero que estejam gostando.



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