Desejo e Reparação escrita por natkimberly


Capítulo 12
Charlotte Fairfax


Notas iniciais do capítulo

oi



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Rostos cansados, corpos exausto e mentes abaladas. Era assim que se encontrava o trio de Emma, Anne e Noah. Os três estavam jogados pelo quarto de Jane, enquanto a mesma ainda estava desacordada na cama, por conta do exagerado teor alcoólico que corria pelo seu sangue. Noah estava deitado ao seu lado, Emma tentando encontrar uma posição confortável para relaxar na poltrona e Anne ajoelhada ao lado de Jane apreensiva para que acordasse. Um caos de sentimentos. Uma noite que seguia um caminho que eles nunca teriam previsto.

— Por que vocês não me escutam? Nós deveríamos estar procurando William, para contar tudo que acabou de acontecer! - exclamou Emma, claramente mais nervosa por causa do sono e da fome, nenhum deles havia comido nada desde que a noite chegou. 

— Devemos esperar Jane acordar, para que ela diga a ele tudo que ocorreu. Só ela pode saber o nome dele e descrever sua aparência melhor do que nós - retrucou Anne, sem aumentar o tom de sua voz. Conseguia permanecer numa calma que Emma invejava.

— Noah também pode descrever a aparência dele, ele quase desfigurou o seu rosto! 

— Se vocês contarem, posso ter chance de ser preso - disse Noah, sem tirar os olhos do teto e ainda com alguns tremores na sua mão machucada. - Não se esqueçam disso.

— Com certeza você seria preso por defender uma donzela de um possível estu… de uma situação de perigo - respondeu Emma.

— Não sabemos com quem estamos lidando, Emma - disse Anne. - Ele pode ser alguém de influência, com muito dinheiro. E, infelizmente, quem tem dinheiro, tem a justiça ao seu lado. Você sabe disso.

Emma bufou, levantou-se da poltrona e passou a dar voltas pelo quarto, impaciente por poder afirmar para a polícia sobre quem eles teriam que procurar nesta madrugada, um homem de terno preto com o rosto ensanguentado.

 Após alguns minutos, sentindo que o tempo naquele quarto não passava, ela resolveu prosseguir com a conversa para ver se o clima se apaziguava. Mudando de assunto, ela se sentou na cama e falou:

— Você ainda não deu sua explicação, de como chegou aqui de surpresa - disse ela ao Mr. Russell. - Pensei que tinha compromissos com meu pai.

— Eu tive, nós caçamos por muitos dias. Sinto muito em dizer isso, mas seu irmão é péssimo com isso, eu e seu pai o vencemos. Mas, no final, seu pai ganhou de mim, ele pegou dez raposas! - Ao notar a expressão de desgosto ao ouvir essa última frase, Noah mudou o rumo da conversa para o que a morena realmente queria saber: - Bem, eu não tinha planos de vir para cá, mas pensei que vocês iriam ficar chateadas comigo se não o fizesse, principalmente Jane.

— Então, veio sozinho? Achei muita coincidência você chegar justo no dia do baile - disse Emma, brincando com as bordas de seu vestido favorito lilás.

— Como assim? Não vim sozinho, Emma, quem me trouxe foi Mr. Knightley, ele foi para Meryton.

— Gerald fez isso? Quando que eu não o vi partindo?

— Não o Gerald, o seu irmão, Fitzwilliam. - Emma ficou de queixo caído, até Anne ficou surpresa com essa revelação. - Fitzwilliam veio até sua casa hoje, estava acompanhado de uma das moças mais belas que já vi, os dois pareciam extremamente feliz, ele muito mais do que quando estava hospedado em Mansfield Park, ele foi muito educado, perguntou se tínhamos interesse em ir com ele para Londres, para o Baile de Windsor. Eu aceitei imediatamente, mesmo com seu pai tentando me convencer a não ir. Enfim, eu arrumei minhas coisas às pressas e vim com eles. Fitzwilliam me disse que eles estavam vindo de uma cidade longe, mas não lembro o nome, e que era por isso que ele e aquela dama estavam com aparência cansada.

— Ele veio de Rosings, com quem ele estava? Sabe o nome dela? - perguntou Emma.

— Era uma mulher, Charlotte, não lembro seu sobrenome, era bem incomum. Ela tem uma beleza exorbitante, aparência encantadora. E seus modos… ela age e fala como se fosse uma alguém da realeza, até cheguei a pensar que ela realmente fosse. Uma pena que não consigo lembrar o seu sobrenome, começa com a letra F.

