Forget me not escrita por Lua Chan


Capítulo 3
Capítulo 02




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ELA VESTIA AMARELO NAQUELA manhã. Não eram tons sutis de mostarda ou elegantes como um amarelo-queimado que Julie vira um dia na vitrine de sua loja preferida. Não. Eram cores que gritavam desespero e imaculavam a estética do visual da extravagante mulher, das orelhas – com enormes argolas amarelo-neon – aos pés – com o que pareciam ser coturnos surrados graças ao tempo de uso. Rachel Agapov Vuska costumava ser impecável, mas hoje não estava tendo um de seus melhores dias.

Não era apenas uma opinião. Julie precisou de 2 longos meses para interpretar a personalidade caricata de sua nova agente, além de mais algumas semanas para se adaptar a seus gostos. Rachel adorava estar minimamente apresentável para as manhãs com seus cabelos castanhos presos em um coque alto desfiado, saltos flare cuja palheta de cores Julie decorara em pouco tempo e óculos escuros que custavam pelo menos 10 mesadas. Raramente nos seus melhores dias a jovem agente trazia notícias ruins como um cancelamento de show ou alguma reclamação sobre um reembolso mal sucedido.

Nos piores dias, como hoje, Rachel era um verdadeiro caos.

Por isso Julie, Alex e Reggie se prepararam para o pior – principalmente quando a Molina a viu nos últimos assentos da cafeteria onde haviam combinado de se encontrarem. Rachel estaria quase irreconhecível se Julie não houvesse reparado nos óculos caros e a postura de alguém que estava se esforçando bastante para ter um bom dia. A garota sentiu os dois fantasmas safanarem para ela se apressar e falar logo com a agente. Mesmo com o coração na mão ela o fez, sentando na primeira cadeira que encontrou.

— 28 minutos hoje, não é? — Rachel abriu um sorriso amarelo, os ombros caídos quase que desabando na mesa — Sabe... na próxima vez pode acontecer uma catástrofe num meio-tempo como esse, talvez um assalto ou Trevor Wilson pisando no meu pé e me implorando pra divulgar o trabalho da pentelha dele. Por favor, querida, não se atrase de novo.

Ótimo. Era o primeiro passo do dia e ela já havia vacilado com a caçadora de talentos. Julie olha para o balcão logo ao lado dela, onde Reggie estava sentado e Alex se apoiava, agitado como sua natureza o permitia ser. Ambos fizeram um joinha com a mão como um gesto de confiança.

— Desculpe. Tive uns problemas, uhm, me conectando com os garotos pra fazer uma reunião. Sabe como é essa coisa de wi-fi, sempre falhando quando a gente mais precisa.

— Esse era o segundo ponto que eu gostaria de falar com você hoje, mas preciso ser direta ao que realmente importa. — ela prossegue, derrubando quantidades nada moderadas de adoçante em sua bebida (era mesmo café?) — O show beneficente de amanhã no Redlands Bowl? Bem... não vai rolar.

Julie sente-se engasgar com a própria saliva, mas consegue se recompor com uma tosse exagerada. O show cancelado? Então Rachel estava dizendo que a primeira apresentação que ela e os garotos conseguiram depois de escassas semanas sem portas abertas para uma banda em ascensão não iria acontecer? As novas músicas que compôs nesse tempo teriam sido em vão?

— Espera... como assim? — foi a única coisa que sua mente processou — Você disse que já falou com os locadores sobre o dinheiro. Eu- ... a gente não liga pra isso. Droga, é um show beneficente!

— Eu entendo, Molly. — disse ela, referindo-se ao apelido que antes fora estranho para Julie — Mas não é sobre isso. Aparentemente uma outra banda idiota assinou um contrato mais cedo. Fiquei que nem uma barata tonta ontem, tentando conseguir seu direito de apresentar, afinal, que eu lembre, não tinha ninguém locado pro dia.

— Eu lembro disso. Eu também me certifiquei que seríamos os únicos.

Como em um impulso, a jovem agente puxou algo que parecia pesado no colo e o atirou sobre a mesa. Julie ficou assustada quando viu o bolo de papéis que pareciam não ter fim. Arquivos tão densos que Julie notara rapidamente post-its em colorações diversas, provavelmente para ordenar e não se perder em tantas informações.

Rachel eleva a xícara com a bebida, mas para no meio do caminho. "Ficou frio", Julie a ouviu murmurejar para o ar, mas não teceu comentários. Apenas observou enquanto a mulher folheava algumas páginas até encontrar uma que pescou seu interesse. Ela a leva para Julie com convicção.