— Eles estão juntos? Quero dizer, Fitzwilliam e essa Charlotte, pareciam agir como um casal? - A curiosidade de Emma era nítida, ela adora saber das fofocas, ainda mais saber que alguém tão bruto como Mr. Knightley poderia enfim ser amado.

— Não sei dizer, parecem muito próximos, eles foram bem receptivos comigo. Conversamos a viagem toda. Não sei porque odeia tanto Mr. Knightley, Emma, ele foi cortês e perguntou por você algumas vezes.

— Perguntou por mim? - indagou ela, nunca imaginaria ouvir tantas coisas boas sobre Fitzwilliam vindo logo de Noah, um amigo que ela prezava tanto: - Então, vejo que vocês dois já viraram melhores amigos. Você está indo para o caminho do mal, Noah, não esperava que você fosse me trair assim! - ela concluiu com uma voz melodramática, jogando seu corpo na cama e fingindo extrema tristeza, apenas para fazê-lo se sentir culpado.

No fundo ela estava levemente incomodada, se ao menos pudesse alertar Noah do inferno que Fitzwilliam fez na vida de Gerald, talvez seu amigo pensaria melhor em se envolver com esse tipo de pessoa. As palavras de Gerald sempre rodam pela sua cabeça quando alguém se referia a Fitzwilliam perto dela, como alguém como ele consegue dormir tranquilamente a noite sabendo que deixou o seu irmão mais novo em uma situação tão frágil por pura maldade! 

Quando Emma levantou da cama começou a sentir uma tontura, a fome estava cada vez mais presente. Todos compartilhavam da mesma sensação.

— Ninguém poderia deixar Jane sozinha. Como Noah estava com as mãos machucadas e uniforme sujo de sangue, decidiram que ele iria continuar no quarto escondido, enquanto Emma e Anne iriam descer para comer e trazer comida para ele. 

 Descendo os degraus da escada principal de Windsor. Emma e Anne perceberam que era  difícil ter a sua presença notada, pois, aparentemente, estava ocorrendo um evento no salão que todos estavam aglomerando e se esmagando para escutar o que se passava:

— Tem noção do que pode estar ocorrendo lá? - Questionou Emma, espiando pelas pontas dos pés, mas só conseguiu avistar uma cabeça ruiva no centro das risadas e brindes.

Se estava complicado para Emma enxergar, o que dirá para Anne, que tinha trinta centímetros a menos de altura. As duas prosseguiram e chegaram ao destino: o vasto buffet.


 

No quarto, Noah estava com os olhos quase fechados, não tinha como negar que ele estava muito cansado, seus músculos ainda estavam doloridos de passar tanto tempo sentado em uma carruagem para vir para Londres. Prestes a adormecer, o oficial deu pulo com a voz de recém acordada de Jane. 

A loira estava com o corpo ainda confuso, seus olhos tentavam adivinhar onde ela estava, além de uma dor forte tomava conta de sua cabeça. Jane não estava com seus sentidos apurados, sentia seu corpo pesar. Por um segundo, pensou que estivesse em sua casa em Meryton, mas algo no seu consciente a lembrava que tinha algo para resolver, mas que até agora não havia conseguido.

— Jane? Jane, sou eu. Não! Não tente se levantar, continue deitada.

Noah segurou seu braço, Jane se deitou de novo. Ele a ouviu balburdiar a palavra “Collins” baixinho diversas vezes, pensou que estivesse delirando. Sentou-se na cama e colocou sua cabeça em seu colo:

— William? - indagou Jane, de olhos fechados. Ainda alterada e sem medir o que falava. - Onde estava?

— Chegou quase lá - disse Noah, sorrindo. Ela conseguia ser bela até mesmo quando estava bêbada. 

Jane abriu os olhos e nem conseguiu acreditar no que estava presenciando, se estivesse em com uma sanidade melhor estaria aos prantos.

— Eu no fundo sabia que você viria. - Foi o que ela disse, colocando a mão em seu rosto para ter certeza de que não era sua imaginação brincando com seus sentimentos. - Mais real do que nunca.

— Você deu um susto em todos nós, Jane - disse Noah sentindo cheiro de whisky vindo dos lábios dela. - Por favor, nunca mais faça isso.

— Fazer o quê? 

Noah não sabia se sentia alívio por ela ter a chance de esquecer o inferno que passou ou infelicidade por saber que desse jeito seria mais difícil de fazer justiça por aquele infortunado. Quando seus dedos delicados passando pelo rosto não entendia como alguém podia fazer mal a uma pessoa como ela. Mexia delicadamente em seus cabelos louros com medo de os manchar com sua mão ferida. 

— Não se lembra do que passou essa noite? 

— Eu acho que preciso falar com William, mas… não me lembro o porquê agora. 

Jane sentia como se tivesse acabado de acordar de um sonho muito longo e complexo, não lembrava muito bem todos os detalhes desse sonho, mas se recordava de algumas partes soltas, mesmo sem entender o contexto delas. A única coisa que pensava era no encontro com Sir Collins.

— Você o viu essa noite? Sabe se ele está bem?

— Eu não o vi. Mas, enquanto estávamos nós três procurando por você, Anne nos contou que ele estava em seu escritório conversando com alguns homens. Parecia estar resolvendo algo sério.

— E, você acha que ele pode me perdoar?

Ele ficou confuso, em seguida, compreendeu que ela estava se referindo à negação ao pedido de casamento dele. Não sabia o que responder a ela. Mr. Russell e Sir Collins poderiam ter completos opostos de jeito e personalidade, mas, ambos compartilhavam o fiel orgulho masculino, que foram ensinados a conservar desde crianças. Noah não conseguiria imaginar como lidaria se todos soubessem que ele teve seu pedido de matrimônio negado, seria motivo de piadas e teria sua integridade questionada. Levando em conta que Sir Collins possui muito mais nome do que ele, muito mais bens e uma relevância social prestigiada por muitos, era óbvio que se essa notícia chegasse aos ouvidos de quem não deve, ele seria motivo de alto escárnio por longos meses. Era óbvio que não perdoaria Jane com facilidade, mas Noah não podia dizer isso para ela, senão ela poderia acabar chorando.

— Ele vai ficar bem, Jane, às vezes, a gente só precisa de um tempo para aceitar. Não se cobre muito com isso, se ele for um homem de verdade, não será um coração partido que irá derrubá-lo.

— Você se acha um homem de verdade? - perguntou a loira, sem nem saber mais do que estavam falando. Noah riu. 

— Eu? Bom, eu espero que sim.

— Então, você não vai mais me deixar sozinha? - Jane encarava aqueles olhos hazel relembrando de quando ele negou viajar com ela. - Senti que quando você chegou, tudo voltou a ficar certo.


 

Não demoraram mais de vinte minutos no andar de baixo. As duas irmãs já satisfeitas, subiram e andaram até o quarto. Anne carregava duas xícaras de chá com o maior cuidado do mundo, já Emma carregava pães e frutas. O caminho parecia mil vezes mais lento com Anne andando devagar que nem uma tartaruga:

— Vamos, criatura. Com esses seus passos de tartaruga, quando chegarmos as maçãs já vão estar estragadas.

— Me desculpa se eu fico com a tarefa mais difícil! - respondeu Anne, tentando não balançar as xícaras.

O que parecia uma eternidade se passou quando Emma abriu a porta silenciosamente e sentiu seu estômago embrulhar. Pela brecha da porta conseguiu avistar Jane acordada com a cabeça loira no colo de Noah, enquanto ele passava a mão em seus cabelos. Emma não era boba como Anne, reconhecia o brilho que esbanjava nos olhos verdes de Jane, ela mesma já reconhecia o olhar de uma moça enfeitiçada pelos encantos de um cavalheiro de uniforme escarlate. Aquele olhar mostrava a mais pura paixão.

— Não vamos entrar - disse baixinho e com tom sério.

— Não? Por quê? Está brincando comigo? - perguntou Anne, com tom de indignação. Emma pediu para ela fazer silêncio. - Mas, o chá vai esfriar, Emma. 

Emma segurou a cabeça da pequena Anne e colocou o olho esquerdo dela para que ela visse o que se passava lá dentro. As duas passaram a espiar, mas com muita dificuldade, então Emma abriu a porta mais um pouco. Agora, elas conseguem ver com uma visão mais ampla. A cada palavra que Anne dizia, Emma lhe dava um sermão, pois temia que algum dos dois as vissem. Sabia que Jane ficaria furiosa com a irmã, se soubesse.