— Aqui está o contrato para o show. — Rachel aponta para um lugar na lateral da folha, onde um marca-texto laranja neon havia grifado uma frase extensa — Esse é o dia que reservei pra você e os meninos. "Sob a regência e admissão dos contratantes, a banda JULIE AND THE PHANTOMS terá sua reserva livre para o dia 12 de março, sendo apenas reversível em: imprevistos temporais, descumprimento das regras contratuais, atrasos ou outras eventualidades inadmissíveis".

— Não tem nada que a gente tenha feito de errado.

— Exato! — Rachel se exalta, dando uma leve batida na mesa. Uma das folhas quase cai no processo.

Os óculos escuros evitam Julie de ler a expressão de desgosto em seus olhos, mas pôde observar duas bolsas escuras sob cada um. Rachel tinha se esforçado por ela, como mencionado. Não havia nada que pudesse fazer para mudar aquilo.

— Sinto muito. Diria que os caras fizeram isso de propósito, mas estaria sendo tão babaca quanto eles por não conhecê-los. Eu nunca sequer ouvi alguma demo deles. Agora meu maior desejo é que fracassem e mijem nas calças no meio do show.

— Wow, o espírito "anti-babaca" voou pra longe.

Rachel suspira.

— Só estou tendo um dia ruim, caso não notou. — Julie solta um "nem um pouco" em respeito a dignidade que sua agente ainda possuía — Enfim... sugiro resolver logo o problema com o wi-fi e avisar pra seus garotos que sua máquina de hologramas não vai ligar tão cedo.

Mas Alex e Reggie ouviram muito bem e ainda de primeira mão. Mesmo que disfarçasse com pouca necessidade, Julie os fitou no bar, cabisbaixos. Pareciam ter perdido completamente a esperança, quase como nos primeiros meses após o sumiço de Luke. Nunca tinha desejado tanto que eles estivessem longe dela para evitarem o impacto que seria o "nós fracassamos". Nenhum deles – ela incluso – merecia isso.

Julie sente o coração palpitar – talvez num misto de culpa e frustração – e logo repousa delicamente a mão sobre o antebraço da agente, que ainda evitava fitá-la nos olhos. Provavelmente esperava dar-lhe notícias melhores ou conselhos sobre autoconfiança quando estivesse num palco maior como o do Redlands Bowl. Mas Julie compreendia que nem sempre as coisas pendiam para o seu lado e ela precisava estar forte para aceitar o "não".

— Vai dar certo na próxima. — sussurrou, forçando um sorriso miúdo que não era seu. Ela precisava — Obrigada, Rachel.

A agente não pôde evitar um sorriso. De certa forma, aquilo havia acalmado uma pequena parte das suas preocupações do dia. Ela retribui dando um leve aperto na mão da garota que certo dia roubara sua atenção cantando no prestigiado Orpheum – ela consegue saborear a memória do dia ao fechar os olhos.

— Vou procurar outros lugares pra Julie and the Phantoms se apresentar. Prometo que você e os garotos estarão nos melhores cartazes de Hollywood algum dia. Ah, e Molly, sobre a segunda coisa que eu queria falar com você...

— Sim?

— Você tem que me ensinar como funciona essa coisa de holograma.

                                           . . .

 

Ele vestia preto naquela manhã. Não eram detalhes sutis como apenas numa bota ou calças jeans puídas, as quais costumava usar quando estava vivo. Não. Estavam em toda a composição de seu vestuário, da cabeça – com um lápis de olho ridículo que fora obrigado a usar – aos pés – com botas de couro que jamais se imaginaria usando em anos.

Ele odiava aquilo.

Não só porque o fazia parecer como o manequim de uma loja famosa para motoqueiros. Não só porque o fazia lembrar de Reggie e suas jaquetas terrivelmente quentes e um pouco grosseiras demais para o nível de rock da Sunset Curve.

Não.

Luke odiava o fato de não ter outra escolha. De ser mentalmente carimbado como uma peça valiosa de um museu, cujo dono teria sérios problemas. Não havia outra maneira de sair daquilo senão obedecer o homem que agora pertencia sua alma, assim como parte de seu coração – eis uma coisa que não conseguiu entender muito bem durante os 6 cansativos meses nas mãos do Mestre Fantasma.

O símbolo preto no formato de uma seta sobre seu coração selava a situação conturbada em que se metera desde então. A que o mantinha longe dos garotos e os sonhos que a banda almejava conseguir no futuro. Embora estivesse esgotado por meses e à beira de esquecer quem ele costumava ser quando ainda podia apreciar a presença de seus melhores amigos, Luke sabia que precisaria lutar pela sua liberdade.

Ele precisava tentar fugir de novo.


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