 

Noah deu um sorriso sem graça, sentiu seu rosto enrubescer. Sabia que se Jane não tivesse bebido tanto, nunca teria dito algo assim nem que a pagassem. Provavelmente, quando o efeito passasse, Jane sentiria um leve arrependimento.

Suas palavras fizeram Noah sentir seu coração bater mais forte, só poderia ter um significado para tudo isso. Seguindo sua emoção, ele aproximou seu lindo rosto bronzeado perto dela, Jane percebeu sua respiração falhar (assim como Emma e Anne), mas ela não se esquivou. 

— Espero que não se aborreça comigo, eu queria muito fazer isso, mas não sinto que seria certo com você. Quando tomar consciência, não vai lembrar dessa nossa conversa, eu espero, mas saiba que eu não vou a beijar agora porque a respeito e não queria que fosse desse jeito. Infelizmente, minha razão está falando mais forte.

 Jane um olhar de decepção que o afligiu, ela pensava que o momento seria aquele. Não teve tempo de se entristecer, pois a forte dor de cabeça voltará como nunca. Jane só queria voltar para casa.

— O que ele disse para ela? - indagou Anne.

— Não deu para escutar nada com você me empurrando, me deixe espreitar.

As duas notaram que Noah tinha dado um beijo na testa de Jane, enquanto ela segurava sua mão, brincando com seus longos dedos. Anne e Emma sentiram seus corações derreterem. 

Ambas estavam dando gritinhos de emoção. A Emma nem acreditava no que estava vendo, eles estavam mais juntos do que nunca, ela podia sentir! Será que algum beijo estava prestes a acontecer? Com certeza, eles teriam filhos lindos para Emma brincar e mimar.

— Não acha que é errado estarmos espionando eles? - perguntou Anne, de repente. Quando Emma abriu a boca para responder foi interrompida por uma voz masculina vindo de trás das garotas:

— Certamente.

As duas se viraram tão rápido que Anne derrubou um pouco do chá morno no chão. Emma como reflexo fechou a porta rapidamente, fazendo Jane e Noah se assustarem. Era notável o homem alto que se encontrava atrás delas. Tinha o clássico cabelo negro, pele extremamente branca e olhos azul escuro dos Collins.

— Sir Collins, isso não é o que está pensando - disse Anne, mesmo sabendo que era sim o que ele pensava. Em seguida, ela abaixou a cabeça e concluiu: - Eu sinto muito, nós todos sentimos muito.

William já havia passado por um bocado nos últimos dias. Certamente, era indelicadeza de Jane ter sido tão insensível ao ponto de se encontrar com seu amante sobre o teto do homem que havia se declarado para ela na noite anterior, mas Collins não se surpreendia mais com a frieza dos modos de Jane. Ele deu um sorriso fraco, pois não tinha como esconder a verdade: o coração dela pertencia a outro, e não havia nada que ele pudesse fazer. 

Emma e Anne se sentiam extremamente culpadas, porque se não fossem por elas, ele não teria visto isso. Se virando para seguir seu caminho, Emma não sabia o que fazer. O seguiria ou apenas o deixaria em paz. Antes que pudesse decidir ele mesmo parou e se curvou para ela:

— Uma pergunta, srta. Dashwood - disse se direcionando à Emma -, isso estava acontecendo há muito tempo?

A garota engoliu seco, ficou nervosa e começou a gaguejar. Teria medo de sua resposta o entristecer ainda mais, mas ela mesmo não sabia qual era a verdade a se disser, não tinha ideia de quando isso começou, a única certeza que tinha era de que Jane nunca havia tido interesse por William Collins. 

— Entendo.

— Espere! - gritou Emma - William, você vai ficar bem?

— Na medida do possível, srta. Dashwood. 

William sumiu de vista, Emma estava preocupada com ele, assim como Anne. A mais nova sugeriu que elas o seguissem para ver onde iria, ou o socorresse se precisasse delas. Ambas deixaram os alimentos que estavam segurando na frente da porta do quarto de Jane, e correram atrás de Sir Collins.

Ele poderia as achar insuportável, mas Emma não se importava à essa altura. Queria se assegurar de que ele não se envolvesse em alguma confusão, assim como Jane havia feito horas antes. Emma esperava que fosse encontrar William se embriagando na adega de vinhos frescos, mas percebeu que o jovem estava indo para a direção da multidão de pessoas no salão principal.

Quando os três entraram juntos, todos os olhares das pessoas se voltaram para eles, a música não estava tocando mais, ninguém estava em pé dançando. 

Emma avistou uma mulher de cabelos ruivos e vestido azul claro se levantando imediatamente e caminho até a direção deles:

— Mas, é como se eu estivesse vendo uma miragem, meu querido William, quanto tempo! - disse ela o abraçando. - Pensei que não o encontraria em seu próprio baile, fiquei assustada.

— Estive em meu escritório, resolvendo assuntos… particulares. É inadmissível um anfitrião sumir assim, por isso, peço perdão a todos os presentes, isso não irá se repetir - declarou Sir Collins em alto tom. Em seguida se voltou para a esbelta ruiva: - Quando fui informado pelo meu criado de que a senhorita havia chegado, tive que descer imediatamente para ver com meus próprios olhos - disse William, dando um beijo naquela mão fina e delicada: - Quanto tempo, Charlotte, como pode desaparecer assim?

— Quem é vivo sempre acaba aparecendo. Não queria o avisar da minha chegada, pois você sabe como amo fazer surpresas, odeio a estabilidade e ver essa sua expressão de espanto vale muito mais que um colar de esmeraldas para mim. Agora, não vai me apresentar as suas companhias?

Emma e Anne, que estavam escondidas atrás de William, deram um passo à frente e fizeram uma reverência. Sir Collins ficou surpreso em perceber que elas haviam seguido ele, mas, tranquilamente, disse o nome das duas e de quem elas eram filhas.

Emma conseguiu perceber uma diferença na expressão de Charlotte quando ela ouviu o sobrenome Dashwood, suas sobrancelhas entregavam um sentimento de dúvida.

— Charlotte, ouvimos muito sobre você enquanto estive aqui em Londres - disse Emma, educadamente. Na verdade, ela só lembrava de ouvir as irmãs Collins repetindo esse nome uma vez ou outra.

Parecia que todos lá estavam quietos prestando atenção na conversa dos quatro. Isso deixou as irmãs Dashwood incomodadas.

— Espero que meu querido William tenha dito coisas boas sobre minha pessoa. 

— Não tem como falar coisas ruins de você, srta. Fairfax - disse William.

— Fairfax? - indagou Anne em alto e bom som: - Charlotte Fairfax?! De verdade? É você?

— Em carne e osso - retrucou Srta. Fairfax, admirando a expressão de surpresa de Anne.

“Senhorita quem?”, pensou Emma. Todos do salão riram do rosto espantado de Anne, era como se ela estivesse diante da própria Mona Lisa. 

— Eu amo seus livros! Já li todos eles e alguns até reli. Nossa, tenho tantas perguntas a fazer que nem sei por onde começar.

Livros? Como assim livros? Charlotte parecia ter a idade da Jane ou, até mesmo, de Emma, era extremamente jovem. Emma poderia dizer que ela era uma das moças mais lindas que ela já havia visto, Charlotte tinha o rosto harmônico, nariz fino, olhos azuis claros e era a primeira mulher ruiva que Emma já tinha visto na vida. Tinha algo no modo dela de falar e andar que esbanjava confiança e poder. Fairfax era um sobrenome único e, se Fitzwilliam foi até Rosings para buscar ela, é porque eles deviam ter coisas para resolver. 

Se Srta. Fairfax morava em Rosings significava que era tão rica quanto Sir Collins. Emma não poderia imaginar como alguém com sua idade já era, além de rica, famosa. Agora, pensando melhor, sabia que já tinha visto seu sobrenome estampado no jornal que seu pai lia, mas nunca se aprofundou.

— É um prazer responder as perguntas dos meus admiradores, mas, Srta. Dashwood, no momento estou contando para todos esses caros presentes na noite de hoje sobre os perrengues de quando fui fazer a divulgação do meu novo livro nas Américas.

Foi aí que Emma percebeu que era por isso que estavam todos os convidados juntos no salão, eles estavam sentados e a música não tocava mais. Era como se ela fosse a rainha da Inglaterra, sendo tratada dessa forma. “Não é possível que ela seja tão especial assim”.

Ela pediu para que alguns dessem espaço no sofá para que William sentasse perto dela. 

— Srta. Emma pode sentar do lado da minha querida Mary e Anne sente perto de mim, aqui do lado do meu primo Gerald.

“Primo?!”. Parecia que aquele encontro com Charlotte iria acontecer uma hora ou outra. Emma sentou muito próximo de Mary Collins, as duas estavam coladas, era extremamente desconfortável.

— Bom, onde eu estava? Ah, sim, a chegada nos portos de São Francisco.

Qualquer coisa que ela falava todos riam e concordavam, estavam encantados com tanta beleza e graciosidade. Emma estava com sono, e não aguentava aquele vestido horrível de Mary, cheio de penas e véus, pinicando sua pele. Em resumo, a história de Charlotte era que os americanos não eram tão civilizados quanto os europeus e ela estava fazendo piada do jeito deles de tentarem ser cordiais.

Emma espirrava por conta das penas de Mary, e, depois, dava alguns bocejos, preferia dançar mil valsas entediantes do que escutar essa história sem graça e agir como se Charlotte fosse uma princesa real. Deveria ter ficado no quarto com Noah e Jane. Não, claro que não, não iria incomodar os seus pombinhos.

— Dá pra parar? - perguntou Mary para ela, em tom de ignorância.

— Parar o quê? - retrucou Emma, com olhar de indiferença.

— De ficar bocejando no meu ouvido o tempo todo!

— Se estiver incomodada, levante e vá sentar em outro lugar, daqui eu não me movo.

Quando pararam de se entreolhar com desgosto, as duas perceberam que todos os presentes estavam as fitando. Emma engoliu seco e logo ficou vermelha.

— Emma está reclamando que sua história está lhe dando sono, Charlotte. Eu disse para ela ser mais respeitosa com os modos.

— O quê? Eu nunca disse isso!

— Tudo bem, Srta. Dashwood - disse Srta. Fairfax calmamente. - Eu confesso que quando começo a me aprofundar nos meus pensamentos, acabo virando uma baita tagarela. O que acham de todos nos organizarmos para uma bela valsa? Sinto falta de dançar aqui em Windsor, como nos velhos tempos, não é meninas? - Emma sentiu pelo seu tom de voz que ela não estava tão alegre quanto demonstrava.

Ela perguntou às irmãs Collins. Amelie e Mary pareciam se sentir mais importantes por serem amigas de uma escritora famosa.

Assim que todos começaram a se arrumar, Emma foi rapidamente na direção de Charlotte para explicar sobre o mal entendido que acabou de acontecer:

— Srta. Fairfax, com licença, eu só queria explicar que em nenhum momento eu disse aquilo que a…

— Já disse que não tem problema, Srta. Dashwood, eu realmente estava precisando de uma desculpa para pedir para todos dançassem, acabou que o “exagero” de Mary foi muito útil. Não se preocupe, eu sei como Mary pode ser… antiquada.

— Ah, que bom, pensei que ficaria com raiva de mim. 

— De modo algum. Bom, mudando de assunto, com quem a senhorita planeja dançar agora?

— Provavelmente o Gerald, seu primo, sabia que ele nunca a mencionou? Fiquei surpresa em saber que são parentes, mas agora percebo que vocês têm os mesmos olhos azul claro - Charlotte riu concordando.

— Bem, senhorita Dashwood, se não fosse incomodo, gostaria de saber se eu poderia dançar a valsa com meu primo - Emma ficou surpresa ao ouvir isso. - Sabe, eu estou há mais de uma semana apreciando a presença de Fitzwilliam, e desde que cheguei aqui nem tive a chance de ter uma conversa decente com Gerald. Seria possível, você me fazer esse pequeno favor?

Era óbvio que Emma iria aceitar, até porque que garota imatura ela seria de ficar com raiva de “emprestar” ele para sua prima. Elas se despediram dando uma referência, mas, agora Emma estava desesperada por não ter um par. 

Imediatamente, pensou em William, já que Anne odiava dançar, ele ficaria livre. Caminhou até ele e  viu segurando as mãos pequenas de sua irmã caçula:

— Anne? Você vai dançar? 

— Ah, eu pensei, por que não tentar? E, Sir Collins, disse que não iria rir de mim errando os passos.

— Não tem problema - Emma percebeu que seu rosto estava corado e que ele estava com cheiro de whisky -, vamos dançar como se hoje fosse a última noite de nossas vidas.

 As duas garotas fizeram uma expressão de dúvida, ele segurou a mão de Anne fortemente e a puxou até a pista com passos tortos. 

Já Emma aceitou sua derrota e se sentou no sofá sozinha, cogitou ir subir para o quarto de Jane, mas queria ver sua irmãzinha dançando valsa pela primeira vez. Perdida nos seus pensamentos de como essa noite havia sido um mar de emoções, ela foi surpreendida por uma mão grande estendida na sua frente.

— Srta. Dashwood, aceita dançar a essa valsa comigo? 

Nem se a cartomante mais aclamada da Inglaterra dissesse para Emma que Fitzwilliam Knightley um dia iria a convidar para dançar, ela acreditaria. Era nítido como ele estava sem graça. 

Emma tinha que escolher entre ficar sentada junto com as velhas viúvas e meninas que ainda não debutaram, observando sua irmã dançar, ou não ser parte deste grupo e usufruir da companhia de um cara que ela não gostava. Ela já o havia recusado dançar com ele uma vez em Meryton,  por isso ele estava com real medo de ser rejeitado de novo.  

Emma juntou todo seu bom senso e segurou sua fria mão, caminhando em direção ao centro do salão, onde todos estavam, ela posicionou as mãos em seu ombro e ele a sua mão em sua cintura. Emma deu um risinho, ele a perguntou o que aconteceu.

— Desculpe, eu estava tentando me controlar - ela disse entre risos -, mas você devia estar muito desesperado para me convidar para dançar com você.

Fitzwilliam ficou desnorteado com tanta sinceridade, era difícil conhecer alguém com tão pouco filtro de palavras do que Emma. Mas, ele passou a admirar a sinceridade. 

— Está errada, eu poderia ter dançado com Amelie ou Mary, mas preferi você, pois, você, pelo menos, não fala sobre tantas besteiras. 

“E, também, está mais bonita do que elas”, pensou Fitzwilliam, que notava que a moça parecia muito mais jovial e encantadora usando aquele vestido lilás que era até simples mas com ela parecia uma roupa de gala desenhada pelo melhor estilista francês da Europa.

— Duvido que seja verdade, você só está fugindo de ter que dançar com aquele pedaço de tecido e penas ambulantes, ficaria espirrando o tempo inteiro, que nem eu fiquei, perto de Mary - Fitzwilliam deu um riso abafado, mas voltou a mantém a postura de sério. Emma mudou de assunto: - Está melhor? Quer dizer, o seu braço está melhor?

— Está, eu fui bem tratado em Rosings, hoje não sinto mais nada. Por sinal, vocês encontraram o Rocky, o temido cavalo rebelde?

Emma estava incrédula, nunca o havia visto falar mais de duas frases, e, realmente com simplicidade, não parecia o mesmo Fitzwilliam de Mansfield Park, mas esse teatrinho não enganava ela, ela sabia do que ele era capaz e de como ele podia ser um poço de maldade. 

— Não encontramos ele - um silêncio se infiltrou entre eles, ela tentou puxar algum assunto: - Mr. Russell me contou que o senhor e a senhorita Fairfax chegaram em Meryton de surpresa, ele me disse que a viagem foi adorável, elogiou a sua presença.

— De Rosings para Londres, Meryton fica no caminho, tive que parar na sua casa para devolver o cavalo e a carruagem que você havia me emprestado, se lembra? - “Faz sentido”, pensou Emma. - Aproveitei e os contei do baile, Mr. Russell demonstrou um interesse imediato de vir conosco. 

— Entendo, enfim, você resolveu o que tinha para resolver em Rosings? O que você queria era encontrar a srta. Fairfax, não é?

 Ela percebeu que ele cruzou seus olhos pelo salão até encontrar Gerald e Charlotte dançando e trocando palavras durante a valsa, voltou sua atenção a morena:

— Pode-se dizer que sim.

— Bom, vocês formam um belo casal. Ela é uma bela dama.

Fitzwilliam encurvou as sobrancelhas, mas preferiu não responder. O ritmo da dança aumentou e eles passaram a andar pelo salão com mais empolgação, ele não esperava perceber que Emma dançava graciosamente bem e ela não esperava que ele fosse agir como uma pessoa decente, mas achou que os assuntos entre eles estavam acabados.

— Pode me dizer se meu irmão se comportou bem, enquanto estive fora? Se ele não se meteu em nenhuma encrenca, não roubou nada ou matou alguém? 

— Acho que ele agiu como um homem que não precisa de uma babá o vigiando como se fosse uma criança - respondeu Emma com acidez, não queria o ouvir citar o nome de Gerald como se não fosse um completo babaca. Fitzwilliam voltou com sua expressão de desgosto que ela já estava acostumada a ver, ela ergueu o queixo e continuou: - Acho que ele até poderia ser mais livre, se tivesse seu próprio dinheiro, mas alguém o proibiu de trabalhar com o que sonha apenas por medo de perder a sua própria marionete particular, que depende de você para viver.

— Pelo visto, vejo que você trocou algumas palavrinhas com meu irmãozinho. 

— Sim, troquei, ele me disse tudo que eu já desconfiava. Então, não ache que estou surpresa com nada que foi revelado sobre o passado.

Fitzwilliam cerrou os lados e deixou de olhar para o belo rosto dela, era como se tivessem voltado no tempo, os dois continuaram a dançar com ainda mais intensidade do que antes, movidos pela raiva. Na última passada do arco pelas cordas dos violinos os dois terminaram juntos, ficando cara a cara, suspirando fundo pelo cansaço. 

— Foi um prazer vê-lo, Mr. Knightley - disse Emma fazendo uma reverência de despedida, para manter a educação que ele tanto dizia que ela não tinha.

— Digo o mesmo, srta. Dashwood - ele retribuiu a reverência e quando ela se distanciou, ele segurou delicadamente seu pulso fino, se aproximou sussurrando em seu ouvido: - Não se esqueça, a confiança do ingênuo é a arma mais útil de um mentiroso.

Quando ela se virou, ele já havia desaparecido na multidão de pessoas. 



 

Descendo as escadas, atravessando os diversos empregados que limpavam Windsor da bagunça que sobrou do baile da noite anterior, Emma caminhava até a sala de refeição, não esperava que fosse ver aquele caminho pela última vez naquele dia, esperava que fosse ficar em Londres por pelo menos dois meses, mas seus planos foram interrompidos pelo pedaço de papel que acabará de ser entregue em suas mãos. 

Entrando na sala, ela percebeu que a carta que recebeu havia sido enviada pelo seu pai, não ficou surpresa, pois eles continuavam mantendo um bom correio de mensagens, ele contando sobre as coisas que estava fazendo e ela contando sobre como Windsor é incrível. Sentou-se ao lado de Anne, e preparou sua comida.  Naquela mesa estavam presentes: Fitzwilliam, Gerald, Noah e Charlotte Fairfax.

 Jane ainda estava no quarto descansando. Preferiram levar a comida para ela, pois Mr. Russell disse que ela ainda estava tonta e, agora de manhã, começou a ressaca verdadeira, onde Jane não parava de ameaçar vomitar.

  Emma se perguntou onde William estava. Pareceu que a srta. Fairfax tinha lido seus pensamentos, pois ela disse nesse mesmo momento para os irmãos Knightley:

— Fico impressionada em como vocês três não mudam nunca. Eu cheguei ontem, e ele some assim. Não passei mais de doze horas aqui e William já está fazendo falta. 

— Ele deve estar resolvendo coisas de trabalho - respondeu Gerald tomando um gole de chá, Emma ficou surpresa ao o ouvir falar alguma coisa, parecia mais calado desde que Emma se recusou a dançar com ele e o fez acompanhar Mary Collins até a pista.

Todos estavam cansados, com a clássica exaustão pós baile. Anne começou a pedir para que Emma lesse logo a carta do seu pai. Emma cedeu e abriu o envelope como se não fosse nada, quando passou a perceber que o que estava escrito era sério, ela se levantou imediatamente da mesa e passou a reler a carta em pé. Todos ficaram confusos e perguntaram se algo ruim teria acontecido em Meryton, para que ela ficasse assim, mas, logo, a aflição foi interrompida pelos gritinhos de felicidade que a jovem deu:

— Anne, arrume suas malas! Noah, você também! Vamos voltar para Meryton, agora! - ela disse em tom de animação, sem se importar se estava sendo deselegante.

 Os presentes na mesa perguntaram o que estava acontecendo, menos Fitzwilliam. Ela se virou para todos segurando o papel como se fosse uma preciosidade:

— É essa semana. Levantem vocês dois, agora! Eu explico no caminho - respondeu Emma, com a face rosada e voz em tom de euforia.


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Notas finais do capítulo

:)



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